RECESSÃO GENGIVAL ASSOCIADA À LESÃO NÃO CARIOSA – RELATO DE CASO

GINGIVAL RECESSION ASSOCIATED WITH NON-CARIOUS LESION – CASE REPORT

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10080971


Marciele Gomes Dos Santos
Christybell Liamara Constantino
Daniele Paraguassu Fagundes de Souza
Ana Gabriela Reis Arouca


RESUMO 

O presente trabalho relatará o caso de uma paciente adulta que apresenta recessão marginal gengival e exposição de cemento em múltiplos elementos superiores e inferiores devido à ausência de elementos e maloclusão dental, sendo apresentado à paciente a seguinte combinação terapêutica: recobrimento das exposições de cemento com resina composta e elevação da margem gengival por enxerto autógeno. O objetivo deste artigo é relatar um caso clínico de recessão gengival Classe III de Miller lançando mão de técnicas restauradoras minimamente invasivas e intervenções cirúrgicas de enxerto gengival de tecido livre para ganho de mucosa ceratinizada. Os principais aspectos que envolvem a metodologia do trabalho tem finalidade aplicada ao campo de especialidade periodontal, com natureza descritiva de um caso de recessão gengival Classe III de Miller com fontes de embasamento bibliográfico em artigos acessados através das plataformas: Scielo, PubMed e Medline, sendo incluídas estudos do tipo caso clínico, pesquisa clínica e levantamentos epidemiológicos. 

Palavras-chave: Enxerto autógeno. Periodontia. Recessão gengival. Recobrimento radicular.

SUMMARY

The present study reports a case of an adult patient with gingival marginal recession and cementum exposure in multiple upper and lower teeth due to tooth loss and dental malocclusion. The patient was presented with the following therapeutic combination: coverage of cementum exposures with composite resin and elevation of the gingival margin through autogenous grafting. The objective of this article is to report a clinical case of Miller Class III gingival recession, employing minimally invasive restorative techniques and surgical interventions with free gingival tissue graft for keratinized mucosa gain. The methodology of this work is focused on the periodontal specialty, with a descriptive nature of a Miller Class III gingival recession case, supported by literature obtained from articles accessed through platforms such as Scielo, PubMed, and Medline, including case reports, clinical research, and epidemiological surveys.

Keywords: Autogenous graft. Periodontics. Gingival recession. Root coverage.

1 INTRODUÇÃO

As recessões gengivais são definidas como um deslocamento apical da margem gengival com a exposição da superfície radicular ao meio oral (Carranza et al., 2012). As recessões gengivais são manifestações que necessitam de atenção e cuidados já que afetam a estética, função (hipersensibilidade) e facilitam a aparição de lesões cariosas (já que favorecem o acúmulo de biofilme dental) e doença periodontal (Lindhe et al., 2010;).Possui origem multifatorial, dependente de fatores locais, comportamentais, variáveis anatômicas (base óssea, diâmetro da raiz dental, qualidade e quantidade dos tecidos gengivais) e plano oclusal (Ribeiro et al., 2015).

De acordo com Shaw et al (1985) pacientes que possuem incisivos regulares e alinhados geralmente são classificados como mais amigáveis, populares, inteligentes e com maiores chances de conseguir um emprego do que indivíduos que apresentam desarmonia nesses elementos.  Nessa linha, a pesquisa de Parrini et al (2016) destaca alguns parâmetros para leigos, que quando confrontados com imagens referentes a diversos padrões que influenciam a aparência do sorriso, demonstraram aceitação de variações estéticas dentro das seguintes dimensões: diastema de 0-2mm, discrepância da linha média de 0-3mm. A exigência estética por parte dos pacientes tem aumentado e devido a evolução tecnológica dos materiais e métodos clínicos, que permite que essa demanda seja atendida com maior facilidade e eficiência.

2 METODOLOGIA

Para formar o embasamento teórico do presente trabalho foram coletados artigos inscritos sob as palavras-chave recessão gengival, periodontia, enxerto gengival, enxerto gengival livre, enxerto autógeno e elevação marginal nas plataformas científicas PubMed, Medline e Scie-Lo.

Os Artigos adquiridos foram então estudados para que a conduta operatória do achado clínico fosse traçada com embasamento em técnicas com relatos de sucesso por repetição e que apresentassem uma boa metodologia em suas etapas cirúrgicas e com apresentação de proservação do paciente após intervenção.

O presente trabalho foi submetido e aprovado no comitê de ética (parecer: 6.424.144). 

3 RELATO DE CASO

Paciente do gênero feminino, 51 anos de idade, boa saúde geral, apresentou-se para atendimento em com queixa de recessão gengival nos elementos dentários 22 e 23. Ao exame clínico bucal constatou-se a presença de uma recessão gengival de 2mm no elemento 22 e 4mm no elemento 23, classe III de Miller, nas faces vestibulares dos respectivos dentes (figura 01). Os mesmos apresentavam 2mm de profundidade de bolsa à sondagem. Além disso, o dente 23 apresentava extrusão dentária e trauma oclusal. Baseando-se nos dados clínicos da paciente, diagnosticou-se que a recessão gengival foi causada provavelmente pela associação de um biótipo periodontal delgado, trauma oclusal e uso de prótese parcial removível com grampo de apoio dental na face vestibular do elemento 23. 

Figura 01

Na primeira consulta foi realizada a raspagem e alisamento radicular supra e subgengival, profilaxia com evidenciador de placa e orientação de higiene bucal com escova macia e uso de fio dental. O plano de tratamento proposto foi um enxerto gengival livre autógeno para aumento da faixa de gengiva ceratinizada e recobrimento radicular na região vestibular referente aos dentes envolvidos. 

Depois de 14 dias, foi realizada a cirurgia. A intervenção foi iniciada com a técnica anestésica de bloqueio do nervo naso-palatino e aplicações infiltrativas locais, procedeu-se para a etapa de remoção do enxerto de epitélio conjuntivo onde, com o auxílio de uma lâmina 15C, foi feito um retalho de espessura parcial a partir da distal do dente 25 até a mesial do elemento 27 (figura 01), em formato retangular, seguido por uma remoção do tecido epitelial, obtendo-se um gengival livre de tecido conjuntivo. 

Figura 01. 

A extensão do enxerto removido foi determinada pelas dimensões da área receptora. Posteriormente a área doara foi suturada de forma a coaptar os bordos cirúrgicos em dois pontos “x” consecutivos.

Figuras 02 e 03.

 O leito receptor foi preparado com um afastador micro molt com dissector black (Mpolachini) e com o kit de tunelizadores (Mpolachini), afastando toda a faixa de gengiva inserida na face vestibular dos elementos 21, 22 e 23 preservando a integridade das papilas proximais entre os três elementos contribuindo para o ganho vertical após instalação do enxerto. 

Figura 04 e 05.

O enxerto gengival livre foi cuidadosamente preparado para ser acomodado no leito receptor e estabilizado por meio de suturas com fio de nylon 5.0 (Shalon, Shalon Fios Cirúrgicos LTDA. São Luís de Montes Belos/GO, Brasil). 

Figura 06 e 07.

O enxerto foi introduzido no túnel gengival com auxílio de um fio de sutura pela técnica de ponto em cochoeiro vertical, que possibilitou o deslize do tecido de forma controlada, facilitando sua posterior fixação à borda coronária dos dentes envolvidos.  

Figura 08 e 09.

Esta foi orientada a tomar amoxicilina 500 mg (uma cápsula de oito em oito horas, por sete dias) e dipirona sódica 500 mg (um comprimido a cada seis horas, por três dias). O controle clínico da paciente foi realizado após 21 e 103 dias (Figuras).

Figura 10 e 11.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Um estudo desenvolvido por Löe et al (1992) avaliou a ocorrência de recessão gengival em indivíduos noruegueses e cingaleses em um estudo longitudinal. A equipe norueguesa é formada por voluntários que recebem tratamento odontológico regular e escovam os dentes diariamente. Nesta população, a recessão gengival é encontrada nas superfícies vestibulares em mais de 60% dos indivíduos com mais de 20 anos e em mais de 90% dos indivíduos com mais de 50 anos. O grupo do Sri Lanka consistia em produtores de chá cuja saúde geral e estado nutricional eram satisfatórios, mas não tinham acesso a métodos de controle de biofilme e tratamentos dentários. Antes dos 20 anos, mais de 30% das pessoas apresentam retração gengival e, aos 40 anos, 100% das pessoas apresentam retração gengival. Os resultados deste estudo confirmaram que o trauma mecânico da escovação e o acúmulo de biofilme foram os responsáveis pelo declínio.

Já o Estudo desenvolvido por Freedman et al. (1999) foram monitorados 39 voluntários por 10 anos para placa e índice gengival, sondando profundidade e largura da zona gengival queratinizada circundada por 112 áreas de insuficiência gengival queratinizada. Após 18 anos, 61 sites com 17 participantes foram reavaliados. Os resultados mostraram que a faixa de tecido queratinizado aumentou em 19 locais, permaneceu estável em 35 locais e diminuiu em 7 locais. Concluiu-se que áreas com pequena quantidade de tecido queratinizado permaneceram estáveis por muito tempo na ausência de inflamação gengival.

Uma das formas de tratamento funcional e estético para a correção das recessões gengivais é por meio de um enxerto gengival (Zucchell et al, 2014). Para o adequado sucesso do tratamento cirúrgico é essencial a eliminação do fator etiológico causador da recessão gengival, sejam eles trauma gengival ou da mucosa alveolar, alterações da papila, ou perda de altura dos tecidos moles (Rodrigues et al., 2010).

O enxerto gengival livre representa uma das principais técnicas cirúrgicas para aumento da faixa de tecido ceratinizado, aprofundamento de vestíbulo e eliminação da inserção de frênulos e bridas, demonstrando ser um procedimento previsível para o tratamento dessas condições. (Miller, 1996).

Miller (2018) organiza de forma sistemática uma categorização de lesões que apresentem raízes desnudas e um guia de previsibilidade do resultado pós-operatório da cobertura radicular onde a Classe III, pertinente ao caso analisado neste trabalho, é detalhado como uma recessão da margem gengival se estende até ou além da junção mucogengival, onde há perda de tecido ósseo e mole na região interdental e podendo também ser observado um mal posicionamento dentário. A elevação da margem gengival pode ser obtida através do posicionamento de enxerto gengival livre utilizando a técnica de fixação por túneis, sem o rompimento das papilas circundantes.  

Sobre as técnicas cirúrgicas deste procedimento Raetzk et al (1985) propõe o recobrimento radicular usando técnicas de envelope. Doze locais de recessão gengival foram selecionados em 10 pacientes com idade entre 16 e 39 anos. Um retalho parcial é feito ao redor do defeito com o objetivo de eliminar a incisão horizontal e a frouxidão vertical. Um enxerto de tecido conjuntivo semilunar obtido da região palatina foi fixado com cianoacrilato. Os resultados obtidos mostraram sucesso em 80% dos casos após 8 meses. As raízes de 5 casos estavam totalmente cobertas, e todas apresentavam aumento da gengiva queratinizada. Essa técnica não permite o reposicionamento coronal do retalho sobre o enxerto, porém reduz o trauma cirúrgico e é indicada para recessões gengivais pequenas e isoladas.

Já Nelson et al (1987) descreve o uso de enxertos de tecido conjuntivo subepitelial e retalhos de pele de espessura total sobrepostos coronalmente ou lateralmente avançados para tratar a recessão gengival. Essa técnica foi proposta quando a faixa gengival queratinizada é fina e o prognóstico do recobrimento radicular com enxertos gengivais livres é desfavorável. O procedimento foi realizado em 29 pites, divididos em 6 pites variando de 1 a 3 mm, 3 pites de 4 a 6 mm e 20 pites de 7 a 10 mm. Um estudo de acompanhamento de 42 meses mostrou cobertura radicular média de 100% em recessões rasas, 92% em recessões moderadas e 88% em recessões profundas.

Langer (1994, apud Venturim et al 2011) descreve os erros mais comuns que levam à falha do enxerto de tecido conjuntivo podem ser enfatizados devido a suprimento sanguíneo insuficiente, perfuração do retalho, enxerto de tamanho ou espessura insuficiente, colocação inadequada do retalho coronal, falta de tecido ósseo na região interproximal, falta de tecido gengival, fechamento adequado do suprimento sanguíneo e presença de leitos receptores inadequados. Cobertura, dissecção horizontal apical da junção esmalte-cimento, má colocação do enxerto de tecido conjuntivo, má preparação radicular.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluiu-se que a técnica empregada neste relato clínico foi efetiva para promover o aumento de tecido gengival ceratinizado em uma parte da área exposta, resultando em melhorias na saúde periodontal e na eficácia dos métodos de higiene adotados pelo paciente.

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