RANGIDOS NA INFÂNCIA: O BRUXISMO E SEU IMPACTO NA ODONTOPEDIATRIA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202505310933


Juliana de Oliveira Cândido
Luccas Figueiredo Silva
Victor Hugo dos Anjos Silva
Orientador(a): Brunna Gomes Velloso De Araujo


Resumo 

O bruxismo constitui uma atividade parafuncional do sistema estomatognático de etiologia multifatorial e elevada prevalência, podendo acarretar impactos negativos significativos à saúde bucal. Muito se fala sobre o bruxismo em adultos, porém as consequências que esse problema pode causar em crianças é ainda mais agravante. Nesta revisão de literatura abordaremos especificamente o bruxismo infantil e a resolução desse problema que necessita de estratégias que garantam a saúde bucal, psicológica e sistêmica. Evidências apontam que diversos fatores podem desencadear o bruxismo, como estresse, ansiedade e fatores hereditários. Esse comportamento muitas vezes é uma resposta de evasão, já que a cavidade bucal possui um forte potencial afetivo. As consequências do bruxismo incluem sobrecarga na articulação temporomandibular, trincamento de elementos dentários, ocorrendo desgaste considerável na oclusão dos dentes, o que pode resultar em sensibilidade dentária. 

Considerando que existem diversos fatores que contribuem para o desencadeamento do bruxismo, é necessário um tratamento multidisciplinar, que permita o melhor acesso à manutenção da saúde bucal, física e psicológica da criança. Assim, a abordagem utilizada no tratamento é crucial para a preservação tanto da saúde bucal quanto da saúde geral infantil. 

Palavras chaves: tratamento multidisciplinar, estresse e ansiedade, bruxismo infantil. 

Abstract

Bruxism is a parafunctional activity of the stomatognathic system, with a multifactorial etiology and high prevalence, potentially leading to significant negative impacts on oral health. While much has been discussed about bruxism in adults, the consequences of this condition in children can be even more concerning. This literature review specifically addresses pediatric bruxism and the resolution of this issue, which requires strategies that ensure oral, psychological, and systemic health. Evidence suggests that several factors can trigger bruxism, including stress, anxiety, and hereditary factors. This behavior is often a form of avoidance response, as the oral cavity has strong emotional significance. The consequences of bruxism include overload of the temporomandibular joint, cracking of dental elements, and considerable wear of the dental occlusion, which can result in tooth sensitivity.  

Considering that there are several factors contributing to the onset of bruxism, a multidisciplinary treatment is necessary to ensure better access to the maintenance of the child’s oral, physical, and psychological health. Thus, the approach used in treatment is crucial for the preservation of both oral and overall health in children. 

Keywords:multidisciplinary treatment, stress and anxiety, childhood bruxism.

1 INTRODUÇÃO 

O bruxismo é uma condição caracterizada pelo ato involuntário de ranger ou apertar os dentes, que pode ocorrer tanto durante o sono quanto em vigília. Embora seja frequentemente associado a adultos, o bruxismo também é prevalente em crianças, podendo se manifestar de diferentes formas de acordo com a idade e tem despertado atenção crescente na Odontopediatria devido às suas potenciais repercussões na saúde bucal e no bem-estar geral da criança. O hábito pode estar associado com atividades como morder objetos, travar os dentes, apresentando uma série de desafios específicos para a odontopediatria.  

A etiologia deste distúrbio infantil é considerada multifatorial e ainda não completamente elucidada, envolvendo fatores emocionais, como estresse e ansiedade; neurológicos, como distúrbios do sono; além de possíveis relações com hábitos parafuncionais e condições sistêmicas. O diagnóstico precoce, aliado ao monitoramento clínico e à orientação dos responsáveis, é essencial para evitar prejuízos funcionais e estruturais no desenvolvimento oral da criança. 10  

É importante saber diferenciar o bruxismo noturno, que acontece durante o sono, e bruxismo diurno, que ocorre quando a pessoa está acordada. Durante o bruxismo diurno, a pessoa pode apertar ou ranger dentes silenciosamente, podendo associar esse hábito a outras ações. O bruxismo noturno, por sua vez, envolve contrações musculares inconscientes que podem gerar sons audíveis. Classificado como uma parassonia, o bruxismo pode resultar em várias complicações tanto orais quanto dentais para o indivíduo. Os efeitos do bruxismo vão depender de fatores como a intensidade, a localização dos dentes e as relações mandibulares. Além disso, o hábito pode levar à fadiga muscular, provocando irritabilidade devido ao acúmulo de ácido lático 7. Tendo em vista o desgaste dentário, dores nas articulações (ATM), distúrbio do sono, considera-se o impacto negativo na vida da criança afetada. A intervenção multidisciplinar pode promover a melhora do bem-estar do paciente pediátrico. 12 

O objetivo deste trabalho é realizar uma revisão da literatura sobre o bruxismo infantil, abordando seus possíveis fatores etiológicos, impactos na saúde bucal e geral da criança, além das principais estratégias de diagnóstico e tratamento. A pesquisa busca reunir e analisar estudos científicos que contribuam para uma compreensão mais aprofundada do tema, permitindo identificar padrões, tendências e avanços no manejo clínico do bruxismo na infância. Dessa forma, espera-se que este trabalho forneça subsídios para profissionais da área da saúde e educação no desenvolvimento de abordagens preventivas e terapêuticas eficazes. 10 

2 Revisão de Literatura 

2.1 – Etiologia do bruxismo 

O bruxismo é um hábito parafuncional que se caracteriza pelo apertamento ou ranger dos dentes de forma contínua, repetitiva, não funcional e involuntária. Também é chamado de “briquismo” e foi descrito pela primeira vez como “bruxomania” por Marie & Pietkiewkz em 1907, sendo mais tarde renomeado como “bruxismo” por Frohman, em 1931. 12 

De acordo com Alves (1993), esse hábito pode causar alterações cérvicoincisais ou cérvico-oclusais, e pode ocorrer tanto na dentição decídua quanto na permanente. 12 O bruxismo é uma atividade rítmica, provocada por espasmos repetidos da musculatura do sistema estomatognático. 8  

A etiologia do bruxismo infantil é complexa e multifatorial, envolvendo fatores psicológicos, fisiológicos, neurológicos e odontológicos. Estudos apontam que estresse, ansiedade, conflitos familiares e alterações emocionais estão entre os principais fatores desencadeantes. Outros fatores incluem má oclusão, apneia do sono, refluxo gastroesofágico, uso de medicamentos e alterações neurológicas. 

A presença de hábitos parafuncionais, como roer unhas ou chupar dedo, também pode estar associada ao bruxismo.11   

Um ponto importante é que, especialmente em crianças, o fator emocional tem ganhado destaque como possível desencadeador do bruxismo. Muitos estudos mostram uma relação direta entre o distúrbio e situações como ansiedade, medo, conflitos familiares, provas escolares ou até mesmo atividades como esportes muito competitivos. Ou seja, o emocional pode influenciar bastante no surgimento e na intensidade desse hábito. 8 

A divisão pode ser distribuída em fatores:  

  • Fatores psicológicos: estresse e ansiedade; 
  • Fatores ocupacionais: prática de esportes de competição; 
  • Fatores hereditários: predisposição genética; 

 Além disso, o bruxismo pode ser uma resposta de escape, ou seja, o corpo reagindo a frustrações emocionais, como se fosse uma válvula de alívio diante das tensões internas. 8 

De acordo com Batista (2014), a incidência do bruxismo em crianças pode variar bastante, indo de 5% a até 81%. Já Rios et al. (2018) mostraram que cerca de 82,76% das crianças com bruxismo apresentavam algum tipo de problema emocional ou comportamental, o que aponta para a necessidade de acompanhamento psicológico nesses casos. Diniz et al. (2009) também observaram uma prevalência alta: 43% em crianças de dois a três anos, 35% entre quatro e cinco anos, e 34% entre dez e onze anos. A maioria dessas crianças demonstrava comportamento hiperativo ou ansioso, e os autores ainda destacaram que a prevalência tende a aumentar conforme a idade. 10 

Cada paciente deve ser analisado de maneira individual e abordado de acordo com os fatores associados, para que assim possa evitar futuras complicações. O tratamento escolhido para essas crianças deve ser sempre conservador, de maneira que não afete no padrão de desenvolvimento infantil. 3 

2.2 – Bruxismo diurno x bruxismo noturno 

O bruxismo é o nome dado ao hábito de apertar ou ranger os dentes com bastante força, podendo ocorrer tanto durante o dia quanto à noite. Esses movimentos geralmente são involuntários. Quando o bruxismo acontece enquanto a pessoa está dormindo, ele é chamado bruxismo do sono (BS). Já quando ocorre durante o dia, é conhecido como bruxismo da vigília (BV). 10 

 No bruxismo diurno, a pessoa pode apertar ou ranger os dentes de maneira silenciosa, às vezes até consciente do hábito, mas muitas vezes sem perceber. Esse tipo de bruxismo costuma estar associado a comportamentos como morder objetos, bochechas ou lábios. 12  

Por outro lado, o bruxismo noturno, se caracteriza por contrações musculares rítmicas e pode causar sons como estalos, rangidos ou batidas com os dentes. Esse tipo de bruxismo é classificado como uma parassonia, distúrbios do sono que envolvem movimentos involuntários, e pode estar relacionado a outros comportamentos noturnos, como sonambulismo, enurese (incapacidade de conter micção), falar dormindo ou salivação excessiva. 12  

Acredita-se que o bruxismo ocorra principalmente na fase REM do sono (fase em que a atividade cerebral é mais intensa), que se repete a cada 1 hora e 30 minutos, com duração de 5 a 20 minutos. Essa fase do sono está associada à ocorrência de sonhos e à evocação de memórias e experiências desagradáveis. 8  

Por sua vez, o ato de apertar os dentes, conhecido como apertamento, é mais comum durante o dia. Embora não produza ruídos, é considerado mais prejudicial, pois envolve forças mais constantes e pode causar danos maiores aos tecidos de suporte dos dentes. Um estudo apontou que crianças com o hábito de usar chupeta têm sete vezes mais chances de desenvolver bruxismo, embora outros estudos não confirmem essa associação. 8 

2.3 – Prevalência do bruxismo 

 De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 30% da população mundial é afetada pelo bruxismo. No Brasil, essa porcentagem é ainda mais elevada, podendo chegar a 40%. A prevalência é mais significativa durante a infância, acometendo cerca de 49% das crianças, e tende a diminuir com o passar dos anos, variando entre 1% e 15% na população adulta. 15 

Esses dados reforçam a importância de uma atenção especial ao bruxismo infantil, especialmente ao considerar o impacto que a pandemia da Covid-19 teve sobre a saúde mental e emocional das crianças. O isolamento social, junto com as mudanças bruscas na rotina, aumentou os níveis de ansiedade tanto em adultos quanto em crianças, além de ter aumentado o uso de dispositivos eletrônicos. 14 No caso do público infantil, esse excesso de tempo em frente às telas compromete o desenvolvimento da autorregulação emocional, o que pode contribuir para o surgimento ou agravamento do bruxismo. 14 

Um estudo, recente investigou os efeitos da pandemia em crianças e identificou uma associação entre o bruxismo do sono e outras parafunções. Crianças que demonstram comportamentos como morder objetos (ex.: lápis, canetas) ou que já apresentam bruxismo durante o dia (bruxismo em vigília) são mais propensas a desenvolver o bruxismo noturno. 14 

Além disso, estudos apontam uma forte correlação entre o aumento do uso de telas, especialmente durante o período pandêmico, e a piora na qualidade do sono, o que pode estar diretamente relacionado ao desenvolvimento do bruxismo. 14 

Outros fatores, como o uso prolongado da chupeta, também devem ser considerados. Esse hábito pode aumentar em até cinco vezes a chance de uma criança desenvolver bruxismo. 14 Aspectos genéticos também são relevantes: o bruxismo infantil pode estar ligado a uma herança autossômica dominante, sendo o sexo masculino um possível fator de risco. A faixa etária entre 5 e 7 anos, bem como entre 11 e 12 anos, também aparece com maior incidência nos estudos. 14 

Fatores ambientais e comportamentais, como sono agitado, presença de luz ou ruído no ambiente durante a noite, dormir com a televisão ligada ou ter um tempo de sono inferior a 8 horas, também são considerados agravantes. Além disso, há evidências de que crianças com apneia do sono podem apresentar bruxismo como resultado do sono debilitado. 14  

2.4 – Sinais e sintomas 

As consequências do bruxismo infantil podem variar conforme a frequência e a intensidade dos episódios. Entre os efeitos mais comuns estão o desgaste dos dentes decíduos, fraturas dentárias, dor nos músculos mastigatórios, disfunções da articulação temporomandibular (ATM), cefaleias e distúrbios do sono (DINIZ; SILVA; ZUANON, 2009). A longo prazo, pode haver impacto negativo na oclusão e no desenvolvimento da arcada dentária.12 

O bruxismo pode provocar uma série de sinais e sintomas, tanto na boca quanto em estruturas próximas, como os músculos da face e as articulações. Quando esse hábito se torna constante, ele pode levar ao desgaste dos dentes — principalmente nas regiões oclusais e incisais. Além disso, pode afetar a gengiva e causar mudanças em estruturas adjacentes, como aumento do músculo masseter, dores na articulação temporomandibular (ATM), dor de cabeça ao despertar, estalos articulares, dor de ouvido, dificuldade para abrir a boca e até zumbidos. 12  

Um dos sinais mais comuns é o desgaste anormal dos dentes. Em casos de bruxismo com ranger, as superfícies dentárias podem parecer mais lisas, enquanto o apertamento tende a deixar uma aparência mais áspera. No início, essas áreas desgastadas costumam ter contornos bem definidos, afetando principalmente os dentes anteriores, especialmente os caninos, tanto decíduos quanto permanentes. 8  

Também é comum observar dor ou estalos na ATM, rigidez nos músculos faciais, dor muscular e desconforto na articulação, além de dores de cabeça. Um sinal muito relatado por familiares é o barulho feito pela criança durante o sono, o que costuma gerar preocupação. Embora a criança não consiga imitar esses sons de forma voluntária, pode acordar sentindo dor, especialmente nos músculos da mastigação. 8  

Outros sinais que podem estar presentes incluem marcas ou lesões na língua, sensibilidade aumentada nos dentes e interrupções no sono, o que pode provocar cansaço e sonolência durante o dia. 8  

Entre os sinais clínicos mais observados estão dentes desgastados ou até fraturados, ruídos provocados pelo ranger, aumento da sensibilidade e desconforto na ATM. Também pode haver mobilidade dentária, estalos noturnos e desgaste generalizado das estruturas dentárias. 10  

Nas crianças, os efeitos do bruxismo podem ser ainda mais nocivos. Além do desgaste, pode ocorrer sensibilidade ao calor, dentes soltos, prejuízos ao ligamento periodontal, fraturas nas cúspides e, em casos graves, pulpite e necrose da polpa. 

Esses danos variam conforme a duração do hábito, a intensidade das forças aplicadas, a posição dos dentes, sua quantidade, grau de calcificação e a relação entre a maxila e a mandíbula. Todos esses sinais ajudam na identificação do bruxismo e são fundamentais para um diagnóstico correto. 12  

O esmalte dentário costuma ser a primeira parte afetada, com o desgaste sendo um dos sinais mais evidentes. No entanto, nem sempre os sintomas são claros, principalmente em crianças, onde dores musculares ou cefaleias tendem a ser leves e esporádicas. Por isso, o diagnóstico precoce é essencial para evitar problemas mais sérios nos dentes, tecidos de suporte e outras estruturas ligadas à mastigação.12  

Durante o atendimento clínico, é muito importante reunir o maior número de informações possível, através de anamnese feita ou questionário detalhado. É preciso investigar o histórico de saúde da criança, possíveis alterações sistêmicas, hábitos parafuncionais e até aspectos emocionais e sociais que possam influenciar o comportamento. 10  

2.5 – Métodos de diagnóstico 

O diagnóstico do bruxismo infantil deve ser feito o quanto antes, pois isso ajuda a evitar problemas maiores e garante mais qualidade de vida para a criança. 9 Essa avaliação é feita a partir do exame clínico, junto com as informações passadas pelos responsáveis durante a anamnese. Na maioria das vezes, a criança nem percebe que tem o hábito, já que ele acontece durante o sono. Por isso, são os pais ou responsáveis que acabam notando primeiro, geralmente por causa do barulho dos dentes rangendo, e acabam procurando orientação com o dentista. 2 

O diagnóstico do bruxismo envolve a observação de sinais como o ato de ranger ou apertar os dentes, desgaste acentuado da estrutura dentária, ruídos noturnos típicos ou até dor nos músculos da mastigação. 2 

O profissional se baseia principalmente na conversa com os responsáveis e em uma avaliação clínica detalhada. Na anamnese, é comum os pais relatarem sintomas como dor facial ao acordar, sensibilidade nos dentes, dores de cabeça frequentes ou incômodos ao mastigar. Durante o exame clínico, o dentista pode observar fraturas nos dentes, desgastes no esmalte ou restaurações danificadas. 9 

Em alguns casos, exames complementares são necessários para uma confirmação mais precisa. A polissonografia, por exemplo, registra os eventos que ocorrem durante o sono, enquanto a eletromiografia analisa a atividade muscular e pode identificar alterações neuromusculares por meio dos sinais elétricos liberados pelos músculos da mastigação. 9 

A classificação do bruxismo também pode variar de acordo com o tipo de avaliação realizada. Segundo a proposta de Lobbezoo, o diagnóstico pode ser classificado em três níveis: “possível”, quando se baseia apenas em questionários;  “provável”, quando combina questionário e exame clínico; e “definitivo”, quando é confirmado por meio da polissonografia. 2 

Como o bruxismo do sono é relativamente comum e cada criança apresenta suas próprias características, é fundamental que a anamnese seja feita com atenção aos detalhes. Um recurso muito útil nesse processo é o diário do sono, que pode ser preenchido pelos pais ou cuidadores e fornecer informações valiosas sobre sons noturnos, queixas de dor ou mudanças no comportamento da criança. 4 

Também é importante avaliar em que fase está a dentição (decídua, mista ou permanente) e se os sinais ocorrem apenas durante o sono ou também durante o dia. Para crianças em idade escolar, o dentista deve ficar atento a possíveis episódios de bullying, ao uso excessivo de telas, à qualidade do sono e a fatores emocionais, como ansiedade e depressão, que também podem estar relacionados ao bruxismo. 4 

Cada caso deve ser avaliado de forma individualizada. O plano de tratamento precisa considerar as necessidades específicas da criança ou adolescente, e o trabalho em conjunto entre dentistas, médicos, psicólogos e familiares é essencial. Inclusive, o relato dos pais ou responsáveis continua sendo uma das ferramentas mais confiáveis para o diagnóstico do bruxismo infantil. 4  

2.6 – Fatores associados ao bruxismo

O bruxismo infantil é um distúrbio que envolve diversos fatores associados, assim como distúrbios respiratórios, rinite alérgica, e alergias em geral podem favorecer o aparecimento do bruxismo durante o sono. Além disso, o uso de certos medicamentos também está relacionado ao desenvolvimento desse comportamento. Quanto ao tratamento farmacológico, este é geralmente reservado para situações em que o bruxismo está relacionado à ansiedade. Embora algumas medicações como a buspirona, diazepam e hidroxizina tenham mostrado algum efeito positivo, especialmente a última sem efeitos adversos significativos em estudos de curta duração, ainda são necessárias mais pesquisas para avaliar sua segurança e eficácia em crianças a longo prazo. 

Além disso, o uso de benzodiazepínicos deve ser evitado sempre que possível devido ao risco de efeitos colaterais e recidiva após a suspensão. 2, 7

Outro ponto importante no manejo do bruxismo do sono (BS) é a introdução de atividades prazerosas na rotina da criança. Práticas como esportes, artes e outras formas de lazer contribuem para o desenvolvimento de hábitos saudáveis e ajudam no controle do estresse. A atividade física, em especial, tem se mostrado uma aliada importante, não apenas no bem-estar importante, não apenas no bem-estar emocional, mas também no controle de distúrbios respiratórios e de sono frequentemente associados ao bruxismo. 4  

Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) pode estar associada ao bruxismo do sono, de acordo com estudos recentes que identificaram que a acidificação esofágica pode aumentar a atividade da musculatura mastigatória, especialmente do músculo masseter. Isso significa que o refluxo ácido pode estimular reflexos neuromusculares que levam ao ranger dos dentes durante o sono. Além disso, fatores como estresse e ansiedade, que são comuns em pacientes com DRGE, também podem contribuir para o desenvolvimento do bruxismo 2

Há também os chamados hábitos parafuncionais: comportamentos repetitivos que não têm função mastigatória, mas que podem prejudicar a saúde bucal. Entre os mais comuns estão o uso prolongado de chupeta ou mamadeira, morder objetos como lápis ou canetas, roer as unhas e até o hábito de apertar os dentes sem perceber. Esses hábitos contribuem para o desenvolvimento do bruxismo e devem ser investigados durante a consulta odontológica. 9  

Crianças com síndromes especialmente com Síndrome de Down, apresentam uma prevalência ainda maior de bruxismo em comparação à população pediátrica geral. O mais preocupante nesses casos é que, ao contrário do que acontece em crianças saudáveis, onde o bruxismo tende a diminuir com o tempo, ele pode persistir na vida adulta.  Além da ansiedade, uma possível explicação está na presença de músculos espásticos, que são mais propensos à contração e exigem mais esforço para relaxar, favorecendo os episódios de bruxismo. 14 

A qualidade do sono também é um fator importante. Distúrbios como ronco, sono agitado, dormir de bruços ou com luz acesa, babar durante o sono e o uso excessivo de telas antes de dormir estão associados ao bruxismo. O ritmo biológico da criança, (mais matutino ou mais noturno), também pode influenciar: crianças com perfil noturno tendem a apresentar mais episódios de bruxismo, principalmente se o ambiente do sono for inadequado. Por isso, melhorar a qualidade do sono com um ambiente tranquilo, sem estímulos visuais ou auditivos antes de dormir, pode ajudar na redução do problema. 13 

Além disso, há uma forte associação entre o bruxismo e distúrbios respiratórios do sono, como a respiração bucal e a apneia obstrutiva do sono. Embora esse mecanismo não seja totalmente esclarecido, acredita-se que o bruxismo atue como uma forma de proteção do organismo, ajudando a reabrir as vias aéreas quando há obstruções durante o sono, permitindo que a respiração volte ao normal. 13  

2.7 – Abordagens terapêuticas para o bruxismo infantil. 

Especialmente em crianças, O tratamento do bruxismo deve ser conduzido com uma abordagem multidisciplinar, considerando tanto os fatores fisiológicos quanto os psicológicos envolvidos. O cirurgião-dentista desempenha um papel essencial nesse processo, atuando no controle dos sintomas e na prevenção de danos às estruturas dentárias e faciais. Uma intervenção precoce é fundamental para minimizar os impactos negativos na qualidade de vida do paciente. 15 

Condutas iniciais.   

Destacam-se o aconselhamento sobre bons hábitos de sono, a redução do tempo de exposição a telas e do consumo de açúcar, além da orientação sobre técnicas de manejo do estresse e a criação de um ambiente adequado para dormir. Em alguns casos, as placas para bruxismo, são indicadas para amenizar os desgastes e contribuir para diminuição do uso excessivo das forças musculares. 15 

Abordagens terapêuticas. 

Os tratamentos não farmacológicos têm ganhado destaque ao longo dos anos, pois os efeitos da terapia medicamentosa podem demonstrar efeitos colaterais. A fisioterapia, por exemplo, tem demonstrado bons resultados através de técnicas como a massagem muscular, que contribui para a redução da atividade muscular, alívio da dor, melhora da abertura bucal, além de promover benefícios posturais e psicológicos como a diminuição da ansiedade, do estresse e de sintomas depressivos. 7

Reabilitação dentária.

Indicada quando há desgaste excessivo dos dentes, com ou sem hipersensibilidade. As intervenções podem ser feitas com restaurações diretas ou indiretas, utilizando materiais como resina composta, coroas ou onlays, de acordo com a cooperação da criança e dos dentes afetados. 2  

Uso de placas miorelaxantes 

São comuns na dentição permanente. Embora seu uso em dentição decídua ainda seja discutido devido a possíveis interferências no desenvolvimento ósseo, modelos em silicone têm se mostrado eficazes por serem não invasivos, reversíveis e por promoverem o relaxamento muscular sem prejudicar o crescimento das arcadas. 2

Tratamento cirúrgico.

Em casos graves, especialmente quando associados à síndrome da apneia obstrutiva do sono, intervenções cirúrgicas como amigdalectomia e ou adenoidectomia podem ser consideradas. Estudos demonstram que, após três meses da cirurgia, há uma redução significativa dos episódios de bruxismo, devido à melhora na respiração durante o sono. 2 

3 CONCLUSÃO 

 Diante da alta prevalência do bruxismo infantil e de suas possíveis consequências no desenvolvimento bucal e no bem-estar geral da criança, torna-se evidente a importância de uma abordagem multidisciplinar no diagnóstico e tratamento dessa condição. Através desta revisão de literatura, foi possível perceber que o bruxismo infantil vai além de questões físicas, exigindo uma atenção especial também aos aspectos psicológicos e comportamentais envolvidos. 

Ainda que haja diferentes opiniões na literatura sobre as melhores condutas, é consenso que o acompanhamento clínico deve ser feito de forma cuidadosa, considerando o paciente como um todo. Sendo assim, este trabalho reforça a necessidade de olhar para a criança de forma integral, promovendo um cuidado mais humanizado e eficaz. Além disso, espera-se que este estudo contribua para a formação dos profissionais da Odontopediatria, oferecendo uma base teórica sólida para o reconhecimento precoce do problema, o direcionamento do tratamento e a orientação adequada aos pais ou responsáveis. 

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