QUALIFICAÇÃO DO PROCESSO DE PRESCRIÇÃO DE MEDICAMENTOS NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

QUALIFICATION OF THE MEDICATION PRESCRIPTION PROCESS IN THE FAMILY HEALTH STRATEGY

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202502270736


Ana Edmir Vasconcelos de Barros1; Osmar Arruda da Ponte Neto2; Andressa Ponte Sabino3; Victor Hugo Ribeiro de Sousa4; Francisca Samara Mendes Sousa5; Antonia de Maria Milena Bezerra de Menezes6; Núria Wilhellm Mororó Ziesemer7


Resumo

Os medicamentos são considerados insumos essenciais para manutenção da saúde dos indivíduos e tornaram-se supervalorizados pela sociedade. As prescrições desses itens são destinadas a pacientes e aos demais profissionais envolvidos nos processos de dispensação e administração de medicamentos. Uma vez preenchidas de forma inadequada, as receitas prejudicam a adesão do paciente à terapia, dificultam a dispensação e aumentam as chances de erros na utilização dos mesmos. Observando essa problemática em um Centro de Saúde da Família, localizado no município de Sobral, Ceará, fez-se necessário a realização de uma intervenção em busca de melhorias no processo de prescrição da equipe de saúde da família. A presente pesquisa utilizou uma abordagem qualitativa, exploratória e descritiva, e foi desenvolvida em três fases: diagnóstico situacional, educação permanente em saúde e monitoramento e avaliação. Iniciou-se com a análise das prescrições, em busca de identificar as principais inadequações em receitas, com posteriores momentos educativos com os profissionais participantes do estudo, sendo finalizada com a avaliação situacional após a intervenção. Foi possível conhecer os erros mais recorrentes nas prescrições da unidade e discuti-los com os profissionais, porém, apesar da redução no número de erros, os resultados após a intervenção mostraram que apenas um encontro com cada profissional não foi suficiente para obtenção de resultados satisfatórios. Para além de momentos contínuos de Educação Permanente, os profissionais precisam buscar por mais conhecimentos acerca do preenchimento de receitas.

Palavras-chave: Prescrições de Medicamentos. Erros de Medicação. Educação Continuada. Estratégia Saúde da Família.

Abstract

Medicines are considered essential inputs for maintaining the health of individuals and have become overvalued by society. The prescriptions for these items are intended for patients and other professionals involved in the processes of dispensing and administering medications. Once filled out improperly, prescriptions impair patient adherence to therapy, make dispensing difficult and increase the chances of errors in their use. Observing this problem in a Family Health Center, located in the city of Sobral, Ceará, it was necessary to carry out an intervention in search of improvements in the process of prescribing the family health team. The present research used a qualitative, exploratory and descriptive approach, and was developed in three phases: situational diagnosis, continuing health education and monitoring and evaluation. It began with the analysis of prescriptions, in an attempt to identify the main inadequacies in prescriptions, with subsequent educational moments with the professionals participating in the study, ending with the situational assessment after the intervention. It was possible to know the most recurrent errors in the prescriptions of the unit and discuss them with the professionals, however, despite the reduction in the number of errors, the results after the intervention showed that just one meeting with each professional was not enough to obtain satisfactory results. In addition to continuous moments of Permanent Education, professionals need to seek more knowledge about filling out prescriptions.

Keywords: Drug Prescriptions. Medication Errors. Continuing Education. Family Health Strategy.

1 INTRODUÇÃO

A atenção primária à saúde (APS) é considerada a porta de entrada da população ao Sistema Único de Saúde (SUS) e o centro de comunicação com os demais níveis de cuidados. Caracterizada por ações de promoção e proteção à saúde, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e manutenção da saúde individual e coletiva, de forma que suas atividades interfiram nos determinantes e condicionantes de saúde, a APS orienta-se pelos princípios da universalidade, integralidade e equidade (BRASIL, 2017).

Visando a reorganização e a efetividade do modelo assistencial do país, caracterizado por ser centrado no médico e medicamentos, com enfoque curativista, individual e hospitalocêntrico, foi implantada a Estratégia Saúde da Família (ESF), composta por equipes multiprofissionais capacitadas para cuidar do indivíduo como todo, do coletivo e para a promoção da saúde, obtendo-se consequentemente uma assistência mais resolutiva e efetiva (Brito, Mendes e Neto, 2017).

Juntamente com esses esforços para efetivação da APS, os medicamentos foram e ainda são considerados peça fundamental no sistema de saúde, onde garantem a continuidade do cuidado. Dessa forma, em 1988, o Ministério da Saúde (MS) visando a garantia da segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais, instituiu a Política Nacional de Medicamentos (PNM) (Vasconcelos, et. al., 2017).

Medicamentos são supervalorizados pela sociedade por sua ligação íntima com o processo saúde-doença, onde as prescrições dos mesmos se tornaram, pela população, itens quase obrigatórios após consultas (Barros, 2016). Segundo Brandão (2017), essas prescrições assumem papel importantíssimo na terapia do paciente, uma vez que podem garantir o sucesso do tratamento ou acarretar sérios danos se não feitas de maneira adequada.

A prescrição é considerada a primeira fase do ciclo de utilização do medicamento, sendo um documento de orientação ao usuário, mas que também é destinada a outros profissionais, como por exemplo, o farmacêutico, o qual será responsável pela dispensação, ofertando ao paciente o medicamento certo, na dose e quantidade corretas. Todavia, quando o receituário não é preenchido da maneira correta, não contendo todas as informações necessárias, tanto a dispensação como a adesão do paciente, são dificultadas e a finalidade da prescrição é perdida, podendo gerar prejuízos aos usuários (Maia, 2019).

A atuação farmacêutica é fundamental no momento da dispensação. O mesmo deve avaliar as prescrições observando se estão legíveis, sem rasuras e emendas, com usuário e medicamentos identificados, contendo concentração, dose, forma farmacêutica e quantidade, posologia, local e data da emissão, e assinatura e identificação do prescritor com o número de registro no respectivo conselho profissional (Takahashi, 2020).

Neste contexto, a partir da vivência no atendimento direto aos usuários e na dispensação de medicamentos em Unidades Básicas de Saúde da Família (UBS), observou-se que os erros de prescrições dificultam o atendimento e interferem na satisfação dos usuários, assim como ameaçam a sua segurança. Tal fato suscitou questionamentos sobre o conhecimento dos demais profissionais acerca dos erros, que podem ser mínimos, mas acarretam uma série de problemas.

Questões como a demora na dispensação, necessidade de esclarecimentos junto ao prescritor e dúvidas surgidas pelos usuários, somados aos riscos que uso incorreto de medicamentos pode ocasionar ao organismo, são alguns dos pontos que podem ser trabalhados e que, por si, justificam a intencionalidade da pesquisa. Neste contexto emergiu a seguinte questão: O que pode ser feito para a qualificação do processo de prescrição de medicamentos na ESF?

Salienta-se que os erros de prescrição, além de ocasionarem prejuízos aos usuários, como probabilidade de redução da eficácia terapêutica ou aumento dos riscos de lesões, também comprometem a atuação dos demais profissionais envolvidos, seja na administração ou na dispensação, comprometendo o fluxo de atendimento do usuário na unidade e causando desgaste entre os profissionais envolvidos. Dessa forma, faz-se necessário o investimento na prevenção desses eventos, de forma integrada com a equipe de saúde, como preconizado na Política Nacional de Assistência Farmacêutica-PNAF, a fim de proteger e promover a saúde dos usuários, e ofertar um atendimento qualificado e seguro aos pacientes.

Neste sentido, esta pesquisa interventiva teve como objetivo contribuir para a melhoria do processo de prescrição de medicamentos em um Centro de Saúde da Família, no município de Sobral-CE, de modo a impactar positivamente no processo de trabalho dos profissionais prescritores, na otimização do fluxo de dispensação de medicamentos, na segurança do paciente, no uso racional de medicamentos e em uma rotina de trabalho mais eficiente.

2 METODOLOGIA

Este estudo trata-se de uma pesquisa de intervenção, com abordagem qualitativa, de caráter exploratório e descritivo que favorece a análise do processo pesquisado, sobretudo quanto ao desenvolvimento de suas ações e permitiu propor um conjunto de ações com o intuito de qualificar o processo de prescrição.

As intervenções são pesquisas de ação que buscam benefícios para realidade de onde é aplicada, como por exemplo, auxiliar em tomadas de decisões acerca de mudanças necessárias de serem tomadas, na melhoria de sistemas ou práticas já existentes, ou ainda na avaliação de processos e inovação dos mesmos (Damiani, 2012).

No método qualitativo há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, ou seja, um vínculo entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números, não utiliza técnicas estatísticas. Os resultados encontrados não são quantificáveis, a pesquisa é descritiva e o pesquisador analisa os dados indutivamente (Pereira, 2019).

A pesquisa foi realizada no período de setembro a dezembro de 2021 e teve como cenário um Centro de Saúde da Família (CSF), localizado no município de Sobral, localizado na região norte do Estado do Ceará, pioneiro na reorientação da APS através da implantação da ESF. O CSF Gerardo Carneiro Hardy (Estação), localizado na zona urbana, com uma área territorial composta pelos bairros Centro e Santa Casa e uma extensão de 0,609km². De acordo com a territorialização de 2017, a população assistida pelo CSF era de 5.494 habitantes, sendo 1.577 famílias, atendidas por 2 equipes da ESF (Sobral, 2017).

Dado o escopo de a pesquisa estar relacionada à prescrição de medicamentos, foram escolhidos os profissionais que possuem esta competência no CSF, sendo eles: 2 médicos, 2 enfermeiros e 1 dentista que aceitaram participar do estudo após consentimento através da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).  

A intervenção foi composta por etapas claras e distintas entre si, a partir de um roteiro previamente estabelecido.

Como materiais principais da análise, foram avaliadas criteriosamente todas as prescrições realizadas no âmbito do CSF da Estação realizadas entre junho e agosto de 2021. A verificação das prescrições e sua classificação como erradas tiveram como referência as RDCs 344/98 e 20/2011, além da Portaria Municipal n° 5 de 08 de fevereiro de 2019, e determinadas as categorias de erro de análise.

Quanto à operacionalidade, o projeto contou com três fases, apresentadas e descritas a seguir:

I) Diagnóstico situacional – Momento de análise e identificação dos erros de prescrição das três classes profissionais estudadas. Nesta fase também, foi estabelecida uma categorização de acordo com as inadequações identificadas, classificando os erros mais comuns e sua distribuição por área profissional.

II) Educação Permanente em Saúde (EPS) – Sequencialmente ao momento inicial de análise foram realizadas oficinas educativas com os profissionais envolvidos, que incluíram a apresentação da proposta de intervenção e a discussão de como o processo de prescrição de medicamentos pode ser qualificado. Foram realizadas duas oficinas educativas, uma com cada equipe, na perspectiva do apoio matricial e da EPS.

III) Monitoramento e avaliação – Esta fase teve como foco acompanhar o processo de qualificação das prescrições na unidade de saúde. A intervenção foi supervisionada e reavaliada em toda sua execução, contudo, a verificação e coleta de informações para uma nova avaliação se deu após a conclusão da fase II, onde, somente a partir desta data, as prescrições foram novamente avaliadas com a utilização de um instrumento específico. Foram analisadas as prescrições dos 15 dias após a conclusão da etapa anterior, onde este período mais reduzido, em relação à fase I, justifica-se pela competência já adquirida ao longo da intervenção.

Os registros das informações referentes ao desenvolvimento de todas as etapas da intervenção foram feitos em um diário de campo, de acordo com roteiro. Para Patrício (1995), o diário de campo expressa os dados referentes aos contextos físico, cultural, social e afetivo que se está estudando: tudo o que se observa no ambiente, acompanhado de todas as expressões verbais e não-verbais que ocorrem. Registra as reflexões referentes ao método empregado, ao tema e aos seus sentimentos em relação ao estudo.

Ainda por oportuno, foi utilizada a técnica de observação participante, por considerarmos que por tratar-se de uma pesquisa intervenção, esta técnica oportuniza ao pesquisador um suporte de registro condizente com a diversidade e intensidade dos momentos vivenciados na intervenção. Neste sentido, elaboramos um roteiro para tal observação.

Como Bogdan e Taylor (1975) bem definem a observação participante é uma investigação caracterizada por interações sociais intensas, entre investigador e sujeitos, no meio destes, sendo um procedimento durante o qual os dados são recolhidos de forma sistematizada.

Durante o desenvolvimento das oficinas também foi realizada a gravação dos encontros com gravador. Foram realizadas duas oficinas formativas, as quais aconteceram no mês de dezembro de 2021 em dois dias distintos contemplando a equipe 1 da ESF em um dia e a equipe 2 em outro dia. No primeiro encontro participaram o médico e a enfermeira da equipe 2 e no segundo encontro o médico e enfermeira da equipe 1, e a dentista da unidade, responsável por cobrir as duas áreas.

A metodologia utilizada em ambos os encontros foi a mesma para os dois dias. De início foi feita uma dinâmica de “Desenho guiado”, onde a pesquisadora, como facilitadora do momento, instruiu um desenho aos participantes, a partir de uma imagem escolhida e impressa pela mesma, cujo objetivo foi demonstrar a importância da comunicação de qualidade para que nossas informações cheguem a outras pessoas de forma clara e adequada, para que consigam interpretar o que queremos dizer. 

Ao final desse primeiro momento, todos mostraram o resultado de seus desenhos e foi apresentado pela pesquisadora o desenho original. Os participantes relataram ter tido um pouco de dificuldade em construir o desenho, gerando exatamente a discussão de como é importante a comunicação de qualidade para se chegar a um objetivo comum.

Para o momento de EP, foram confeccionados modelos hipotéticos de receitas preenchidas corretamente e modelos contendo inadequações encontradas na análise das receitas dos meses de junho, julho e agosto, onde estas foram distribuídas aos participantes, conforme a categoria de cada um.

Foi dado um intervalo de tempo para que analisassem os receituários e posteriormente eles apresentaram cada receita, apontando o que tinham encontrado de errado e discutindo os possíveis impactos desses erros para o paciente e para os demais profissionais envolvidos na utilização dos medicamentos, como farmacêutico e atendente de farmácia.

Para análise das informações obtidas no desenvolvimento da intervenção foi feita a categorização, a partir da análise de conteúdo (BARDIN, 2016).

Bardin (2016) indica que a utilização da análise de conteúdo prevê três fases fundamentais: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados (a inferência e a interpretação).

A avaliação das prescrições serviu de base ao processo de trabalho da intervenção, sobretudo porque foram utilizados critérios de verificação e deram origem aos dados para serem analisados e serviram de subsídio para criar as seguintes categorias: informações do paciente, dados sobre o medicamento, aspectos grafotécnicos e prescrição autorizada.

Cada categoria foi subdividida em subcategorias para facilitar análise e classificação dos dados, bem como uma posterior avaliação, evidenciando assim os principais achados identificados, sendo balizadores para nossa proposta de intervenção.

A análise quantitativa foi feita através de estatística descritiva simples e comparativa, com tabulação de dados realizada através do Microsoft Excel.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos (CEP) da Universidade Estadual Vale do Acaraú, por meio do parecer nº 4.882.883.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Análise situacional

O primeiro movimento da pesquisa foi constituído por uma análise situacional, onde foram identificados os profissionais prescritores que atuam naquela unidade, em três categorias distintas (médicos, enfermeiros e dentistas).

Ainda na fase de análise situacional, houve uma seleção das prescrições das categorias citadas a partir de critérios pré-estabelecidos, como apenas receitas dos meses de junho, julho e agosto de 2021, classificadas por tipos de receituários (comum, de controle especial e antibiótico), sendo excluídas as que não eram originárias da UBS.

Como mostra o quadro 1, ao todo foram identificadas 1.951 prescrições, com uma absoluta maioria de receitas médicas, em relação às outras duas categorias, algo naturalmente esperado.

Quadro 1 – Distribuição de prescrições por categorias.

Categoria do prescritorReceita comumReceitas de controle especialReceitas de antimicrobianosTotal de prescrições
Medicina8255151211.461
Odontologia523082
Enfermagem408408
Total1.2855151511.951
Fonte: Elaboração própria.

A maioria soberana das receitas médicas pode estar relacionada à centralização das ações de saúde voltadas para essa categoria, seguindo o modelo hospitalocêntrico e curativista, estando relacionado ainda ao fato de que a prescrição da maioria dos medicamentos serem privadas a esta classe, o que traz sentido ao pequeno número de prescrições da enfermagem quando comparado ao total analisado, uma vez que a classe é autorizada por portaria a prescrever uma pequena quantidade de medicamentos específicos para algumas condições clínicas.

Os odontólogos, além de antibióticos, são também aptos a prescrever medicamentos de controle especial para fins odontológicos. A ausência de prescrições dessa natureza, assim como o número reduzido de prescrições no geral pela categoria, pode ser justificada pelo fato da unidade dispor de apenas um dentista, pelos tipos de atendimentos realizados na UBS e a diminuição destes devido ao período de pandemia, que ficaram restritos.

3.2 Categorias de Análise

A seguir, apresentam-se as categorias de análise, as quais foram construídas a partir dos dados que foram analisados nos receituários e serão descritas a partir das informações obtidas junto aos profissionais e expondo os resultados mais importantes de cada uma delas.

Optou-se por avaliar as informações levando em consideração questões que dizem respeito ao processo de prescrição, não sobre as categorias profissionais, já que este não é o objeto desta intervenção, mas sobre os aspectos gerais da prescrição conforme apresentado a seguir no quadro 2.

Quadro 2 – Categorização das informações.

Fonte: Elaboração própria.

3.2.1 Informações do paciente

Quanto às informações do paciente, foi verificada em todos os tipos de receitas a presença da identificação do usuário, constando o nome completo, e o endereço, somente nas receitas de medicamentos sujeitos a controle especial, cujo preenchimento desse item é obrigatório e regulamentado pela RDC 344/98.

Todas as receitas avaliadas continham o nome completo do usuário, garantindo assim a confiabilidade dos receituários.

Quanto ao endereço do paciente, este esteve ausente em somente 10 (1,94%) receitas de controle especial que foram avaliadas, um número baixo e não preocupante, apesar de ser um quesito obrigatório, não devendo estar ausente. Porém, foi um achado satisfatório, principalmente quando comparado a outros estudos, como o de Debastiani e Coqueiro (2017), onde apenas 15 receitas apresentavam o preenchimento correto das informações de endereço, assemelhando-se aos resultados obtidos por Murta et al. (2019), que analisou 510 prescrições e somente 9 continham as informações de endereço do paciente

O resultado demonstra que o não preenchimento da identificação do paciente não é uma prática comum entre os prescritores da unidade onde a pesquisa foi realizada. A ausência de endereço esteve presente em um pequeno número (10) quando comparado ao total de receitas analisadas. Porém, quando constatado o não preenchimento deste segundo item, o paciente fica impossibilitado de ter acesso ao tratamento.

Aparentemente, a ausência de endereço do paciente nos receituários de controle especial, não possui importância significativa, mas essa informação é extremamente relevante para o contato com o mesmo em caso de problemas com o lote do medicamento, em caso de fraude, ou até mesmo para busca de efeitos adversos das medicações (MURTA et.al., 2019).

Os achados satisfatórios desta categoria de análise podem ser justificados pelo fato de que a maior parte das prescrições está sendo digitalizadas, confeccionadas no e-SUS através do Prontuário Eletrônico-PEC, sendo, portanto, modelo padronizado.

3.2.2 Dados relacionados a medicamentos

Os dados de medicamentos em receitas são importantes para garantir ao paciente o tratamento adequado, bem como sua segurança.

Foi analisado se os medicamentos estavam prescritos pelo nome da substância ativa, respeitando a Denominação Comum Brasileira (DCB); se constavam dose e concentração; forma farmacêutica, quantidade e posologia. Os achados estão apresentados no quadro 3. 

Quadro 3 – Distribuição de erros relacionados a medicamentos.

Sem dose/ concentraçãoPrescrição fora da DCBSem posologiaSem quantidadeSem forma farmacêutica
2348929216
Fonte: Elaboração própria.

No quadro 3, podemos observar que houveram inconsistências em todos os dados relacionados ao medicamento, sendo que a informação que esteve mais ausente nas prescrições foi a dosagem e concentração, com uma maioria grande em relação às demais. É um fato preocupante, uma vez que esta ausência impacta diretamente no acesso do paciente ao medicamento, podendo ter erro induzido pela ausência da informação, levando a efeitos negativos em caso de dispensação incorreta.

Em seguida vieram as prescrições fora da DCB. De acordo com a Lei nº. 9787/1999, as prescrições médicas e odontológicas de medicamentos, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, adotarão obrigatoriamente a Denominação Comum Brasileira (DCB), ou seja, os medicamentos serão prescritos pelo nome do princípio ativo, no caso, genéricos, possibilitando o acesso e adesão da população ao tratamento eficaz, de baixo custo e de qualidade comprovada por testes de equivalência e biodisponibilidade (Júnior, 2015). Conforme os resultados obtidos na pesquisa, a prescrição de medicamentos fora da DCB foi o segundo erro mais cometido entre os prescritores.

Uma vez que todas as prescrições originárias do SUS devem ser de acordo com a DCB, a quantidade de receitas encontradas no estudo, que desrespeitaram essa lei, apesar de não parecer tão alto, ainda não é o que deveria acontecer em uma Unidade Básica de Saúde. Esse valor (4.56%), porém, é bem inferior aos encontrados em muitas pesquisas similares como de Minas Gerais (80,7%) (Freitas, et. al., 2019), João Pessoa-PB (84,47%) (Morais e Comarella, 2017) e Vale de Aço-MG (57,3%) (Alecrim et. al., 2017).

Posteriormente, em ordem decrescente, vieram a ausência de posologia, quantidade e forma farmacêutica, respectivamente. Esses itens são essenciais para orientação tanto do profissional que vai dispensar o medicamento e para o responsável pela aplicação, em caso de medicamentos de uso injetável, assim como para orientação do paciente quanto à farmacoterapia.

Comparando os resultados encontrados neste estudo, para esses itens relacionados ao medicamento, com outros da mesma natureza, como por exemplo, ao de Alecrim e colaboradores (2017) e ao de Silva, Castilho e Santos (2020), constatou-se que os resultados encontrados neste foram melhores, indicando que os profissionais preocupam-se com esses dados, porém necessitam ainda de uma maior atenção devido sua tamanha importância para segurança do paciente e dos demais profissionais envolvidos na dispensação e administração dos medicamentos.

Esses itens, em conjunto, asseguram que o paciente receba e utilize o medicamento correto, na dose correta, na quantidade e tempo adequado, garantindo a eficácia e a segurança do tratamento. 

3.2.3 Aspectos grafotécnicos

Os aspectos grafotécnicos dizem respeito aos aspectos técnicos de preenchimento de receituários como a escrita legível, sem emendas ou rasuras; a identificação do emitente, obrigatório nas receitas de antibióticos e de medicamentos de controle especial; assinatura do prescritor constando a inscrição no Conselho Regional no carimbo ou manualmente, de forma legível; e a presença da data da emissão.

A quantidade desses erros que foram encontrados durante a pesquisa está disposta no quadro 4:

Quadro 4 – Distribuição de erros relacionados aos aspectos grafotécnicos.

Sem assinaturaSem dataPresença de emendas e rasurasIdentificação do emitenteEscrita ilegível
992213110
Fonte: Elaboração própria.

Pela Lei 5991/73, toda receita deve conter a assinatura do profissional e o número de inscrição no respectivo Conselho profissional, exigência essa que também é feita pela RDC 344/98 e 20/2011, que dispõem sobre as prescrições de controlados e antimicrobianos, respectivamente. Ainda assim, o maior número de erros dessa categoria foi a ausência de assinatura e/ou carimbo (5,07%), o qual invalida as receitas, tornando-as o receituário um papel comum, ou seja, sem validade legal de documento.

Em um estudo de revisão de Silva e colaboradores (2019) sobre as conformidades de prescrições de instituições públicas e privadas, os autores citam resultados superiores (12,1% e 15,3%) aos encontrados nesta pesquisa, sendo considerado um ato de negligência, tendo em vista que esses dois dados conferem caráter documental e legal à prescrição (Murta et.al., 2019).

A ausência de data nas prescrições não foi um erro muito cometido pelos prescritores, mas quando presente gera impactos negativos, principalmente em receitas de controle especial e de antimicrobianos, que possuem validade de 30 e 10 dias, respectivamente. Além disso, a presença deste item é importante para realizar o controle e evitar o uso indiscriminado de medicamentos, assegurando que o paciente faça o tratamento no período correto, sem prejuízos à saúde. Das receitas analisadas durante a pesquisa, somente 22 não estavam datadas, número menos preocupante e menor ao ser comparado ao encontrado por Amaral et al. (2019), onde de 20 receitas avaliadas, 43 não apresentavam data.

Dentre as receitas avaliadas, somente 11 não apresentaram identificação do emitente. Apesar do valor relativamente baixo, esse resultado se contrapõe às normativas e ao estudo de Debastiani e Coqueiro (2017), onde na análise de 600 receituários de igual período de 3 meses, todas as prescrições continham a identificação do emitente com pelo menos nome do médico, endereço e número do Conselho Regional de Medicina. Dentre as 11 prescrições sem identificação do emitente, apenas 1 era odontológica, diferentemente do encontrado por Caliari et al. (2021), que ao analisar somente receituários odontológicos de antimicrobianos, detectou 21 prescrições com erros relacionados a dados do emitente.

O resultado foi satisfatório, mas não ideal, pois a ausência deste quesito impossibilita a dispensação de antimicrobianos e de medicamentos sujeitos a controle especial.

Apesar de 13 receitas terem apresentado emendas e/ou rasuras, todas as estavam legíveis, como devem ser, evitando interpretações errôneas e facilitando a compreensão pelos profissionais envolvidos na entrega e/ou aplicação do medicamento, e pelo paciente.

Foi demonstrado, portanto no presente estudo, que a presença de emendas e/ou rasuras não é uma prática comum entre os prescritores da UBS, uma vez que foi detectado em apenas 0,66% das prescrições analisadas, valor muito próximo ao encontrado por Alecrim e colaboradores (2017), que foi de 0,6%. Segundo os mesmos autores, essa prática é preocupante, pois dificulta a comunicação entre profissionais de saúde, podendo induzir ao erro de troca de medicação, dosagem, gerando uma superdose ou sobre dose, aumentando os riscos de intoxicação e reações adversas, e ineficácia terapêutica.

3.2.4 Prescrição autorizada

A análise das amostras mostrou que de 205 prescrições de enfermagem, 32 continham medicamentos que não faziam parte das listas da portaria que regulamenta a prescrição da categoria no município. 

A prescrição de medicamentos por profissional enfermeiro é assegurada pela Lei n. 7.498/1986 e pelo Decreto n. 94.406/1987 que regulamentam a profissão, sendo estabelecida como atividade do enfermeiro integrante da equipe de saúde em programas de saúde pública (SILVA, VIEIRA e SOUSA, 2020).

Na Atenção Primária à Saúde (APS), o enfermeiro é autorizado a prescrever e transcrever medicamentos, assegurado por protocolos estabelecidos nos programas do Ministério da Saúde (MS) e disposições legais da profissão. Fernandes, Lopes e Rocha (2016) destacam a importância da organização e implementação desses protocolos, a fim de nortear as práticas profissionais, padronizar e sistematizar o cuidado, contribuindo para a consolidação do processo de trabalho.

No entanto, mesmo o município de Sobral tendo estabelecido a portaria n° 05 de 08 de fevereiro de 2019 para fazer essa regulamentação, os resultados obtidos na amostra do estudo, mostraram que ainda existe a prática de prescrição de medicamentos cuja categoria não está autorizada a prescrever.

3.3 Educação Permanente em Saúde como proposta de intervenção

A partir da análise das prescrições e das falhas mais recorrentes, foi desenvolvida a segunda etapa do estudo, com a realização da intervenção com os prescritores, utilizando uma das principais estratégias institucionais de qualificação para os profissionais do SUS, que é a Educação Permanente em Saúde.

Esta etapa do estudo se caracterizou pela aprendizagem no trabalho e para o trabalho, o que, segundo Tibola (2019), contribui para o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e práticas que possibilitem um cuidado qualificado e seguro ao paciente, promovendo a redução dos eventos adversos.

Os grupos profissionais participantes do estudo apresentaram boa receptividade e disponibilidade para participarem, havendo colaboração inclusive com o fechamento das agendas para os dias e horários pré-estabelecidos, não tendo existido qualquer intercorrência.

Todas as categorias foram participativas, desde a dinâmica de acolhimento com a proposta do desenho guiado até a análise dos receituários com relato e discussão dos achados.

A discussão teve início pela categoria médica, sendo registrada a boa participação de apenas um dos dois profissionais, o qual participou da discussão e detalhou seus achados. Durante o desenvolvimento das atividades, esta categoria foi a que mais demonstrou competência acerca do preenchimento das receitas, fato este esperado e justificável pelo processo formativo e pela prescrição ser uma atribuição maior da medicina.

A única participante cirurgiã-dentista contribuiu com o processo ao detectar corretamente as inadequações propostas para categoria e ainda apresentou relevantes questionamentos.

Na categoria dos enfermeiros, pode-se avaliar que houve uma considerável participação nas atividades, porém foi a categoria que mais apresentou dúvidas, o que também era esperado e justificável, devido a formação não ser voltada primordialmente para prescrição de fármacos.

3.3.1 Evidências expostas pelas atividades educativas

Por se tratar de uma atividade pedagógica e instrucional, as intervenções serviram tanto para a discussão de condutas e procedimentos adequados, como instrumento de identificação de dificuldades e dúvidas por parte dos participantes.

Inicialmente, identificou-se que a maior quantidade de receitas com inadequações da categoria médica foi em relação a ausência de dose/concentração e prescrição fora da DCB, fato este contraditório quando nos deparamos com as falas dos dois profissionais abaixo apresentadas:

“Eu vi aqui algumas com nome ibuprofeno, Alivium®, sem a apresentação. Botaram dipirona gotas, mas não botaram quantos miligramas por mililitros e no Alivium® também não. Colocaram Alivium®, mas Alivium® tem de 50 e 100, se ele for na farmácia ele não consegue comprar. E no ibuprofeno também não colocaram o miligrama.” (Médico 01)

“Faltou o miligrama por mililitros.” (Médico 02)

Os dois profissionais conseguiram detectar a ausência de concentração nos receituários modelo, mas ambos não apontaram como erro a prescrição fora da DCB, presente também na mesma receita. A partir da fala do médico 01, foi exposto pela pesquisadora os riscos de segurança que o paciente corre devido a ausência de dose/concentração do medicamento, podendo receber e/ou comprar um medicamento de dose maior ou menor do que a receitada pelo prescritor, podendo ter uma intoxicação ocasionada por superdosagem ou uma ineficácia terapêutica por sobredose, uma vez que muitos medicamentos apresentam mais de um apresentação.

As enfermeiras, igualmente aos médicos, apontaram como erros também a ausência de dose/concentração, mas não se atentaram à prescrição fora da DCB. O maior número de inadequações em suas prescrições analisadas, também foi a ausência de dose/concentração.

Em relação a prescrições em desacordo com a DCB, não foi percebido desconhecimento por parte das categorias quando foi falado sobre a lei que diz que todas as prescrições do âmbito do SUS deveriam ser feitas pelo nome da substância, o que leva a entender que todos os profissionais eram cientes da informação. Mesmo assim, foi compartilhada a importância do seguimento, a fim de garantir o acesso dos usuários ao tratamento mais acessível em termos financeiros, sem afetar a segurança e efetividade da farmacoterapia.

Outro fato contraditório percebido durante a intervenção foi a percepção dos profissionais quanto a ausência de data nos receituários, não condizente com as quantidades de receitas que foram encontradas durante as análises, onde não continham tal informação, sendo um dos principais erros mais recorrentes identificados. Ao falar sobre a importância da presença dessa informação, uma enfermeira perguntou qual era o prazo de validade das receitas de controle especial e no dia seguinte a outra enfermeira participante fez o mesmo questionamento, mas dessa vez em relação às receitas de antimicrobianos.

Ao devolver a pergunta aos participantes, as respostas foram diferentes e um tanto surpreendentes. A dentista e a enfermeira afirmaram serem sete dias e o médico um mês, este último ainda completou que todas as receitas possuíam validade de um mês.

Todas essas categorias prescrevem antimicrobianos, até mesmo a enfermagem, apesar de ser em uma variedade pequena e para situações específicas, dentro da atenção básica. Nenhuma das categorias acertou o prazo de validade das receitas de antibióticos, que é de 10 dias a partir da data em que foi feita, demonstrando desconhecimento acerca das normas de prescrição para esta classe de medicamentos. Esse fato pôde ser comprovado ainda pelo apontamento como erradas as prescrições onde faltava o endereço do paciente nas receitas dessa classe, item não obrigatório, segundo a RDC 20/2011.

Ao serem questionados quanto ao tipo de receituário em que antimicrobianos deveriam ser prescritos, os profissionais também não responderam adequadamente e não mostraram domínio da legislação, mais uma vez.

“Essa é uma prescrição de Cefalexina, tá toda preenchida corretamente, só que está em uma folha branca comum, não está na receita especial. Eu conheço sendo na especial, em duas vias, por conta do emitente, do preenchimento.” (Enfermeira 1).

“Precisa de um maior controle devido à resistência microbiana, então tem que ser na de controle especial” (Médico 01).

Foi observado que as categorias desconheciam uma das mais básicas e principais informações referentes às receitas de antibióticos. Para que se prescreva, é importante que se conheça as legislações vigentes para orientação dos pacientes, para evitar transtornos e facilitar os fluxos de atendimentos em farmácias, e os prescritores mostraram total desconhecimento quanto a parte técnica da construção de uma receita contendo antibióticos.

A RDC 20/2011 não exige um modelo específico de receituário, podendo ser feito em um papel em branco, desde que em 2 vias, contendo as informações do emitente, nome completo do paciente e demais informações referentes ao medicamento.

Outra informação importante, e não tão esclarecida entre a enfermagem, foi evidenciada durante o desenvolvimento das oficinas. A categoria demonstrou conhecimento parcial sobre a portaria que regulamenta quais medicamentos estavam autorizados a prescrever.

“Tem uma de omeprazol 30 cápsulas, tomar 1 comprimido em jejum, mas não tem por quanto tempo e não tem o carimbo da unidade. Outra é Loratadina, está um pouco rasurada, também não tem o carimbo da unidade, mas tá toda completa. Essa outra é amoxicilina, tá com identificação do posto, está correta, mas não tem carimbo, assinatura e a enfermagem não tá podendo prescrever a amoxicilina né pela portaria?” (Enfermeira 01)

Nessa fala, a profissional consegue apontar os aspectos técnicos de preenchimento de receita, mas não aponta como erro a prescrição de itens não autorizados. A portaria n° 05 de 09 de fevereiro de 2019 da Secretaria Municipal de Sobral, não autoriza a prescrição de Omeprazol e Loratadina pela enfermagem, mas autoriza a de amoxicilina comprimido para condições clínicas referentes à saúde da mulher.

Já a outra profissional da mesma categoria demonstrou ter mais propriedade da portaria n° 05 de 08 de fevereiro de 2019 da Secretaria Municipal de Saúde de Sobral, porém outras vezes não pareceu segura o suficiente ao apontar o que a enfermagem pode ou não prescrever. 

“Essa aqui tá em 1 via, Cefalexina, carimbada pelo enfermeiro e pelo nosso protocolo, nós só podemos prescrever Cefalexina para gestante, tinha que saber se essa paciente é gestante, se for pode ser, se não for, eu não posso prescrever.” (Enfermeira 02)

“Essa tá rasurada, tá carimbada pela enfermeira, mas fiquei na dúvida, mas acho que no nosso protocolo não podemos prescrever Loratadina.” (Enfermeira 02)

“Essa aqui também, omeprazol não tá no nosso protocolo, acho que o resto tá certo.” (Enfermeira 02)

Faz-se necessário os profissionais se apropriarem de questões técnicas relativas às prescrições que estão aptos a desenvolver, sobretudo para garantirem segurança aos pacientes.

Todas as inconsistências técnicas encontrados na análise das prescrições foram detectadas por todos e discutidas, contudo, é uma situação que suscita o questionamento: porque muitas destas técnicas não são aplicadas no momento da prescrição, já que a maioria foi identificada sem dificuldades?

3.4 Análise pós-intervenção

Após a realização das oficinas com os prescritores, foram analisadas todas as receitas originárias da UBS dos primeiros 15 dias após a intervenção, correspondendo ao período de 16 a 31 de dezembro de 2021.

Ao todo foram analisadas 254 prescrições das três categorias profissionais, incluindo todos os tipos de receituários (simples, antimicrobianos e de controle especial). Deste total, 70 apresentaram ainda inconsistências, as quais estão discriminadas no quadro abaixo.

Quadro 5 – Distribuição de erros após a intervenção.

Sem dose concentraçãoFora da portariaSem identificação do emitentePresença de RasuraFora da DCBSem DataSem carimbo e assinaturaSem posologia
25241132221
Fonte: Elaboração própria.

Com a realização das EP’s esperava-se uma redução mais significativa dos erros nas receitas feitas pelos participantes, principalmente daqueles que geraram mais discussão nos encontros. Mas como observado na tabela, a incidência ainda foi alta levando em consideração todo o contexto.

Ainda que o risco de erro seja inerente às nossas atividades, é necessário que haja o maior cuidado possível para que se possa garantir a proteção dos pacientes, assegurando sua segurança. Deve-se reconhecer aquilo que leva o profissional a cometer esses erros, ter ciência dos protocolos de prescrição e criar estratégias para construção de receituários de qualidade.

Sousa e colaboradores (2019) citam a digitação das prescrições pelos prescritores como uma das estratégias para prevenir e/ou minimizar os erros de prescrição, uma vez que possuem melhor legibilidade e padrão de preenchimento já pré-estabelecido. Porém, por si só a digitalização sozinha não garante um processo de preenchimento seguro se o profissional prescritor não tiver conhecimento acerca das informações essenciais.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa permitiu conhecer os principais tipos de erros de prescrição cometidos pelos prescritores de uma unidade de saúde, sendo estes a ausência de dose/concentração, ausência de assinatura, prescrição fora da DCB, prescrição pela enfermagem de medicamentos não autorizados e ausência de posologia. Com fundamento nos principais erros, foi possível o desenvolvimento de processos de Educação Permanente em Saúde, no sentido de qualificação e transformação das práticas relacionadas à prescrição e enfatizando a importância do preenchimento correto das receitas.

Um dos aspectos que destacamos foi a impossibilidade de orientar os profissionais sobre o preenchimento adequado de laudos destinados à Farmácia de Medicamentos Especiais, em virtude da dificuldade em acessar esses documentos, pois eles não ficam de posse da farmácia, sendo enviados a Coordenadoria Regional de saúde, impossibilitando assim o conhecimento dos erros mais prevalentes.

A análise das receitas após a intervenção permitiu constatar que a sensibilização dos profissionais não aconteceu no grau esperado, uma vez que os principais erros detectados antes da intervenção continuaram a ser cometidos. Houve uma redução desses erros, mas esta não foi satisfatória, o que pode estar relacionado com a realização de apenas um encontro com cada profissional, à compreensão dos prescritores quanto às regulamentações, à pressa durante as consultas, à não digitalização das receitas e até mesmo o interesse pessoal de cada um.

Desse modo, não foi possível garantir a administração correta das medicações pelos usuários, uma vez que os erros continuaram presentes em algumas prescrições.

Os resultados encontrados no estudo demonstram que os profissionais precisam se atentar para cumprir os requisitos exigidos pelas RDC 344/98 e 20/2011, e pela portaria 05/2019 da SMS do município, e que um encontro com cada prescritor não foi suficiente para melhoria da qualidade das receitas.

Neste contexto, fica claro que os erros de prescrição são um problema na unidade e consequentemente para os pacientes, fazendo-se necessário uma maior atenção para a capacitação dos profissionais durante a formação acadêmica, bem como constante atualização através de processos de educação permanente em saúde e/ou educação continuada.

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1Farmacêutica. Especialista em caráter de Residência Multiprofissional Saúde da Família pela Universidade Estadual Vale do Acaraú/Escola de Saúde Pública Visconde de Saboia. E-mail: ana_edmir@hotmail.com.

2Fisioterapeuta. Doutorando em Saúde da Família. Universidade Estadual Vale do Acaraú / Rede Nordeste de Formação em Saúde da Família. E-mail: netoarruda@live.com.

3Farmacêutica. Especialista em Saúde da Família pela Escola de Saúde Pública Visconde de Saboia. E-mail: andressa_ponte@hotmail.com.

4Profissional de Educação Física. Mestre em Saúde da Família pela Universidade federal do Ceará. E-mail: victor.rib12@gmail.com.

5Farmacêutica. Especialista em Saúde Pública com ênfase em Saúde da Família pela Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera. E-mail: samara.mends@gmail.com.

6Nutricionista. Especialista em caráter de Residência Multiprofissional Saúde da Família pela Universidade Estadual Vale do Acaraú/Escola de Saúde Pública Visconde de Saboia. E-mail: bernardo.milena1@gmail.com.

7Farmacêutica. Especialista em caráter de Residência Multiprofissional Saúde da Família pela Universidade Estadual Vale do Acaraú/Escola de Saúde Pública Visconde de Saboia. E-mail: nuriawilhellm@gmail.com.