QUALIDADE DE VIDA DE PACIENTES PÓS-ALTA DE UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA COVID-19

QUALITY OF LIFE OF POST-DISCHARGE PATIENTS OF THE THERAPY UNIT INTENSIVE COVID-19

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7729709


Larissa Vasconcelos de Alencar1
Jackeline da Costa Ferreira Alencar2
Graziela Sousa Nogueira3,4


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi avaliar a qualidade de vida de pacientes após alta de uma Unidade de Terapia Intensiva Covid-19. Trata-se de uma pesquisa descritiva, exploratória, com delineamento transversal, de caráter quantitativo. Participaram 55 pacientes que estiveram internados na Unidade de Terapia Intensiva Covid-19 de uma rede pública de saúde do DF e que receberam alta entre o período de março a setembro de 2021. A coleta de dados ocorreu por meio de contato telefônico, entre os meses de junho e setembro de 2022. Foram utilizados um questionário geral com dados sociodemográficos e clínicos e a versão brasileira do questionário de qualidade de vida SF-36. A maioria dos participantes eram do sexo masculino

(52,7%), casados (50,9%), pardos (49%), com ensino médio completo (34,5%), evangélicos (43,6%) e exerciam alguma atividade laboral (60%). Foi observado que após alta da UTI o capacidade física (71,09%) foi o menos prejudicado, enquanto a vitalidade (51,36%) foi a mais comprometida em termos de qualidade de vida. Foram identificadas associações entre os domínios da qualidade de vida e os aspectos sociais e clínicos. Assim, este estudo evidenciou que pacientes que ficaram internados em UTI Covid-19 apresentam prejuízos em sua qualidade de vida após a alta hospitalar, o que remete à importância da adoção de medidas que previnam danos em termos biopsicossociais e favoreçam a reabilitação deste público.

PALAVRA-CHAVE: Qualidade de vida; UTI; Covid-19.

ABSTRACT

The aim of this study was to evaluate the quality of life of patients after discharge from a Covid19 Intensive Care Unit. This is a descriptive, exploratory research, with a cross-sectional design of quantitative character. Participants were 55 patients who were hospitalized in the Covid-19 Intensive Care Unit of a public health network of the Federal District and who were discharged from the hospital between March and September 2021. Data were collected through telephone contact between June and September 2022. A general questionnaire with sociodemographic and clinical data and the Brazilian version of the Quality of Life questionnaire SF-36 were used. Most of the participants were male (52.7%), married (50.9%), brown (49%), with complete high school education (34.5%), evangelicals (43.6%) and who performed some work activity (60%). It was observed that after discharge from the ICU, physical functioning (71.09%) was the least impaired, while vitality (51.36%) was the most compromised in terms of quality of life. Associations were identified between the domains of quality of life and social and clinical aspects. Thus, this study demonstrated that patients who were hospitalized in COVID-19 ICU present impairments in their quality of life after hospital discharge, which refers to the importance of adopting measures that prevent damage in biopsychosocial terms and favor the rehabilitation of this public.

KEYWORD: Quality of life; ICU; Covid-19.

1 INTRODUÇÃO

Em fevereiro de 2020 foram registrados os primeiros casos de infecção pelo coronavírus SARS-CoV-2, no Brasil. De acordo com o Ministério da Saúde (Ministério da Saúde, 2020), a Covid-19 é uma infecção respiratória aguda que tem como causa o coronavírus SARS-CoV-2. Trata-se de um doença potencialmente grave, de elevada transmissibilidade, que se disseminou pelo mundo, com milhões de casos confirmados.

Estudos recentes realizados pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS, 2021), juntamente com a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2021), mostram que a doença atinge principalmente o trato respiratório. Sabe-se que 15% desenvolvem sintomas graves podendo evoluir com um quadro crítico de síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), choque séptico, insuficiência renal aguda, insuficiência hepática, insuficiência cardíaca, acidente cerebrovascular, sendo observadas também sequelas psiquiátricas e psicológicas. A incidência de complicações da Covid-19 ocorre principalmente em pessoas que apresentam algum fator de risco como comorbidades, tabagismo e idade mais avançada.

Mesmo com as estratégias de contenção do vírus, a quantidade de infectados continuou crescendo drasticamente e elevando os números de internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) destinadas ao tratamento da Covid-19. De acordo com uma análise realizada pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira – AMIB (2020), até 24 de abril de 2020, cerca de 93% das UTIs no Brasil tinham um plano de contingência e o crescimento do quantitativo de leitos de UTIs no Centro Oeste era superior a 29%. 

Conforme a Resolução nº 2.271, de 14 de fevereiro de 2020, as Unidades de Terapia Intensiva dispõem de recursos tecnológicos de alta complexidade para oferecer assistência ao paciente crítico com objetivo de reduzir o risco de mortalidade. Apesar de toda estrutura, os tratamentos de suporte de vida como uso de sedação contínua, necessidade de ventilação mecânica e diálise, entre outros, são muito invasivos e podem perdurar por um longo período de tempo, reduzindo a capacidade funcional do paciente em decorrência das sequelas ocasionada no processo de internação e adoecimento. Esses sintomas podem perpetuar-se meses após a alta hospitalar e são conhecidos como Síndrome Pós Terapia Intensiva (SPTI). 

Needham (2012) utiliza o termo SPTI para descrever a ocorrência de um conjunto de incapacidades físicas, cognitivas e mentais adquiridas ou agravadas após uma doença crítica e a permanência na UTI. A Síndrome Pós Terapia Intensiva pode causar um grande impacto na qualidade de vida dos indivíduos, que, geralmente, apresentam sintomas duradouros, dificultando o retorno ao trabalho e limitando a autonomia para realizar hábitos diários. 

Além dos sintomas recorrentes do período de internação em UTI, há também outro agravante que pode comprometer a qualidade de vida dos pacientes com Covid-19 após a alta hospitalar. Essa condição tem sido chamada de “Long Covid” ou “Síndrome pós-covid”. De acordo com Greenhalgh (2020), aproximadamente 10% das pessoas experimentam sintomas prolongados da Covid-19 após 06 meses de alta hospitalar. Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul alegam que os pacientes que necessitam de internação, especialmente em UTI, podem apresentar sintomas residuais mais frequentes, cerca de 80% dos pacientes reportaram pelo menos um sintoma após 60 dias do início do quadro. Esses sintomas clínicos persistentes comprometem múltiplos sistemas, principalmente o sistema respiratório. Atualmente há poucos estudos que investigam essa população, por essa razão, não se sabe ao certo a prevalência e gravidade desses sintomas. Todos esses fatores interferem diretamente na qualidade de vida dessas pessoas.

 A Organização Mundial da Saúde definiu qualidade de vida como “a percepção do indivíduo de sua inserção na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (WHO, 1994, p.11). Envolve várias dimensões subjetivas da vida do indivíduo como o bem-estar físico, mental, social e espiritual, é um componente fundamental para a saúde por indicar outros aspectos que vão além do componente biológico. 

As mudanças que ocorrem na vida cotidiana do indivíduo afetado pelas sequelas deixadas por alguma doença podem gerar prejuízos permanentes na funcionalidade e independência de cada pessoa. Avaliar os efeitos da doença sobre a qualidade de vida desses pacientes auxilia na elaboração de novas medidas de enfrentamento objetivando prevenir e reduzir a incidência de agravantes após a alta hospitalar da Unidade de Terapia Intensiva Covid-19. 

2 MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa descritiva, exploratória, com delineamento transversal, de caráter quantitativo. Foram selecionados pacientes que estiveram internados em Unidade de Terapia Intensiva especializada no tratamento da Covid-19 da rede pública de saúde do Distrito Federal, Brasil. 

Os critérios de inclusão foram: ter recebido alta da UTI Covid-19 entre março e setembro de 2021, ser alfabetizado e maior de 18 anos. Foram excluídos da pesquisa participantes com algum comprometimento cognitivo que impossibilita a resposta aos questionários e que não tivessem acesso aos recursos necessários, como telefone celular ou fixo.

A coleta dos dados foi realizada por meio de contato telefônico com o participante entre os meses de junho e setembro de 2022, após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos – CEP-FEPECS (Parecer nº 5.373.508; CAAE nº 57753822.5.0000.5553), atendendo as normas de acordo com a Resolução Nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil e a Resolução Nº 510/16. 

Participaram da pesquisa 55 pessoas. Estes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), enviado por um link por Whatsapp. A resposta aos instrumentos da pesquisa foi feita em formato de entrevista, por meio de contato telefônico.

 Os instrumentos utilizados no estudo foram um questionário estruturado referente aos dados sociodemográficos e clínicos constituído por 12 questões que abordam as variáveis sociodemográficas (estado civil, religião, escolaridade, raça, trabalho atual), relativas à saúde (doenças crônicas, uso de medicamentos, problemas psicológicos/psiquiátricos e acompanhamento psicológico) e comportamentais (uso de tabaco, bebida alcoólica e prática de atividade física), e a Versão Brasileira do Questionário de Qualidade de Vida – SF-36 (Ciconelli, 1997). O SF-36 é um instrumento traduzido, adaptado e validado para a língua portuguesa, composto por 36 itens que inclui 08 domínios, sendo eles: capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral da saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental. Quanto maior o escore (mais próximo de 100%) melhor a qualidade de vida percebida em cada domínio.

As informações coletadas durante a entrevista telefônica foram registradas em uma planilha no Excel para facilitar a análise dos dados. Para a análise estatística, foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 29.

Foi realizada análise estatística descritiva para calcular a média e desvio padrão (DP) das variáveis contínuas e a frequência das variáveis categóricas. Os testes de normalidade, Smirnov e Shapiro-Wilk foram utilizados para verificar se as variáveis eram normalmente distribuídas, sendo tal pressuposto violado. Assim, optou-se por utilizar testes nãoparamétricos. Foi conduzido o Teste de correlação de Spearman, o Teste de Mann-Whitney e o Teste de Kruskall Wallis para verificar a relação entre as variáveis sociodemográficas e os domínios da qualidade de vida. O nível de significância estatística utilizado foi de p≤0,05. 

3 RESULTADOS

 Foram incluídos nessa pesquisa 55 participantes, sendo 29 do sexo masculino e 26 do sexo feminino, que correspondem respectivamente a 50,9% e 47,3% da total da população estudada. Com relação ao perfil sociodemográfico mais prevalente: 50,9% eram casados; 49% se declararam pardos; 34,5% possuíam ensino médio completo; 43,6% eram evangélicos; e 60% exerciam alguma atividade laboral.

Com relação à saúde dos participantes: 47,3% responderam não ter nenhuma doença crônica prévia; 52,7% faziam uso de algum medicamento; 80% afirmaram não possuir nenhuma doença psicológica e/ou psiquiátrica; e 80% não realizavam acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico. 

O perfil comportamental desses participantes mostrou que 78,2% não faziam uso de bebida alcoólica; 96,4% não fumavam; e 50,9% informaram que não realizam atividade física. Durante o período de internação na UTI, 83,6% fizeram uso de sedação e 80% de ventilação mecânica. O detalhamento dos dados sociodemográficos e clínicos podem ser visualizados na Tabela 1. 

Tabela 1 : Perfil Sociodemográfico e Clínico

No que se refere a idade dos participantes e os dias de internação em UTI, as médias obtidas foram, respectivamente, de 47,65 (DP = 12,36) anos e 20,84 (DP = 14,67) dias de internação. Com relação aos domínios de qualidade de vida avaliados por meio do Questionário SF-36, ao se fazer a média do escore do instrumento que varia de 0-100% (100% = melhor qualidade de vida), os domínios menos prejudicados foram o capacidade física (M = 71,09%), os aspectos emocionais (M= 65,45%) e estado geral de saúde (M = 60,90%). Já os domínios que se mostraram ter sido mais afetados pelo adoecimento foram a vitalidade (M = 51,36%), os aspectos sociais (M = 52,68%) e a limitação física (M = 55,45%) (Tabela 2). 

Tabela 2 : Domínios da Qualidade de Vida analisados pelo Instrumento SF-36

Conforme a Tabela 3, o Teste de Correlação de Spearman mostrou que houve correlação estatisticamente significativa entre a variável idade e o domínio do capacidade física (rs = -0,3, p = 0,03). A correlação entre as variáveis sinalizam que os participantes com maior idade tiveram um pior capacidade física.

Em relação aos dias de internação, houve associação positiva com saúde mental (rs = 0,273, p = 0,04). Desta forma, uma melhor saúde mental foi evidenciada naqueles participantes que permaneceram mais tempo internados na UTI.  

Tabela 3 : Teste de Correlação de Spearman (rs)

Houve também associação entre os domínios de qualidade de vida e as variáveis sociodemográficas e clínicas (Tabela 4 e 5). Foram identificadas associações estatisticamente significativas entre sexo e qualidade da vida, sendo que as mulheres diferiram dos homens nos domínios aspectos emocionais (p = 0,004), aspectos sociais (p = 0,001), dor (p = 0,043) e saúde mental (p = 0,002), sendo pior sua qualidade de vida.

 Também foram observadas diferenças com relação à situação laboral, sendo que os indivíduos que trabalham apresentaram melhor qualidade de vida nos domínios sobre limitações físicas (p = 0,25), aspectos emocionais (p = 0,008) e vitalidade (p = 0,030). Foi identificada associação estatisticamente significativa entre doença crônica e pior qualidade de vida nos domínios: limitações físicas (p = 0,032) e estado geral de saúde (p = 0,020).

 O uso de medicamentos também estiveram associados a prejuízos na qualidade de vida nos aspectos: limitações físicas (p = 0,010) estado geral de saúde (p = 0,045) e aspectos sociais

(p = 0,021) também foram prejudicados. Os aspectos emocionais (p = 0,005), a saúde mental (p = 0,001), os aspectos sociais (p = 0,011) e o estado geral de saúde (p = 0,009) foram piores em participantes com alguma doença psicológica/psiquiátrica. Aqueles que faziam acompanhamento psicológico/psiquiátrico também obtiveram pior qualidade de vida nos domínios: aspectos emocionais (p = 0,009), a saúde mental (p = 0,010), os aspectos sociais (p = 0,029) e o estado geral de saúde (p = 0,016). 

Os resultados mostraram que o consumo de bebidas alcoólicas funcionou como um fator protetor para uma melhor qualidade de vida estando associado aos domínios limitação física (p = 0,013), aspectos emocionais (p = 0,008), saúde mental (p = 0,023) e aspectos social (p = 0,027). Assim, aqueles que faziam uso de álcool tiveram melhor funcionamento biopsicossocial. Sobre o uso de tabaco, como apenas 3,6% dos participantes declararam fazer uso da substância, não houve variabilidade de respostas, não sendo, portanto, possível realizar os testes estatísticos com esta variável. As variáveis realização de atividade física e ter permanecido sedado e/ou entubado durante o período de internação, não estiveram associadas a nenhum domínio da qualidade de vida. 

 Tabela 4 : Teste de Mann-Whitney (U)

O teste de Kruskall Wallis não evidenciou associação entre a religião, a raça e a escolaridade dos participantes não influenciaram e os domínios da qualidade de vida. Entretanto, quando se trata do estado civil, os solteiros demonstraram melhor vitalidade (p = 0,036).

Tabela 5 : Teste de Kruskall Wallis (H)

4 DISCUSSÃO

Conforme demonstrado na presente pesquisa, a maioria das pessoas sobreviventes de Covid-19 apresentam diferentes níveis de prejuízos no que tange à saúde física e mental pós alta hospitalar de UTI, interferindo diretamente em sua qualidade de vida. 

Em relação aos domínios da qualidade de vida os dados apresentados mostraram que a capacidade física, os aspectos emocionais e o estado geral de saúde foram os domínios menos prejudicados. Em contrapartida, entre os domínios mais afetados pelo adoecimento estão a vitalidade, os aspectos sociais e a limitação física. Os dados relativos aos estudos de Martins, L. K. et al. 2020 denotam que a limitação física é um dos domínios mais impactados pela Covid-19, contribuído diretamente para a redução do escore médio de qualidade de vida dos participantes e diferente dos dados apresentados, os aspectos emocionais segue como o segundo domínio mais prejudicado a longo prazo.

Fatores relacionados a idade, sexo, situação conjugal, situação laboral, presença de comorbidades, tempo de internação na UTI, uso de medicamentos, transtorno psicológico/psiquiátrico e acompanhamento psicológico/psiquiátrico também apresentaram associação entre os domínios da qualidade de vida.

Um dos fatores que esteve associado com qualidade de vida foi a idade dos participantes. A idade avançada pareceu ser um fator de risco para pior qualidade de vida de pessoas que tiveram a Covid-19, sendo que quanto maior a idade pior o capacidade física. Dados da OPAS (2021) mostraram que pessoas com idade mais avançada têm maior probabilidade de desenvolver a doença de forma grave e consequentemente ter sequelas, incluindo o domínio físico.   

No que se refere ao gênero, o estudo mostrou que as mulheres apresentaram uma pior qualidade de vida com relação aos aspectos emocionais e sociais. Indo de encontro com esses achados, Guirado et al. (2020) considera que o público feminino está mais suscetível a desenvolver sintomas de estresse pós-traumático e depressão relacionados à Covid-19. Fato talvez relacionado à condição das mulheres e seu papel social, o que inclui dupla jornada de trabalho, na qual conciliam muitas vezes a atividade laboral formal com tarefas domésticas e o cuidado com os filhos. Somado a isso possuem variações hormonais nos períodos de reprodução ou menopausa, o que torna as mulheres naturalmente mais vulneráveis ao desenvolvimento de sintomas de depressão e ansiedade. Com base na pesquisa de Carvalho et al. (2021) idosos e mulheres mostraram uma pior percepção de sua qualidade de vida, reforçando os presentes achados.

A percepção de dor também foi um fator que interferiu negativamente na qualidade de vida das mulheres, aspecto que tende a aumentar significativamente com o envelhecimento. A presença de doenças crônicas em mulheres e idosos se associa a um menor escore na qualidade de vida (Ping et al., 2020). Este estudo mostrou que participantes que possuem alguma doença crônica, e também aqueles que fazem uso de medicamentos, têm uma pior qualidade de vida, principalmente em relação aos aspectos físicos. Esses dados corroboram com investigações que mostram que possuir alguma doença crônica pode alterar significativamente a capacidade física, interferindo no desempenho laboral e nas atividades diárias (Martins, 1996).

A saúde mental foi um dos domínios mais afetados entre os que afirmaram possuir alguma doença psicológica/psiquiátrica. O processo de adoecimento e hospitalização pode desencadear reações emocionais mais intensas em pacientes com transtorno mental pregresso, sendo eles mais propensos ao risco de infecção e morte relacionada à Covid-19, sendo assim, o número de pessoas com alguma doença psicológica/psiquiátrica que sofrem com o impacto de um momento de crise global, como uma pandemia, possuem maior dificuldade de ajustamento e estão mais propensas a piora de sua saúde mental. (JeonYeon, 2021).

Em relação aos dados clínicos, não houve associação entre qualidade de vida com histórico de sedação e intubação durante o período de internação. Esses dados diferem dos achados de outras pesquisas. Apesar do êxito dos serviços de cuidados intensivos que resultaram em um número elevado contingente de sobreviventes, muitos desenvolveram sintomas conhecidos como síndrome pós-terapia intensiva (SPTI). Segundo Hosey (2020), mesmo após a alta hospitalar, há registros da ocorrência de sintomas associados à redução da função física, ao comprometimento cognitivo e ao aparecimento ou agravamento de sintomas psicológicos que, consequentemente, interferem na qualidade de vida, podendo prevalecer por até 24 meses após a doença crítica, principalmente em pacientes que foram submetidos à ventilação mecânica.

De maneira intrigante, os dados desta pesquisa mostraram associação entre mais dias de internação e melhor saúde mental. Pesquisas anteriores afirmam que a internação prolongada pode desencadear vários sintomas físicos e psicológicos causados pelo próprio ambiente devido a exposição de ruídos, alterações do sono vigília e procedimentos invasivos, além de provocar sentimento de medo e desamparo gerados pelo quadro clínico grave e a ausência de uma rede de apoio presente (Lucchesi, 2008). Uma explicação possível para esses achados divergentes é que aqueles internados podem ter recebido assistência multiprofissional psicológica com mais frequência e ao receberem alta, após um longo período de hospitalização, conseguiram ressignificar o processo de adoecimento de forma mais funcional. Assim, essa percepção sobre seu estado de saúde atual e o sentimento de ter sobrevivido a uma doença grave, pode ter colaborado para uma classificação mais elevada sobre a qualidade de vida no que tange a saúde mental. 

Considerando o estado civil, o estudo mostra que os participantes que se declaram solteiros demonstraram melhor vitalidade. Outros estudos encontraram dados divergentes, associando o fato de estar em um relacionamento estável a melhor qualidade de vida, incluindo o domínio da vitalidade (Carvalho MCT, et al. 2021). Podemos supor que participantes solteiros são os mais jovens e estão entre os que apresentam menor índice de comprometimentos na saúde, sendo mais ativos para exercerem suas atividades laborais e sociais. 

Exercer alguma atividade laboral foi uma condição indicativa de melhor qualidade de vida nos domínios limitações físicas, aspectos emocionais e vitalidade. Em situações de crise econômica e confinamento social causados pela pandemia, desenvolver algum papel funcional pode promover sentimentos de pertencimento, identidade e bem-estar importantes na estrutura física, psíquica e social dos indivíduos tal fato que são reforçadas efetivamente no ambiente de trabalho. (Mello, A.S et al. 2022)

Neste estudo a realização de atividade física não esteve associada a nenhum domínio da qualidade de vida, contrário do que era esperado pelas pesquisadoras. Celis-Morales (2020), em seu estudo sobre sedentarismo em tempos de pandemia por Covid-19, afirmou que a diminuição dos níveis de atividade física, reação inevitável das condições de confinamento, acarreta consequências graves a curto e médio prazo. A prática de exercício físico é um fator de proteção para a saúde, pois aumenta a imunidade e melhora significativamente a qualidade de vida promovendo bem-estar físico e emocional. 

Outro achado curioso da presente pesquisa foi a associação entre melhor qualidade de vida e uso de álcool principalmente em relação aos domínios limitação física, aspectos emocionais, saúde mental e aspectos social. 

Estudos recentes revelam que o consumo de bebidas alcoólicas enfraquece o sistema imunológico e diminui a capacidade do organismo de combater as doenças infecciosas como a Covid-19, o que pode elevar o risco de infecção durante a pandemia (Garcia, 2020). Contudo, cabe mencionar que o uso moderado de bebidas alcoólicas pode ser considerado um elemento de sociabilidade, estando associada a diversão e alegria adquirindo ás vezes uma conotação benéfica. (Rosa & Nascimento, 2015)

Na contramão da literatura, na presente investigação não foram encontradas associações entre religião e qualidade de vida. A religião pode ser considerada uma das estratégias utilizadas para o enfrentamento de situações adversas, como doenças físicas, mentais ou o luto, já que funciona como uma forma de buscar conforto, bem-estar e apoio social (Melo, 2015) Por fim, nesse estudo a variável raça não afetou nenhum dos domínios de qualidade de vida, sendo que houve pouca variabilidade nas respostas, com a maioria dos participantes se declarando pardos. Foram encontrados estudos que defendem que a raça é um fator importante para infecção, agravamento e qualidade de vida no contexto de pandemia da COVID-19 (Faghri & Pouran, 2021). Segundo estes autores, os afro-americanos e latinos possuem um maior risco de contrair Covid-19, sendo registradas altas taxas de hospitalização que são atribuídas ao acesso limitado aos cuidados com a saúde e maior exposição ao vírus, considerando que grande parte vive em situação de vulnerabilidade social, o que acarreta uma pior qualidade de vida.

A presente pesquisa demonstrou que a qualidade de vida de pessoas que receberam alta da UTI Covid-19 pode ser prejudicada em vários domínios, sendo que aspectos sociodemográficos e clínicos exercem influência sobre a mesma. Verificou-se também que a média de idade é relativamente menor em relação a outros estudos o que pode ter interferido nos escores mais altos, gerando um impacto moderado em relação a qualidade de vida. 

Como limitação deste estudo cita-se a condução da investigação em uma única instituição e localidade do país, o que pode limitar a generalização dos achados. Sugere-se para estudos futuros, a replicação da pesquisa em outras localidades; acompanhamento longitudinal dos participantes com intuito de verificar se os prejuízos na qualidade de vida se mantêm e por quanto tempo. 

Espera-se que os achados aqui apresentados direcionem políticas de saúde voltadas à atenção da população sobrevivente de Covid-19 grave, favorecendo o processo de reabilitação física e ajustamento psicossocial de maneira a impactar positivamente a qualidade de vida dos acometidos.

REFERÊNCIAS

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1Psicóloga Residente do Programa de Residência Multiprofissional em Terapia Intensiva da Escola Superior de Ciências da Saúde. Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. SMHN, Quadra 3, Conjunto A, Bloco 01, Edifício Fepecs, Setor Médico Hospitalar Norte, Conjunto A, Bloco 01, Edifício Fepecs -Asa Norte, Brasília -DF, CEP: 70710-907.
2Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO).  Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, Programa de Residência Multiprofissional em Terapia Intensiva da Escola Superior de Ciências da Saúde. Q2, Cj K, Lote 1, Paranoá, Brasília –DF, CEP: 71570-050
3Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, Programa de Residência Multiprofissional em Terapia Intensiva da Escola Superior de Ciências da Saúde. QNM
4Área Especial 1 QNM 28 – Ceilândia, Brasília – DF. CEP: 72.215-270