REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7907479
Felipe Pereira Soares da Silva1
RESUMO
Antes da Lei n. 14.112/2020 , a falência era um processo demorado, custoso e que recuperava pouco da dívida. Com isso, o falido, que fica inabilitado desde a decretação da falência, demorava muitos anos a voltar ao mercado empreendedor ou nem voltava. Ainda, eram utilizadas empresas “laranjas”, durante esse meio tempo para que o falido continuasse a empreender. Após o advento da Lei n. 14.112/2020 houve a inserção do fresh start, instituto do direito estadunidense, no processo falimentar brasileiro, ocasionando mudanças nas hipóteses de extinção das obrigações do falido. Assim, o objetivo do presente artigo é descrever e analisar qual é o propósito do fresh start. Para tanto, foi utilizado método bibliográfico documental. Os resultados encontrados foram que, com as mudanças do art. 158 da Lei nº 11.101/ 2005, espera-se que o empresário volte ao mercado regularmente ao menos 3 anos após a decretação da falência (art. 158, V). Uma inovação que busca dar celeridade ao processo falimentar, posto que antes hipótese semelhante previa a necessidade de se aguardar 5 anos do encerramento da falência, caso o empresário não tivesse cometido crime. Com isso, conclui-se que o propósito do fresh start é fomentar o empreendedorismo, ao estimular que empresários em situação de insolvência encerrem suas atividades regularmente pelo procedimento de falência e voltem o mais brevemente possível ao mercado com novos negócios e gerando novos empregos.
Palavras-chave: fresh start. falência. reemprendedorismo. discharge. obrigações.
ABSTRACT:
Before the Law n. 14.112/2020, the bankruptcy was a time-consuming costly process which used to recover just a little of the debt of the bankrupt. As a result, the bankrupt, who has been prohibited to continue with his activities at his company since the declaration of the bankruptcy by the judge, used to take many years to return to the entrepreneurial market or did not return at all. Moreover, irregular companies were used during the meantime by the bankrupt to be able to continue to undertake. After the Law n. 14.112/2020 there is the insertion of the fresh start, institute of US law, in the Brazilian bankruptcy process, causing changes in the hypotheses of the bankrupt’s obligations. So, the purpose of this article is to analyze and describe what is the purpose of the fresh start. For that, the documentary-bibliographic method was used. The results we found were that, with the changes in art. 158 of Law nº 11.101/2005, it is expected that the entrepreneur can return to the market regularly in just 3 years after the declaration of bankruptcy (art. 158, V) by the judge. So, it is an innovation that seeks to speed up the bankruptcy process, since before it the bankrupt needed to wait 5 years from the end of the bankruptcy process, if the entrepreneur had not committed a crime. With the innovation of the fresh start, the purpose of fresh start is to encourage entrepreneurship, by encouraging insolvent entrepreneurs to end their activities regularly through the bankruptcy process and return as soon as possible (just waiting 3 years) to the market with new businesses and generating new jobs.
Keywords: fresh start. bankruptcy. entrepreneurship. discharge. obligations.
1 INTRODUÇÃO
Diante da insolvência, isto é, maior quantidade de passivo (dívidas, obrigações) do que ativos (patrimônio), o empresário não possui alternativa a não ser pedir sua falência para encerrar suas obrigações regularmente, isto é, em conformidade com a lei. No mesmo sentido, caso ele assim não o faça, seus credores não possuem saída a não ser entrar com pedido de falência do empresário na Justiça.
A falência então é esse instituto jurídico no qual, seja por iniciativa própria (pedido de autofalência), seja por pedido dos credores (hipóteses dos arts. 97 e 94 da Lei n. 11.101/2005.1), o empresário vai passar por um procedimento no qual os bens da empresa serão arrecadados, alienados e o proveito obtido será utilizado para pagamento dos credores, observando-se uma certa ordem de preferência para os pagamentos (art. 149 da Lei n. 11.101/2005).
O empresário, desde a sentença de declaração de falência, fica impedido de exercer atividade empresarial (art. 102), só podendo voltar quando suas obrigações forem extintas e quando cumpridas uma das hipóteses do art. 158.
A falência possui como objetivo, portanto, acertar as obrigações, extinguindo-se essa empresa que não deu certo, saneando o mercado.
Ao menos era o que se pensava antes do advento da Lei n. 14.112/2020.
Com a Lei n. 14.112/2020 , houve o surgimento do fresh start no ordenamento jurídico brasileiro. Isso porque o fresh start vem da legislação estadunidense, do Bankruptcy Code (“Código Falimentar dos EUA”), inspirado no instituto do discharge, como será aprofundado em dado momento deste artigo.
O fresh start, como se verá adiante, é um novo começo, é a adoção de mudanças na Lei n. 11.101/2005, principalmente nos dispositivos sobre a extinção das obrigações do falido (art. 158), para a promoção de um retorno mais rápido à atividade empresária. Com a Lei n. 14.112/2020, a hipótese mais viável de o falido obter a extinção de suas obrigações é aguardar o decurso de 3 anos da decretação da falência (art. 158, V). Anteriormente, esse prazo era em regra de 5 anos, contados não da decretação da falência mas do encerramento do processo de falência.
Com isso, a falência parece que toma outro rumo: não mais o saneamento do mercado ou a punição do falido, mas o reempreendedorismo por meio da reinserção mais rápida do falido no mercado.
Note-se que o encerramento de uma falência demora anos, tratando-se a falência de um processo demorado, custoso e que recupera pouquíssimo da dívida, como será abordado futuramente.
Tendo isso em vista, o tema deste artigo será o fresh start, abordando aspectos do Direito Falimentar Brasileiro, especialmente a reforma trazida pela Lei n. 14.112/2020 à Lei nº 11.101/2005. Nesse sentido, trabalha-se com a seguinte problemática: “ qual é o propósito do fresh start?”.
Vislumbra-se ainda a importância e atualidade de responder a essa pergunta, haja vista a relevância social, econômica e jurídica do instituto do fresh start na falência.
Por primeiro, ressalta-se que este instituto foi trazido pela Lei n. 14.112/2020 tratando-se, portanto, de um instituto recente, que possui apenas cerca de 2 anos de implementação, sendo incerta como se dará sua aplicação. Nesse sentido, segundo o art. 5º da Lei 14.112/2020, a extinção das obrigações do falido com fundamento no inciso V do artigo 158 somente será possível de ser aplicada às falências decretadas a partir de 23 de janeiro de 2021.
Ademais, o impacto deste instituto no processo de falência é notável. Como será visto, a legislação falimentar anterior previa hipóteses de extinção das obrigações do falido muito difíceis de serem cumpridas, dentre elas a necessidade de se aguardar 5 anos do encerramento da falência, ou 10 anos caso o empresário tenha cometido crime falimentar. A legislação atual altera o prazo para 3 anos da decretação da falência pelo juiz, reduzindo sobremaneira o tempo de espera para a volta ao mercado.
Nota-se o impacto dessa alteração quando se tem a seguinte realidade no Estado de São Paulo, o qual possui o maior tribunal de justiça do Brasil: a média para encerramento de um processo de falência no TJSP é de 10 anos e os processos só recuperam 6% da dívida2. Ou seja, para voltar ao mercado, o falido precisaria esperar pelo menos 15 anos.
Nesse sentido, destaca-se que, como já visto, a falência é o instituto jurídico para o empresário que quer encerrar suas obrigações em conformidade com a lei. Negócios quebram o tempo todo e isso faz parte do risco de empreender. Assim, a falência deveria ser um instituto muito utilizado no Brasil, sobretudo porque menos de 40% das empresas criadas no Brasil conseguem sobreviver após cinco anos de atividades.3
Dentre os tipos de empresário é o MEI (Microempreendedor Individual), o tipo mais adotado no Brasil e o que apresenta maior taxa de mortalidade4.Contudo, como trazido pelo estudo do Observatório da Insolvência, desenvolvida pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) em parceria com o Núcleo de Estudos de Processos de Insolvência (NEPI) da PUC-SP, as sociedades limitadas estão na maioria dos processos de falência no estado de São Paulo, enquanto empresários individuais representam apenas 4,4% dos processos de falência no TJSP.
O que ocorre, então, é que as empresas simplesmente fecham as portas e encerram suas atividades irregularmente, sem passar pelo procedimento de falência. Na realidade, o empresário se utiliza de “laranjas”, novas empresas criadas sob o nome de outras pessoas, para criar um novo negócio no mercado. Soma-se à problemática da demora ainda, o estigma cultural acerca da figura do falido: alguém que fracassou e deve ser punido.
Verifica-se então a importância de um procedimento mais célere de reinserção desse empresário, como propõe o fresh start, de modo que o falido não se utilize mais de “laranjas”, mas encerre suas atividades regularmente, abra um novo negócio, trazendo soluções a vida das pessoas e novos empregos, girando a roda do empreendedorismo.
Diante desse cenário, o objetivo geral deste artigo é identificar qual é o propósito do fresh start. Dessa maneira, ressalta-se que são objetivos específicos: analisar a legislação brasileira sobre o tema, identificar as semelhanças com o instituto do discharge estadunidense, identificar os impactos da aplicação do fresh start no empreendedorismo brasileiro e no processo de falência.
O artigo adota o método bibliográfico, uma vez que serão analisados artigos, documentos, teses, estudos etc. já publicados, bem como doutrina sobre o tema fresh start. Para a procura de artigos científicos, foram utilizadas bases de dados como Google Acadêmico, BDTD (Banco de Teses e Dissertações), Scielo etc. Foram utilizadas as palavras-chaves “fresh start falência”. Além disso, foi analisada a legislação brasileira sobre o fresh start, especialmente, a Lei de Falência e Recuperação de Empresas (LFRE) (Lei n. 11.101/2009), por isso também é uma pesquisa documental.
Por fim, o presente trabalho será dividido em 6 capítulos. No capítulo 1, será abordado mais sobre o conceito do fresh start. O capítulo 2, por sua vez, ficou destinado a explicar a inspiração norte-americana no fresh start brasileiro. Com isso, o capítulo 3 trata da comparação dos cenários antes e depois do advento da Lei 14.112/202 em relação à extinção das obrigações do falido (art. 158). Destaca-se ainda o capítulo 4 o qual explicará por que o prazo de 5 anos passou a ser 3 anos. Por fim, no capítulo 5, comparar-se-á o discharge norte-americano com a nossa legislação brasileira e no capítulo 6 teceremos algumas considerações se o juiz pode negar ou não o fresh start.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 O que é o Fresh Start?
O procedimento de falência e recuperação judicial não é algo fácil para os empresários, uma vez que o processo é pautado em lentidão, complexidade e custoso, este último, por óbvio, considerado um dos maiores problemas das empresas que estão enfrentando este impasse
Nesta toada, visando aperfeiçoar o procedimento, a Lei nº 14.112/2020 alterou a Lei de Falências anterior e, consequentemente, trouxe algumas mudanças para o falido retornar ao mercado, entre as quais o instituto do Fresh Start.
A título de explicação, o Fresh Start, significa: “novo começo”, ou seja, uma nova chance às sociedades empresárias ou empresários individuais falidos ou em recuperação judicial.
O processo de falência tem seus reflexos na sociedade, dentre eles o juízo de valor que é comum ser verificado: associar os termos da falência a significados negativos e imaginar que o falido aplicou um “golpe”, por exemplo. Isso se deve a grande influência que a legislação empresarial sofreu do Código Francês de 1808, em que sua principal finalidade era a punição do devedor, assim a legislação trouxe consigo uma bagagem de preconceitos que refletiram nas ideias da sociedade, resultando na concepção de que a insolvência é um motivo de desonra ou até mesmo um crime.
Nas palavras do Dr. Gladston Mamede: “A insolvência, a incapacidade de adimplir as obrigações, é normalmente objeto de ampla repreensão social. Palavras como insolvente, falido, quebrado estão marcadas por um valor negativo, vexatório, intimamente ligado à ideia de caloteiro, criminoso, fraudador, desonesto, trapincola, entre outros.”5
Evidentemente, existem ocorrências de empresários que chegaram à insolvência de forma insidiosa, todavia a condição pode suceder por diversos motivos. Como exemplo, a instabilidade econômica que acometeu o mundo durante a pandemia da Covid-19 e acarretou a “quebra” de diversas empresas que tiveram que encerrar suas atividades subitamente.
Além disso, a atividade empresarial pressupõe o risco do empreendimento não obter sucesso, ou seja, iniciar um novo empreendimento é uma aposta, sendo que o empresário pode apostar mensurando os riscos da atividade, contudo tal preparação não isenta-o das imprevisibilidades e de fatores alheios a sua vontade. Isso porque, o sucesso e desenvolvimento do negócio depende de uma série de fatores, por exemplo o mercado de atuação, os investimentos, dentre outros.
Dessa forma, ao cogitar a abertura de um novo empreendimento é necessário analisar profundamente todos os riscos visando gerenciá-los para minimizar prejuízos. Todavia, não são todos os empresários que possuem essa visão, e por não possuírem uma estratégia para superar a situação de crise, acabam na insolvência. Nesse ínterim, a Lei 14.112/20 trouxe o Fresh Start, objetivando, principalmente o possibilitar o empresário reingressar as atividades empresariais após o decurso de prazo de 3 anos, como incentivo à praticar suas atividades, bem como fomentar o empreendedorismo, aliado a esperança, de maneira que o presente instituto rompe tabus, tal como citado anteriormente, sobre a perspectiva negativa do empresário falido.
2.2 Inspiração
Um ponto importante sobre a figura do Fresh Start é com relação ao seu surgimento, ou seja, de onde veio a inspiração para que pudesse ser instituído no ordenamento jurídico brasileiro.
O Fresh Start surgiu na legislação brasileira a partir da inspiração na lei falimentar americana, principalmente com relação à figura do chamado discharge, que será abordado com maior profundidade mais adiante, mas, que, de uma forma geral, pode ser resumido em um instituto que faz com que o empresário falido possa se recuperar da crise enfrentada de uma maneira mais digna.
A finalidade do Fresh Start prevista no ordenamento jurídico brasileiro é a mesma daquela estabelecida na legislação dos Estados Unidos, qual seja, fazer com que o devedor possa ter a chance de adentrar novamente no mercado de trabalho, de uma forma mais rápida e menos custosa para ele.
É importante ressaltar que, no caso da normativa americana, não é previsto nenhum prazo específico para que haja esse “novo começo” para o empresário, diferente do que ocorre no caso do Brasil. No entanto, apesar disso, é aplicada a mesma linha em ambos os países de que, cumpridos os requisitos legais e demonstrada a boa-fé do devedor, este terá o direito de utilização do referido instituto.
Portanto, as alterações materializadas na Lei 14.112/2020, as quais serão tratadas a seguir, surgiram no ordenamento jurídico brasileiro a partir da referida inspiração ao direito norte americano.
2.3 Antes e depois do advento Lei 14.112/2020
O art. 75 da lei 11.101 exprime as premissas do fresh start, e as inserções são no sentido de buscarem esse início que permita a volta célere do devedor, assim como acontece com o discharge nos Estados Unidos.
Então o sentido da atual lei é o mesmo da lei norte-americana, à medida que buscou determinar os meios para atingimento do “estado de dignidade” do falido, sendo que ainda que nos EUA não seja determinado o momento da reintrodução, prevê a possibilidade de reentrada.
Então, nesse sentido vemos na LRF o art. 158 que mudou em dois sentidos primordiais, senão vejamos: (i) permitir que o passivo seja liquidado na importância de 25%, e não mais 50%. (ii) A previsão de extinção das obrigações após o decurso de 3 anos, vejam aqui a comparação.
Também é importante ressaltar que o falido não pode exercer atividade empresária desde o momento da decretação de falência até a sentença que extingue as obrigações, por isso se nota a maior relevâncias das mudanças da lei nova, que nos traz um cenário mais disruptivo e menos estigmatizador, dada toda a importância e função social do empreendedor num cenário nacional em que essa forma de movimentação econômica é responsável por gerir as microeconomias.
2.4 Por que o prazo passou a ser 3 anos? ( antes era de cinco por conta da prescrição?)
Com o intuito de reerguer o empresário falido com celeridade, o Fresh Start alterou a antiga redação da LRF para extinguir as obrigações do empreendedor a partir do prazo de 3 (três) anos, contados da decretação da falência, demonstrada a boa-fé do devedor. Adicionalmente, o prazo de 3 (três) anos não foi escolhido ao acaso, tendo sua explicação pautada em alguns aspectos do procedimento falimentar.
Conforme o Art. 7º § 1º, o credor possui um prazo de 15 (quinze) dias para apresentar ao administrador judicial suas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos devidos, sendo que, caso perca esse prazo, o credor receberá suas habilitações de crédito na categoria de créditos retardatários. Os titulares de tal categoria de créditos não possuem direito a voto nas deliberações da assembléia-geral de credores além de perderem o direito a eventuais rateios.
Art. 7º A verificação dos créditos será realizada pelo administrador judicial, com base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores, podendo contar com o auxílio de profissionais ou empresas especializadas.
§ 1º Publicado o edital previsto no art. 52, § 1º , ou no parágrafo único do art. 99 desta Lei, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar ao administrador judicial suas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos relacionados.
Após os 15 dias iniciais, com as habilitações de crédito já categorizadas como retardatárias, o credor possuirá 3 anos para pleitear tanto sua habilitação quanto sua reserva de créditos, tendo que após esse prazo, seu direito de perseguir por seus créditos decairá, segundo o Art. 10º, § 10.
Art. 10. Não observado o prazo estipulado no art. 7º , § 1º , desta Lei, as habilitações de crédito serão recebidas como retardatárias.
§ 1º Na recuperação judicial, os titulares de créditos retardatários, excetuados os titulares de créditos derivados da relação de trabalho, não terão direito a voto nas deliberações da assembléia-geral de credores.
§ 10. O credor deverá apresentar pedido de habilitação ou de reserva de crédito em, no máximo, 3 (três) anos, contados da data de publicação da sentença que decretar a falência, sob pena de decadência.
Sendo assim, entende-se que um dos motivos para a alteração do prazo de extinção das obrigações do devedor para 3 (três) anos vem da falta de interesse do credor em buscar seus créditos, posto que após esse período, decai a possibilidade de credores pleitearem por seus créditos. No entanto, essa não foi a única razão de tal modificação.
Também expira dentro desse tempo delimitado a oportunidade de eventuais propostas de ação revocatória por parte do credor, tendo tal tipo de ação o objetivo de revogar ou anular atos prejudiciais ao crédito praticados pelos devedores, conforme Art.132.
Art. 132. A ação revocatória, de que trata o art. 130 desta Lei, deverá ser proposta pelo administrador judicial, por qualquer credor ou pelo Ministério Público no prazo de 3 (três) anos contado da decretação da falência.
Com isso, conclui-se que, naturalmente no prazo de 3 (três) anos decai tanto o direito dos credores de perseguirem seus créditos quanto o de entrarem em juízo para revogar atos fraudulentos do empresário devedor. Logo, o legislador implementou o referido prazo posto que de maneira espontânea já se extingue possíveis obrigações do devedor.
2.5 Comparação entre o discharge norte-americano com o fresh start brasileiro
Tendo isso em vista, nota-se a diferença do fresh start brasileiro para o instituto do discharge.
Na legislação americana, o Fresh Start surge a partir da figura do chamado discharge, que, conforme visto, é um instituto que permite que o empresário falido possa se recuperar da crise enfrentada de uma maneira mais digna, sendo assim um instrumento essencial para o seu retorno ao mercado.
Conforme aduz Charles Tabb, autor importante do direito falimentar norte-americano, o discharge é definido como “poderoso na sua simplicidade: o devedor fica liberado das suas obrigações de pagar dívidas pré-falimentares”6. Ou seja, a função do referido instituto é a de liberar o devedor das dívidas por ele constituídas antes mesmo de se iniciar o procedimento falimentar.
No entanto, deve-se ressaltar que, para que seja concedido tal benefício para o devedor, este deve cumprir com alguns requisitos estipulados pela legislação norte-americana, mais especificamente pelo Bankruptcy Code, como, por exemplo, “não ter transferido ou ocultado bens com a intenção de prejudicar credores, não ter destruído ou ocultado livros e registros contábeis e comerciais, não ter cometido qualquer crime falimentar e, ainda, não ter recebido um discharge num período de 8 anos.”7.
Resumidamente, o devedor deve demonstrar a sua boa-fé, bem como o cumprimento dos deveres legais e a não utilização abusiva do processo falimentar.
Além disso, uma outra condição importante e curiosa a ser cumprida pelo empresário falido é a realização de, no mínimo, dois cursos relacionados à educação financeira. Ou seja, a figura do discharge também está muito associada à preocupação em promover a educação financeira aos cidadãos.
Para que o devedor, o qual se encontra em situação de absoluta insolvência, possa se utilizar do instituto do discharge, é necessário que ele preencha um formulário, apresente-se ao juízo para explicar a sua situação e entregue os seus bens. Assim, caso verificado o cumprimento dos requisitos, é dado a ele o chamado Fresh Start, que o permite reiniciar a sua vida no mercado sem que precise se preocupar com quaisquer débitos.
Importante ressaltar que não é preciso que o devedor entregue todos os seus bens, podendo assim ficar com alguns deles, legalmente determinados, sem que perca a sua dignidade ao tentar se recuperar da crise enfrentada, o que, conforme visto, se resume à finalidade da figura do discharge.
2.6 O juiz pode negar o fresh start?
Acabamos de ver que na legislação americana se se cumprir com os requisitos legais e houver demonstração de boa-fé, o devedor terá o direito ao fresh start.
Nesse aspecto, no Brasil, a ideia é semelhante: se o falido incorrer em alguma das hipóteses do art. 158 da Lei Lei nº 11.101/2005, o juiz deverá declarar extintas as obrigações, como já explicado em capítulos anteriores.
Como lembra Tomazette8, acerca da sentença que declara extinta as obrigações do falido,
Para Pontes de Miranda, trata-se de sentença preponderantemente declaratória, uma vez que os fatos descritos no art. 158 da Lei n. 11.101/2005 produzem efeitos imediatos. Com efeito, tal sentença possui caráter declaratório, mas também constitutivo, na medida em que constitui nova situação jurídica para as obrigações do devedor falido. A declaração da extinção das obrigações do falido não obsta a continuação de ações com avalistas ou outros codevedores solidários ou o vínculo real das obrigações do devedor, que subsiste se o bem não foi vendido ainda.
Com a sentença extinção das obrigações, cessa-se a inabilitação empresarial e o empresário pode voltar ao mercado.
Nesse sentido, destaca-se a relevância do fresh start no inciso V do art, 158 da Lei Lei nº 11.101/2005, ao permitir que o falido extinga as obrigações após 3 anos da decretação da falência e consequentemente promove um retorno mais rápido ao empreendedorismo.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim sendo, o Fresh Start surge no ordenamento jurídico brasileiro como um remédio legal para facilitar a reestruturação do falido, aquele que, por seu turno, encontra-se já em situação fragilizada e após a exposição a um processo de falência que, com a ressalva das reformas, ainda continua desgastante.
Fato é que, apesar da falência, o falido ainda é detentor de conhecimento técnico, e empreendedor, assim como, por vezes, responsável pelo pagamento de salários que sustentam famílias.
Conquanto, a empresa também configura um papel junto à sociedade, se por um lado a empresa movimenta a economia, por outro oferece competição e melhoria ao mercado de trabalho.
Ainda mais, ressalta-se o caráter inibidor que possui o Brasil quando se fala em fomento ao empreendedorismo e preservação das empresas. Portanto, observa-se que o Brasil é uma país que possui alta mortalidade empresarial, especialmente os microempreendedores individuais e, em resposta a este problema, o ordenamento jurídico buscou o Fresh Start, inspirado no modelo norte americano, a fim de que se pudesse recuperar parte dos empresários falidos.
Neste contexto, o presente estudo buscou uma reflexão bibliográfica sobre os propósitos do fresh smart e, dessa forma, o impacto deste no cenário da falência brasileira.
Conforme o estudo, ressalvamos quanto o lado positivo assim como negativo do Fresh Start ora que este foi implementado ao ordenamento jurídico brasileiro há pouco mais de 2 anos. Em consequência, este trabalho buscou abarcar experiências estrangeiras, a exemplo os Estados Unidos, para tanto investigar a inspiração do remédio legal como também as consequências que o Fresh Start teve em países estrangeiros.
Portanto, o fresh start, como foi amplamente estudado neste estudo, é o novo começo. É a adoção de medidas implementadas por meio da Lei n. 14.112/2020, a qual permite ao falido mecanismos mais viáveis para a extinção de seus passivos e em um período menor ao antes imposto em lei.
Resta deste estudo a sensação de cuidado jurídico para com o falido, em observância tanto ao dever de pagar quanto à possibilidade de restabelecimento deste, de seu conhecimento e até mesmo de sua equipe de empregados, para com o mercado econômico.
4 REFERÊNCIAS
BRANCO, Gerson Luiz Carlos. PIVA, Luciano Zordan. Primeiras linhas sobre uma crítica: possibilidade de reabilitação do empresário falido em comparação com o discharge do Direito norte-americano. ResearchGate, 2016, p. 30-31.
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MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas,volume 4. 6. ed, São Paulo: Atlas, 2014.
Sebrae: pequenos negócios têm maior taxa de mortalidade. Agência Brasil. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2021-06/sebrae-pequenos-negocios-tem-ma ior-taxa-de-mortalidade. Acesso em: 07 nov. 2022.
“The legal effect of the discharge is powerful in its simplicity: the debtor is freed from the obligation to pay prebankruptcy debts”. TABB, Charles. The scope of the fresh start in bankruptcy: collateral conversions and the dischargeability debate. Op.cit., p. 57.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas. v.3. São Paulo: Editora Saraiva, 2022 .p. 241.
VIECELI, Leonardo. Menos de 40% das empresas nascidas no Brasil sobrevivem após cinco anos. Folha de S.Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/10/menos-de-40-das-empresas-nascidas-no-bra sil-sobrevivem-apos-cinco-anos.shtml. Acesso em: 07 nov. 2022.
1BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2015. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: 20 nov. 2022.
2Falências podem se arrastar por mais de 10 anos e só recuperam 6% da dívida. Consultor Jurídico, 05 abr. 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-abr-05/falencias-arrastam-10-anos-arrecadam-divida#:~:text=O%20tempo%20 m%C3%A9dio%20entre%20a,em%20se%20arrecadar%20os%20bens. Acesso em: 07 nov. 2022.
3 VIECELI, Leonardo. Menos de 40% das empresas nascidas no Brasil sobrevivem após cinco anos. Folha de S.Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/10/menos-de-40-das-empresas-nascidas-no-brasil-sobrevivem-apo s-cinco-anos.shtml. Acesso em: 07 nov. 2022.
4 Sebrae: pequenos negócios têm maior taxa de mortalidade. Agência Brasil. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2021-06/sebrae-pequenos-negocios-tem-maior-taxa-de-mortali dade. Acesso em: 07 nov. 2022.
5 MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas,volume 4. 6. ed, São Paulo: Atlas, 2014.
6 Tradução livre: “The legal effect of the discharge is powerful in its simplicity: the debtor is freed from the obligation to pay prebankruptcy debts”. TABB, Charles. The scope of the fresh start in bankruptcy: collateral conversions and the dischargeability debate. Op.cit., p. 57.
7 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. PIVA, Luciano Zordan. Primeiras linhas sobre uma crítica: possibilidade de reabilitação do empresário falido em comparação com o discharge do Direito norte-americano. ResearchGate, 2016, p. 30-31.
8 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas. v.3. São Paulo: Editora Saraiva, 2022 .p. 241.
1felipe.sp.mackenzie@gmail.com