PUERICULTURA REALIZADA PELO ENFERMEIRO NA VISÃO DE PAIS OU RESPONSÁVEIS LEGAIS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7803331


Dayane Barbosa Pereira1
Karen Bianca Silva e Souza1
Rene Ferreira da Silva Junior2
Maria Alice de Freitas3
Elaine Cristina Santos Alves2
Amanda de Andrade Costa2
Juliane Oliveira Alves4
Kátia Cristiane Soledade Dias2
Lucinei Santos Alves4
Mariza Alves Barbosa Teles2
Patrícia de Sousa Fernandes Queiroz2
Diego Barbosa Rocha4
Manuela Gomes Campos Borel5
Nadine Antunes Teixeira2
Andiara Thalita Vieira de Abreu1
Gizele Ferreira David2


RESUMO

A consulta de puericultura é voltada para o público infantil, no qual as crianças entre 0 a 2 anos de idade são acompanhadas com frequência, objetivando a identificação de alterações no estado de saúde durante todo seu crescimento e desenvolvimento. Período este da infância em que as crianças estão mais vulneráveis a doenças e/ou agravos à saúde. É de grande importância conhecer a percepção das mães ou responsáveis legais sobre a puericultura realizada pelo enfermeiro, pois é quem conduz a criança às consultas, e assim possibilita analisar a influência do atendimento do profissional enfermeiro na saúde e vida da população infantil. Portanto, foi realizado um estudo qualitativo, do tipo descritivo, com o intuito conhecer as percepções de mães ou responsáveis legais em relação à consulta de enfermagem em puericultura, atendidas em uma Unidade Básica de Saúde localizada em um município do norte de Minas Gerais. Identificou-se que existe desvalorização à consulta de enfermagem, desconfiança quanto ao fazer do enfermeiro. E assim, concluiu-se que as mães ou responsáveis legais desconhecem a função do enfermeiro durante a puericultura.

Descritores: Mães. Cuidado da criança. Enfermeiro.

ABSTRACT

The childcare consultation is aimed at the child’s public, in which children between 0 and 2 years of age are frequently monitored, aiming at identifying changes in health status throughout their growth and development. This period of childhood in which children are more vulnerable to diseases and/or health problems. It is of great importance to know the perception of mothers or legal guardians about the childcare performed by nurses, because it is the one who leads the child to consultations, and thus makes it possible to analyze the influence of the nursing professional’s care on the health and life of the child population. Therefore, a qualitative, descriptive study was conducted in order to know the perceptions of mothers or legal guardians in relation to the nursing consultation in childcare, attended in a Basic Health Unit located in a municipality in the north of Minas Gerais. It was identified that there is devaluation to the nursing consultation, distrust as to the role of the nurse. Thus, it was concluded that mothers or legal guardians are unaware of the role of nurses during childcare.

Key words: Mothers. Child care. Nurse.

INTRODUÇÃO

O Programa Saúde da Família (PSF), chamado atualmente de Estratégia Saúde da Família (ESF), foi criado na década de 90, proposto pelo Ministério da Saúde, que coloca a família como centro da atenção, amplia o serviço dos agentes comunitários e promove a participação comunitária (MARTINS; GARCIA; PASSOS, 2008). Na época, a finalidade deste programa foi proporcionar a redução da mortalidade materna infantil, levando os serviços de saúde para as áreas mais pobres. Através desta experiência, percebeu-se a importância de atingir a família como unidade. A ESF surge no Brasil para remodelar a assistência da Atenção Básica; uma nova proposta de trabalhar a saúde sem olhar apenas o indivíduo doente (ROSA; LABATE, 2005). 

A ESF atua na identificação dos problemas de saúde em âmbito individual e coletivo, realiza o acompanhamento do indivíduo em todos os estágios da vida, desenvolve principalmente ações de prevenção da saúde, intervindo nos fatores de risco, com estratégias de promoção para saúde, objetivando a melhoria na qualidade de vida. É uma Unidade Básica de Saúde estruturada nos princípios de trabalho em equipe e humanização do atendimento à saúde. Além disso, busca seguir os princípios do SUS, como equidade, integralidade e universalidade (MARTINS; GARCIA; PASSOS, 2008).

As equipes dessas unidades devem ser formadas por, no mínimo, um enfermeiro, um médico, um auxiliar de enfermagem e seis agentes comunitários de saúde, que se organizam por um processo de trabalho composto por atividades de delimitação de território, mapeamento das áreas; conjunto de micro áreas; e microáreas; área de atuação de agente de comunitário de saúde. Desenvolvendo ações de saúde à população local de forma integral e contínua (GUEDES; SANTOS; LORENZO, 2011). 

A Estratégia de Saúde da Família pode ser conceituada como um sistema de atenção que coloca o reconhecimento de saúde como um direito de todos os cidadãos, repercutindo na melhoria das condições de vida. Tal melhoria, deve se expressar por serviços mais resolutivos, integrais e principalmente humanizados (MARTINS; GARCIA; PASSOS, 2008).

Sendo a porta de entrada aos serviços de saúde, a ESF, na grande maioria das vezes, é capaz de resolver 85% das necessidades de saúde de uma comunidade, evitando internações que não eram precisas, presta um bom atendimento, que tem sido associado como de baixo custo por parecer simples e fazer uso de poucos equipamentos. No entanto, não é um atendimento simplificado, é uma expansão do serviço de saúde, que proporciona proximidade ao cotidiano da população e abordagem aos grupos mais vulneráveis (ROSA; LABATE, 2005). Oferece serviços em saúde do idoso, saúde do adulto, saúde do adolescente, saúde da mulher, saúde da criança, educação em saúde coletiva e individual, aborda assuntos específicos, como diabetes, hipertensão, planejamento familiar, vacinação, entre vários outros; atingindo o indivíduo e a comunidade em seu aspecto biopsicossocial. 

Dentre estes serviços, este estudo busca destacar a puericultura, uma ferramenta que proporciona a realização de atividades para a promoção e prevenção à saúde da criança, onde se realiza o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento das mesmas, atuando sobre o binômio mãe-filho. Chama atenção para a fase da infância, estágio da vida em que o indivíduo é mais vulnerável biologicamente (PEREIRA et al.; 2012). A consulta no atendimento de puericultura à população das ESFs tornou-se uma atividade sistematizada, realizada pelo profissional enfermeiro e médico (CAMPOS et al., 2011). 

Quanto à realização da puericultura pelo enfermeiro, Andrade et al. (2013), faz referência  ao Artigo 11, inciso I, alínea “i” da Lei nº7.498, de 25 de junho de 1986, e o Decreto 94.406/87, no qual regulamenta e determina a consulta de puericultura, também realizada pelo profissional médico, atividade como privativa do profissional enfermeiro no âmbito da enfermagem, que utiliza componentes do método científico para identificar situações de saúde-doença, prescrever e implementar ações de enfermagem para a promoção, prevenção, proteção da saúde, recuperação e reabilitação individual e coletiva (ANDRADE et al., 2013). 

Na consulta de puericultura, o enfermeiro precisa ser capaz de conhecer os variados fatores que possam interferir no processo saúde-doença da criança, acompanhando-a de maneira geral durante todo seu desenvolvimento. Este processo se dá como um apoio, não apenas para as crianças como também para suas famílias (PEREIRA et al.; 2012; CAMPOS et al., 2011; ANDRADE et al., 2013). 

A enfermagem, baseando-se nas teorias de sua profissão, deve priorizar o bem estar da criança, levando em consideração o meio em que ela está inserida. Investir em ações de promoção à saúde e prevenção de agravos, e quando necessárias tais ações devem repercutir na família. A puericultura objetiva detectar, de maneira precoce, as possíveis alterações do crescimento e desenvolvimento motor, neurológico, psicológico e nutricional da criança (OLIVEIRA et al., 2013). 

A consulta de enfermagem em puericultura tem-se mostrado como boa ferramenta para a diminuição dos níveis de morbidade e mortalidade infantil, sendo necessária sua realização de maneira correta, por profissionais capacitados. É indispensável a participação das mães ou responsáveis legais nesse processo, pois para que a criança chegue ao serviço de saúde, é principalmente através delas, ou de um outro responsável pelos cuidados à criança (PEREIRA et al.; 2012). 

Apesar de a eficácia e eficiência da puericultura realizada pelo enfermeiro ser conhecida, desde sua existência é grande a quantidade de mães que abandonam esta consulta. Tal serviço é procurado, em grande parte, para resolução de problemas simples, e não para o devido acompanhamento da criança. O enfermeiro pode ser considerado, de maneira equivocada, como o profissional que resolve apenas os problemas de saúde menos graves e simples, e o profissional médico, visto como o que resolve problemas graves, e que transmite mais segurança em relação ao estado de saúde (MADEIRA, 1996). Neste sentido, este estudo buscou conhecer as percepções de mães ou responsáveis legais em relação à consulta de puericultura realizada pelo enfermeiro.

MATERIAIS E MÉTODOS 

Trata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa, realizado na área de abrangência de uma Unidade Básica de Saúde localizada em um município da região norte do estado de Minas Gerais. A população foi composta por 46 mães ou responsáveis legais de crianças em idade de realização da Puericultura (0 a 2 anos) cadastradas na unidade de Estratégia de Saúde da Família, selecionadas pelo cadastro na ficha para acompanhamento da criança – Ficha C. A idade das crianças foi definida pelo serviço sistematizado nesta faixa etária. 

A coleta de dados ocorreu por meio de entrevista com roteiro semi estruturado, cujas questões contemplavam o fazer do enfermeiro pela visão das mães ou responsáveis legais e um diário de campo em que anotou-se as percepções dos pesquisadores sobre as falas e gestos dos entrevistados. As entrevistas foram gravadas em um aparelho celular modelo Galaxy Gram Duos, marca Samsung e salvas em dispositivo de memória, com a finalidade de serem analisadas e utilizadas no estudo. Além disso, aplicou-se um formulário para caracterização sociodemográfico das mães ou responsáveis legais e da faixa etária e sexo das crianças, os quais foram apresentados em tabelas. 

Realizou-se um teste piloto por meio do primeiro contato com a população da pesquisa; logo após aplicação do teste, foi discutido se os instrumentos eram válidos, se precisavam de modificações ou se possibilitam o alcance dos objetivos do estudo. Como não foram verificadas inadequações nos instrumentos de coleta de dados, após teste piloto, os dados adquiridos neste primeiro contato foram utilizados no estudo. 

A análise de conteúdo dos dados obtidos nas entrevistas foi realizada de acordo com a perspectiva de Bardin, que consiste em três etapas: a primeira é a pré-análise, em que se escolhe os dados a serem analisados e são formuladas hipóteses de indicadores para a interpretação final. Segunda: a exploração do material e terceira fase, o tratamento dos resultados, ou seja, a interpretação e a inferência (BARDIN, 2009). E somou-se ao conteúdo resultante do diário de campo e da aplicação dos formulários para caracterização sociodemográfica das mães ou responsáveis legais e da faixa etária e sexo das crianças. 

Respeitando o anonimato das envolvidas, os discursos foram identificados por meio de pseudônimos numéricos sequenciais pela letra E (entrevistado), seguida do número correspondente da entrevista. As participantes foram informadas da total liberdade de escolha em participar da pesquisa, sendo assinado pelas mesmas o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE; no qual uma via foi entregue a cada uma delas e a outra via permaneceu com os pesquisadores. 

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Associação Educativa do Brasil – SOEBRAS, sob o parecer n° 1.666.059; CAAE: 57535016.6.0000.5141, comprovando a concordância do estudo com os preceitos éticos da Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, garantindo aos envolvidos a preservação dos dados e confidencialidade pela participação. 

RESULTADOS

O presente estudo envolveu 46 mães ou responsáveis legais de crianças em idade de realização da puericultura, 0 a 2 anos, cadastradas na unidade de saúde, selecionadas pelo cadastro na ficha para acompanhamento da criança – Ficha C. Destas 46; 03 recusaram-se a participar, 01 estava viajando no período da coleta, 03 mudaram-se de endereço, 02 endereços não foram encontrados e 07 não foram encontradas após duas tentativas de abordagem. Sendo assim, obtiveram-se 30 participantes para este estudo.

A caracterização sociodemográfica da população foi realizada para as variáveis: idade, estado civil, ocupação, renda mensal e escolaridade das mães ou responsáveis legais, conforme tabela 1; idade e sexo das crianças, conforme tabela 2. Ressalta-se que das 30 entrevistadas, apenas uma não era mãe biológica, sendo identificada como responsável legal da criança com idade entre 0 a 2 anos. 

Tabela 1 – Perfil sociodemográfico das mães ou responsáveis legais. 

Fonte: dados do estudo. 

A tabela 1 apresenta predominância, de mães ou responsáveis legais, compreendendo a faixa etária de 15-25 anos (53%), maioria casadas (50%), desempregadas (74%), sem renda própria (50%) e que cursaram até o ensino médio completo (60%).

Tabela 2 – Perfil sociodemográfico das crianças em realização de puericultura. 

Fonte: Elaborada pelas autoras para fins deste estudo [dados de 2016].

A tabela 2 aponta predominância de crianças, em realização da puericultura (0 a 2 anos), do sexo masculino (53%) e maioria compreendendo a faixa etária de 0-6 meses (37%).

DISCUSSÃO

A criança, com sua fragilidade e vulnerabilidade, precisa ser acompanhada e assistida de maneira sistemática e periódica. Portanto, a consulta de puericultura tem a função de acompanhar a criança saudável; objetivando detectar alterações precocemente, diminuindo a incidência de enfermidades e aumentando as oportunidades para alcançar o crescimento e desenvolvimento ideais. Deve possibilitar intervenções em tempo hábil, que reflitam positivamente na vida da criança. Sendo assim, são estipuladas sete consultas durante o primeiro ano de vida e duas consultas dos 12 aos 24 meses (VASCONCELOS et al., 2012; GAUTERIO; IRALA; CEZAR-VAZ, 2012). 

Analisando os dados obtidos, observou-se que as mães ou responsáveis legais conhecem a importância da puericultura e sua estreita relação com as condições de saúde de seus filhos; as crianças são direcionadas às consultas na Unidade Básica de Saúde com certa frequência, em intervalos de um e/ou dois meses e até mesmo quando surge necessidade, desde o nascimento. 

“[…] Procurei que ela tivesse um acompanhamento, e isso o PSF fazia pra mim […].” (E 22)

“[…] Levo todo mês, porque é puericultura né, tem que ser todo mês […].” (E 2)

“[…] Levo desde quando ela nasceu […].” (E 10)

O principal responsável pelo acompanhamento infantil nos serviços de atenção primária à saúde, no Brasil, tem sido o profissional enfermeiro. Este utiliza a consulta de enfermagem em puericultura buscando atender todas as necessidades da criança, de maneira integral, sem focar somente na doença. Por meio desta consulta, o processo saúde-doença da criança poderá ser monitorado e avaliado, viabilizando intervenções (GAUTERIO; IRALA; CEZAR-VAZ, 2012).

As mães ou responsáveis legais relataram que a maioria das consultas de puericultura ou mesmo todas, em que já levaram seus filhos, foram realizadas pelo profissional enfermeiro. Porém, identificou-se que elas possuem um conceito equivocado sobre a função do enfermeiro na puericultura. As entrevistadas E5 e E15, foram bem claras e objetivas ao citar o enfermeiro como aquele que realiza triagem e auxilia o médico. 

 “[…] Eu acho que ele sempre tem que chamar o pediatra ou o médico para dar uma avaliada e falar se é aquilo mesmo […]. “(E 1)

“[…] O enfermeiro não sabe como ele tá, só os médicos, ele tem que marcar a consulta com médico […].” (E 4)

“[…] O enfermeiro tem que auxiliar o médico e, geralmente na falta do médico, passar as informações certas pra gente […].” (E 5)

“[…] Ele deve coletar todos os dados e daí então encaminhar para o médico […].” (E 15)

“[…] Eu acho que é encaminhar pro pediatra […].” (E 21)

A atenção específica à saúde da criança é muito importante nessa fase do ciclo de vida. Por meio da puericultura são aumentadas as oportunidades de crescer e se desenvolver de maneira saudável. Para este acompanhamento periódico, é essencial a participação e entendimento de toda equipe de atenção à criança e sua respectiva família (CAMPOS et al., 2011). Ao serem questionadas sobre em quais situações levam ou levariam seus filhos em consultas com o enfermeiro, as mães ou responsáveis legais associaram o profissional à capacidade de resolver problemas simples, situações que, em suas percepções, não ofereciam riscos à criança. Todas, em suas falas, demonstraram preocupação e seriedade.

“[…] Às vezes os enfermeiros não entendem, dependendo do caso […].” (E2)

“[…] Levo em casos de gripe, febre […].” (E 3)

“[…] Levo no enfermeiro para pesar […].” (E 4)

“[…] em questão do enfermeiro seria mais quando é alguma coisa mais simples, talvez uma gripe, alergia […].” (E 5)

“[…] Casos mais simples, tipo um resfriadinho […].” (E 7)

“[…] Se eu perceber que ele tá só gripadinho, nada sério, não importo da consulta ser com o enfermeiro […].” (E 9)

“[…] Se eu ver que é um caso mais grave, eu já comunico pra enfermeira encaminhar pro médico […].” (E 15)

Segundo Monteiro et al. (2011), o profissional enfermeiro, frequentemente, trata o usuário como apenas um receptor de informações e orientações. Assim, promove a falta de entendimento dos usuários em relação à importância dos procedimentos realizados e do acompanhamento periódico de seus filhos. Com isto, a puericultura perde seu maior significado, transformando-se em uma consulta fragmentada realizada apenas quando existe alguma queixa a ser investigada. 

A consulta de puericultura em enfermagem executa e avalia cuidados que contribuem para a promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde infantil. A mesma envolve uma sistematização de ações: histórico de enfermagem e exame físico, diagnóstico de enfermagem, planejamento e implementação de cuidados, e avaliação da consulta. Desde sua formação, o profissional enfermeiro adquire o devido conhecimento para estar apto a desenvolver tais ações. A puericultura em enfermagem foi legalizada pela Lei nº 7.498/86 e estabelece que no âmbito da enfermagem, essa atividade é privativa do enfermeiro (CAMPOS et al., 2011). 

Percebeu-se de maneira explícita que mesmo com a existência de respaldos legais e ciência de que o profissional passa por um processo de formação, a maior parte das mães ou responsáveis legais não possuem total confiança e segurança no enfermeiro; demonstraram uma imensa desvalorização à consulta de enfermagem e valorização da consulta médica, exigem assim um profissional dito mais experiente e capacitado, que possa resolver o problema por completo.

“[…] Já houve de eu levar ele, os enfermeiros consultar e pesar errado. O médico sabe me explicar mais […].” ( E 1)

“[…] Não tenho a confiança igual pro médico. O médico é mais capacitado e estudado pra atender meu filho […].” (E 2)

“[…] Quando é um caso mais complicado, eu prefiro consultar com o médico, que tenho mais confiança […].” (E 5)

“[…] De médico para enfermeiro tem muita diferença. O médico tem mais experiência […].” (E 6)

“[…] Eu acho que por o médico ser uma pessoa muito mais formada, vai conseguir resolver o caso melhor […].” (E 13)

“[…] O enfermeiro não pode prescrever medicamentos, já o médico pode”.  (E 17)

“[…] A enfermeira pesa, mas quem passa remédio mesmo é o médico[…].” (E 19)

“[…] Tudo o enfermeiro pergunta pro médico. Se eles fossem tão assim estudado, não chegariam no médico, teriam autonomia de passar uma receita e fazer uma consulta[…].” (E 23)

“[…] Consulta com o enfermeiro é bom, mas a gente se sente mais seguro com o médico […].” (E 28)

Além disso, foi observado que existe certo preconceito, por parte de algumas mães ou responsáveis legais para com os acadêmicos de enfermagem, visto que foram citados mesmo sem nenhum questionamento referente a eles. Demonstraram não gostar da presença destes nas consultas, devido à insegurança. Desejam que o enfermeiro esteja por mais tempo acompanhando os estudantes durante a puericultura, sem deixá-los guiar a consulta sozinhos. 

“[…] Quando é pra pesar ou uma gripe mais leve, eu levo aqui nos acadêmicos de enfermagem […].” (E 27)

“[…] Sempre eu levo, mas quem atende é os acadêmicos, acaba que nem resolve. Mesmo que seja acadêmico, eu acho que o enfermeiro tinha que estar perto todo tempo, para ajudar a resolver o problema da criança[…].” (E 12)

“[…] A acadêmica não passou todas as informações para enfermeira e ela nem tocou no assunto do sintoma que eu falei […].” (E 15)

“[…] Eu acho que não era enfermeiro, era acadêmico. Eles não tem muita experiência […].” (E 21) 

Sabe-se que um fator importante na construção do estágio curricular do acadêmico de enfermagem, é o planejamento de um processo de ensino e aprendizagem associado com as exigências da atenção à saúde da população. Este planejamento deve possuir como característica o diálogo e valorizar os conhecimentos acadêmicos; respeitando a experiência proveniente da teoria e às demandas dos usuários dos serviços de saúde. Deve existir a efetiva e assegurada participação dos enfermeiros na elaboração da programação e supervisão do estagiário (RODRIGUES; TAVARES, 2012). 

Ao solicitar que as mães ou responsáveis legais citassem melhorias para a puericultura de enfermagem, muitas se mostraram contraditórias relatando que eram boas e não precisavam melhorar, mas de início citaram que o enfermeiro não era capacitado. Poucas decidiram opinar; o que abrangeu aspectos sobre agendamento da consulta, capacitação profissional e atenção durante as consultas.

“[…] Eles tem que ter mais experiência […].” ( E 2)

“[…] Tem que ir lá pra tá marcando, lembrando […].” (E 9)

“[…] Precisa prestar mais atenção […].” (E 29)

Os profissionais possuem dificuldade em atuar nas atividades de promoção à saúde, devido ao modelo de formação hospitalocêntrico, biologicista e não problematizador que a maioria recebe. Uma opção para modificar este fato e melhorar o modelo de atenção à saúde da criança, nas Unidades Básicas de Saúde, seria trabalhar os usuários como sujeitos e não objetos das ações de atenção à saúde e suprir com as necessidades da população assistida (MONTEIRO et al., 2011). Esta dificuldade do profissional enfermeiro em adaptar-se ao modelo de promoção à saúde, evidencia-se principalmente na fala de E9, em que relatou, com sinceridade, que para conseguir a continuidade do acompanhamento de saúde do seu filho, necessitava lembrar o agendamento de seu retorno à Unidade.

Desde muito tempo, a enfermagem procura uma maneira de fortalecer sua identidade na assistência à saúde e a valorização profissional, para isso, baseia-se em seus próprios atos e em princípios científicos. Com a criação da ESF, houve um grande avanço para a consulta de enfermagem; de forma contínua, generalista, promovendo saúde e prevenindo agravos, individual e coletivamente. Ao se referir a atenção à saúde da criança, o profissional enfermeiro deve dividir e compartilhar a responsabilização pelo acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil, com o médico, quando necessário a fim de contribuir para a assistência integral à saúde infantil (GASPARINO; SIMONETTI; TONETE, 2013). 

Em relação à importância da existência da puericultura realizada pelo enfermeiro, as mães ou responsáveis legais disseram ser sim importante, apesar da desvalorização já identificada, assim, persistem na preferência pela consulta médica e também opinaram em uma junção das consultas de tais profissionais.

“[…] É interessante as duas, porque quando o enfermeiro não identifica alguma coisa, o médico identifica […].” (E 17)

“[…] É bom existir a do enfermeiro e do médico. Os dois juntos […].” (E 16)

“[…] Eu acho que deveria estar os dois juntos nas consultas […].” (E 13)

“[…] Às vezes não tem médico, a enfermeira é boa também […].” (E 19)

“[…] Eu acho que deveria ser tudo junto, até mesmo para o enfermeiro aprender mais […].” (E 23)

             A desvalorização da puericultura realizada pelo enfermeiro, a insegurança e sua associação à resolução de problemas de saúde simples e falta de experiência, foi citada por grande parte das entrevistadas. Porém, mesmo que em sua minoria, ainda pôde-se observar o reconhecimento ao enfermeiro, como sendo um profissional realmente capacitado. Algumas demonstraram, com gestos de satisfação, que a consulta do enfermeiro muito lhe agrada, relataram ser resolutivas e que transmitiram-lhe segurança.

“[…] O enfermeiro foi excelente […].” (E 5)

“[…] Todas são bem simpáticas, atendem muito bem […].” (E 3) 

“[…] Pelo menos as vezes que eu fui atendida pelo enfermeiro, fui muito bem atendida e resolvi o problema do meu filho […].” (E 7)

“[…] Muitas vezes o enfermeiro é melhor até que o médico, presta mais atenção […].” (E 14) 

“[…] A enfermeira tinha uma deficiência, que eu vou te falar. Confiável” (E 22)

“[…] Eles têm capacidade, estudam pra isso […].” (E 27)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo permitiu considerar que as mães ou responsáveis legais possuem experiências diferenciadas quanto às funções do enfermeiro no acompanhamento do desenvolvimento e crescimento infantil; isso favorece o desconhecimento das especificidades do trabalho destes profissionais na Estratégia de Saúde da Família. Perante o que foi exposto, ressalta-se a importância dessas mães ou responsáveis legais conhecerem as funções específicas do enfermeiro e da puericultura para poderem compreender todo o processo que envolve sua realização. 

O profissional enfermeiro deve ser capaz de identificar os diversos fatores que interferem no processo saúde-doença da criança; funcionar como uma peça primordial, um elo entre criança, família e equipe multidisciplinar. É evidente, diante dos resultados obtidos, que as mães ou responsáveis legais não compreendem o fazer do enfermeiro como uma atividade essencial para o desenvolvimento saudável de seus filhos.

As informações obtidas permitem ainda perceber que as mães ou responsáveis legais desvalorizam a consulta de enfermagem, associam o profissional enfermeiro com características equivocadas, como, sem experiência, conhecimento e autonomia, na maioria das vezes pelo fato deste não prescrever medicamentos. Persistem na visão de que enfermeiro é triagista ou só um auxiliar do médico, fazendo com que não possuam total confiança em depositar os cuidados de saúde dos seus filhos a tal profissional.

Portanto, é indispensável possibilitar às mães ou responsáveis legais o conhecimento sobre as funções do enfermeiro durante a puericultura, favorecendo assim a valorização deste profissional e de seu trabalho. Com isso, deve haver uma exposição das qualidades do serviço de enfermagem, ressaltando que nem sempre a prescrição de medicamentos é mais importante que a prescrição de cuidados. Cuidados esses, essenciais para o bom desenvolvimento e crescimento de uma criança. Além disso, incentivar uma melhor capacitação do profissional enfermeiro para que a puericultura seja realizada de maneira correta e qualificada.

REFERÊNCIAS

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1Faculdade de Saúde e Humanidades Ibituruna. Montes Claros, Minas Gerais – Brasil.
2Universidade Estadual de Montes Claros. Montes Claros, Minas Gerais – Brasil.
3Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina – Brasil.
4Faculdades Unidas do Norte de Minas Gerais. Montes Claros, Minas Gerais – Brasil.
5Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro – Brasil.