PSICOTERAPIA E DEFICIÊNCIA AUDITIVA: ANÁLISE DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA

PSYCOTHERAPY AND AUDITORY DEFICIENCY: ANALYSIS OF THE SCIENTIFIC PRODUCTION

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202409130943


Ernesto Ribeiro de Souza Lima Benetello
Orientador: Altemir José Gonçalves Barbosa


Resumo

Há mais de 100 mil pessoas com deficiência auditiva no Brasil atualmente, sendo que pouco se conhece sobre as necessidades especiais de saúde dessa população. Para analisar a produção científica existente sobre psicoterapia e deficiência auditiva, foram analisadas as publicações com esse tema indexadas na base de dados PsycINFO. Os resultados obtidos caracterizam aspectos bibliométricos, tais como o ano de publicação, o idioma, os tipos de autoria e o de suporte, e dimensões relevantes do conteúdo, especialmente a abordagem teórica e os aspectos da prática psicoterapêutica enfatizados. Constatou-se que a produção científica é incipiente e insuficiente para fundamentar práticas psicoterápicas com essa população. Por se limitar a uma base de dados, ainda que seja a principal quando se considera psicoterapia, há necessidade de se desenvolverem mais estudos metacientíficos, bem como de que se pesquise mais sobre o universo surdo e suas necessidades especiais de saúde.

Palavra Chaves: Surdo, Psicoterapia, PsycINFO, Metaciência.

Abstract

It more than has 100 a thousand people with auditory deficiency in Brazil currently, being that little is known on the necessities special of health of this population. To analyze the existing scientific production on psycotherapy and auditory deficiency, the publications with this subject together in the database PsycINFO had been analyzed. The gotten results characterize library measure aspects, such as the year of publication, the language, the types of authorship and of support, and excellent dimensions of the content, especially the theoretical boarding and the emphasized aspects of the practical psycotherapy. One evidenced that the scientific production is incipient and insufficient to base practical psycotherapy with this population. For if limiting to a archive base, still that it is the main one when psycotherapy is considered, it has necessity of if developing more goal scientific studies, as well as of that if searches more on the deaf universe and its necessities special of health.

Word Keys: Deaf person, Psycotherapy, PsycINFO, Goal science.

Introdução

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2005), revelam que no Brasil, 14,5% da população possui alguma deficiência, sendo que havia na época 5,7 milhões de brasileiros com deficiência auditiva; pouco menos de 170 mil se declararam surdos. Segundo dados do Portal da Saúde do Ministério da Saúde (2007) cerca de um milhão de pessoas portadoras de algum tipo de deficiência estão na fila à espera de tratamento ou implantes de próteses e órteses, entre elas estão 168 mil com deficiência auditiva.

Os dados do Censo 2000 (IBGE, 2005) mostram que predominam pessoas do sexo masculino entre os indivíduos com deficiência auditiva. O resultado anterior tem relação com as atividades laborativas de risco auditivo exercidas com maior frequência por pessoas desse sexo.

Estes dados são refutados por Sousa (2007) otorrinolaringologista e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Otologia. Ele estima que 70% das pessoas da terceira idade (mais do que 65 anos) têm algum déficit auditivo, o que representa em torno de 12 milhões de pessoas em no nosso país.

De acordo com Coll, Marchesi e Palacios (2004), a causa da surdez ou perda de audição é um fator múltiplo e que está relacionada com a idade: com a forma de cuidado que os pais tiveram com a criança; possíveis associações a transtornos psíquicos e seu desenvolvimento biopsíquico. Sousa (2007) revela que duas a quatro crianças em cada 100 irão ter algum déficit de audição. Para o autor, se a surdez não for diagnosticada dentro dos primeiros seis meses de vida, a criança poderá ter instalada uma verdadeira tragédia em seu desenvolvimento.

O Decreto Nº. 3.298 de 20 de dezembro de 1999 (Brasil, 1999) regulamenta a caracterização do Surdo, no seu Art.4º é considerada Pessoa Portadora de Deficiência aquela que se enquadrar nas seguintes categorias:

de 25 a 40 Decibéis (D.B.) – Surdez Leve; de 41 a 55 (D.B.) – Surdez Moderada; de 56 a 70 (D.B.) – Surdez Acentuada; de 71 a 90 (D.B.) – Surdez Severa; de acima de 91 (D.B.) – Surdez Profunda; Anacusia (Profunda) (Internet).

Segundo Coll, Marchesi e Palacios (2004), os surdos compõem grupos heterogêneos, e com isso não é possível generalizar conceitos e afirmações para abranger todos os membros destes grupos. As perdas de audição nas crianças apresentam sintomas distintos entre as mesmas, dependendo do grau da deficiência, podendo ser profundo, leve ou hipoacústicas. Para o autor, diferenciar cinco fatores no diagnóstico da deficiência auditiva infantil poderá auxiliar no tratamento; tais fatores são: a localização da lesão, a etiologia, a perda auditiva, a idade de inicio da surdez e o ambiente educativo da criança.

No site Surdo.Org(2008) encontramos uma classificação quanto ao grau de perda da audição, total ou parcial, congênita ou adquirida e da capacidade de compreender a fala através do ouvido. Manifesta-se como surdez leve ou moderada, que é a perda de até 70 decibéis e surdez severa ou profunda que é a perda auditiva acima de 70 decibéis.

A inserção do surdo na história da educação vem desde 400 anos atrás, nos seus primórdios havia pouca compreensão da deficiência, e estes indivíduos eram colocados em asilos, deixados à margem do social. O que hoje em dia acontece de outras formas mais suaves, como retrata Caporali e Dizeu (2005).

Segundo Monteiro (2006) nas décadas passadas filhos surdos ou com algum grau de surdez eram “vergonha” para as famílias, e a forma de cuidá-los também sofria forte influência dessa cultural, ficando isolados do convívio com outras crianças, prejudicando ainda mais seu desenvolvimento. Seus pais não conseguiam se comunicar de forma efetiva e eficaz, pois fazer mímica não era aceitavam nas épocas passadas, ressalta Monteiro. Stokoe (1972) citado por Bergamo (2005) aponta que nesta época os gestos eram considerados subumanos, uma vez que assemelhava a criança ou o adulto do animal. Gestos, sinais, ícones e ruídos vocais, nada disso era considerado linguagem, pois podia ser utilizado por animais inferiores.

Assim era também com todo aquele que, por intermédio da linguagem, não fosse considerado possuidor de atributos humanos, (…) aquele cujo discurso não pode circular como o dos outros: pode ocorrer que sua palavra seja considerada nula e não seja acolhida, não tendo verdade nem importância (…) (Foucault, 1970, p. 10 e 11).

Monteiro (2006) observa um processo de alteração no foco da sociedade, a qual passou a se preocupar mais com os surdos, e em especial uma valorização de sua cultura e sua língua.

A história revela que Ernest Huet, um surdo francês, veio para o Brasil em 1856 e trouxe contigo o alfabeto manual francês, e alguns sinais, que os surdos brasileiros em contato com a Língua de Sinais Francesa (LSF) elaboraram e construíram a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS (Surdo.org, 2008). Monteiro (2006) relembra que no ano de 1857 foi fundado o Instituto dos Surdos-mudos do Rio de Janeiro, hoje, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES).

Um grande avanço da comunidade surda no contexto da inserção social aponta Monteiro (2006), está no reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como língua natural dos deficientes auditivos, estabelecendo-se através da Lei 10.346 de 24 de abril de 2002 e com o decreto nº. 5626 de 22 de dezembro de 2005 que a regulamenta.

Para Caporali e Dizeu (2005) a sociedade ainda está em processo de adaptação para acolher o surdo, pois ainda não lhe oferece condições de desenvolver e estruturar sua linguagem e sua comunicação propriamente dita. Como coloca Moura (2000) educação e inserção social dos deficientes auditivos constituem um grande problema, e diversas escolhas vêm sido requisitadas a fins de resolver tais questões.

Caporali e Dizeu (2005) ressaltam que numa sociedade em que a língua oral é imperativa, caberá a todos se adequarem a esse tipo de linguagem, nesta forma de comunicar, criando vários obstáculos e conflitos, até mesmo comparações de inferioridade quando se tratar de outra forma de se comunicar.

Segundo dados do IBGE (2005), a taxa de escolarização das crianças de 7 a 14 anos de idade, portadoras de algum tipo de deficiência é de 88,6%, 6 % abaixo do total de crianças desta faixa etária que é de 94,5%. Em relação ao grau de instrução, os resultados mostram que 32,9% da população sem instrução ou com menos de três anos de estudo é portadora de deficiência. Diminuindo o grau de deficiência existe um aumento considerável no nível de instrução chegando a 10% de surdos entre as pessoas com mais de 11 anos de estudo.

Como discute Pino (2000) citado por Marin e Góes (2006) a construção humana se baseia na cultura, que é elaborada e alterada pelas ações sociais no decorrer do tempo. Ressalta-se então a dimensão histórica e a importância a interação entre os indivíduos.

Vigotsky (2000) define que a trajetória principal do desenvolvimento, passa em suas origens pelas relações sociais, interpessoais e se transforma em individual e intrapessoal.  Portanto a linguagem inicial da criança é essencialmente social, se desenvolverá no relacionar, se solidificando em discurso comunicativo e somente mais tarde em egocêntrico, logo, se diferenciando e se tornando um alicerce para estruturas básicas do pensamento, como destaca Caporali e Dizeu (2005). Ainda ressalta que a aquisição de uma língua possibilitará a criança construa sua subjetividade, tendo a necessidade de trocar ideias, sentimentos, e interaja em sua comunidade. No caso de crianças surdas com pais ouvintes, é necessário inserir em seu convívio alguém que a ensine LIBRAS o mais rápido possível, com objetivo de possibilitá-la uma comunicação, uma vez que, esta linguagem não é aprendida de forma natural como a língua falada na interação com os pais e outras crianças. Para que seja adquirida de forma natural, seria interessante inserir a LIBRAS num período até aos três primeiros anos de vida.

Paula: // escreve “pensei que eu era a única surda do mundo” // Porque ouvinte fala. Eu olhava para sua boca e não compreendia. Não sabia por que eu não podia falar. Ficava decepcionada // escreve “decepcionada” // Tentei descobrir por que eu não podia falar (…) Surdo nasce. A mãe ensina a falar, a estudar. Não sabe sinais. Não pode fazer sinais. Fazer sinais implica ser acomodado e não falar. Assim, ele cresce sem conhecer sinais e aprende a falar desde pequeno. Cresce sem nunca ter encontrado outro surdo. Um dia, ele vai passando na rua e encontra um surdo fazendo sinais. Ele olha para os movimentos das mãos e estranha. Pergunta ao surdo: “Você não ouve?”. “Não. Sou surdo. Todos aqui são.” “Eu também sou. Eu não escuto. Eu só falo.” Vê os sinais e pergunta: “O que é isso? Eu não sei. Eu queria aprender”. Ele começa a aprender língua de sinais. Depois, em casa, com a família, não se sente bem em falar. Não quer mais falar. Quer aprender a língua de sinais. ( Bergamo e Santana, 2005, p.569)

O trecho acima ilustra a grande importância da interação e do aprendizado LIBRAS desde cedo, possibilitando o surdo se sentir parte do mundo. Kirk e Gallagher (2000) ressaltam que no âmbito da educação dois aspectos são levantados, o ensino através da LIBRAS e o desenvolvimento da escrita e da fala, independente desta ter perda total ou parcial da audição gerando na criança uma interação e comunicação com seu meio externo.

Góes (1999) citado por Caporali e Dizeu (2005) diz que o aprendizado de uma língua se pauta em significar o mundo por intermédio da linguagem, percebendo assim os detalhes que compõem o seu universo. Compreendendo o mundo, seja fora ou dentro de nos mesmos.

Um recurso utilizado muitas vezes para inserir e tratar a Deficiência Auditiva na cultura da comunicação falada, é o implante de coclear. A indicação de um implante coclear (IC) tem critérios muito bem definidos: destina-se exclusivamente àquelas pessoas com deficiência auditiva profunda e que já fora submetida a outros tratamentos e não obteve benefícios com o uso do aparelho de amplificação sonora individual (AASI), como explicita Bevilacqua (2005). O IC é um dispositivo eletrônico que promove a audição e melhora a comunicação de pessoas incapazes ouvirem e/ou compreender a fala por meio do AASI. O processo do IC compreende na implantação de um dispositivo eletrônico, com uma parte interna feita de eletrodos, os quais são implantados na cóclea e a parte externa onde fica o microfone, fixado à orelha; este capta o som e o transmite por transmissão de frequência para os eletrodos implantados na cóclea, som este já codificado. O completo ciclo da escuta neste processo se dá com esta transmissão. Alguns incômodos são presentes no pós-cirúrgico, tais como: não usar aparelhos de radio  frequência muito perto, pela interferência que causará na transmissão, detectores de metais também podem interferir no IC, uma vez que são peças de metais implantadas.

Outro autor como Ferrari (1985) citado por Bevilacqua (2005), ressalta algumas reações estranhas como medo, insegurança entre outras para a criança, que podem surgir no ato e no pós-cirúrgico, a avaliação e o acompanhamento psicológico do paciente submetido ao IC é fundamental, bem como a orientação junto aos familiares. É importante repensar os benefícios dessa cirurgia, uma vez que diversos efeitos “colaterais” aparecem de forma a restringir e causar incômodo ao convívio do surdo. Outro ponto a rever é a aniquilação da cultura surda, o obrigando a deixar de ser surdo, e inseri-lo numa sociedade ouvinte, isto ao meus olhos se apresenta numa verdadeira violência ao sujeito.

Se a questão do IC ainda é polêmica tanto no meio acadêmico quanto na comunidade de surdos, parece não existirem dúvidas de que essas pessoas têm os mesmos direitos à saúde que as ouvintes.

A Constituição Brasileira (Brasil) em seu artº 196 ressalta que a saúde vem a ser um direito de todos, sendo um dever do estado proporcionar condições para tal.

(…) nos modelos que predominam no campo da saúde, as necessidades são apresentadas com se fossem de todos, desconsiderando-se as desigualdades sociais e a inadequada distribuição de recursos. As necessidades são identificadas por sobre os indivíduos, negando seu modo de vida. (Mandu e Almeida, 1999, p. 57).

Santos e Shiratori (2004) ressaltam que a maioria dos profissionais da saúde não possui capacitação para atender em libras e perceber a real demanda do surdo, os obrigando a serem acompanhados por parentes e/ou amigos a consultas médicas entre outros serviços da área de saúde para serem “ouvidos”.

Na Lei nº. 10346 em seu artº 3º 24 de abril de 2002 “As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor”. (Brasil).

A sociedade de modo geral possui uma dificuldade ao atender o surdo, nas lojas, nos bancos, nas empresas e em outros campos de atendimento público, nos atendimentos psicológicos essa realidade também acontece em sua maioria, seja num atendimento individual que envolve questões de sigilo ou da própria demanda individual, e se em grupo, a comunicação entre o Deficiente Auditivo e os Ouvintes?

Wolberg (1988) citado por Cordioli (1998) psicoterapia é um método de tratamento para questões emocionais, que uma pessoa treinada, utilizando de técnicas psicológicas fará modificações no comportamento visando extinguir sintomas ou reordená-los a fim de retardar seus aparecimentos, bem como readapta-lo ao meio frente seus impasses emocionais, promovendo o crescimento e o desenvolvimento biopsicosocial, ou seja, de sua personalidade inserida numa sociedade.

Bleger (1984) traz que a maior técnica psicoterápica é de caráter inespecífico, ou seja, a proteção da saúde, gerando a promoção de uma qualidade de vida. São palavras muito bem elaboradas pelo autor:

O psicólogo clínico deve ocupar um lugar em toda equipe da saúde pública, em qualquer e em todos os objetivos da saúde mental, nos quais tem funções específicas para cumprir […] O psicólogo clínico deve, no campo da saúde mental, aplicar o princípio de que indagação e ação são inseparáveis e que ambas se enriquecem reciprocamente no processo de uma práxis. Isto não constitui uma manifestação de desejos e sim uma condição fundamental para operar corretamente. Todos os fatores que compreendem a investigação e a ação devem ser incluídos como variáveis do fenômeno mesmo que se estuda e que se vai modificando enquanto se estuda. (1984, p. 52)

Segundo Brugmans (2006) na Holanda um dos recursos mais utilizados nas sessões de psicoterapia individual com surdos é o interprete. Contudo, o autor ressalta que essa presença durante as sessões só será possível de acordo com a relação estabelecida entre o terapeuta, interprete e o cliente, relação esta que deverá ser trabalhada a cada sessão. Levando em conta o não preparo em técnicas psicológicas dos interpretes no manejo da língua de sinais. Ainda ressalta que os psicoterapeutas lançam mão desse recurso por ainda não falarem fluente a língua de sinais holandesa. O estudo deste autor revela que os psicoterapeutas relatam que com o uso dos interpretes se perde o contato direto com o cliente, dificultando um pouco mais a intervenção concisa durante as sessões, mas que ainda assim é a melhor solução para atender a demanda da comunidade surda.

Karlin (2001) citado por Brugmans (2006) levanta algumas questões sobre a utilização de interpretes durante as sessões. Uma delas é a interferência deste modificando a intervenção do terapeuta, além de entendimentos ou transmissões confusas, não ditas pelo terapeuta. Outra questão abordada está vinculada à posição do interprete, este como sendo um bilíngue, ou seja, utiliza-se da língua de sinais e da fala para mediar às sessões. Até que ponto essa mediação é positiva, colocando este interprete como aprendiz, e exigindo do terapeuta uma cautela maior e até mesmo restringindo sua atuação, questiona Karlin.

Brugmans (2006) defende o uso de um interprete durante as sessões, principalmente no campo da escuta psicológica, podendo o terapeuta se concentrar na história do sujeito e não ficar disperso com a língua, ou seja, com a forma de comunicação do sujeito. Outro ponto relevante é a privacidade do cliente surdo, que deve ser pontuada para o interprete, e então o contrato de sigilo elaborado de forma muito eficaz. Para o surdo este aspecto é ponto chave no tratamento, uma vez que o mesmo perante a sociedade já se encontra numa situação “incomum”. O autor defende que os interpretes possuem papel fundamental no processo psicoterápico, desde que adotado esse recurso, porém é necessário que estes possuam conhecimentos psicológicos para não somente repetir e transmitir palavras, mas podendo compreendendo o teor e assumindo tendo uma postura adequada durante alguns acessos emocionais entre outros imprevistos da sessão psicológica.

Já no Brasil, ainda existe pouco ou quase nada escrito sobre a utilização de interpretes nas sessões de psicoterapia, e poucos são os profissionais capacitados em LIBRAS para efetuar atendimentos a esse grupo. Não foram encontrados escritos de técnicas psicológicas ou de interações com surdo em processo psicoterápico na presente busca, o que nos levou a delinear uma pesquisa nesse campo.

Assim, o presente estudo almejou efetuar uma análise da produção científica existente em uma base de dados internacional da área de Psicologia. Especificamente, objetivou-se buscar e enquadrar o ano de publicação, em que língua foi escrito o texto, os tipos de autoria, de suporte e de escrito, a abordagem teórica e os aspectos da prática psicoterapêutica enfatizados.

Método

O presente trabalho utilizou uma das melhores bases de dados no âmbito da Psicologia, a PsycINFO (2007) mantida pela American Psychological Association, nesta base de dados se encontra uma vasta  literatura internacional de grande

importância publicada na área da Psicologia e outras disciplinas afins. O acesso a esta base de dados só é possível mediante a internet.

A busca na base de dados foi realizada pelos termos-chaves: Surdo e Psicoterapia, Psicologia Clínica, Surdo. Obteve-se um resultado de 33 artigos, sendo estes com seus resumos e informações adicionais, tais como periódico, capítulo de livros e palavras chaves, analisados de forma qualitativa e quantitativa. Esta análise foi feita através de uma planilha eletrônica a qual foi submetida a tratamento quantitativo.

Resultado e Discussão

A partir da Tabela 1, é possível constatar que a maioria (n = 24; 72,73%; X2O = 6,82; p = 0,01) das publicações tem temporalidade anterior há cinco anos, ou seja, anterior a 2002. Também é preciso ressaltar três pontos relevantes desta mesma tabela: o ano de 1968; os anos de 1996 e 2003; e os anos sem nenhuma publicação.

Em 1968 foram publicados os primeiros artigos sobre o tema. Bodenheimer (1968), um dos pioneiros na produção cientifica analisada, aborda a psicoterapia relacionada a crianças surdas. Ringli (1968) com o tema colaboração da psicoterapia para escolas com surdos e mudos também iniciou as discussões a cerca do tema.

Só depois de 13 anos houve outra publicação sobre psicoterapia e surdez, por Michael; Siegelman e Schlesinger (1981). O tema foi à psicoterapia de mulheres surdas.

Os anos de 1996 e 2003 foram os quais tiveram um maior número de publicações produzidas. Se forem considerados os últimos cinco anos (2006-2002), um intervalo temporal bastante usado na área de Psicologia, verifica-se que foi publicado somente 27,27% da produção científica analisada. Em vários anos, incluindo, por exemplo, 2002, houve descontinuidade nas publicações sobre surdos e psicoterapia.

Segundo Ramos (2003), ainda se tem muito pouco escrito sobre a cultura surda e, embora alguns autores tentem produzir conteúdo a respeito, muita coisa ainda deve ser pesquisada e reconstruída. Para a autora, a cultura surda deve ser entendida como um todo ao longo do seu desenvolvimento e de sua história.

O presente estudo revelou que a carência de produção científica sobre o indivíduo surdo assinalada por Ramos (2003) é ainda mais crítica quando se considera a psicoterapia. Isto ocorre tanto no Brasil quanto em países com uma tradição científica mais avançada que a brasileira.

Outros aspectos bibliométricos como idioma e autores, também foram analisados nesta pesquisa. Os resultados revelam que, no caso do idioma da produção científica analisada, predominou o inglês (n = 28; 84,85%; X2O = 86,85; p = 0,00). Outros idiomas foram encontrados, mas a língua inglesa ainda é a língua franca no meio científico.

Quanto aos autores analisados, a Tabela 1 revela que a maioria da produção tem autoria individual (75,76%; n = 25; X2o = 46,39; p = 0,00). É importante ressaltar que um empreendimento coletivo, ou seja, os grandes temas discutidos em sua maioria em grupos de pesquisa. Este tipo de produção, na presente pesquisa, não foi encontrado, e sim uma massa de autoria individual. Embora isto possa refletir diversos aspectos da cultura surda, é provável que a ausência de grupos pesquisando a psicoterapia para surdos seja decorrente da dificuldade de inserção do surdo de forma ampla na cultura ouvinte. Ainda é necessário criar capacitação desta cultura para que seja viável a construção de produção científica sobre surdos. Há que se ter uma mobilização de grupos para inserir essa cultura surda na ciência, no social em todos os campos da sociedade.

Quanto ao suporte (Tabela 1), houve diferença significante entre os tipos encontrados (x2o = 30,49; p = 0,00). Os artigos obtiveram o maior escore com aproximadamente 50% (51,52%; n = 17) da produção analisada. Embora este suporte seja o mais freqüente, não se pode afirmar que a massa de produção cientifica se restrinja a eles, seria necessário uma pesquisa maior para confirmar tal informação.

Houve equivalência, ou seja, não há diferença no que tange ao tipo de escrito (c2o = 2,18; p = 0,34). Assim, os escores de pesquisa empírica, revisão de literatura ou relato de experiência não diferiram entre si. Para se ter maior ênfase e dados comprobatórios serão necessários uma maior investigação, não da parte de apenas uma pessoa, mas por um grupo de pesquisadores. Faz-se necessário a constante pesquisa nesse campo.

As perspectivas teóricas das publicações analisadas estão apresentadas na Tabela 2. Merecem destaque a abordagem sócio-cultural por ser a mais frequente (39,39%; n = 13; x2 = 16,64; p = 0,01) e a eclética, pois, apesar do escore diminuto (n = 1; 3,03%), é bastante controvertida.

O predomínio de visões sócio-culturais é decorrente da importância da cultura e de seus conteúdos no desenvolvimento do surdo, gerando contribuições para a prática psicoterapêutica. Segundo Bernardino (2000) a cultura surda de mostra cada vez mais forte, lutando por conquistar um espaço no qual sua língua seja aceita, num espaço que ele seja ouvido.

Já a utilização de diversas teorias ou, pelo menos, parte delas na prática psicoterapêutica não tem sido vista com ‘bons olhos’ no contexto brasileiro. Para Cordioli (1998) é indicado que se observe e faça uma entrevista diagnostica e perceba alguns fatores, como capacidade de estabelecer vínculos, grau de sofrimento psíquico entre outros para se definir uma melhor indicação psicoterapêutica, isso implicaria em definir qual linha a ser adotada. O autor defende a idéia que se tenha uma linha de base, podendo usar de recursos para a melhora do cliente, contudo não utilizar de forma discriminada todas ou varias teorias de uma só vez.

Ao efetuar uma análise de conteúdo dos resumos sobre psicoterapia para surdos indexados na base de dados PsycINFO enfatizando a prática psicoterápica (Tabela 3), verificou-se uma distribuição homogênea entre as categorias criadas (x2o = 1,00; p = 0,96). Assim, as categorias importância e descrição de práticas, estilos psicoterápicos, o modelo sistêmico, aspectos culturais, prática psicanalítica e língua de sinais obtiveram escore equivalentes e servem como direcionamentos do processo psicoterapêutico para surdos.

Papalia (2006) aborda o desenvolvimento do surdo, possui particularidades tais que esses aspectos acima citados vão nortear de alguma forma o processo psicoterápico. O modelo sistêmico é adequado uma vez que a família possui papel fundamental na construção da personalidade e no apoio à inclusão do surdo na sociedade.

Conclusão

Os resultados obtidos evidenciaram a necessidade de se criar grupos de pesquisas sobre surdez e psicoterapia e de se ter um olhar diferenciado aos surdos. Desde 1968, tomando-se como referência a produção indexada na base de dados PsycINFO, verifica-se que diversos aspectos clínicos foram analisados, sendo que alguns ainda são utilizados nos atendimentos psicoterápicos. Um deles é a discussão sobre usar ou não interprete durante o processo de atendimento; outro debate envolve o uso da LIBRAS, que esbarra no fato de nem todos os psicólogos estarem habilitados.

Ao longo da história, as pessoas com deficiência auditiva reivindicaram seu espaço, educadores passaram a criar métodos para se transmitir o conhecimento escolar.

Desta forma, cada vez mais se desenvolvem ações de socialização e inclusão dos surdos na sociedade. Pesquisas têm sido desenvolvidas, recursos são criados com a meta de viabilizar o acesso à cultura, ao lazer, à sociabilização e, inclusive, à psicoterapia. Contudo, ainda está longe à efetiva inclusão de crianças surdas no meio educacional e em outros contextos sociais, especialmente a clínica psicológica. Neste último caso, o processo inclusivo esbarra no fato de a maioria dos profissionais não estar preparada para lidar e acolher a demanda dos surdos.

A presente pesquisa aponta para uma necessidade de se escrever mais, de buscar mais e de se conhecer mais a respeito da cultura surda e do universo que o cerca, de seus anseios e de sua dinâmica biopsicosocial, que estão relacionados à sua saúde, à sua qualidade de vida enquanto ser humano. Uma atenção especial deve ser dada às necessidades especiais de saúde das pessoas com deficiência auditiva. Só assim, ele poderá ser escutado, não por palavras, mas por sua singularidade, por sua cultura.

O presente estudo teve várias limitações. Uma delas é a ausência de um juiz para atestar a validade da análise de conteúdo por meio do cálculo de concordância. O fato de ter usado somente resumos e não o texto na integra representa outra limitação. Outra diz respeito à ausência de outras bases de dados, especialmente a Medline, para coletar mais produção científica e uma grande dificuldade em encontrar estudos metacientíficos sobre psicoterapia e/ou surdez para estabelecer analogias na discussão dos resultados.

Apesar das várias limitações, a presente investigação tem méritos por lançar luz sobre um campo de pesquisa subexplorado no Brasil e em outros países. Psicoterapia para pessoas com deficiência auditiva não deve ser somente uma transposição das práticas tradicionais, desenvolvidas para indivíduos sem essa necessidade especial, mas uma pratica que valorize e reconheça o outro e suas particularidades como ser humano.

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Anexos

Tabela 1: Variáveis bibliométricas e cienciométricas da produção científica sobre psicoterapia com pessoas com deficiência auditiva.

Tabela 2: Perspectivas teóricas da produção científica sobre psicoterapia com pessoas com deficiência auditiva.

Tabela 3: Aspectos Psicoterápicos enfatizados na produção científica sobre psicoterapia com pessoas com deficiência auditiva.