PSYCHOPATHY AND BRAZILIAN LEGISLATION: CRIMINAL RESPONSIBILITY OF PSYCHOPATHS
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7937610
Gabriela Rezende Póvoa Parente1
Odi Alexander Rocha da Silva2
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar como o ordenamento jurídico brasileiro vigente responsabiliza os criminosos psicopatas, considerando a inexistência de uma legislação específica sobre o tema. Nesse sentido, faz-se necessário fomentar a discussão, de um tema tão abrangente, mas ainda pouco explorado que é a responsabilidade criminal dos psicopatas. Nesse trabalho, foi utilizado o método de pesquisa bibliográfica (qualitativa), com a finalidade de realizar um estudo aprofundado da aplicabilidade do direito penal brasileiro aos psicopatas que cometem crimes graves. Para isso, é necessário compreender quem é o sujeito (psicopata), entender noções sobre a criminologia e analisar o cenário jurídico por meio de leis, doutrinas e das sanções aplicadas aos casos concretos (jurisprudência).
Severino (2013), aborda em seu livro “Metodologia do Trabalho Científico” o conceito de pesquisa bibliográfica como aquela que se realiza a partir de registro disponível, feito a partir de pesquisas anteriores, em livros, artigos, teses, dentre outros. As contribuições realizadas por outros autores, auxiliam o pesquisador na sua própria criação. Portanto, a pesquisa foi realizada a partir da contribuição de outros autores, sobre o mesmo tema, tornando possível a criação deste artigo científico. Diante da realização do artigo, foi possível concluir que a Legislação Brasileira é ineficaz quanto a punibilidade aplicada aos psicopatas. Tendo em vista que esses indivíduos representam grande periculosidade, bem como probabilidade de reincidência.
Palavras-chave: Direito Penal. Psicopata. Responsabilidade Criminal. Criminologia.
ABSTRACT:
The present work aims to analyze how the Brazilian legal system is valid for psychopathic guardians, considering the lack of specific legislation on the subject. In this sense, it is necessary to discuss such a comprehensive topic, but still little explored, which is the criminal responsibility of psychopaths. In this work, the method of bibliographic research (qualitative) was used, in order to carry out an in-depth study of the applicability of Brazilian criminal law to psychopaths who commit serious crimes. For this, it is necessary to understand who it is, to understand the situations on criminology and the legal scenario through laws, doctrines and the circumstances verified in concrete cases (jurisprudence). Severino (2013), discusses in his book
“Metodologia do Trabalho Científico” the concept of research as one that is carried out from available records, made from previous research, in books, articles, theses, among others. Contributions made by other authors, auxiliaries of the researcher in his own creation. Therefore, the creation of this article was carried out from the contribution of others on the same topic, making it possible to create scientific authors. In view of the completion of the article, it was possible to conclude that the Brazilian Legislation is ineffective regarding the punishment applied to psychopaths. Considering that these individuals represent great danger, as well as a probability of recidivism.
Keywords: Criminal Law. Psychopath. Criminal Responsibility. Criminology.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como finalidade analisar a imputabilidade do criminoso psicopata sob a ótica da legislação brasileira. Em especial, do ponto de vista do artigo 26, §1º, do Código Penal Brasileiro.
Visto que a psicopatia não é considerada uma doença mental e o seu portador não possui o desenvolvimento mental incompleto ou retardado e, muito menos é incapaz de compreender o caráter ilícito do crime cometido. Não devendo, portanto, ter sua pena reduzida como enuncia o parágrafo.
Há disparidade de entendimentos entre a doutrina e jurisprudência majoritária. Parte da doutrina, consideram o psicopata como semi-imputável, devendo ser aplicado a redução de pena prevista no artigo supracitado ou medida de segurança, a depender do caso concreto. Alguns magistrados entendem que o indivíduo com o Transtorno de Personalidade Antissocial é semi-imputável, devendo ser aplicada alguma medida de segurança.
Em outro sentido, há os magistrados que compreendem, que os psicopatas são completamente imputáveis, devendo ser julgados normalmente por conta da sua personalidade e capacidade de compreensão dos fatos.
No entanto, tais ações se mostram ineficazes, colocando em risco a garantia da ordem pública posto a periculosidade e perversidade do agente.
O artigo foi dividido em 4 (quatro) capítulos. O primeiro capítulo visa adentrar no tema psicopatia, abordando seus principais aspectos, classificações e diferenciações no contexto da criminologia.
O segundo, busca enfatizar a periculosidade do psicopata e a reincidência no cometimento de delitos.
O terceiro, pretende demonstrar a impossibilidade de ressocialização dos psicopatas.
Por fim, o quarto e último capítulo deseja averiguar a punibilidade aplicada aos criminosos psicopatas pela Legislação Brasileira.
1 PSICOPATIA, ASPECTOS, CLASSIFICAÇÕES E DIFERENCIAÇÕES NO CONTEXTO DA CRIMINOLOGIA
A psicopatia é um tema que costuma intrigar e despertar a curiosidade das pessoas em geral. No entanto, a visão que a sociedade possui quanto à figura do psicopata costuma ser muito rasa, firmadas em ideias preconcebidas e resumindo-os a indivíduos, frios, calculistas, incapazes de sentirem empatia. Bem, decerto esta é a visão mais difundida, mas o assunto é muito mais complexo e subjetivo do que como foi tratado nessa simplista definição.
Consequentemente, para uma maior compreensão sobre esse sujeito, é necessário perpassar pelo seu contexto histórico, para que assim fique claro como foi construído seu conceito no decorrer do tempo. Sendo de extrema necessidade para o presente estudo, que haja um panorama geral sobre a psicopatia e seus principais aspectos.
A psicopatia é um tema muito controverso, que diverge opiniões entre os estudiosos do assunto. A conceituação do que vem a ser o psicopata, tem sido uma tarefa árdua e complexa, seja no âmbito da medicina, psiquiatria, psicologia ou do direito.
O entendimento sobre a psicopatia evoluiu muito ao longo da história. Nos tempos antigos, as convicções formadas da imagem de um indivíduo psicopata eram completamente diferentes do conhecimento que se tem hoje. A sociedade primitiva, crente em divindades, acreditavam que pessoas em estado psicótico estariam possuídas por demônios, que ocasionava distúrbios no corpo do psicótico, relacionando a atitude destes sujeitos a lugares e objetos que poderiam traze-lhes punição (GARDENAL, 2018).
No entanto, séculos se passaram e essa visão de que possessões demoníacas eram responsáveis, muitas vezes, pelas atrocidades cometidas pelas pessoas, foi perdendo espaço. O que deu lugar a um pensamento mais racionalizado e acertado sobre o perfil do psicopata.
A origem da palavra psicopata está no grego na união das palavras psykhé, “mente”, mais pathos, “sofrimento”. Já o conceito de psicopatia, originário do grego, surgiu dentro da Medicina Legal, no século XIX. Os indivíduos que possuíam doenças mentais eram considerados psicopatas, até médicos descobrirem que muitos criminosos agressivos e cruéis, não apresentavam nenhum tipo de loucura, melhor dizendo, insanidade. A partir daí, deu-se início a chamada “tradição clínica da psicopatia” baseada em estudos de casos, entrevistas e observações dos reais psicopatas (GARDENAL, 2018).
Phillipe Pinel foi um dos pioneiros a apresentar teorias que contribuíram para a construção do conceito de psicopatia. Ele introduziu o conceito de “mania sem delírio” para se referir aqueles indivíduos que mostravam ações atípicas e agressivas; no entanto possuíam um perfeito entendimento do caráter irracional de suas ações, não podendo ser considerados insanos.
No século XX, outro importante teórico contribuiu para a formação do conceito de psicopatia, dando uma subjetividade para o sujeito. Sigmund Freud criador do método psicanalítico, foi o precursor do modelo das estruturas da personalidade, sendo muito conhecido no campo da psiquiatria e psicologia por seus estudiosos. A partir das suas formulações dentro da psicanálise, foi criado o primeiro Manual Diagnóstico da Psiquiatria, ou melhor dizendo, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM. Esses manuais diagnósticos destrincharam as teorias de Freud sobre a personalidade para criar outras categorias que auxiliassem no diagnóstico de um transtorno mental.
Dessa forma, as estruturas da personalidade, criadas por Freud e revistas por Jacques Lacan, são divididas em: neurose, psicose e perversão. Dentre essas estruturas clínicas, há uma aproximação comum entre a perversão e a psicopatia. O perverso (psicopata para a psicologia) não respeita limites, ou ao menos, está além dos limites do neurótico. Sendo a neurose a regra, a estrutura que traria uma noção de “normalidade” por ser predominante no mundo ocidental, a perversão se caracteriza fundamentalmente por ser uma estrutura onde se instala uma problemática do confronto com a sexualidade do sujeito.
A perversão, de forma mais superficial, seria um desvio de comportamento, e o seu sujeito, o perverso, age no que é chamado pela psicanálise de “denegação” (rejeitar uma situação real), ou desmentindo, não aceitando a castração (experiência psíquica completa ou responsável pela instauração da lei e da moral no psiquismo do sujeito). No senso comum, o termo perversão é utilizado para remeter à ideia de imoralidade, maldade e promiscuidade, dentre muitos outros sinônimos. No entanto, “o próprio Freud (1905/1996n) diz da necessidade de uma contextualização histórica, social e cultural no que tange à delimitação entre o normal e o patológico” (apud, MENDONÇA, et al, 2021, p. 14).
Atualmente, por ser a psicologia assim como a psiquiatria voltada para um pensamento descritivo do fenômeno é perceptível a preocupação em categorizar o sujeito, nos estudiosos e especialistas modernos da psicopatia.
Robert Hare (2013, p. 48-49), em seu livro “Sem consciência: o mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós”, atribui alguns traços emocionais e interpessoais, assim como, características que ele chama de “desvio social”, a personalidade do psicopata. Quanto ao emocional/interpessoal, temos que o psicopata pode ser/ter eloquente e superficial; egocêntrico e grandioso; ausência de remorso ou culpa; falta de empatia; enganador e manipulador e; emoções “rasas”. Já quanto ao desvio social, o psicopata pode ser/ter impulsivo; fraco controle do comportamento; necessidade de excitação; falta de responsabilidade; problemas de comportamento precoces e; comportamento adulto antissocial.
Ana Beatriz Barbosa Silva (2014, p. 12) diz já na introdução do seu livro, “Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado”, que os psicopatas são pessoas frias, insensíveis, manipuladoras, perversas, transgressoras de regras sociais, impiedosas, imorais, sem consciência e desprovidas de sentimento de compaixão, culpa ou remorso.
A Organização Mundial da Saúde, utiliza o termo “transtorno de personalidade dissocial”, conforme consta no CID (Classificação Internacional de Doenças e Problemas relacionados à saúde), sob o código F60.2:
Transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros. Há um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições. Existe uma baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência. Existe uma tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade.
A Associação Americana de Psicologia (em inglês American Psychological Association – APA, ou, em português, Associação Americana de Psicologia. Tradução do autor), utiliza o termo “transtorno de personalidade antissocial”, no DSM-IV-TR. Segundo essa classificação:
A classificação norte-americana de transtornos mentais (DSM-IV-TR), a prevalência geral do transtorno da personalidade antissocial ou psicopatia é de cerca de 3% em homens e 1% em mulheres, em amostras comunitárias (aqueles que estão entre nós). Taxas de prevalência ainda maiores estão associadas aos contextos forenses ou penitenciários. Desse percentual, uma minoria corresponderia aos psicopatas mais graves, ou seja, aqueles criminosos cruéis e violentos cujos índices de reincidência criminal são elevados. (SILVA, 2014, p.37)
Apesar das nomenclaturas diferentes, ambas definem um perfil transgressor, o perfil do que vem a ser o psicopata. Podendo ter divergências na intensidade com a qual os sintomas se manifestam.
De acordo com a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva (2014, p. 12), os psicopatas são classificados em diferentes níveis: leve, moderado e severo. Oportunidade em que transcrevo um trecho do seu livro:
É importante ressaltar que os psicopatas possuem níveis variados de gravidade: leve, moderado e grave. Os primeiros se dedicam a trapacear, aplicar golpes e pequenos roubos, mas provavelmente não “sujarão as mãos de sangue” nem matarão suas vítimas. Já os últimos botam verdadeiramente a “mão na massa”, com métodos cruéis sofisticados, e sentem um enorme prazer com seus atos brutais. Mas não se iluda! Qualquer que seja o grau de gravidade, todos, invariavelmente, deixam marcas de destruição por onde passam, sem piedade. (SILVA, 2014, p.12)
Silva (2014), ainda explica em seu livro, o que seriam esses diferentes níveis de psicopatia. O psicopata de grau leve, apresentam poucos problemas de conduta, que geralmente causam apenas um dano pequeno a outras pessoas. O psicopata de grau moderado, apresenta um número de problemas de condutas e o efeito sob o outro são intermediários. Já o psicopata de grau grave, apresenta muitos problemas de conduta além dos exigidos para fazer o diagnóstico ou problemas de conduta que causam um dano considerável a outras pessoas.
É imprescindível destacar neste ponto, que o psicopata de nível leve ou moderado pode até evoluir para os demais níveis. No entanto, o psicopata de grau moderado ou grave não regride para um nível de menor gravidade, não existe, portanto, uma melhora.
No contexto da criminologia, por se tratar a psicopatia de um transtorno de personalidade e não uma enfermidade psíquica, há uma implicância no Direito Penal, e, portanto, um particular interesse pela figura do psicopata por parte da criminologia. Pois tem como objeto de estudo a análise do crime, a personalidade do autor e o seu comportamento delitivo, dentre outras coisas.
Desse modo, a terminologia psicopata é utilizada para se referir a indivíduos apáticos desprovidos de consciência moral, ética e humana, que não se comprometem com regras sociais. Podendo ser encontrados em qualquer etnia, cultura, sociedade, independentemente da sua sexualidade, credo ou nível financeiro.
1.1 DIFERENÇAS ENTRE A PSICOPATIA E A SOCIOPATIA
Apesar de ambos serem identificados no Código Internacional de Doenças – CID como “personalidade dissocial”, há diferenças no que vem a ser descrito como psicopatia ou sociopatia. Para alguns especialistas, como Robert Hare, a diferença conceitual está na origem do transtorno.
Se o distúrbio se origina do próprio meio social, então se está diante da sociopatia.
Como exemplo, o sujeito, sociopata, que “aprendeu” a cometer atitudes antissociais no próprio meio em que vivia, são indivíduos que podem ter sofrido maus tratos, abandono, falta de afetividade na infância. O que acaba por gerar uma falta de empatia, frieza, impulsividade no seu comportamento. Ou seja, ele adquiriu essa personalidade com o tempo, fatores externos influenciam sua formação, podendo ser associada a educação, relações sociais ou traumas.
Os psicopatas, já nascem assim, é uma condição inata do indivíduo, sua formação consiste em uma combinação de fatores psicológicos, biológicos e genéticos. Costumam ser mais frios e calculistas em suas atitudes, é um conjunto de traços de personalidade e comportamentos sociais desviantes.
1.2 DISTINÇÃO ENTRE OS PSICOPATAS E DOENTES MENTAIS
Segundo Silva (2014, ed. 2, p. 25) “É importante ressaltar que o termo psicopata pode dar a falsa impressão de que se trata de indivíduos loucos ou doentes mentais”. A psicopatia, no entanto, não se enquadra na visão tradicional das doenças mentais.
Além desses indivíduos não serem considerados loucos ou apresentarem algum tipo de desorientação. Também não sofrem de delírios ou alucinações (como a esquizofrenia) e muito menos apresentam um intenso sofrimento mental (como a depressão ou síndrome do pânico, por exemplo).
Em termos médicos, a psicopatia não se enquadraria nos requisitos para ser um doente mental. É justamente a ausência de delírio, loucura, que os diferencia de um doente mental. O psicopata é capaz de entender seus atos, possui total discernimento, não há uma perda de compreensão ou de contato com a realidade, que são sintomas típicos apresentados por portadores de doenças mentais. O que o psicopata possui é uma redução ou incapacidade de realizar um juízo de valor moral quanto a sua conduta.
1.3 DISTINÇÃO ENTRE OS CRIMINOSOS PSICOPATAS E OS CRIMINOSOS “COMUNS”
Os psicopatas possuem uma capacidade muito grande de manipular as pessoas ao seu redor. Quando se trata de um estabelecimento prisional, os enclausurados muitas vezes se sentem em um ambiente de vulnerabilidade, abandono e, grande sofrimento.
Os criminosos psicopatas podem facilmente manipular os criminosos comuns, pois estar na situação de encarcerado não os afeta. Esses indivíduos não perdem a confiança, não sentem remorso ou culpa, conseguem ser articulados para conseguir benefícios que melhorem sua situação. Fazendo muitas vezes quem está ao seu redor esquecerem a periculosidade apresentada por essas pessoas.
De acordo com Morana, em relação ao cometimento de crimes violentos, a “taxa é quatro vezes maior em psicopatas quando comparadas a não-psicopatas” (apud, CHAVES, et al, 2018). Dessa forma, em se tratando do sistema penitenciário brasileiro, apresentam um risco muito alto não só para os outros apenados como também para os funcionários dos Sistemas penitenciário e prisional.
2 A PERICULOSIDADE DO PSICOPATA E A REINCIDÊNCIA NO COMETIMENTO DOS DELITOS
Como destacado anteriormente, no capítulo 2, os psicopatas são classificados em diferentes níveis, quanto maior o grau do agente, maior periculosidade ele representa. É imprescindível esclarecer que, todo psicopata é perigoso, independentemente do nível de gravidade. No entanto, os psicopatas mais graves, que costumam cometer crimes cruéis e violentos, apresentam elevados índices de reincidência criminal.
Para a maioria das pessoas, ao cometer um delito, em algum momento -pelos motivos certos ou errados- ela sentirá remorso pelo o que fez, a culpa é um sentimento quase que inerente ao ser humano. Mas e quando o indivíduo não sente culpa ou remorso, como é o caso dos psicopatas?
Silva (2014) menciona em seu livro que a ‘deficiência’ dos psicopatas está no campo dos afetos e das emoções. Esses indivíduos não se importam se estão causando prejuízos na vida de alguém, mesmo que esse alguém seja de seu convívio íntimo. Seus comportamentos são resultados de uma escolha exercida de forma livre e sem culpa. Ressaltando ainda (2014, p. 27), que “A mais evidente expressão da psicopatia envolve a flagrante violação criminosa das regras sociais”.
Portanto, é possível observar que o desregulamento desses sentimentos influenciam diretamente nas atitudes dos psicopatas em reincidir na prática de delitos. Se não existe o sentimento culpa, por óbvio, é de se esperar que tais indivíduos se sintam confortáveis, por assim dizer, para continuar na prática do mesmo ou de outros delitos. Tentar entender ou justificar porque esses indivíduos, mesmo com plena consciência de seus atos, cometem atrocidades e são insensíveis a dor do outro, pode ser uma tarefa frustrante, se não mesmo uma perda de tempo. Visto que, ao menos nos dias atuais não existe uma “cura” para a psicopatia –o que será abordado melhor nos próximos capítulos-. Entretanto, uma conclusão é certa, o psicopata, enquanto na condição de impunidade, sempre causará um grande estrago na vida de quem cruze o seu caminho.
Este é um dos assuntos mais controversos em se tratando do tema, pois o sentimento de culpa, o arrependimento, interage diretamente nas mudanças que uma pessoa pode apresentar no processo de reinserir um indivíduo privado de liberdade novamente na sociedade, a culpa, o remorso, influencia na tomada de decisões de um ser humano, podendo fazer a diferença para que aquela pessoa não volte a cometer um crime.
No início dos anos 90, Robert Hare, criou a escala PCL-R (Psychopathy Checklist Revised), com o objetivo de avaliar o grau de periculosidade e reincidência criminal da psicopatia e comportamento por um determinado indivíduo, para que assim pudesse diferenciar os psicopatas dos criminosos comuns. A psiquiatra forense Hilda Moranda traduziu esta escala para o português. Os países que utilizam desta ferramenta, aplicando nos sistemas penitenciários, apresentaram uma melhora considerável no índice de redução de reincidência criminal, contudo, infelizmente a escala não é adotada no Brasil.
De acordo com Silva (2014), no capítulo de seu livro denominado “Psicopatia e reincidência criminal”, a taxa de reincidência criminal dos psicopatas é cerca de duas vezes maior que a dos outros criminosos. Em se tratando de crimes associados à violência, a reincidência cresce para três vezes mais.
À vista disso, é indiscutível que os reclusos com o transtorno de personalidade antissocial apresentam maior periculosidade e risco de reincidência, do que os apenados que não possuem esse transtorno.
3 A IMPOSSIBILIDADE DE RESSOCIALIZAÇÃO DOS PSICOPATAS
No ordenamento jurídico brasileiro, a ressocialização do preso é apresentada pela Lei de Execução Penal (LPE). Tendo como finalidade, promover a reintegração do recluso na sociedade, após o cumprimento de pena privada de liberdade ou por meios de penas alternativas da prisão, de forma que este não volte a cometer novos ilícitos penais. Sendo a ressocialização por meio da reintegração um direito fundamental do apenado.
A Lei n° 7210/84 ou Lei de Execução Penal, através do seu artigo 1º (primeiro) esclarece que seu objeto é cumpri os dispositivos das sentenças ou decisões criminais proporcionando uma harmoniosa integração social do condenado ou internado (SHIMADA, 2017).
Ademais, no artigo 10 da mesma Lei, enuncia-se que a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Por isso, entende-se que a Lei de Execução Penal, além de retirar o criminoso do convívio em sociedade, oferece ao indivíduo que cometeu um delito, assistência e orientação para que assim que seja cumprida a pena, retornem aptos para sociedade.
No entanto, ainda que seja um dever do Estado à ressocialização e reinserção do apenado a sociedade, dando um tratamento humanitário ao recluso durante o cumprimento da pena. Ou mesmo vivendo em uma utopia onde todos os direitos assegurados ao preso, tanto na Constituição Federal quando na Lei de Execução Penal, fossem aplicados e respeitados, como deveria ocorrer por serem direitos fundamentais aos presos e respaldados pelos Direitos Humanos. Sem superlotação das cadeias, prestando toda uma assistência material, social, educacional, jurídica e à saúde do detento, respeitando sua integridade física e moral. Mesmo assim, inexistindo o elemento vontade por parte do indivíduo, não há como ocorrer a ressocialização.
O indivíduo que possui o transtorno de personalidade antissocial é impossível de ser ressocializado. Uma vez que, a parte do cérebro responsável pelas emoções é inativa, não tendo sido descoberto ainda uma forma de “ativar” essa parte do cérebro das pessoas que sofrem deste transtorno, que para medicina atualmente é uma condição irreversível/irrecuperável.
Desse modo, a psicopatia é incurável, e sendo a pessoa incapaz de sentir remorso e culpa, é impossível ressocializá-lo. Eles não possuem interesse em mudar sua natureza ou ao menos controlá-la, possíveis tratamentos são paliativos, e os poucos que ainda são submetidos a um tratamento, não continuam, após surtir pouco ou nenhum efeito. Para os psicopatas não existe qualquer problema neles, a natureza humana que é tida como frágil, vulnerável, indefesa e sentimental para esses indivíduos, eles não possuem nenhuma intenção de mudar quem são.
Silva (2014), em seu livro “Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado”, aponta que os psicopatas são intratáveis, sob o ponto de vista da ressocialização:
Sem conteúdo emocional em seus pensamentos e em suas ações, os psicopatas são incapazes de considerar os sentimentos do outro em suas relações e de se arrependerem por seus atos imorais ou antiéticos. Dessa forma, não aprendem a partir da experiência e, por isso, são intratáveis, sob o ponto de vista da ressocialização. (SILVA, 2014, p. 118)
Quanto à ausência de tratamentos para os psicopatas, Robert Hare (2013) em seu livro “Sem Consciência: o mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós” aduz que:
[Com] poucas exceções, as formas tradicionais de psicoterapia, incluindo psicanálise, terapia em grupo, terapia centrada no cliente e psicodrama, têm se mostrado ineficazes no tratamento da psicopatia. E as terapias biológicas, incluindo a psicocirurgia, a eletroconvulsoterapia e o uso de vários medicamentos, não se saíram muito melhor. (HARE, 2013, p. 199)
Por serem os acometidos com Transtorno de Personalidade Antissocial, diferentes de outros criminosos com transtornos mentais e diferentes de criminosos considerados comuns. E pela psicopatia ser uma condição incurável, não há possibilidade de ressocialização dos psicopatas, vez que a periculosidade desses indivíduos não cessa.
4 PUNIBILIDADE APLICADA AOS CRIMINOSOS PSICOPATAS PELA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Na legislação brasileira inexiste, na atualidade, lei própria que disponha sobre a punibilidade que deve ser aplicada em criminosos que foram diagnosticados com o Transtorno de Personalidade Antissocial.
Contudo, há instrumentos que buscam responsabilizar os criminosos psicopatas, e é isso que será abordado nesse capítulo. Mas antes de adentrar na lei, faz-se necessário abordar conceitos básicos do direito penal e civil.
A esfera Civil prevê a capacidade de direito e a capacidade de fato. Quando o sujeito possui ambas, entende-se que aquele indivíduo possui capacidade civil plena. A capacidade de direito, diz respeito ao sujeito de direitos e deveres na ordem privada, é a capacidade na qual todos possuem, sem distinção. Já a capacidade de fato, é aquela para exercer direitos, no entanto algumas pessoas não têm, são os incapazes, previstos nos artigos 3º e 4º do Código Civil de 2002. Nesta esteira, explica Flávio Tartuce (2020, p. 62):
A norma em questão trata da capacidade de direito ou de gozo, que é aquela para ser sujeito de direitos e deveres na ordem privada, e que todas as pessoas têm sem distinção. Em suma, havendo pessoa, está presente tal capacidade, não importando questões formais como ausência de certidão de nascimento ou de documentos,
É notório que existe ainda outra capacidade, aquela para exercer direitos, denominada como capacidade de fato ou de exercício, e que algumas pessoas não têm. São os incapazes, especificados pelos arts. 3º e 4º do CC/2002 […]. (TARTUCE, 2020, p. 62)
Os art. 3º e 4º do CC/2002 versam sobre os absolutamente e relativamente incapazes. Na redação original do Código Civil de 2002, conforme preceitua o art. 3º, são absolutamente incapazes os que por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil. Apesar de em termos gerais a psicopatia não ser considerada uma doença, o psicopata se enquadraria neste inciso como absolutamente incapaz.
Contudo, esses artigos sofreram mudanças com o advento da Lei 13.146/2015, Estatuto da Pessoa com Deficiência. O art. 114, alterou tais dispositivos, revogando todos os incisos do art. 3º e alterando os incisos II e III do art. 4º. Com essas mudanças, o absolutamente incapaz passou a ser apenas os menores de 16 (dezesseis) anos. Nesse sentido, todas as pessoas que se enquadravam no inciso II, do art. 3º, passaram a ser, em regra, plenamente capazes para o direito civil.
No transtorno de personalidade antissocial, Bonvicini (2021), aduz que procura-se analisar também, para fins de justiça, a capacidade, nas perspectivas ética e moral, do indivíduo portador da psicopatia. Abordando a capacidade de entendimento (cognitiva) e de determinação (volitiva) nos psicopatas.
[…] em tese, a capacidade de entendimento –cognitiva – no cérebro de um psicopata, apresenta desempenho diferenciado. O psicopata compreende suas condutas, sabe que suas ações são ou não ilícita, sabe das consequências ao praticar suas condutas, entretanto, através da impulsividade de seu comportamento, movido pela satisfação de obtenção de seu prazer imediato, tende a continuar a executar a ação, entende, de forma não funcional, sobre seus atos.
Noutro norte, quanto à capacidade de determinação –volitiva- pensando sobretudo em sua avaliação, tendo em vista o Direito Penal, pouco é sabido sobre o processo volitivo do psicopata. Pouco tem se estudado e debatido sobre o tema, para poder vislumbrar se ele escolhe ou não realizar aquela conduta, do ponto de vista psicológico. Ora, sabe-se que a capacidade volitiva, é o processo cognitivo responsável por determinar as condutas que o indivíduo praticará. Por sua vez, trata-se de uma das atividades psicológicas mais importantes na vida humana. Nesse contexto, como resultado dessa neblina sobre o saber do desenvolvimento cerebral volitivo do psicopata, nota-se uma falha na análise e interpretação de responsabilidade penal. (BONVICINI ,2021, p. 9)
Dessa forma, para se falar em imputabilidade penal é necessário entender a responsabilidade penal do agente, principalmente no que diz respeito a sua capacidade de entendimento quando cometeu o ato ilícito. Em razão de qualquer agente, seja ele capaz ou incapaz, em uma perspectiva jurídica, pode cometer um ato ilícito.
A responsabilidade penal diz respeito a um dano, crime contra a ordem pública, de um indivíduo (ou mais) contra a sociedade. De modo que, o agente que cometer um delito deverá ser responsabilizado de acordo com fatores intrínsecos a sua ação ou omissão. Um dos critérios levados em consideração no processo de análise e julgamento de um crime é a culpabilidade (Santos; Rosa, 2020).
De acordo com Guilherme de Souza Nucci, “a responsabilidade é decorrência da culpabilidade, ou seja, trata-se da relação entre o autor e o Estado, que merece ser punido por ter cometido um delito” (2020, p. 234).
No Direito Penal, afim de entender se a ação praticada por um indivíduo é de plena responsabilidade dele, surge o conceito de culpabilidade, estando compreendido dentro do tema as excludentes de culpabilidade e as definições de imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade. Vez que, ninguém será penalmente punido, se não houver agido com dolo ou culpa, pois a responsabilização deve ser subjetiva.
O próprio código penal estabelece que só há crime quando estiver presente dolo ou culpa. Vide artigo:
Art. 18 – Diz-se o crime:
I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzilo;
II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
Parágrafo único- Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.
Para o Doutor em Direito, Guilherme de Souza Nucci (2020, p. 227), culpabilidade é:
Trata-se de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo, seguindo as regras impostas pelo Direito (teoria normativa pura, proveniente do finalismo). (NUCCI, 2020, p. 227)
Desse modo, para que se possa fixar uma pena é imprescindível saber a culpabilidade do infrator.
A respeito da imputabilidade Nucci (2020, p. 233) esclarece que:
É o conjunto das condições pessoais, envolvendo inteligência e vontade, que permite ao agente ter entendimento do caráter ilícito do fato, comportando-se de acordo com esse conhecimento. O binômio necessário para a formação das condições pessoais do imputável consiste em sanidade mental e maturidade. (NUCCI, 2020, p. 233)
Ou seja, a imputabilidade consiste na capacidade do agente em compreender a ilicitude presente na conduta executada. No Brasil, em regra, ao atingir a maioridade, 18 (dezoito) anos, é considerado imputável.
A semi-imputabilidade é uma redução dessa capacidade de compreensão do indivíduo, afetando sua saúde mental, mas sem extingui-la. O agente apresenta perturbação da saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Todavia, não podem ser considerados como inimputáveis, uma vez que na ocasião do crime não eram inteiramente incapazes de entender o caráter ilícito.
A inimputabilidade trata-se de quando o agente não consegue compreender a diferença entre o certo e o errado, e por não poder pautar-se nessa compreensão, poderá acabar cometendo um fato típico ou antijurídico sem que possa por isso ser censurado.
Segundo Nucci (2020, p. 233-234):
O inimputável (doente mental ou imaturo, que é o menor) não comete crime, mas pode ser sancionado penalmente, aplicando-se-lhe medida de segurança, que se baseia no juízo de periculosidade, diverso, portanto, da culpabilidade. O autor de um fato típico e antijurídico, sem compreensão do que fazia, não merece ser considerado criminoso -adjetivação reservada a quem, compreende o ilícito, opta por tal caminho, sofrendo censura-, embora possa ser submetido a medida especial cuja finalidade é terapêutica, fundamentalmente. (NUCCI, 2020, p. 233-234)
No que pese a inimputabilidade do agente, existem 3 (três) critérios para averiguação, são eles: a) biológico, b) psicológico e c) biopsicológico. O critério biológico leva em conta exclusivamente a saúde mental do agente, ou seja, se o agente é, ou não, doente mental ou possui, ou não, um desenvolvimento mental incompleto ou retardado. O critério psicológico leva em consideração unicamente a capacidade que o agente possui para apreciar o caráter ilícito do fato ou de comportarse de acordo com esse entendimento. Já o critério biopsicológico leva em conta os dois critérios anteriores, portanto, verifica-se se o agente é mentalmente são e se possui capacidade de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Este último é o princípio adotado pelo Código Penal, em seu artigo 26.
Tanto a semi-imputabilidade quanto a inimputabilidade, em decorrência de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, estão previstos no art.
26 do Código Penal, observa-se:
Art. 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Parágrafo único – A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Para a legislação penal brasileira, a imputabilidade do agente é retirada em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Destarte, fazse necessário ressaltar que não se dá o diagnóstico com doença mental para ser inimputável, é essencial a comprovação de que a doença impossibilitava o indivíduo de entender o caráter ilícito do crime no período em que o cometeu. A existência de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26, caput, CP), é uma das causas de excludentes de culpabilidade.
O Transtorno de Personalidade Antissocial, não é considerado uma doença mental, razão pela qual não excluem a culpabilidade, por não afetar a inteligência e muito menos a vontade. Infelizmente, não é fácil detectar esses indivíduos com segurança e diferenciá-los das doenças ou perturbações da saúde mental.
Por isso, é imprescindível que tanto o Perito quanto o Juiz, hajam com cautela ao averiguar quem é atingido por este transtorno, já que não constituem uma situação de normalidade ao mesmo momento que não caracterizam a anormalidade pautada no artigo 26. A avaliação técnica, laudo pericial, realizada pelo Perito é de extrema importância nesses casos.
Contudo, no que diz respeito ao magistrado, ele não necessita ficar vinculado ao laudo pericial, podendo inclusive rejeitá-lo, em caso de não crer na conclusão pericial, devendo determinar a realização de novo exame, mas sempre lembrando que a parte cabível a ele é apenas a psicológica, e não a biológica.
De acordo com Guido Palomba, renomado psiquiatra forense, que denomina a psicopatia como condutopatia, “os condutopatas são “indivíduos” que ficam na zona fronteiriça entre a normalidade mental e a doença mental. (…) O condutopata é um indivíduo que apresenta comprometimento da afetividade (insensibilidade, indiferença, inadequada resposta emocional, egoísmo), comprometimento da conação (intenção mal dirigida) e da volição (movimento voluntário sem crítica)” (apud, NUCCI, 2020, p. 236-237).
Nesses casos, não há a eliminação completa da imputabilidade, podendo o agente sofrer o juízo de reprovação social inerente a culpabilidade, embora o juiz seja levado a atenuar a censura feita, reduzindo a pena de 1/3 a 2/3, como visto anteriormente no parágrafo único do artigo 26.
Para Rodrigues, as opções atuais para o tratamento do criminoso psicopata poderão ser o cumprimento da pena, em presídio comum ou ainda a internação em hospital de custódia. “No caso de pena de prisão, o psicopata tem imensa dificuldade em assimilar a relação entre crime e castigo, assim a aplicação desse tipo de pena é ineficaz, pois não surtirá o efeito punitivo, nem terá qualquer efeito de ressocialização, pois sua permanência com outros criminosos não será benéfica” (apud, AQUINO, 2021, p. 11).
Nessa lógica, é importante diferenciar a pena privativa de liberdade e a medida de segurança. A pena privativa de liberdade tem como objetivo, privar o direito de ir e vir do condenado penalizando-o com o cárcere, os regimes previstos legalmente são o regime fechado, semi-aberto ou aberto, sendo possível a progressão de modo contínuo. Já a medida de segurança, é uma espécie de sanção penal designada aos indivíduos inimputáveis e semi-imputáveis, o qual em razão de uma conduta delituosa, devem ser submetidos devido ao seu condicionamento a internação ou tratamento ambulatorial. ´
Destaca-se que no Brasil, não há prisão ou medidas aplicadas com o caráter perpétuo, sendo assegurado tal direito na Constituição Federal, art. 5º, inciso XLVII, alínea b, senão vejamos:
Art. 5º –
XLVII – não haverá penas:
b) de caráter perpétuo;
Originariamente, a redação do art. 75 do Código Penal limitava o cumprimento da pena a 30 (trinta) anos. Porém, com o advento da Lei 13.964/19, mais conhecida como Lei Anticrime ou Pacote Anticrime, o tempo máximo de cumprimento das penas privativas de liberdade aumentou para 40 (quarenta) anos, dando nova redação ao art. 75, vejamos:
Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
A medida de segurança não se configura como pena, tão somente, visa o tratamento adequado a quem é doente. Caso não seja aplicada a hipótese de redução de pena ao criminoso psicopata, dar-se sentença de absolvição imprópria, e ocorre a substituição da pena por medida de segurança quando constatada a periculosidade deste, nos termos do artigo 97, §§ 1º a 4º e 98 do Código Penal.
Vide artigo:
Art. 97 –
§ 1º – A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 2º – A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.
§ 3º – A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade.
§ 4º – Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos.
Art. 98 – Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.
A medida de segurança se ampara na evolução do indivíduo objetivando cessar sua periculosidade, para que só assim possa promover novamente a inserção deste indivíduo a sociedade. No caso de ter sido constatado mediante perícia médica a cessação da periculosidade, o Juiz da execução penal deverá determinar a desinternação condicional, sendo provida pelo período de um ano, encerrando-se apenas quando for averiguado integralmente a perda da periculosidade no agente.
Por conseguinte, a psicopatia deve ser analisada segundo o caso concreto, devendo ser analisado, as particularidades do indivíduo e o seu grau de periculosidade, para que possa ser conduzido a um julgamento justo, e ser aplicado o tratamento mais adequado.
4.1 POSICIONAMENTO DA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA
Diante da ausência em nosso Código Penal da figura do psicopata, quando identificados, serão tratados dentro dos limites previstos no art. 26 do código supracitado, em razão de inexistir legislação específica que regulamenta como se deve proceder diante de crimes cometidos pelos psicopatas.
De acordo com Alexandra Carvalho Lopes de Oliveira (2012, p. 82), ao ser realizada pesquisa detalhada, nos sítios eletrônicos do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e dos principais Tribunais de Justiça de cada região brasileira, foi chegada a conclusão de que não há um entendimento pacificado quanto a responsabilidade penal do psicopata, considerando que há diversidade não só na doutrina, mas também no entendimento jurisprudencial.
Passaram-se 10 (dez) anos, entretanto ainda sem muitas mudanças neste cenário.
Nas buscas nos principais portais jurisprudenciais, os termos “transtorno de personalidade antissocial”, “psicopatia”, “semi-imputabilidade”, apesar de utilizados, em muitos casos, ocorrem de uma forma errônea, sendo até mesmo empregados como sinônimo de doente mental.
Observa-se também, que há disparidades de entendimentos. Alguns magistrados entendem que o indivíduo com o Transtorno de Personalidade Antissocial é semiimputável, devendo ser aplicada alguma medida de segurança. Em outro sentido, há os magistrados que compreendem, que os psicopatas são completamente imputáveis, devendo ser julgados normalmente por conta da sua personalidade e capacidade de compreensão dos fatos.
A seguir, coleciono algumas jurisprudências de Egrégios Tribunais, que demonstram há discrepância de entendimentos entre os tribunais brasileiros. Nesse diapasão:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO. ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA. IMPOSSIBILIDADE. Não há que se falar em inimputabilidade penal se o laudo pericial produzido no incidente de insanidade mental, judicialmente homologado, atestou um comprometimento apenas parcial da capacidade de autodeterminação, ausente qualquer prova em sentido diverso, hipótese em que se mostra correta a minoração da pena, pela semi-imputabilidade (art. 26, p.ú., do CP). (TJ-MG – APR: 10024161246202001 Belo Horizonte, Relator: Marcílio Eustáquio Santos, Data de Julgamento: 24/10/2018,Câmaras Criminais / 7ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 31/10/2018)
Nesse caso, a defesa ingressou com apelação criminal, no intuito de alcançar a absolvição imprópria, alegando que o réu seria inimputável. No entanto, instaurado o incidente de insanidade mental, adveio o laudo pericial oficial subscrito por médico psiquiatra, que dentre outros transtornos e síndromes, verificou a presença também do Transtorno de Personalidade Antissocial. Complementando no laudo ainda que “todos perturbação da saúde mental no sentido jurídico, sem prejuízo no entendimento, podendo causar redução na determinação, mas em relação ao ilícito estudado, sem nexo causal”. Portanto, torna-se evidente o entendimento do Desembargador Relator pela semi-imputabilidade do réu.
Recurso em sentido estrito. Pronúncia. Homicídio qualificado. Inimputabilidade penal. Exclusão de qualificadora. 1 – O transtorno de personalidade antissocial (psicopatia) não é incompatível com a imputabilidade (sujeito mentalmente são e desenvolvido, capaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento). 2 – Somente é admissível a exclusão de qualificadora manifestamente improcedente. 3 – Recurso desprovido. (TJ-GO – RSE:01007743420158090051 GOIANIA, Relator: DES. EDISON MIGUEL DA SILVA JR, Data de Julgamento: 29/10/2015, 2A CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: DJ 1908 de 12/11/2015)
Noutro caso, a defesa do réu objetivava a inimputabilidade penal. No voto do Desembargador Relator, é possível verificar que a junta médica oficial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás concluiu que o réu possui Transtorno de Personalidade Antissocial, porém mesmo apresentando tal condição, na época da ação era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito e determinar-se de acordo com este entendimento. O desembargador manteve a decisão de pronúncia do réu. Portanto, o réu foi considerado imputável.
4.2 CASOS CONCRETOS
Passada as explicações, irei colacionar dois casos muito famosos e divulgados pela grande mídia, de grande repercussão social à época dos fatos e que recentemente voltaram a ser comentados, devido a obras (filmes e documentário) que estrearam sobre as ocorrências fáticas dos crimes. A saber, são eles: Suzane Von Richthofen e Guilherme de Pádua Thomaz.
4.2.1 Suzane Von Richthofen
Na noite do dia 31 de outubro de 2002, na zona sul de São Paulo, no bairro de Campo Belo, ocorreu um crime perturbador, que iria abalar todo país, mesmo cerca de 20 (vinte) anos depois.
O casal Manfred e Marísia Von Richthofen, foram assassinados, atingidos com diversos golpes na cabeça, por Daniel e Cristian Cravinhos, mais conhecidos como “os irmãos cravinhos”. A violência dos golpes impediu qualquer reação do casal, a cena do crime deixou os rastros da crueldade da ação.
O chocante crime foi marcado por uma descoberta surpreendente, o crime tinha sido arquitetado e comandado pela filha mais velha do casal, Suzane Von Richthofen, que na época dos fatos tinha apenas 18 (dezoito) anos de idade. Dessa forma, o crime foi premeditado pela jovem.
A motivação do crime, teria sido por que os pais de Suzane não aprovavam seu relacionamento com Daniel, que tinha uma origem mais humilde. Enquanto a família de Suzane possuía boas condições financeiras.
Após a execução do crime, para não levantar suspeitas, os criminosos resolveram simular um latrocínio (roubo seguido de morte). Assim, Suzane poderia viver com seu namorado, e ainda por cima, herdaria parte da herança deixada pelo seus pais. Suzane abriu uma maleta do seu pai, que continha uma grande quantidade de dinheiro, pegou cerca de oito mil reais, seis mil euros e cinco mil dólares, além de algumas joias que pertenciam a seus pais. A quantia foi entregue a Cristian, como pagamento pela sua participação.
Na noite do crime, Suzane e seu então namorado, levaram o irmão dela, de 15 (quinze) anos para uma lan house, e posteriormente buscando Cristian, irmão de Daniel, partindo para a mansão dos Von Richthofen. Suzane, teria aberto a porta de entrada de casa, permitindo a entrada dos irmãos na residência. Posteriormente, se dirigiu ao segundo andar da casa para se certificar de que os pais estivessem dormindo. Desta maneira, determinou que os irmãos cravinhos fossem até o quarto e cometessem o homicídio. Suzane, ainda teria separado sacos e luvas cirúrgicas para que os agressores depositassem as roupas e as barras de ferro usadas no crime -o material nunca foi encontrado-.
Após a execução do crime, o casal levou Cristian em casa, e se dirigiram a um motel, afim de produzir um álibi, solicitando a nota fiscal da quantia gasta no motel. Por volta das 03h da manhã, o casal deixou o motel e buscou o irmão de Suzane na lan house. Ao deixarem Daniel em casa, Suzane e Andreas voltaram para casa.
Suzane simulou surpresa e estranhamento ao chegar na casa, que estava com as portas abertas, mandou seu irmão esperar fora da casa e ligou para Daniel que acionou a polícia por suspeita de assalto na casa de sua namorada.
Após verificarem o ocorrido, a polícia iniciou as investigações, desconfiando desde o início da hipótese de latrocínio. Não demorou muito para a história de Suzane se desfazer, tendo primeiro Cristian confessado o delito, e em seguida Daniel e Suzane.
Os criminosos foram levados a júri popular, o julgamento ocorreu por 6 dias, tendo se iniciado no dia 17 de julho e se encerrado na madrugada do dia 22 de julho de 2016. Durante o julgamento Suzane não demonstrou nenhuma comoção, muito pelo contrário, foi considerada fria e sem grandes reações.
Os jurados consideraram os três réus culpados da prática de duplo homicídio qualificado. Daniel foi condenado à pena de 39 anos e 6 meses de reclusão, Suzane à pena de 39 anos de reclusão e Cristian 38 anos de reclusão. Atualmente, 20 anos depois dos fatos, tanto Suzane quanto os irmãos Cravinhos cumprem pena no regime semiaberto.
4.2.2 Guilherme de Pádua Thomaz
No dia 28 de dezembro de 1992, na cidade do Rio de Janeiro, ocorreu um crime bárbaro, que recebeu repercussão mundial, e que continua repercutir até os dias atuais, pela brutalidade do crime e pela frieza de quem viria ser o assassino, Guilherme de Pádua Thomaz.
A jovem Daniella Perez, de 22 anos, bailarina e atriz, foi brutalmente assassinada a poucos quilômetros do estúdio Globo Tycoon, em um matagal na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro. De acordo com a perícia, Daniella foi morta com dezesseis golpes de um instrumento “perfurocortante” (punhal), desferidos no pescoço e no tórax e perfurando a traqueia, o pulmão e o coração (SILVA, 2014).
Conforme a perícia, das dezesseis perfurações encontradas no corpo de Daniella, quatro foram na região da garganta e doze no tórax; oito delas estavam concentradas na região do coração. Vejamos:
Havia uma intenção visível de atingir um órgão nobre. Não há nem como arguir de que seria uma coisa impensada: foi intencional. E também ninguém adultera a placa de um automóvel num crime passional. A placa de um automóvel só é adulterada para uma prática ilícita, seja ela qual for […]. É um crime indubitavelmente premeditado, praticado de uma forma brutal. Talvane de Moraes, médico-legista, diretor da Polícia Técnica do Rio de Janeiro. (Apud, SILVA, 2014, p.89)
Após a gravação da novela “Corpo e Alma”, exibida pela Rede Globo, por volta das 21h, os atores Daniella e Guilherme, saíram juntos dos estúdios, sendo abordados por fãs que lhes pediram foto. Em seguida, seguiram rotas diferentes, Guilherme saiu na frente em seu carro, um Santana, acompanhado de sua esposa Paula, cumplíce do crime. Logo atrás vinha Daniella, em um Escort.
Daniella foi vítima de uma emboscada, sendo abordada, depois espancada e desacordada, foi levada ao matagal onde ceifaram sua vida. Sobre o caso, relata Ana Beatriz Barbosa Silva:
No dia do assassinato, Guilherme usou o carro de seu sogro (um Santana) e adulterou com perfeição a placa do veículo: transformou a letra “L” em “O”. Ele saiu dos estúdios de gravação da Globo dirigindo o Santana e com Paula escondida sob um lençol no banco traseiro. Guilherme parou logo em seguida no acostamento do posto de gasolina Alvorada, que ficava a cerca de trezentos metros dali. Ele esperou o momento certo de agir. Pouco depois, entre 21 horas e 21h30, Daniella, que também havia deixado os estúdios da Globo, entrou no mesmo posto para abastecer seu carro (um Escort), sem ter a mínima noção de que seus assassinos estavam tão próximos. Na saída do posto, Daniella recebeu uma “fechada” de Guilherme, e os dois saíram do carro. Guilherme, então, desferiu um soco violento no rosto da atriz, aplicoulhe uma “gravata” e a jogou para dentro do Santana. Nesse momento, Paula saiu do banco de trás do Santana e assumiu a direção do carro. Guilherme, dirigindo o Escort, seguiu Paula até o local onde Daniella foi assassinada da forma mais cruel possível. […] O casal ainda passou num posto para lavar as manchas de sangue que ficaram no interior do Santana e depois foi para casa dormir. Tudo foi programado, planejado e arquitetado, nos detalhes mais sórdidos. (SILVA, 2014, p. 88)
Pádua, chegou até mesmo a comparecer ao funeral da atriz e a consolar sua mãe, Glória Perez, roteirista e produtora, e seu marido, o ator Raul Gazolla. Ainda nesse dia, o casal confessou à polícia o crime, em vista que, o Advogado Hugo da Silveira, ao avistar dois carros parados em um local suspeito, anotou a placa do carro e ligou de imediato a polícia. O que levou os policiais até Guilherme.
O motivo do crime e nunca foi descoberto ao certo, muitos boatos surgiram a partir do caso. Segundo o autor do crime, ele teria matado Daniella porque ela o assediava, versão que rapidamente foi desmentida. Outra versão, seria de que Paula, esposa de Guilherme, sentia um ciúme doentio de Daniella com Guilherme.
Contudo, a tese desenvolvida no julgamento foi a de que o autor do crime estava irritado com o fato de seu personagem ter sido cortado de dois capítulos da novela e acreditava que Daniella poderia ter influenciado na decisão de sua mãe, que era a escritora da novela (CASTRO, 2022).
Após a confissão do crime, os réus foram presos, permanecendo assim até o dia do julgamento, sendo pronunciados ao Tribunal do Júri, vez que, foi descartada a tese de homicídio culposo, dada a premeditação do crime. Ambos foram acusados de homicídio qualificado por motivo torpe e por terem utilizado recurso que dificultasse a defesa da vítima.
Em 15 de Janeiro de 1997, Guilherme de Pádua foi condenado a 19 (dezenove) anos de reclusão, dos quais já havia cumprido 4 (quatro). Mesmo recorrendo da sentença, sua pena foi mantida. Já o julgamento de Paula Thomaz, ocorreu no dia 16 de Maio de 1997, sendo condenada em 18 (dezoito)anos e seis meses de reclusão pela coautoria no assassinato de Daniella Perez. Todavia, a votação do júri não foi unânime, visto que 4 (quatro) votaram na condenação e 3 (três) na absolvição. Ao recorrer da decisão, sua pena foi reduzida para 15 anos. Em 1999, após 7 anos de cumprimento de pena em regime fechado, ambos deixaram o cárcere.
É importante ressaltar que nesse caso, sem emitir juízos de valores, a atenção da mídia e exposição midiática que os autores do fato detinham, trouxe visibilidade ao ocorrido e possibilitou a mudança do ordenamento jurídico. Vez que, devido a mobilização de Glória Perez, mãe da vítima, o crime de homicídio qualificado foi incluído como crime hediondo, através da Lei 8.930/94. Sobre o acontecimento (TAVARES, 2019, p. 39):
Glória Perez, temendo que os acusados do crime não se mantivessem presos ou não fossem condenados pelo assassinato, se utilizou da repercussão do caso e deu início a uma campanha para o endurecimento das leis penais que versam sobre homicídio qualificado. Instruída por advogados e membros do Ministério Público, a autora descobriu que a Lei 8.072, promulgada em 25 de julho de 1990, que discorre sobre crimes considerados hediondos, não abrangia a prática do crime de homicídio qualificado. Após reunião com Glória Perez, Antônio Carlos Biscaia, na época Procurador de Justiça do estado do Rio de Janeiro, se comprometeu a lançar uma emenda à lei de crimes hediondos para a inclusão da prática de homicídio qualificado no rol da lei. Dias após a entrega do PL 4146/93, que levava ao poder legislativo a discussão sobre a emenda à lei 8072/90, a mãe de Daniella iniciou uma massiva campanha popular através de abaixoassinados para pressionar os deputados para votar pela aprovação da emenda. […] Viajando o país inteiro em busca de assinaturas e com o apoio da mídia, que divulgava os locais de assinatura, foi angariado mais de 1,3 milhões de assinaturas no abaixo assinado, culminando na aprovação da lei 8.930, em 06 de setembro de 1994, que mudou a redação da lei 8.072, acrescentando um novo inciso. (TAVARES, 2019, p. 39)
É necessário se atentar ao comportamento do réu durante o julgamento, já tendo demonstrado frieza mesmo ao comparecer ao velório da vítima para “consolar” sua família. Guilherme escandalizou o julgamento com sua postura, não demonstrando em nenhum momento arrependimento:
“Familiares e amigos da atriz se chocaram com a postura do réu durante seu depoimento. Utilizando-se de “representações” teatrais, Guilherme chegou a mudar o tom de voz para “interpretar” as vozes de Daniella e Paula. Todos os presentes ficaram em silêncio, estarrecidos, quando ele imitou como Daniella teria caído ao ser vitimada.” Ana Beatriz Barbosa Silva
“O seio esquerdo de Daniella ficou desnudo. Aquilo me chocou. Cobri o seio, ajeitei os braços, que estavam para cima, para que não ficasse tão feia. Eu sabia que ela seria fotografada depois.” Guilherme de Pádua (SILVA, 2014, p. 90-91)
O Magistrado José Geraldo Antonio, enuncio na sentença que (SILVA, 2014, p. 91):
A conduta do réu exteriorizou uma personalidade violenta, perversa e covarde quando destruiu a vida de uma pessoa indefesa, sem nenhuma chance de escapar ao ataque de seu algoz, pois além de desvantagem na força física, o fato se desenrolou em local onde jamais se ouvia o grito desesperador e agonizante da vítima. Demonstrou o réu ser uma pessoa inadaptada ao convívio social por não vicejarem no seu espírito os sentimentos de amizade, generosidade e solidariedade, colocando acima de qualquer outro valor a sua ambição pessoal. (SILVA, 2014, p. 91)
O réu foi considerado um indivíduo violento, perverso, incapaz de se solidarizar com alguém, um exibicionismo nato, que coloca suas próprias ambições acima de tudo. Características bem marcantes de um indivíduo com transtorno de personalidade antissocial
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, é possível concluir que a Legislação Brasileira é ineficaz quanto a punibilidade aplicada aos psicopatas. Tendo em vista que esses indivíduos representam grande periculosidade, bem como probabilidade de reincidência.
Apesar das dificuldades de se explanar sobre o tema, foi possível discorrer sobre várias matérias que englobam o assunto. Deixando claro todas as circunstâncias que reúnem o direito penal e a figura do criminoso psicopata.
Ressalta-se a importância de existir uma legislação específica, rígida, que regulamenta como se deve proceder diante de crimes cometidos pelos psicopatas. Assim como, deve haver medidas que possibilitem a prevenção dos crimes cometidos pelos psicopatas.
Faz-se imperioso destacar também, que quem possui o Transtorno de Personalidade Antissocial não é uma pessoa com transtorno mental, já que inúmeras vezes é assim que é retratado. Comparar um indivíduo inescrupuloso, com alguém que possui uma condição debilitante e que muitas vezes está em uma situação de fragilidade (em todos os aspectos), chega a ser absurdo.
Portanto, através desse artigo, buscou-se desmitificar as crenças e visões errôneas, que muitas vezes as pessoas possuem sobre a figura do psicopata. A mídia sensacionalista, e como o psicopata é apresentado por ela, e em meios cinematográficos que não são pautados em agir com a verdade fática, podem acabar por induzir pessoas leigas ao erro.
Visando reduzir a reincidência criminal, o ordenamento jurídico brasileiro deveria se utilizar da escala PCL-R desenvolvida por Robert Hare. Nos países em que a escala Hare foi aplicada, como abordado no artigo, constatou-se uma redução de dois terços das taxas de reincidências nos crimes mais graves e violentos cometidos por psicopatas. Providências como a descrita, acabam por reduzir a violência na sociedade como um todo.
A identificação do indivíduo com transtorno de personalidade, através da escala Hare, é de suma importância. Sendo necessário que pessoas qualificadas, psiquiatras forenses, se profissionalizem e treinem para que consigam fazer o manuseio do PCLR.
Por fim, deve-se ter a preocupação em explorar respostas penais compatíveis com a condição do psicopata, a exemplo de prisões especiais para esses indivíduos, tendo em vista que colocam em risco até mesmo outros presidiários. Por conseguinte, ainda há um longo caminho para a adequação do ordenamento jurídico e da legislação brasileira, devendo esses indivíduos serem julgados em observância a diferentes critérios, para que haja a apropriada punição aos crimes cometidos pelos psicopatas.
REFERÊNCIAS
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1Autora. Acadêmica do Curso de Graduação em Direito da Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS). Estagiária do 1º Gabinete da 2ª Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJTO). E-mail: gabrielapovoa@unitins.br.
2Coautor. Docente na Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS). Doutor em Letras pela PUC do Rio Grande do Sul. Mestre em Letras pela PUC do Rio grande do Sul. Especialista em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: odiasilva48@gmail.com.