REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7782919
Catharina Basília Jovino da Silva
Tiago Benedito Pereira Vantini
Thaís Ribeiro da Conceição
RESUMO
O presente trabalho objetiva diferenciar e caracterizar a atuação do psicólogo da saúde e do psicólogo hospitalar, visto que, por vezes, estas áreas se confundem devido às suas semelhanças, sejam elas práticas, teóricas e/ou históricas. Dessa forma, utilizou-se levantamento bibliográfico, no qual foram usados artigos e livros a respeito da psicologia da saúde e da psicologia hospitalar, a fim de caracterizar ambas as áreas, possibilitando maior compreensão das diferenças e semelhanças entre elas. Constatou-se que a psicologia hospitalar é um campo de atuação dentro da psicologia da saúde, sendo esta última mais abrangente.
PALAVRAS-CHAVE: Psicologia Hospitalar; Psicologia da saúde; atuação do psicólogo.
ABSTRACT
The present work aims to differentiate and characterize the performance of the health psychologist and the hospital psychologist, since, sometimes, these areas are confused due to their similarities, be they practical, theoretical and/or historical. Thus, a bibliographical survey was used, in which articles and books about health psychology and hospital psychology were used, in order to characterize both areas, allowing a greater understanding of the differences and similarities between them. It was found that hospital psychology is a field within health psychology, the latter being more comprehensive.
KEYWORDS: Hospital Psychology; Health psychology; psychologist’s performance.
1 INTRODUÇÃO
Este estudo foi realizado de forma bibliográfica, tendo como objetivo descrever e caracterizar a área da psicologia hospitalar e da psicologia da saúde. A relevância deste trabalho decorre da necessidade de diferenciar ambos os campos, uma vez que apresentam características semelhantes no que tange à prática, aos conceitos teóricos, e até mesmo ao surgimento deles.
Ressalta-se que apesar de similares, essas áreas de atuação são diferentes e possuem objetivos divergentes. O presente trabalho aborda ainda sobre o processo de hospitalização e sobre as características da atuação do psicólogo hospitalar, visto que a compreensão de tais temas são relevantes para o entendimento do papel deste profissional.
A psicologia da saúde trata-se de um campo mais abrangente, atuando na prevenção, na promoção e manutenção da saúde, de forma geral. Assim, esse profissional está inserido em diversas instituições atuantes no segmento da saúde, como clínicas, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Unidades Básicas de Saúde (UBS), entre outras. A psicologia hospitalar por sua vez, está inserida na psicologia da saúde, no entanto, restringe-se a atuação do psicólogo no ambiente hospitalar, que carrega consigo características próprias devido o processo de hospitalização, no qual gera sofrimento psíquico no sujeito adoentado. Assim, ambas as áreas são de extrema importância, sendo necessário conceituá-las e diferenciá-las, para que assim, o papel do psicólogo nesses campos seja compreendido de forma adequada.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Psicologia da Saúde
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), saúde envolve bem-estar físico, mental e social, não se tratando apenas da ausência de doenças. A partir disso, surge a necessidade de compreender o campo da psicologia da saúde e a intersecção destes conceitos: Psicologia e Saúde. A Psicologia da Saúde surge a partir da década de 70 e resulta do avanço da compreensão do processo saúde-enfermidade, no qual se direciona para uma perspectiva psicossocial. (ALVES; SANTOS; FERREIRA; COSTA; COSTA, 2017). Assim, a saúde deixa de ser um conceito meramente biológico e passa a integrar questões psicológicas e sociais, atravessando a psicologia e emergindo como interesse desta área.
Nesse sentido, Almeida e Malagris (2011) afirmam que a Psicologia da Saúde surge da necessidade de compreender o processo saúde/doença a partir de uma dimensão psicossocial. A partir disso, é possível intervir sobre os contextos impróprios nas quais indivíduos ou grupos estão expostos. Ainda de acordo com estes autores, o interesse dessa área “está na forma como o sujeito vive e experimenta o seu estado de saúde ou de doença, na sua relação consigo mesmo, com os outros e com o mundo.”. Assim, a psicologia da saúde trata a saúde dos sujeitos como um elemento biopsicossocial na qual é passível de intervenções a fim de melhorar a qualidade de vida e o bem-estar, seja no âmbito individual ou coletivo. Diante disso, pode-se afirmar que o psicólogo da saúde atua na prevenção de doenças e na promoção e manutenção da saúde, através de intervenções psicológicas e educacionais (ALMEIDA; MALAGRIS, 2011).
No que tange às práticas em saúde, pode-se pensar em dois modelos existentes: o biomédico e o biopsicossocial. Segundo Angerami (2017), esse primeiro modelo está fundamentado no positivismo científico e na fragmentação do indivíduo, tratando o processo saúde x doença a partir da perspectiva biológica e desconsiderando o sujeito que adoece. Trata-se de um molde curativista, hospitalocêntrico, concentrado na doença e na cura e regido por uma hierarquia vertical, na qual o médico representa a figura principal. O segundo modelo traz a visão integrada sobre o indivíduo, centrado na prevenção e na necessidade da interdisciplinaridade, por isso as relações intraequipe funcionam no modelo de hierarquia horizontal, onde os saberes e poderes são compartilhados em prol de um trabalho eficiente.
A psicologia da saúde faz uma intervenção que vai além do campo da medicina, são considerados também os fatores econômicos, sociais e culturais do paciente, compreendendo o sujeito como um todo. Seus funcionamentos cognitivos, afetivo, social e comportamental e também no ensinamento de alguns métodos e técnicas para controlar a enfermidade e ter bem estar na sua vida. Podemos entendê-la como o conjunto de contribuições educacionais, científicas e profissionais específicas da psicologia, utilizadas para a promoção e manutenção da saúde, prevenção e tratamento das doenças, e formação de políticas públicas voltadas para a saúde.
O psicólogo da saúde pode atuar nos diversos segmentos da saúde, como em hospitais; serviços de saúde mental; serviços de saúde pública; serviços de saúde ocupacional; serviços de reabilitação; entre outros. Diante disso, pode-se afirmar que este profissional atua em todos os níveis de atenção à saúde, seja na atenção básica e de média complexidade, ou na alta complexidade. (ALMEIDA; MALAGRIS, 2011). Assim, podemos afirmar que a psicologia da saúde engloba a psicologia hospitalar.
2.2 O processo de Hospitalização e a Psicologia Hospitalar
Conforme supracitado, o psicólogo da saúde pode atuar no contexto hospitalar, que por sua vez carrega consigo características próprias de atuação. Ao fazer uma análise dos aspectos psicológicos em torno da internação hospitalar, Camon (1994) aponta que o paciente hospitalizado passa por um processo de despersonalização. Com isso, diante do estigma de adoentado, o indivíduo por vezes sente a necessidade de reformular seus conceitos, valores, contexto interpessoal, e seu mundo como um todo. Simonetti (2004) enfatiza que toda doença apresenta aspectos psicológicos, sendo elas repletas de subjetividade. Além da patologia, o próprio contexto hospitalar é aversivo para o paciente por diversos fatores: o ambiente e sua infraestrutura; o afastamento do círculo social; o tratamento do corpo clínico; informações insuficientes sobre a doença e o tratamento; ruptura com a vida pessoal e com o trabalho; rotinas de procedimentos hospitalares, que por vezes são invasivos (GOMES; FRAGA, 1997).
Assim, evidencia-se que o processo de adoecimento e internação atravessam a subjetividade do sujeito e podem acarretar no sofrimento psíquico. Diante disso, a psicologia surge no contexto hospitalar a partir da década de 1950, nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial para prestar assistência aos militares, que apresentavam reações psíquicas durante a hospitalização. Nos EUA a atuação do psicólogo com o foco no processo saúde e doença, seja qual for o contexto, foi reconhecida como Psicologia da Saúde. No Brasil, a atuação do psicólogo no hospital iniciou no início da década de 1950 com enfoque na hospitalização infantil e com poucos psicólogos, pois no país havia profissionais das áreas das Ciências Humanas que prestavam assistência psicológica aos pacientes hospitalizados. O termo Psicologia Hospitalar é utilizado apenas no Brasil e refere-se à atuação do psicólogo da saúde nas unidades de internação hospitalar. A especialidade Psicologia Hospitalar foi reconhecida pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) em 2000, através da Resolução nº 014/2000. O CFP por meio da Resolução nº 02/2001 definiu as diretrizes de atuação nessa área, na qual envolve a avaliação e o acompanhamento psicológico aos pacientes hospitalizados e os familiares. (AZEVÊDO; CREPALDI, 2016).
No que se refere à conceitualização da Psicologia Hospitalar, Simonetti (2004) aponta que “a psicologia hospitalar é o campo de entendimento e tratamento dos aspectos psicológicos em torno do adoecimento”. O autor também coloca a subjetividade como principal objetivo desse campo de atuação, uma vez que o adoecimento implica nos aspectos psicológicos do paciente, conforme abordado anteriormente. Nessa perspectiva, Simonetti (2004) propõe que a psicologia hospitalar deve auxiliar o sujeito na travessia do processo de adoecimento. Diante disso evidencia-se a importância desse campo, uma vez que esta área de atuação se propõe a mitigar os efeitos psíquicos adversos do processo de hospitalização.
2.3 A atuação do Psicólogo Hospitalar
O trabalho do psicólogo no contexto hospitalar difere das demais áreas de atuação da psicologia em diversos aspectos. Simonetti (2004) define que a principal função do psicólogo hospitalar é a escuta da subjetividade, que por vezes é negligenciada no processo de adoecimento. Essa escuta e as atitudes do psicólogo são direcionadas pela abordagem teórica do profissional; os princípios éticos e as especificidades desse campo de atuação.
Nesse sentido, há particularidades na atuação do psicólogo hospitalar que devem ser levadas em consideração. No hospital os atendimentos podem ocorrer em diversos espaços e têm duração variada, além de estarem sujeitos a interrupções ocasionadas por múltiplos fatores, como por exemplo: visitas, quadro clínico do paciente ou pela realização de algum procedimento por outro membro da equipe. (SOUSA; CASTRO; ARRAIS, 2018). Ainda sobre o tempo de duração do atendimento, Simonetti (2004) aponta que isto depende das condições clínicas do paciente.
Diante disso, o psicólogo precisa adaptar sua atuação de acordo com a especificidade do caso e do ambiente, devendo manter postura flexível. (ALMEIDA; MALAGRIS, 2011). Ainda de acordo com estes autores, o trabalho do psicólogo hospitalar é acompanhar a evolução do paciente quanto aos aspectos emocionais da doença e do processo de hospitalização. De acordo com Azevêdo e Crepaldi (2016), a atuação nesse contexto deve focalizar a tríade: paciente, família e equipe de saúde. Os referidos autores apontam que:
No contato com o paciente, o psicólogo constrói o vínculo terapêutico, mostra-se disponível para a escuta das queixas e demandas, identificando, de forma colaborativa, as situações que provocam sofrimento, visando reorganizar a tensão emocional. Busca-se promover conversações para os acompanhantes, demais familiares e equipe de saúde com o objetivo de mediar o relacionamento e a comunicação destes com o paciente e, por outro lado, atender às demandas emocionais da família. (AZEVÊDO; CREPALDI, 2016).
Nessa mesma perspectiva, Almeida e Malagris (2011) apontam que o psicólogo deve facilitar a conscientização do paciente e da família diante da doença e o tratamento, bem como destacam o trabalho em equipe objetivando facilitar a relação equipe/paciente/família. Assim, percebe-se que o psicólogo está inserido em um quadro multidisciplinar e que deve atuar em conjunto com outros profissionais da saúde em prol do bem estar do sujeito hospitalizado.
Acerca da atuação do psicólogo hospitalar especificamente no contexto de urgência e emergência, Vieira (2010) define os atendimentos como breves, focais e objetivando minimizar o sofrimento do paciente e seus familiares. De acordo com a autora, o psicólogo deve oferecer a escuta, na qual permite a externalização do sofrimento. A partir disso é possível discriminar entre a urgência médica e a subjetiva.
Com base na discussão realizada, evidencia-se que o papel do psicólogo é importante e relevante no contexto hospitalar, uma vez que objetiva a mitigação do sofrimento do paciente frente ao adoecimento. Assim, o psicólogo atua dando suporte ao sujeito no processo de atravessamento da doença e da hospitalização, enfatizando os aspectos subjetivos em torno desse cenário, bem como dá suporte à família e atua em conjunto com os demais profissionais da equipe multidisciplinar.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, o trabalho apresentado procurou esclarecer e sintetizar o que é a Psicologia da Saúde e a Psicologia Hospitalar. Através de estudos bibliográficos, percebe-se que a psicologia hospitalar está incorporada na área mais abrangente da psicologia da saúde, e ambas trabalham em prol do bem estar do indivíduo pensando no modelo biopsicossocial.
Apesar de serem semelhantes, há diferenciações que norteiam o pensar sobre essas áreas da psicologia, a começar pelo enfoque de ambas em suas atuações. No que tange a psicologia da saúde, a forma de trabalho se dá na atenção primária, secundária e terciária, assim, em centros de saúde no geral. Já a Psicologia Hospitalar atua de forma mais pontual e voltada para a atuação dentro de hospitais. Além disso, esta área especificamente, conforme demonstrado, é uma particularidade da psicologia no Brasil, uma vez que em outros países não utilizam tal termo.
Levando em consideração que a psicologia hospitalar advém da psicologia da saúde, ambas possuem semelhantes objetivos a respeito do tratamento com o indivíduo. Tais objetivos são em prol de compreender as variáveis psicológicas diante da manutenção e promoção de saúde, assim como prevenir sofrimentos psíquicos diante do estado de adoecimento.
Pontua-se que o surgimento da psicologia hospitalar está atrelado ao crescimento da psicologia da saúde. Além disso, o presente trabalho possibilitou compreender também os desdobramentos psíquicos do processo de hospitalização, fator que demonstra a pertinência do psicólogo no ambiente hospitalar. Dado o exposto, compreende-se que ambos os campos de atuação abordados neste trabalho são de grande importância na área da saúde, sendo que a psicologia hospitalar refere-se à atuação do psicólogo da saúde nas unidades de internação hospitalar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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