PROTEÇÃO AO NOME E SOBRENOME: OS REFLEXOS DA EXTINÇÃO DO SOBRENOME EM CASOS DE PATERNIDADE BIOLÓGICA E SOCIOAFETIVA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7932974


Sanara Beatriz Alves Branquinho


INTRODUÇÃO

O presente trabalho, tem por objetivo analisar os reflexos causados na pessoa natural quando está adquirindo multiparentalidade, seja na inclusão, seja na exclusão. Fazer um levantamento sobre o que a jurisprudência traz sobre o tema e sua visão, além de fazer um delineado em artigos científicos sobre o tema. 

Para compreensão da multiparentalidade, mister se faz em conceituar a paternidade biológica e socioafetiva, definir o que é filiação, discorrer sobre os principais princípios inerentes ao melhor interesse da criança e adolescente, demonstrando o que é multiparentalidade e os reflexos que podem haver na vida do indivíduo com o reconhecimento ou exclusão. 

Fazer um estudo a respeito da proteção ao nome e sobrenome que a pessoa tem nos dias atuais, diferente de como isso era enfrentado antigamente e os reflexos que ela causa no âmbito jurídico.

Como problema de pesquisa, analisar quais os reflexos da proteção ao nome e sobrenome nome do reconhecimento e/ou da exclusão da multiparentalidade? 

Evidenciar os reflexos sobre a inclusão ou exclusão do nome e sobrenome do pai biológico ou afetivo, que poderá gerar bastantes transtornos para o filho que deseja aderir a multiparentalidade, vez que na maioria dos casos é necessário recorrer ao judiciário para tal demanda. 

Fazer um breve relato sobre o conceito de paternidade biológica e socioafetiva, bem como destacar os princípios de melhor interesse para a criança e adolescente, ainda, analisar os reflexos causados pela multiparentalidade com relação ao nome e sobrenome.

Definir o que é paternidade biológica e socioafetiva; caracterizar os principais princípios inerentes ao melhor interesse da criança e adolescente; analisar os reflexos causados na inclusão/exclusão ao nome e sobrenome em casos de paternidade biológica e socioafetiva; compreender o que é multiparentalidade.

REFERENCIAL TEÓRICO

Desde os primórdios da humanidade o homem assume um papel muito importante no grupo familiar, sendo o principal provedor da família. Porém, o papel do homem no que tange aos filhos era limitado, ou seja, a mãe exercia poderes plenos sobre o lar e os filhos, o homem trabalhava para a mantença da família (CARVALHO, 2019).

Meados de 1970, o papel do homem começa a tomar rumos diferentes, o pai passou a assumir tarefas do lar, não sendo apenas o principal provedor familiar. Assumiu tarefas paternas como, cuidado com os filhos e a mulher passou a trabalhar fora, para ajudar no sustento do lar, ganhando diretos que séculos passados não se tinha (BERNARDI, 2017).

Com o passar do tempo, as mulheres conquistaram espaços na sociedade, e com isso o papel paterno tem alcançado grandes alterações. As mulheres saíram em busca de seus direitos e precisou-se dividir as tarefas de casa com seus companheiros, o que antes era obrigação apenas da mulher perante uma sociedade machista, atualmente virou uma prática rotineira, qual seja, o homem ajudar nas funções do lar (BRAGA; LIMA, 2020).

Pouco tempo depois, 1980, pesquisadores começaram a estudar a fundo o verdadeiro papel do pai como a figura paterna. Observou-se também que a figura materna era bem mais estudada. O que desde então, passou-se a ser analisados pontos e aspectos na vida afetiva do pai com relação aos filhos e vice-versa (DOS SANTOS, 2022).

Com a mulher na busca pelos direitos iguais, o cenário modifica a visão sobre a paternidade e vem tomando rumos diferentes. Desde então, aspectos ligados à paternidade passaram a ser colocados em prática e analisados os tipos de paternidade e a inclusão da multipaternidade, ou seja, inclusão de 2 (dois) pais em seu nome no cartório de registro civil (BERNARDI, 2017).

O papel paterno ganhou espaço na sociedade contemporânea, assumindo obrigações referentes ao lar e cuidados com seus filhos. Vejamos alguns exemplos: a mãe precisa trabalhar e deixa a criança aos cuidados do pai; o pai busca e leva o filho na escola; o pai ajuda no banho; o pai ajuda nas tarefas de escola do filho; (…) é de fato que os laços paternos estão cada vez mais evidentes para a sociedade (BRAGA; LIMA, 2020).

Com a inclusão do homem no contexto familiar perante a sociedade, é possível evidenciar alguns princípios que norteiam a paternidade. Seja ela biológica ou socioafetiva. Vale lembrar que a paternidade biológica passou a ser conhecida em meados de 1990 com a descoberta do exame de DNA, o qual serve para definir se a criança é ou não filha do pai ligada por laços sanguíneos (FRANCISCA; LIDIANE, 2022).

Por outro lado, temos a paternidade socioafetiva, não depende do exame de DNA para a sua aprovação no vínculo familiar, bastando apenas a criança reconhecer o homem como seu pai, vice-versa, e criar vínculos paterno, ressaltando sempre a importância do afeto (OLIVEIRA; FIGUEIREDO JÚNIOR, 2020).

Com a utilização do exame de DNA para identificação de paternidade biológica, o homem passou a ser obrigado a assumir os deveres e obrigações referentes a criança a adolescente, o que antes da década de 90 não era imposta essa obrigação, ganhou espaço no cenário jurídico, sendo imposta pelo poder judiciário através de sentença judicial (SALLES; MATTA; ALVES, 2019).

Os grandes tribunais brasileiros, buscam sempre observar o melhor interesse da criança e a verdadeira filiação, sendo insuficiente os laços sanguíneos para chegar em determinada sentença, observando sempre os laços de afeto, pois, não é todo e qualquer caso que o pai biológico será a melhor escolha para os interesses da criança (SALLES; MATTA; ALVES, 2019).

A paternidade está ligada a princípios que fazem parte da evolução histórica para seu reconhecimento. Com as mudanças acontecendo no decorrer dos séculos e a mulher ganhando espaço na sociedade, instituído como um dos princípios estabelecidos no art. 5º da Constituição Federal de 1988, a igualdade busca ser absoluta, vejamos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. 

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição (BRASIL, 1988).

Com as mudanças acontecendo na vida do homem, no convívio em sociedade e no ordenamento jurídico em sua Carta Magna, o Código Civil de 2002, também ampliou o grau de parentalidade em seu dispositivo, estabelecendo em seu art. 1.593 que, “o parentesco é natural ou civil, conforme resultado de consanguinidade ou outra origem” (CÓDIGO CIVIL DE 2002).

A absoluta igualdade do homem e da mulher, busca tratar os mesmos direitos para ambos com relação aos filhos. Podemos aqui citar a licença paternidade, advinda da lei trabalhista, na tratativa do direito à igualdade.  Este princípio, garante a isonomia entre as partes, concedendo ao pai da criança os mesmos direitos com relação aos filhos (CARVALHO, 2016).

A paternidade no Brasil pode ser estabelecida de duas formas, seja pelo registro civil de filiação, ou pela adoção. A adoção possui lei própria e garante os mesmos direitos na vida civil de uma filiação civil. Lembrando que, a adoção deverá ser feita sempre por intermédio do poder judiciário, como forma legal de regularização dos direitos e deveres sobre a criança e adolescente (SALLES; MATTA; ALVES, 2019).

O afeto na relação paterna engloba não apenas as atividades familiares, como também momentos ativos na vida do filho, seja nas suas horas de lazer, auxílio nas tarefas escolares, cuidados com a alimentação e higiene pessoal, além de garantia de segurança. Assim, vínculos afetivos torna-se mais fortes e duradouros, o que será carregado com a criança por toda a sua vida (DOS SANTOS, 2022).

A Constituição Federal de 1988, estabelece deveres da família em seu art. 227, além de ser dever do Estado e da Sociedade assegurar e garantir os direitos da criança, vejamos:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

Nota-se também a falta de afeto, falta de carinho, falta de cuidados e de amor, traumas gerados na infância que podem ser levados para a vida adulta. Essa reflexão deve ser feita sempre que um pai deseja adquirir a responsabilidade e a paternidade biológica ou socioafetiva, garantindo sempre o melhor para a criança (DOS SANTOS, 2022).

Além do princípio da igualdade vale destacar o da afetividade, este princípio é fundamental em casos de paternidade socioafetiva. O afeto pelo pai ou pela criança criam laços mais fortes que o sanguíneo. Cada vez mais tem-se observado que a criação de um filho independe do vínculo biológico, o que torna o afeto um dos elementos principais da família (OLIVEIRA; FIGUEIREDO JÚNIOR, 2020).

O Código Civil de 2002 e a Constituição Federal resguarda o direito da família, deixando de forma expressa que nem mesmo o Estado pode intervir na relação família, salvo, casos necessários, vejamos:

Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família (CÓDIGO CIVIL DE 2002). 

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (BRASIL 1988).

O mais importante dos princípios, o princípio de grande interesse para o Estatuto da Criança e Adolescente, é o do melhor interesse da criança e do adolescente. Ele quem garante a proteção na estrutura familiar garantindo assim vários aspectos ligados ao amadurecimento de uma criança e o que isso irá refletir na sua adolescência e vida adulta (CARVALHO, 2016).

A abordagem dos quesitos da parentalidade ligados a filiação e seus reflexos na vida familiar, as mudanças geradas com o passar dos tempos e as adaptações no convívio da família passou a ser chamada de filiação, relação estabelecida entre a paternidade, além de começar a ser estuda há pouco tempo, ganhou espaço no contexto Constitucional (CARVALHO, 2019).

O conceito de filiação ganhou espaço no cenário brasileiro com o passar dos tempos e ampliação de garantias e direitos estabelecidos através da Constituição Federal de 1988. A paternidade seria utilizada como um termo referindo-se ao filho biológico ou socioafetivo, porém a filiação é aquela que estabelece um filho como seu ou como pai. Afinal, no linguajar da sociedade atual, “pai é quem cria” ou “pai é quem cuida” (SARLET, 2017). 

Ainda, estudaremos a questão da multiparentalidade, ou seja, quando o filho estabelece como seu pai, não apenas uma figura paterna, mas, duas figuras. A multiparentalidade também vem ganhando espaço no âmbito civil, uma vez que, a pessoa natural de seus direitos, poderá registrar em sua base de registro civil os dois, sendo o pai biológico e o pai afetivo (SARLET, 2017).

Mister se faz lembrar que a multiparentalidade poderá ter reflexos na vida da pessoa, tanto pela sua inclusão como a exclusão de um dos nomes paternos. Lembrando que a inclusão ou a exclusão de um nome ou até mesmo um sobrenome altera todos os dados da pessoa, sofrendo assim com a mudança de todos os documentos pessoais (OLIVEIRA; FIGUEIREDO JÚNIOR, 2020).

As mudanças na sociedade contemporânea sofrem e sofrem alterações constantemente. Antes, apenas o homem e a mulher poderiam constituir uma família, e gerar filhos. Hoje em dia a paternidade possui várias formas de criação do poder familiar, seja homem com mulher, mulher com mulher ou homem com homem (BRAGA; LIMA, 2020).

Com as pesquisas cada vez mais avançadas, o exemplo de multiparentalidade ou multipaternidade fica cada vez mais evidente, um exemplo claro dessa multiparentalidade é a utilizar de meios de fertilização in-vitro para gerar um filho mesmo estabelecendo vínculos matrimoniais com outra mulher, outro exemplo, é aquele casal de homens que desejam ter filhos e se utilizam da adoção como meio de adquirir a paternidade. (BRAGA; LIMA, 2020).

Para o reconhecimento da paternidade socioafetiva ou multiparentalidade o pai, ou os pais, deverão utilizar-se do poder judiciário para ser reconhecimento, por meio e uma ação de reconhecimento, deixando claros os fatos e motivos para requerer a paternidade socioafetiva ou a multiparentalidade. O Ministério Público manifesta-se sobre o caso, analisa o melhor interesse da criança para definir e decretar a sentença (BERNARDI, 2017).

Em 2017, a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) através do provimento 63, estabelece requisitos para o reconhecimento e regularização da paternidade socioafetiva, reconhecimento da filiação no cartório de registro civil, utilizando-se de vias administrativas como forma de desafogamento do sistema judiciário no reconhecimento da filiação 

Provimento nº 63 do CNJ – Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoas acima de 12 anos será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais. § 2º O requerente demonstrará a afetividade por todos os meios em direito admitidos, bem como por documentos, tais como: apontamento escolar como responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade – casamento ou união estável – com o ascendente biológico; inscrição como dependente do requerente em entidades associativas; fotografias em celebrações relevantes; declaração de testemunhas com firma reconhecida.

Art. 11. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva será processado perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda que diverso daquele em que foi lavrado o assento, mediante a exibição de documento oficial de identificação com foto do requerente e da certidão de nascimento do filho, ambos em original e cópia, sem constar do traslado menção à origem da filiação (CORREGEDORIA DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2017).

Outro ponto de grande relevância para ser analisado além dos reflexos diretamente ligados ao nome e sobrenome da pessoa natural, é o do direito à sucessão. Ao estabelecer uma paternidade socioafetiva, o filho passará a usufruir dos mesmos direitos do filho biológico de grande relevância, lembrando que ao adquirir uma paternidade socioafetiva interfere também na vida patrimonial e direito da sucessão.

1. MÉTODO

Para a realização deste projeto, que tem como tema principal a proteção ao nome e sobrenome: os reflexos da extinção do sobrenome em casos de paternidade biológica e socioafetiva, onde será utilizado o Código Civil Brasileiro, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como também o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA).

A pesquisa utilizará de análise qualitativa em artigos científicos, revistas, doutrinas e jurisprudências acerca do tema, com o intuito de analisar os reflexos causados na proteção ao nome e sobrenome com a extinção do sobrenome em casos de multiparentalidade.

CRONOGRAMA

Consiste na correlação entre o prazo que o acadêmico tem para elaborar o projeto e a monografia e as etapas da sua pesquisa, devendo especificar o que pretende desenvolver em cada uma dessas etapas.

Quadro 1 – Cronograma das atividades da monografia

Ano20222023
Fases/mesesAgoSetOutNovDezJanFevMarAbrMaiJunJulAgo
Levantamento bibliográficoXXX
Análise e revisão do materialX
Leituras e fichamentosXXXXXX
Pesquisa de CampoXX
Redação primeiro capítuloXX
Redação segundo capítuloXX
Redação terceiro capítuloXX
Introdução e Considerações FinaisX
Revisão dos Elementos pré e pós textual XX
Depósito do TCCX
Apresentação e defesa X
Analisar as considerações da banca e produzir a versão finalX
Entrega da redação finalX
Publicação dos trabalhosX

Fonte: Dados da pesquisa 2022

2. Justificativa 

O presente trabalho irá conceituar o que é a paternidade, os princípios estabelecidos para o melhor interesse da criança e adolescente, bem como abordar o contexto sobre a filiação e a diferença entre parentalidade socioafetiva e a relação biológica. 

Iremos abordar sobre a questão da multiparentalidade e seus reflexos ligados ao registro civil da criança e o que poderá refletir na vida adulta, além dos reflexos causados com a alteração de nome e sobrenome na base de dados de registro civil. 

A grande relevância para o estudo do tema, é fazer uma análise sobre os reflexos que poderão ser causados, o que a doutrina diz sobre o tema, jurisprudências sobre casos de multiparentalidade e a relevância social sobre o direito à multiparentalidade. 

Dentre os pontos importantes para chegar no tema proposto, busca-se fazer um levantamento histórico sobre a inclusão do homem na vida ativa familiar, o que a sociedade contemporânea estabelece e quais as leis trazidas para a garantia do direito à paternidade. 

O presente trabalho busca realizar uma pesquisa de análise em livros e artigos científicos sobre o tema, a fim de atualizar o atual cenário da paternidade, multiparentalidade e reflexos. Sabe-se que o assunto é pouco estudado ao se comparar com os direitos maternos. 

A pesquisa poderá auxiliar as pessoas na hora de fazer a inclusão ou a exclusão de nome ou sobrenome, como também servir de estudo para outros pesquisadores e ajudar na elaboração de novos artigos. 

3. A PATERNIDADE: UM BREVE RELATO DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A participação paterna é imprescindível para a formação do ser humano, trazendo moldes de valores e moral, bem como a vida em sociedade, ainda na infância, para que se tenha um adulto adequado a conviver em sociedade. Entretanto tal participação se aprofunda ainda mais no que tange a criação de um indivíduo, quando olhamos para a evolução histórica da paternidade e como ela afeta toda um meio social. 

Para tanto, é preciso que se compreenda inicialmente de onde surgiu o conceito de família, obstando este ser um fenômeno tão natural e necessário para o ser humano (WALD., 2004, p. 9), deste modo, importa dizer que os primeiros relatos de família, se dá no Império Romano com o que tem-se por pater familias, ou seja, um modelo familiar baseado no patriarcado, onde o homem é a figura autoritária. Os casamentos não são formados por laços de afeto, mas tão somente pela instituição do casamento, mantendo a fundação familiar fixada em preceitos normativos que eram bem quistos naquela sociedade. (PEREIRA., Aurea Pimentel, 1991, p.23)

Um pouco mais adiante, em se tratando da família, se atendo ao período da Idade Média, a formação de família é voltada para a tradução quase que literal, palavra derivada do termo famulus – escravo doméstico. Ainda que a instituição que mantinha a família era o casamento, contudo agora, havia a necessidade de que este fosse firmado perante a Igreja Católica para que obtivesse sua validade afirmada. Houve também o reforço da família patriarcal, reputando-se ao que toca na resignação dos demais membros familiares ao pai, a figura de maior autoridade familiar. (MIRANDA, 2001, p.57-58)

Com cada vez, sendo maior a ratificação do patriarcado, há um aumento significativo da divisão dos serviço doméstico realizado pela mulher, ficando ela responsável pelos cuidados da casa e especialmente para com os filhos, e quanto ao homem, a ele, a função paterna, era remetida a imagem de um chefe. 

A primeira delas se volta para o fato de o gênero se referir a atributos culturais associados a cada um dos sexos, contrastando-se com a dimensão anátomo-fisiológica dos seres humanos, estruturando-se como construções culturais e produzindo efeitos para a produção/reprodução/modelação de ser homem e ser mulher em dada sociedade. Outra ideia definidora é que os modelos de gênero se constroem a partir de uma perspectiva relacional, significando que o que é visto culturalmente como masculino só faz sentido a partir do feminino e vice-versa. Essa lógica atravessa vários pares relacionais, como homem-homem, mulher-mulher e homem-mulher, expressando padrões de masculinidade e feminilidade a serem seguidos e fazendo com que as identidades de homem e mulher se afirmam na medida em que ocorram aproximações e afastamentos em relação ao padrão que concentra maior poder na cultura (GOMES, 2008. p. 239).

Quanto ao período do colonial no Brasil, o instituição do casamento também se assemelha com a Europa, mantendo-se dentro da aprovação da Igreja Católica, contudo, há o evento da escravatura, trazendo ao meio social a inclusão de novas culturas, consequentemente novos modelos de família e casamento (FARIAS E REOSENVALD), Tal alteração no meio coletivo influenciou fortemente na interferência do Estado, trazendo este a sua atenção a família como base primordial da sociedade, reconhecendo que o conglomerado de pessoas eu coabitavam entre si, agora passaria a ser reconhecida como família, detendo todos os seus direitos a proteção legal e social, não exigindo mais a formalização do casamento.

O homem assumia o papel de provedor da casa, sendo assim, sua função era prover meios de subsistência de sua família, assim, entende-se que a paternidade antigamente tinha sua relação mais intrínseca ao que se referia ao laço sanguíneo propriamente dito, do que a relação afetiva em que comumente se tem no dias atuais ao observar um pai com seu filho, deixando essa finalidade às custas da maternidade. (VENOSA, 2012) 

Atualmente é passível de observação que há uma relação de maior afetividade, com participação maior do pai na criação de seu filho, onde este se demonstra mais presente nas atividades diárias da criança, como a participação na vida escolar. Tal passo demonstrou-se essencial para o desenvolvimento do ser humano para que este pudesse conviver em uma sociedade moral e de valores. (DURKHEIM, 1978)

Perante as evoluções históricas que corroboram com uma paternidade mais ativa, há uma transmutação da paternidade, perdendo seu aspecto de seriedade, frieza e autoritarismo. Perde-se ao poucos a ideologia de que o pai não deveria chorar na frente do filho em hipótese alguma (GUIMARÃES, 2019) e passa a se tornar uma figura que representa afetividade, estabelecendo melhor uma relação mais amorosa com os filhos, não havendo de qualquer maneira alguma contraversão de valores, outrora referentes a maternidade. (MATOS, 2019)

A família então, passa a ter um peso maior de coletividade e um conceito mais complexo que o mero casamento:

A família contemporânea pode ser conceituada como um conjunto, formado por um ou mais indivíduos, ligados por laços biológicos ou sociopsicológicos, em geral morando sob o mesmo teto, e mantendo ou não a mesma residência (família nuclear). Pode ser formada por duas pessoas, casadas ou em união livre, de sexo diverso ou não, com ou sem filho ou filhos; um dos pais com um ou mais filhos (família monoparental); uma só pessoa morando só, solteira, viúva, separada ou divorciada ou mesmo casada e com residência diversa daquela de seu cônjuge (família unipessoal); pessoas ligadas pela relação de parentesco ou afinidade (ascendentes, descendentes e colaterais, estes até o quarto grau, no Brasil, mas de fato podendo estender-se)(GLANZ, 2005, p.38).

Referência no bem estar de todos, através de uma visão mais democrática, onde ambos os genitores passam a assumir o papel de provedores da criança, bem como as decisões passaram a ser tomadas em conjunto, se afastando cada vez mais do modelo familiar que era esboçado do imperialismo. Destarte que a família perde sua função de status social e apresenta-se como um marco fundamental de desenvolvimento pessoal do ser.

De acordo com Farais (2004), a instituição da família hoje corresponde a preceitos fixados no que é tido como direitos fundamentais da dignidade humana previstos na Constituição Federal de 1988, tendo sido um desses direitos, a filiação, que provém do latim filiatio, onde se resume pela ascendência e descendência, uma relação entre pai e filho (SCAGLIONI, 2018). Logo, a afirmação da filiação, se reflete na sociedade através da demonstração do vínculo continuado de afetividade e convivência no meio familiar. (LOBÔ, 2004)

Diante disso, leciona Carlos Roberto Gonçalves (2009):

“Filiação é a relação jurídica que vincula os filhos aos seus pais. Ela deve ser assim denominada quando visualizada pelo lado do filho. Por seu turno, pelo lado dos pais em relação ao filho, o vínculo se denomina paternidade.”

Deste modo, a Constituição não desampara o filho que não é fruto de um casamento, trazendo em seu escopo também a paridade de filiação, visto que, para o direito, à verdade deverá prevalecer, independente das circunstâncias, e, neste caso em concreto, se trata da veracidade biológica, trazendo consigo quem de fato é o genitor do infante. (LOBÔ, 2004). 

Obsta dizer ainda, que há fatores onde é passível da presunção da paternidade, como no caso do casamento, especialmente um que já perdura por um tempo considerável, mesmo que a presunção da paternidade não seja afirmada no Código Civil de 2002 (LOBÔ, 2004) , há como se ter exemplos de como pode ser feita tal presunção ao analisar o art. 311-2, do Código Civil francês, como: quando o infante porta o nome dos genitores, quando há uma relação exteriorizada de pais e filho, quando há o cuidado com a saúde e educação do infante, quando há reconhecimento pela coletividade e meio social no qual convivem e, por fim, quando a própria autoridade local reconhece como tal (FRANÇA, Código Civil, 1804). No Brasil, ainda admite-se a adoção como uma forma de filiação legalmente reconhecida.

Para todos os efeitos do legitimado, é direito garantido da criança ao reconhecimento da paternidade, visto que:

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
Art. 26. Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação.
Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou suceder-lhe ao falecimento, se deixar descendentes.
Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.
Código Civil – Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002
Art. 1.607. O filho fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente.
Art. 1.608. Quando a maternidade constar do termo do nascimento do filho, a mãe só poderá contestá-la, provando a falsidade do termo, ou das declarações nele contidas.
Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:
I – no registro do nascimento;
II – por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
III – por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV – por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.
Art. 1.610. O reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em testamento. (BRASIL, 1988)

Tem-se assim, institutos legais que vão gerar dever obrigacional ao reconhecimento da filiação, correlacionando com o direito do menor de saber sua origem genética ou como bem de ter reconhecido o responsável por si, como no caso da adoção, não devendo o supramencionado ser prejudicado pela falta do mesmo. 

3.1 FILIAÇÃO: PRESSUPOSTOS E CRITÉRIOS

A filiação, como dito anteriormente, se trata de um vínculo, uma relação entre um pai e um filho, podendo ser exteriorizada, quando vista pelo ponto de vista lógico do menor ou tanto pela relação empregada entre os genitores (GONÇALVES, 2009)

Ainda leciona Maria Helena Diniz (2010), acerca da filiação, que a mesma se trata de “uma relação de parentesco consanguíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe geraram a vida ou a receberam como se a tivesse gerado”, explicando assim o ponto de vista mais voltado para a transliteração do Código Civil.

Assim, pode se correlacionar a filiação com figuras paternas e maternas, não podendo separá-las, entendendo que uma se torna dependente da outra. (MIRANDA, 2000, p. 45)

Contudo, obstar observação de que, o conceito explanado acima de filiação, ainda há muito remete a questões ligadas a biologia, porém, não se traz isso à pauta, quando ao analisar a Constituição Federal de 1988, a mesma já não faz a distinção de filhos biológicos ou não, legítimos ou não, adulterinos ou incestuosos. (VELHO, 2019)

Diante disto, os critérios tidos para a filiação evoluíram, para que pudessem acompanhar  o que realmente acontece de fato. 

3.1.1 Critério da Legalidade

Para tanto, tem-se o critério legal, se tratando este do respeito ao pater is est quem justae nuptiae demonstrant, podendo ser traduzido pela presunção jurídica de paternidade, ou seja, a presunção que as dá a paternidade por consequência do casamento civil. (GONÇALVES, 2012)

Tal presunção, detém embasamento legal, se encontrando no escopo do art. 1.597, do Código Civil: 

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: 
I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; 
II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; 
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; 
IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; 
V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido (BRASIL, 1988, texto digital).

Outro fator que corrobora com a presunção da paternidade por meio de critérios legais, é quando o genitor comparece ao Cartório de Registro de Pessoas Naturais e lhe apresenta como genitor do infante. O Registro Civil é uma das formas mais efetivas para a legalidade da filiação.

Ademais, ainda dentro da filiação civil, pelo critério da legalidade, explana Chaves: 

O reconhecimento voluntário é o meio legal do pai, da mãe, ou de ambos revelarem espontaneamente o vínculo que os liga ao filho, outorgando-lhe, por essa forma, o status correspondente (CHAVES apud DINIZ, 2010, p. 532).

Ainda em continuidade: 

Embora o valor do liame registral, hoje, seja inferior ao valor do liame socioafetivo, ainda é a principal fonte de direitos e deveres: gera dever de alimentos e de mútua assistência, alicerça o direito sucessório e as limitações legais que regulam atos jurídicos entre ascendentes e descendentes (CHAVES apud DIAS, 2009, p. 332).

Destarte que, para o critério legal, basta a comprovação do casamento civil e a serventia registral, demonstrando o interesse em registrar o infante. Entretanto, o mesmo cabe anulação, desde que comprovado erro ou falsidade, vide art. 1.604 do Código Civil.

3.1.2 Critério da Biologia

Tal critério era apresentado como o principal para a determinação da filiação até meados do século passado e se baseia no vínculo pelas cadeias de DNA, ou seja, a genética que é transmitida de pai para filho, resultando na consanguinidade.

Ao analisar com olhar mais minucioso, o critério biológico não se apresenta como a melhor maneira de definir em si o vínculo entre pai e filho, diante da visão de Lôbo (2017), que explica que a genética não é a melhor maneira de definir se há uma boa convivência e relação real entre pai e filho, reforçando ainda que há a existência da paternidade que decorre da socioafetividade.

Ainda, DIAS reforça a ideia que outrora abarcada por LÔBO:

Há dois fenômenos que contribuíram para o desligamento da verdade genética, o primeiro foi a quebra do princípio de que a família se identificava com o casamento, admitindo se assim entidades familiares não constituídas pelo matrimônio, e o segundo foram os avanços científicos que culminaram com as descobertas dos marcadores genéticos que permitem a identificação da filiação biológica por meio de exame singelo e não invasivo (DIAS, 2009, p. 331).

Mister faz dizer que, ainda que, visto de um modo não tão bem quisto, ainda não se é possível afastar totalmente essa forma de reconhecimento de paternidade, e por conseguinte, de filiação.

Assim, a instituição de paternidade, através da biologia, é um meio corriqueiro de se definir filiação, ao mesmo tempo que os avanços tecnológicos permitem o fácil rastreio da linhagem biológica do menor incapaz. (VELHO, 2019) Perdendo o espaço para afetividade, leciona ainda Venosa, quanto a verdade biológica: 

A filiação decorrente da natureza pressupõe um nexo biológico ou genético entre o filho e seus pais. A maternidade ou paternidade é certa quando esse nexo é determinado. A determinação da filiação, como categoria jurídica, 19 procura assegurar a identificação pessoal em relação à identidade biológica. Nem sempre, porém a identidade genética amolda-se à identidade jurídica. Essa questão, entre outras, depende de uma solução legal, e marcadamente judicial, no campo da filiação (VENOSA, 2008, p. 214).

3.1.3 Critério Relativo à Socioafetividade

Oriunda das relações formadas por afeto, carinho e cuidado, visando o bem estar da criança e tem como pilar de si o amor mútuo e recíproco. Traz consigo para o estado de posse o que há muito se vê por atitudes de padrastos e madrastas para com os enteados no mundo dos fatos. (VELHO, 2019)

É o vínculo que se estabelece entre pais e filhos decorrente da fecundação natural ou inseminação artificial – homóloga ou heteróloga – assim como em virtude de adoção ou de uma relação socioafetiva resultante da posse do estado de filho (FUJITA apud MALUF, 2016, p. 466).

Está fortemente coligado à convivência em si, a exteriorização dos fatos, se tratando de um fator que transcende o consanguíneo, proveniente de um ato natural daquele que deseja assumir a paternidade e todas as consequências da mesma, em favor da criança.

Se o genitor, além de um comportamento notório e contínuo, confessa, reiteradamente, que é o pai daquela criança, propaga esse fato no meio em que vive (VELOSO apud DIAS, 2009, p. 338).

Há ainda de suma importância que se ressalte que, no que tange a paternidade afetiva, a mesma não exclui a paternidade biológica/civil, apenas agindo como uma forma de complementar, não afastando do genitor as suas responsabilidades e direitos, devendo esse cuidar do infante da mesma forma. (VELOSO, 2009)

Portanto, compete assim, ao critério afetivo, em que pese o vínculo afetivo criando posterior ao nascimento do infante e inerente aos traços referentes à genética ou consanguinidade, como um meio de formalizar a filiação. 

4. MULTIPARENTALIDADE – VISÃO JURISPRUDENCIAL E DOUTRINÁRIA 

4.1 MULTIPARENTALIDADE: CONCEITO E FINALIDADE

A multiparentalidade ou pluriparentalidade surge na sociedade contemporânea, após diversas alterações comportamentais na relação entre pais e filhos, como a abominação de certos comportamentos. A multiparentalidade se trata de filiar o infante a mais de dois genitores, podendo conter o nome de duas pessoas responsáveis pela paternidade ou maternidade, por exemplo. (VERZEMIASSI, 2021)

O conceito de multiparentalidade surge assim do que preceitua o art. 1.593 do Código Civil, onde em seu escopo se lê que o parentesco em si se dá de maneira civil ou natural, mediante consanguinidade ou, ressalta-se, de outro modo. Isto se descreve pela adoção e pela multiparentalidade.

A multiparentalidade irá reconhecer o vínculo entre pai e filho, advindo da exteriorização social, afetividade, o tratamento igualitário entre os filhos biológicos e aquele que se pretende assumir  como se seu fosse, podendo ser definido intrinsecamente como um estado emocional do ser forte o suficiente para formar laços bem definidos, como leciona Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf .

Ainda expõe MALUF que a etimologia da palavra afeto traduz-se por tocar, marca, produzir impressão, se relacionando assim, com a marca ou um toque que um pai deixaria em seu filho, fisicamente e psicologicamente falando. Deste modo, ainda, mediante a possibilidade de se vincular afetivamente com o infante, tem-se o aumento de 609% de registros de multiparentalidade na Bahia nos últimos cinco anos, como exemplo da vigência legislativa (BRASIL, Arpen-BA. 2017).

A multiparentalidade preceitua que tanto biologicamente falando, quanto afetivamente, seja passível de obtenção de princípios básicos da dignidade humana (ALMEIDA, 2013) baseando-se na presunção da formação variada de família.

Obsta que, por finalidade, a multiparentalidade procura garantir a proteção que o infante teria de seu genitor biológico, lhe garantindo via genitor sócio afetivo, todos os seus direitos, conglomeradamente há suas obrigações e deveres para com o menor, diante do afeto e atos de serviços que lhe é proporcionado e um fator principal dentro do aspecto familiar. (ALVES, 2013)

A multiparentalidade, vem então, como um meio de aclamar em vias jurídicas o que de fato acontece na realidade: uma persona, ativa emocionalmente e socialmente na vida da criança, em busca do reconhecimento exterior e legal, do vínculo formado ao longo do tempo. Admite-se assim, que o vínculo de pai e filho não existe somente dentro de uma relação biológica, conforme também se tem o Acórdão 1066380, 20160210014256APC, Relatora: MARIA DE LOURDES ABREU, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 16/11/2017, publicado no DJe: 13/12/2017.

Com a presunção da multiparentalidade, esquiva-se do conceito primário de família, alterando assim o rol taxativo e restritivo que, a princípio eram tão valorizados na Carta Magna, que passa a admitir a variedade de grupos sociais. (BRASIL, Tribunal de Justiça do Distrito Federal). Logo o Tribunal de Justiça (2019) entende que “houve uma mudança no entendimento sobre o tema da multiparentalidade, em virtude da constante evolução do conceito de família, que reclama a reformulação do tratamento jurídico dos vínculos parentais à luz do sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB) e da busca da felicidade.”

Ficou assim entendido, que importava que a tutela alcançasse a interesse da felicidade da criança, atendendo a finalidade da dignidade humana referente ao menor, atendendo ao melhor interesse e lhe permitir que desfrute de arranjos familiares, que outrora não abarcados pela legislação, agora devidamente reconhecidos e regulamentados. Diante disso, de todo complexo que é o meio familiar, entendeu-se que era estritamente necessário uma lei que regulamentasse mas que também protegesse o infante, para que este não saísse em prejuízo. 

A tutela da pessoa humana não pode ser fracionada em isoladas hipóteses, microssistemas, em autônomas fattispecie não intercomunicáveis entre si, mas deve ser apresentada como um problema unitário, dado o seu fundamento, representado pela unidade do valor da pessoa. Esse fundamento, como é feito nas teorias atomísticas. A personalidade é, portanto, não um “direito”, mas um valor, o valor fundamental do ordenamento, que está na base de uma série (aberta) de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente mutável exigência de tutela. (MORAES, Maria Celina Bodin. Danos à Pessoa Humana, p. 121, 2017).

A multiparentalidade também visa, em tese, corrigir a diferenciação entre um filho biológico e um filho adquirido por afetividade, lhe conferindo os mesmos direitos, protegendo a sua personalidade. 

A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida […], para ser garantido direito da personalidade, esse qual traz direitos e deveres na ordem civil, faz apenas necessário nascer com vida. Contudo, o direito da personalidade abarcar […] todas as condições necessárias para a conservação e desenvolvimento da personalidade, e para o reconhecimento e respeito da dignidade moral e jurídica do homem (PAIVA NETO 1850, Apud BERTONCELLO 2006, p.21).

Ao mesmo modo, antes de tudo, parte do descrito pelo princípio da afetividade, a qual prima pelo amor, respeito e carinho, acontecendo de maneira responsável, visto que diante a socioafetividade, é passível o pedido de alimentos bem como a partilha da herança, logo se trata de uma formalização que gerará efeitos, não somente se atendo a alteração ou crescimento de um nome nos documentos do infante. (ZAMATTARO, 2015, p.15) 

Entretanto, para que haja o reconhecimento da multiparentalidade, a mesma precisa cumprir requisitos que vão além do vínculo afetivo, porém, não exime a afetividade para que a mesma ocorra, entendendo assim “[…] parentalidade científica só pode ter sentido como relação de filiação quando coincidir com a vinculação afetiva, jamais invertendo esses valores, muito menos se a intenção se traduz em gerar dinheiro no lugar de amor”. (MADALENO.2011 Apud FRÓES e SCHMITT SANDRIS). 

Sob um olhar doutrinário, assim, a multiparentalidade deverá cumprir os requisitos do tractatus, importando este no tratar como se filho fosse, de modo que houvesse relação legítima de filiação, obtendo uma relação de cuidado e educação vinculada ao que se tem de pai e filhos em uma relação biologicamente falando.

Outro critério é o nominativo, ou seja, que o infante tenha consigo o direito de carregar o nome como pertencente daquela família, mesmo que ainda não obtenha o registro civil de forma legal, para tal.

E para findar quanto aos critérios que devem ser atendidos, há o critério da reputação, no qual se baseia em uma reputação social, de forma que a coletividade reconheça aquele menor como filho daquele que assumiu a paternidade socioafetiva. Partindo de tal pressuposto: 

Há autores que entendem ser dispensável o requisito “nome”, bastando a comprovação dos requisitos do tratamento e da fama, já que os filhos são reconhecidos, na maioria das vezes, por seu prenome. Já a “fama” é elemento de expressivo valor, pois revela a conduta dispensada ao filho, garantindo-lhe a indispensável sobrevivência, além de a forma ser assim considerada pela comunidade, uma verdadeira notoriedade (CASSETTARI, 2017, p. 36).

Ademais, o afeto se faz tão necessário, se tornando um requisito indispensável para o reconhecimento da multiparentalidade, ao modo que, em recurso, fora negado provimento do pedido justamente pela falta da mesma. 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. O FILHO HAVIDO DE RELAÇÃO EXTRACONJUGAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS PARENTAIS. RECONHECIMENTO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE QUANDO ATENDER AO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. APLICAÇÃO DA RATIO ESSENDI DO PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL JULGADO COM REPERCUSSÃO GERAL. SOBREPOSIÇÃO DO INTERESSE DA GENITORA SOBRE O DA MENOR. RECURSO DESPROVIDO. (REsp 1674849 RS 2016/0221386-0)

Ainda sobre o supramencionado: 

5. O reconhecimento de vínculos concomitante de parentalidade é uma casuística, e não uma regra, pois, como bem salientado pelo STF naquele julgado, deve-se observar o princípio da paternidade responsável e primar pela busca do melhor interesse da criança, principalmente em um processo em que se discute, de um lado, o direito ao estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito à manutenção dos vínculos que se estabeleceram, cotidianamente, a partir de uma relação de cuidado e afeto, representada pela posse do estado de filho. 6. As instâncias ordinárias afastaram a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade na hipótese em questão, pois, de acordo com as provas carreadas aos autos, notadamente o estudo social, o pai biológico não demonstra nenhum interesse em formar vínculo afetivo com a menor e, em contrapartida, o pai socioafetivo assiste (e pretende continuar assistindo) à filha afetiva e materialmente. Ficou comprovado, ainda, que a ação foi ajuizada exclusivamente no interesse da genitora, que se vale da criança para conseguir atingir suas pretensões […] RECURSO ESPECIAL Nº 1.674.849 – RS (2016/0221386-0)

Fica assim, demonstrado a relevância da afetividade para tal feito, perante o entendimento do STJ.

Obsta ainda, que neste mesmo caso, prevalece o melhor interesse do infante, observando o quesito da responsabilidade para com o mesmo, constatado que o genitor biológico não cumprirá com os requisitos, afirmando e mantendo o nome do pai socioafetivo no registro civil do menor. 

Pode-se entender que a ideia principal da multiparentalidade então, passa a ser de somatória. 

(…) a multiparentalidade garante aos filhos menores que, na prática, convivem com múltiplas figuras parentais a tutela jurídica de todos os efeitos jurídicos que emanam tanto da vinculação biológica como da socioafetiva, que, como demonstrado, em alguns casos, não são excludentes, e nem haveria razão de ser, se tal restrição exclui a tutela aos menores, presumidamente vulneráveis. ( TEIXEIRA E RODRIGUES apud ALMEIDA E RODRIGUES JUNIOR, 2010, p. 318)

Dando continuidade, ALMEIRA E RODRIGUES JUNIOR (2010, p.382), reconhecem que, um dos pressupostos para a multiparentalidade reconhecida é a pré existência de um genitor biológico, porém este se mantém ausente quanto a existência do infante. 

Abarca ainda, em conformidade com Belmiro Pedro Welter, a “teoria tridimensional do direito de família”, onde a qual se firma em fatores biológicos, ontológicos e afetivos. O ser humano tem sua raiz histórica, se tratando assim de uma linhagem, carregando características transmitidas pelos genes.  Ontológico, pois este se relaciona com o um mundo exterior dentro de seu signo humano, não dependendo de demais fatores e, afetivo, quando o ser se baseia em relações de afeto para manter certos vínculos pessoais. 

Assim, preceitua ainda: 

Não reconhecer as paternidades genéticas e socioafetiva (sic), ao mesmo tempo, com a concessão de todos os efeitos jurídicos, é negar a existência tridimensional do ser humano, que é reflexo da condição e dignidade humana, na medida em que a filiação socioafetiva é tão irrevogável quanto a biológica, pelo o que se deve manter incólumes as duas paternidades, com o acréscimo de todos os direitos, já que ambas fazem parte da trajetória da vida humana (WELTER, 2009b).

Diante disto, o supramencionado ainda leciona acerca da paridade entre os pais, tanto biológico como o socio afetivo, não havendo prevalência de um pai sob outro, cumprindo com o preceito da dimensão tridimensional do direito de família, atingindo assim, em tese, total competência no que tange a dignidade da pessoa humana, favorecendo os conceitos ontológicos, afetivos e genéticos.
Por fim,  para que a multiparentalidade venha de fato a tomar o que se tem por posse de estado e ser valorizada socialmente e juridicamente, ela precisa assim cumprir com pelo menos alguns requisitos, sendo estes: a criação do infante como se este fosse filho biológico, educação fornecida ao mesmo e quando também há uma representação exteriorizada ao meio social, através  da apresentação (tractatus), havendo consigo o nome usado pela família a qual se insere (nominatio) e assim, o reconhecimento de fato pela coletividade (reputatio) (SUZIGAN, 2015).
A multiparentalidade, como discutido acima, se baseia no princípio da dignidade da pessoa humana bem como na proteção do melhor interesse da criança. Diante disto, cabe uma breve conceituação do que seria então, o melhor interesse do menor, por uma visão doutrinária e jurisprudencial.
O melhor interesse da criança surge através da Convenção Internacional de Haia e em seguida, trazido ao nosso ordenamento jurídico, estando preceituado nos art. 227, caput da Constituição Federal, quando este trata da família como algo que deve se preocupar e proteger o melhor interesse do menor.

“A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando- se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. 
Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.” “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (BRASIL, 1998).

Ainda sobre o melhor interesse da criança, COLUCCI (2014): 

A origem do melhor interesse da criança adveio do instituto inglês parens patriae que tinha por objetivo a proteção de pessoas incapazes e de seus bens. Com sua divisão entre proteção dos loucos e proteção infantil, esta última evoluiu para o princípio do best interest of child. 

Assim, é de passivo entendimento que a proteção ao melhor interesse da criança está intrinsecamente disposta tanto na constituição de 88 como no estatuto da criança e do adolescente, sendo oriundo de uma interpretação hermenêutica dos direitos e garantias fundamentais. (GONÇALVES, 2011) Mister que as decisões que são proferidas pelos tribunais, referentes ao menor, sempre levarão em consideração aquilo que representa melhor o interesse do infante (FLORENZANO, 2021).

Dito isto, decorre a existência do projeto de lei n 5.774 de 2.019 por onde irá versar os direitos decorrentes da multiparentalidade.

“Art. 1º- esta lei altera o artigo 1.837 da lei nº 10.406 de 10 de fevereiro de 2002, para disciplinar o direito dos herdeiros na concorrência entre cônjuge e ascendentes, considerando a multiparentalidade.
Art.2º – a lei nº 10.406 de 10 de fevereiro de 2002 passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 1.837. Concorrendo com ascendentes em primeiro grau, ao cônjuge tocará quinhão igual ao que a eles couber; caber-lhe-á a metade da herança se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau. ”(BRASIL, 2019)

Não há impedimento quanto ao nascimento do nascituro e o registro do pai biológico e, posteriormente, conforme o melhor interesse da criança, o registro de um pai socioafetivo. Lecionando assim Rodrigo da Cunha Pereira (2018) que 

“A parentalidade estabelecida entre três ou mais pessoas, advinda da sócio afetividade em que o padrasto/madrasta registra o filho de outro, acrescentando seu nome à certidão de nascimento, seja porque já falecido ou não, já foi totalmente absorvido pelo ordenamento jurídico brasileiro, inclusive pelo STF (RE 898.060), e até mesmo pelo conselho nacional de justiça (Provimento 63/2017). Também na adoção multiparental não há mais resistências”. (PEREIRA, 2018)

Assim, os primeiros casos de multiparentalidade reconhecida no Brasil, dando provimento legal ao que já a muito ocorre de fato, se deram no Tribunal de Justiça de São Paulo (AC 64222620118260286) e o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (AC 2011.034517-3).
A multiparentalidade, contudo, ao mesmo tempo em que não há previsão de restrições quanto ao registro de mais uma filiação no registro geral do infante, também não há uma predisposição que venha versar sob as definições para que o mesmo seja feito (JUNIOR, 2021), havendo um espaço em aberto, cujo qual cabe questionamentos ao legislador, quanto à proteção ao nome do infante.
A multiparentalidade se apoia em grande parte no princípio da dignidade humana, abarca também nos direitos e garantias fundamentais, como disposto no art. 1, III da Constituição Federal. Apoia-se conjuntamente da proteção do estado ao direito de família descrito no art. 226 também da constituição federal e o melhor interesse da criança e do adolescente no art. 227, caput da CF. (COELHO E MARQUES)
Importa dizer que para seja reconhecida a multiparentalidade no âmbito jurídico, é necessário assim entrar com ação de investigação de paternidade, que geralmente será movida pelo que pretende a paternidade, ou seja, o infante, em face do requerido, aquele que pretende assumir a paternidade socioafetiva, porém isto ainda é alvo de discussão nos tribunais.

É absolutamente razoável e sustentável o ajuizamento de ação declaratória de paternidade socioafetiva, com amplitude contraditória, que mesmo desprovida de prova técnica, seja apta em obter veredicto que afirme a filiação com todas suas conseqüências, direito a alimentos, sucessão e outras garantias (GIORGIS, 2012).
Contudo, CASSETTARI (2017, p. 18) traz a luz que o provimento será potencialmente favorável, quando o pedido partir do infante que desejar o nome do pai socioafetivo em seu registro, visto que não há a necessidade estrita de maiores formalidade no que tange o processo, tendo em mente que este é um método novo de filiação, não abarcado efetivamente e taxativamente na legislação. (COELHO E MARQUES)

4.2 O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA EM DETRIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE

Mister o que traz à luz o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente):

“Art. 3º a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (…) 
Art. 4º é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.” (BRASIL, 1988) 

Ao tratar da proteção do melhor interesse da criança e do adolescente, sendo este um princípio que possui maior amplitude e não podendo ser taxativo, mantendo-se flexível, deixa uma abertura para uma interpretação hermenêutica por parte do aplicador do ordenamento jurídico, bem como do legislador, visando que a qualquer demanda proposta, no caso em tela, a multiparentalidade, o bem estar e o interesse do menor deverão ser respeitados, de modo que se garanta a proteção daquele infante tido por incapaz e menor. (CAMINHA, 2023)
Diante disso, toma-se como exemplo de efetiva aplicação do supramencionado princípio do melhor interesse da criança, em decisões referentes ao Recurso Especial 2016/0221386-0 Relator(a) Ministro Marco Aurélio Belizze. Órgão Julgador T3 – Terceira Turma, com data do julgamento no dia 17/04/2018, onde este decidiu em detrimento da possibilidade de atender o que seria o melhor interesse do menor. Logo, é passível de conclusão que o princípio do melhor interesse da criança, é norteador para tomadas de decisões quando referente a vida, futuro, criação e proteção do menor incapaz, sendo este totalmente ou apenas relativamente. (CAMINHA, 2013) 

4.3 EFEITOS JURÍDICOS DA MULTIPARENTALIDADE

Como devidamente exposto, a filiação socioafetiva, apresenta um entendimento pacificado diante dos tribunais, desde que o mesmo cumpra com alguns critérios para que possa realmente legalizar o estado de posse, regularizando a relação entre o infante é aquele que pretende conglomerar a vida deste como se pai fosse.

Tal feito, entretanto, gera efeitos no mundo jurídico e real logo após a sua regulamentação, sendo um deles o parentesco. O parentesco é afirmado ao menor da mesma forma que se este fosse seu filho biológico, ou seja, terá este menor, todos os seus direitos previstos e resguardados em lei, como também poderá ter o reconhecimento pelo nome afirmado em registro civil.

Outro efeito jurídico da multiparentalidade, é a não distinção do filho biológico quanto ao filho socioafetivo, ao tempo que este se encontra amparado no art. 1.596 do Código Civil.

Art. 1.596 – Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (BRASIL, 1988)

Deste modo, o legislador preocupou-se em coordenar questões quanto à criação do filho que é adquirido pelo registro civil ou através da filiação que se dá por meios jurídicos.

Destarte que, alcança ao filho socioafetivo o direito à herança, desde que comprovada a sua condição de filho, cujo qual, ao contrário dos demais filhos, para esta não seria de grande valia o teste de DNA ou a presunção de paternidade diante do casamento. Assim, um caso análogo fora julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde se evidenciou através de comprovantes de dependência declarados no Imposto de Renda, a aparição do filho socioafetivo com o pai nos meios coletivos e sociais e o aproveitamento do nome de família por parte do pai, para que este pudesse ser habilitado no processo de inventário.

Tal feito, seguiu o pressuposto de “pai é quem cria” onde este, dentro do ordenamento jurídico, pode se dar no art. 5°, caput  e art. 227, §6 ° da Constituição Federal de 1988 (BRUNETTI, 2016). 

Mister que, a paternidade socioafetiva pode acarretar na obrigação de pagamento de uma pensão alimentícia, já que este ultrapassa as relações de vínculo, se externando as relações econômicas e pessoais também que lhe são inerentes como pessoa, diante do pressuposto da não distinção entre filhos (ZILLO, 2021).

Logo, no tocante ao direito de pensão alimentícia, em decisão de julgado: 

APELAÇÃO CÍVEL – Divórcio cumulado com Alimentos – Sentença de Improcedência – Réu revel – Insurgência dos autores – Acolhimento em parte. ALIMENTOS A EX-CÔNJUGE – Co-autora que foi casada com o réu entre 09.05.2008 e janeiro de 2015, quando se separaram de fato, certo de que ela já tinha um filho de relacionamento anterior – Alimentos requeridos pela ex-esposa- Obrigação alimentar entre ex-cônjuges que deve ser instituída e mantida somente em situações excepcionais –  Conjunto probatório que não evidencia, com convicção, a necessidade alegada pela ex-esposa, inexistindo prova de incapacidade laborativa ou outro fator que justifique a imposição do encargo ao ex-marido – Pedido Improcedente. ALIMENTOS AO ENTEADO – Alegada a socioafetividade entre o co-autor e o réu – Configuração – Pai biológico do autor que faleceu prematuramente, certo de que ele não conta com auxílio financeiro de qualquer dos parentes de seu pai, embora já ajuizadas ações de alimentos para este fim – Prova dos autos apontando que o réu sempre tratou o autor como filho, nutrindo grande estima e afeto – Réu que desempenhou a função de pai em fase importante da vida do menor, entre os 06 e 13 anos de idade dele – Alimentos que, em decorrência da paternidade socioafetiva, são devidos  – Ausência de elementos acerca dos rendimentos do réu – Única informação constante dos autos é de que ele atua como advogado, em escritório próprio de advocacia – Obrigação que, diante disto, deve ser atribuída nos termos da jurisprudência assente sobre o tema, em 1/3 dos rendimentos líquidos do alimentante, se trabalhando formalmente, e em 1/3 do salário mínimo se desempregado ou trabalho informal – Sentença reformada apenas para reconhecer a paternidade socioafetiva e estabelecer alimentos em favor do menor  – RECURSO PROVIDO EM PARTE. (TJ-SP – AC 10074968320168260590 SP 1007496-83.2016.8.26.0590, Relator: Rodolfo Pellizari, Data de Julgamento: 31/10/2019, 6 ° Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 01/11/2019 – destaques nossos). 

Importa dizer que, o pagamento da pensão alimentícia no caso da socioafetividade ocorrerá mediante comprovação do vínculo, assim como ocorre no caso da herança, entretanto, é de suma esclarecer que o pagamento da pensão por parte do padrasto não é uma máxima que irá anular o pagamento da pensão alimentícia no tocante ao pai biológico, podendo inclusive, ambos os fatos se darem ao mesmo tempo (ZILLO, 2021).

Por fim, assim como gera direitos para o infante, a filiação socioafetiva, gera direitos para com o pai afetivo, referentes estes a questões que tocam a visita e guarda dos filhos, corroborando com o feito da não discriminação de direitos e deveres entre os filhos. Já que este se trata de um direito personalíssimo do menor ter a convivência com aquele que lhe remete a sua figura paterna (LUCHETE, 2016). 

REFERÊNCIAS

ABREU, Karina Azevedo Simões de. Multiparentalidade: conceito e consequências jurídicas de seu reconhecimento. JUSBrasil, [s. l.], 2015. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/multiparentalidade-conceito-e-consequencias-juridicas-de-seu-reconhecimento/151288139. Acesso em: 5 abr. 2023.

ACS., Paternidade. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT, [s. l.], 2020. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/paternidade#:~:text=O%20direito%20ao%20reconhecimento%20de,de%20nascimento%2C%20por%20escritura%20p%C3%BAblica. Acesso em: 24 mar. 2023.

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