PROMOVENDO A ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE BUCAL DE IDOSOS EM UM TERRITÓRIO DE SOBRAL-CE

PROMOTING COMPREHENSIVE ORAL HEALTH CARE FOR THE ELDERLY IN A TERRITORY OF SOBRAL-CE: EXPERIENCE REPORT

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11915142


Nicole França de Vasconcelos1; José Jeová Mourão Netto2; Itanielly Dantas Silveira Cruz3; Maria Luíza Leite dos Santos4; Luciana Abreu Sousa5; Rauhan Gomes de Queiroz6; Jayna Relka Elias da Silva7; Maria Jéssica Melo Marinho8; Jacques Antonio Cavalcante Maciel9


RESUMO:

O Brasil passa por um período de transição demográfica e epidemiológica, logo, a população idosa tem crescido e, com isso, é importante observar as principais problemáticas em saúde bucal desse ciclo de vida. O presente estudo teve como objetivo principal contribuir para a melhoria da atenção integral à saúde bucal de idosos residentes nas microáreas 2 e 3 do território Dom Expedito, situado em Sobral, Ceará. Trata-se de uma pesquisa-intervenção de abordagem qualitativa e descritiva, realizada no período de agosto de 2021 a janeiro de 2022. Essa intervenção obteve parecer aprovado do Comite de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual Vale do Acaraú, sob número de parecer 5.255.264. Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido e os idosos, com pouca ou nenhuma autonomia, receberam um termo de assentimento. Esta pesquisa foi dividida em cinco etapas principais: pactuação de agenda de atividades com equipe; levantamento das necessidades em saúde bucal dos idosos das duas microáreas; oficina de educação permanente; ações de promoção, prevenção e assistência (busca ativa de idosos; turno semanal de atendimento ambulatorial, somente para esse público; agenda de visitas domiciliares; realização de interconsultas); monitoramento e avaliação das ações. Ao todo, participaram dessa intervenção 40 idosos, 13 cuidadores de idosos acamados ou restritos, e 07 profissionais de saúde. Após aplicação da intervenção, obteve-se aumento nos números de atendimentos clínicos, de visitas domiciliares, de exames de prevenção ao câncer de boca, de tratamentos concluídos e de encaminhamentos à atenção secundária. A microárea 2, mais vulnerável em caráter socioeconômico, foi a que apresentou maior número de desordens potencialmente malignas; através das interconsultas realizadas, foi possível detectar uma condição de diabetes mellitus não diagnosticada e identificar um idoso com suspeita de câncer oral; a educação permanente promoveu o debate sobre a influência das condições sistêmicas na cavidade oral e vice-versa. Concluiu-se que, apesar do contexto pandêmico, as ações desenvolvidas conseguiram contribuir para a melhoria da atenção integral à saúde bucal de idosos do referido território, e que há um vasto campo de atuação para o odontólogo na Estratégia Saúde da Família, dentro do cuidado ao idoso, que precisa ser explorado. Observou-se que a falta de autopercepção de idosos, com relação à necessidade de cuidar da saúde bucal, é um problema de origem cultural e que precisa ser trabalhado. Dessa forma, somente a aplicação pontual desta pesquisa-intervenção não é suficiente para tentar mudar essa realidade. A continuidade do cuidado a esses usuários só será mais bem aproveitada quando houver um envolvimento multiprofissional.

PALAVRAS-CHAVE: Assistência Odontológica para Idosos; Idoso; Odontologia Comunitária; Serviços de Saúde Bucal.

ABSTRACT:

Brazil is going through a period of demographic and epidemiological transition; consequently, the elderly population has been growing, and it is important to observe the main oral health issues in this life cycle. The main objective of this study was to contribute to the improvement of comprehensive oral health care for elderly residents in microareas 2 and 3 of the Dom Expedito territory, located in Sobral, Ceará. This was a qualitative and descriptive intervention study conducted from August/2021 to January/2022. This intervention obtained an approved opinion from the Research Ethics Committee of the Universidade Estadual Vale do Acaraú, under opinion number 5,255,264. All participants signed an informed consent form and the elderly, with little or no autonomy, received an assent form. This intervention was divided into five main stages: agreement on activity schedule with the team; assessment of oral health needs of the elderly in the two microareas; permanent education workshop; promotion, prevention, and assistance actions (active search for elderly individuals; weekly outpatient care specifically for this population; schedule of home visits; conducting interconsultations); monitoring and evaluation of actions. A total of 40 elderly individuals, 13 caregivers of bedridden or restricted elderly individuals, and 07 health professionals participated in this intervention. There was an increase in the numbers of clinical appointments, home visits, mouth cancer prevention exams, completed treatments, and referrals to secondary care. Microarea 2, more vulnerable socioeconomically, presented the highest number of potentially malignant disorders; through the interconsultations conducted, it was possible to detect an undiagnosed diabetes mellitus condition and identify an elderly individual with suspected oral cancer; permanent education fostered discussion about the influence of systemic conditions on the oral cavity and vice versa. It was concluded that, despite the pandemic context, the actions developed managed to contribute to the improvement of comprehensive oral health care for the elderly in that territory, and that there is a vast field of action for the dentist in the Family Health Strategy, within care to the elderly, who need to be explored. It was observed that the lack of self-perception of elderly people, regarding the need to take care of their oral health, is a problem of cultural origin and that needs to be addressed. Therefore, just the specific application of this intervention research is not enough to try to change this reality. Continuity of care for these users will only be better utilized when there is multidisciplinary involvement.

KEYWORDS: Dental Care for Aged; Aged; Community Dentistry; Dental Health Services.

1 INTRODUÇÃO

Devido à diminuição das taxas de mortalidade e fecundidade, e ao aumento da expectativa de vida, o envelhecimento populacional se apresenta como uma realidade cada vez mais presente, o que culmina em um período de transição demográfica e epidemiológica no Brasil e no consequente aumento das doenças crônicas (Silva et al., 2019). Trazendo para a temática das doenças bucais, e no que se refere à perda de dentes em idosos, Andrade et. al (2018) citam que o edentulismo ainda é muito prevalente, apesar da implementação de políticas públicas e da melhora de qualidade de vida nos últimos anos. 

Apenas 11,5% da população idosa no Brasil apresentam uma dentição funcional, caracterizada pela presença de 21 dentes ou mais (Andrade et al., 2018). Esse fato vai de encontro aos dois levantamentos de saúde bucal de 2003 e de 2010 (Projeto SB Brasil) (Brasil, 2012; Brasil, 2004), os quais evidenciam que não houve diminuição percentual de dentes perdidos (Andrade et al., 2018). Além do edentulismo, as principais condições bucais que se apresentam em idosos são: a periodontite, caracterizada por inflamação e comprometimento do aparato de inserção dos dentes (Sant’Ana; Passanezi, 2023a; Do; Takei; Carranza, 2020); hipossalivação e/ou xerostomia, que se manifestam por meio da baixa produção salivar e/ou sensação de boca seca, e são comumente ocasionadas pelo uso concomitante de medicamentos, o que é comum em idosos (Neville, 2016a); lesões em tecidos moles de natureza reacional, em virtude de próteses dentárias mal adaptadas (Neville, 2016b); lesões de natureza fúngica, como candidoses (Neville, 2016c); além das lesões potencialmente malignas e dos cânceres de boca, que costumam ser mais frequentes a partir da meia-idade (Neville, 2016d).

Diante disso, observa-se uma necessidade de acompanhamento odontológico na população idosa. Contudo, em uma lista com as vinte queixas mais comuns, presentes entre indivíduos idosos, a preocupação com a saúde bucal aparece em décimo quarto lugar (Melo et al., 2016). O principal motivo dessas pessoas não procurarem assistência odontológica se deve ao fato deles próprios não reconhecerem que necessitam de cuidados em saúde bucal (Melo et al., 2016) e de que, desde a fase adulta, culturalmente as pessoas acreditam que a perda de dentes é proporcional à velhice (Cortez et al., 2023). A maioria das pessoas idosas, quando questionadas sobre sua situação de saúde, dificilmente citam algum problema na cavidade oral (Silva et al., 2019). Esse fato é preocupante, tendo em vista a alta demanda por reabilitação protética entre os idosos brasileiros, além dos demais problemas que em geral acometem esses indivíduos (Silva et al., 2019). Dessa forma, evidencia-se que a autopercepção de idosos quanto à saúde bucal é um requisito importante para que se facilite a adoção de comportamentos saudáveis (Melo et al., 2016).

Essa realidade se refletiu também no bairro Dom Expedito, em Sobral, no Ceará. Nesse território, durante o cotidiano de trabalho de residência multiprofissional em Saúde da Família da pesquisadora principal – especificamente, durante visitas domiciliares a idosos acamados e restritos não institucionalizados –, observou-se a não-priorização da saúde bucal desses usuários, tanto pelos próprios idosos, quanto por seus cuidadores. Durante essas visitas, compartilhadas com Agentes Comunitárias de Saúde (ACS), observou-se um estranhamento dos usuários idosos ao receber uma profissional cirurgiã-dentista, constatado, sobretudo, pela seguinte indagação: “Por que dentista se não tenho mais dentes?”. Essas pessoas manifestaram maior preocupação com outras condições de saúde de ordem sistêmica. Ademais, observou-se que o acompanhamento periódico de idosos por uma equipe de saúde bucal (eSB) era, de certa forma, não priorizada pelos próprios profissionais desse Centro de Saúde da Família (CSF), em virtude dos intensos processos de trabalho da unidade e priorização de outras ações.

Diante do exposto, este estudo se justificou pela necessidade de melhorar a adesão das pessoas idosas à assistência odontológica e ao reconhecimento da necessidade do cirurgião-dentista dentro da equipe multiprofissional no acompanhamento desses usuários, tanto no contexto clínico, quanto no que se refere à promoção e prevenção. Tendo em vista que muitas manifestações orais têm repercussão na saúde sistêmica e vice-versa (Sant’Ana; Passanezi, 2023b; Melo et al., 2016) é necessário que ocorra uma avaliação contínua do perfil de saúde bucal e que se planeje ações individuais e coletivas voltadas a esse ciclo de vida, melhorando a qualidade da assistência prestada a esses usuários. Diante deste contexto, propôs-se esta pesquisa-intervenção, tendo como pergunta norteadora: “Como a equipe de saúde bucal pode atuar na melhoria da atenção integral à saúde bucal da pessoa idosa?”. O objetivo geral deste estudo foi contribuir para a melhoria da atenção integral à saúde bucal de idosos residentes nas microáreas 2 e 3 do território Dom Expedito, situado em Sobral, no Ceará. 

2 MATERIAL E MÉTODO

2.1 Tipologia e local do estudo, critérios de inclusão e exclusão, aspectos éticos

Trata-se de uma pesquisa-intervenção, com um componente quantitativo, mas predominantemente qualitativa e descritiva, que foi aplicada no período de agosto de 2021 a janeiro de 2022. A pesquisa foi realizada no território em que está situado o CSF Maria Eglantine Ponte Guimarães (popularmente conhecido como CSF Dom Expedito). Até o momento da realização deste estudo, a unidade de saúde contava com duas equipes de Saúde da Família (eSF) incompletas, composta pelos seguintes profissionais: uma enfermeira gerente, duas enfermeiras assistentes, uma médica generalista, três técnicas de enfermagem, seis ACS, duas dentistas e duas técnicas em saúde bucal. Como suporte de recursos humanos, o CSF também contava com quatro agentes administrativos, três auxiliares de serviços gerais e quatro vigias/zeladores de patrimônio. Além disso, a equipe possuía o suporte dos profissionais do Núcleo de Apoio Multiprofissional – NAM: uma fisioterapeuta, uma assistente social, uma nutricionista e um psicólogo; e da Residência Multiprofissional em Saúde da Família – RMSF: uma cirurgiã-dentista (pesquisadora-principal), uma farmacêutica, e uma profissional de educação física.

Os participantes da pesquisa foram os usuários adscritos no território do CSF Dom Expedito com faixa etária ≥ 60 anos e cuidadores desses usuários que dispunham de menor autonomia. Além disso, os profissionais de saúde também foram incluídos, visto que é uma pesquisa-intervenção que precisou do apoio da eSF. Como critérios de inclusão, consideraram-se os idosos e seus cuidadores residentes nas microáreas de atuação desta pesquisa – os quais são 102 usuários e 15 cuidadores da microárea 2; e 65 usuários e 07 cuidadores da microárea 3. Foram excluídos do estudo os usuários não residentes nas microáreas 2 e 3, bem como idosos/cuidadores e trabalhadores de saúde que não estavam disponíveis no momento das intervenções. 

As referidas microáreas foram selecionadas por serem as áreas de atuação da pesquisadora-principal (à época, cirurgiã-dentista residente em saúde). Dentro desse número total de idosos de cada microárea, foram selecionadas as pessoas que apresentavam alguma necessidade em saúde bucal, as que não realizaram nenhum exame de prevenção ao câncer de boca há pelo menos seis meses e as que se disponibilizaram a participar das atividades propostas.

Salienta-se que este estudo foi feito com base em seres humanos, sem conflitos de interesse, e de acordo com o que orienta a Resolução 466/2012. A pesquisa foi submetida ao Sistema Integrado da Comissão Científica da Secretaria de Saúde de Sobral e ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual Vale do Acaraú, obtendo parecer aprovado de ambos, sob números de pareceres 0125/2021 e 5.255.264, respectivamente. Todos os participantes desta pesquisa receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); para os usuários idosos que dispunham de pouca ou nenhuma autonomia, disponibilizou-se o Termo de Assentimento. Ademais, foi utilizado o Termo de Autorização de Uso de Imagens e Depoimentos, respeitando os termos da Resolução 510/2016.

2.2 Etapas da pesquisa-intervenção

2.2.1 Pactuação de agenda de atividades

Em um primeiro momento, realizou-se uma exposição dialogada à gerente da unidade e à equipe envolvida no cuidado às duas microáreas supracitadas, a fim de se realizar a pactuação da agenda de atividades.

2.2.2 Levantamento de necessidades em saúde bucal

Sequencialmente, foi realizado um levantamento com as duas ACS responsáveis pelas microáreas 2 e 3, no qual se solicitou os nomes e os números de identificação dos cartões do Sistema Único de Saúde (SUS) de todos os idosos residentes nas referidas microáreas. Posteriormente a isso, foi realizado um levantamento, com base no Instrumento para Coleta de Dados (Quadro 1), através de registros no sistema PEC. Todas as informações obtidas nesses dois momentos foram agrupadas em duas planilhas, uma para cada microárea, no software Microsoft Excel®.

Quadro 1. Instrumento para Coleta de Dados no sistema PEC (anos de referência: 2020 e 2021).

No prontuário, há informação se o usuário é independente, restrito ao lar ou acamado?
(   ) Independente (   ) Restrito (   ) Acamado (   )sem registro
No prontuário, há informação se o usuário dispõe de um cuidador?
(   ) Não necessita (    ) Possui cuidador, Nome:_____________________________ Parentesco:__________
(   ) Necessita, mas não dispõe de um cuidador 
Se houver cuidador, ele reside com o usuário?      (   ) Sim (   ) Não. Sem registro: ____________
Se houver cuidador, ele é receptivo com a equipe? (   ) Sim (   ) Não
No prontuário, há informação se o usuário já passou por consulta odontológica em ambiente ambulatorial ou atendimento domiciliar odontológico ou informação de que o usuário nunca passou por avaliação odontológica?
(   ) Consulta ambulatorial (   ) Atendimento domiciliar (   ) Nunca foi avaliado (   ) Sem registro
No prontuário, há informação se o usuário já realizou exame de prevenção ao câncer bucal?
(   ) Foi avaliado. Há quanto tempo? __________ (   ) Nunca foi avaliado  (   ) Sem registro
No prontuário, há informações se o usuário possui fatores de riscos associados ao desenvolvimento de câncer bucal?
(   ) Tabagismo (    ) Uso de álcool (    ) Exposição solar excessiva (    ) Outros: _________________   (    ) Sem registro 
No prontuário, há informações se o idoso já participou de atividades coletivas no território? (   ) Sim. Especifique: _______________________________________________ (   ) Nunca participou     (    ) Sem registro

Fonte: elaborado pelos autores

2.2.3 Oficina de educação permanente

O terceiro momento desse projeto de intervenção consistiu em uma oficina de educação permanente (EP) sobre saúde bucal do idoso, com a equipe de profissionais que atuavam nas microáreas 2 e 3. Esse momento teve como finalidade: problematizar a realidade de saúde bucal dos idosos do território, agregar conhecimentos e estimular a atuação interprofissional, com ênfase nas contribuições que a equipe de saúde bucal pode oferecer na atenção integral à saúde do idoso. Como atividade proposta para essa EP, propôs-se uma dinâmica de “mitos e verdades”, na qual os profissionais foram divididos em dois grupos e, cada um destes, recebeu uma cartolina e tarjas com frases contendo informações verídicas e não-verídicas a respeito da saúde bucal de idosos. Cada grupo teve um tempo de quinze minutos para discussão dos assuntos e em seguida deveria agrupar, na cartolina, cada tarja em “mito” ou “verdade”, de acordo com suas percepções e conhecimentos prévios. Posteriormente, foi feito uma roda de conversa, para discutir as temáticas abordadas na EP. Nessa oficina, foram entregues o TCLE e o Termo de Autorização de Uso de Imagens e Depoimentos aos profissionais participantes.

Nas tarjas, havia as seguintes frases: “Idoso sem dente não precisa ir ao dentista, somente algumas vezes se usar prótese dental”; “O câncer de boca acomete mais homens e o exame de prevenção desta patologia deve ser feito periodicamente”; “É natural a perda de dentes conforme vai se envelhecendo”; “A saliva protege contra a cárie”; “A imunidade baixa é uma condição que pode ser percebida através do exame oral”; “O diabetes é uma condição que pode ser percebida através do exame oral”; “O uso de vários medicamentos pelos idosos pode acarretar uma sensação de boca seca.”

Essa oficina teve embasamento na Metodologia da Problematização, apoiada no Arco de Maguerez (Silva et al., 2020). Essa metodologia parte da observação do que é real para uma discussão, levando em consideração as experiências de cada um para chegar à solução dos problemas observados naquela realidade. O Arco de Maguerez se constitui em cinco etapas: 1- Observação da realidade, 2- Pontos-chave, 3- Teorização, 4- Hipóteses de Solução e 5- Aplicação à realidade (Silva et al., 2020).

2.2.4 Ações de promoção, prevenção e assistência

Quanto à assistência odontológica, propôs-se escolher um turno para atendimentos em saúde bucal, que tivesse um menor fluxo de pessoas na unidade, preferencialmente a sexta-feira à tarde; além disso, sugeriu-se que todas as consultas tivessem hora marcada. Todas essas medidas visaram evitar aglomerações e resguardar esses usuários, que compõem grupo de risco à pandemia da covid-19. Ainda dentro da perspectiva assistencial, tendo em vista a dificuldade que se tem de idosos procurarem a assistência odontológica de maneira espontânea, esta pesquisa se propôs a organizar um turno semanal para a realização de interconsultas com enfermeira ou médica, o que facilitaria o encaminhamento dessas pessoas ao ambulatório de Odontologia posteriormente.  Já com relação aos atendimentos em ambiente domiciliar, a idosos acamados e restritos, foi necessário pactuar uma agenda de visitas domiciliares (VD), após o levantamento de quantos seriam esses idosos, através de registros no PEC. 

2.2.5 Monitoramento e avaliação das ações

As ações desenvolvidas nesta pesquisa-intervenção foram fundamentadas nos princípios e diretrizes das Políticas de Atenção Básica (Brasil, 2017), de Saúde do Idoso (Brasil, 2006), de Promoção da Saúde (Brasil, 2010) e de Educação Permanente em Saúde (Brasil, 2009). O monitoramento das ações foi pensado através de registros de frequências das ações educativas propostas, e através de acompanhamento do Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC), do sistema e-SUS. A avaliação deste estudo se deu com base nas perguntas norteadoras do Instrumento de Avaliação (Quadro 2). Ressalta-se, ainda, que todas as ações propostas por esta pesquisa-intervenção, foram pensadas respeitando as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de acordo com o contexto sanitário atual. Em virtude disso, não foi possível prever a amplitude e a concreta realização das ações planejadas.

Quadro 2. Instrumento de Avaliação da Intervenção (anos de referência: 2020 e 2021).

Número de atendimentos odontológicos a idosos, em ambiente ambulatorial, aumentou em 2021 em comparação com 2020?
Número de atendimentos odontológicos a idosos acamados ou restritos, em ambiente domiciliar, aumentou em 2021 em comparação com 2020?
Número de usuários idosos que nunca receberam nenhum tipo de assistência odontológica, diminuiu em 2021 em comparação com 2020?
Número de tratamentos concluídos de usuários idosos aumentou em 2021 em comparação com 2020?
Número de encaminhamentos para atenção secundária e/ou faculdades de Odontologia, aumentou em 2021 em comparação com 2020?
Número de exames de prevenção ao câncer de boca realizados no território aumentou em 2021 em comparação com 2020?
Número de interconsultas dos profissionais de saúde bucal com os profissionais da equipe mínima, aumentou em 2021 em comparação com 2020?
Número de ações coletivas realizadas no território, com idosos, aumentou em 2021 em comparação com 2020?
Número de idosos que participaram de ações coletivas no território aumentou em 2021 em comparação com 2020?
Número de profissionais da equipe mínima e de apoio (NAM e RMSF) que participou da oficina de educação permanente foi satisfatório (meta: 60% dos profissionais atuantes nas microáreas 2 e 3)?

Fonte: elaborado pelos autores

3 RELATO DE EXPERIÊNCIA

Conforme o que se propôs inicialmente, foi possível separar os turnos das sextas-feiras à tarde para atendimentos ambulatoriais de idosos, bem como todos ocorreram através de agendamentos. Com base no Instrumento de Avaliação proposto (Quadro 2), observou-se um aumento (considerando os anos de 2020 e 2021) no número de idosos que compareceram ao consultório odontológico e no número de atendimentos clínicos, conforme o que se observa nas tabelas 1 e 2, respectivamente.

Tabela 1. Percentual de idosos das microáreas 2 e 3, atendidos em ambiente ambulatorial, nos anos de 2020 e 2021.

Microárea 2Microárea 3
2020202120202021
n%n%n%n%
Total de idosos da microárea1021001021006510065100
Idosos atendidos043,921514,7023,081218,5
Fonte: Elaborada pelos autores

Tabela 2. Número de atendimentos odontológicos, em ambiente ambulatorial, a usuários idosos das microáreas 2 e 3, nos anos de 2020 e 2021.

Microárea 2Microárea 3
2020202120202021
nnnn
Atendimentos realizados05410260
Fonte: Elaborada pelos autores

Observando as tabelas anteriores, verifica-se que houve um aumento no número de atendimentos ambulatoriais, justificado pelo retorno dos procedimentos eletivos na atenção primária à saúde (APS) de Sobral em 2021, após a completa suspensão desses procedimentos em 2020. Ainda em relação às duas tabelas, verifica-se que, na microárea 2, em 2021, 15 idosos foram assistidos em ambulatório, mas foram realizados 41 atendimentos clínicos; quanto à microárea 3, no mesmo ano, 12 idosos foram atendidos, contudo foram realizados 60 procedimentos clínicos. Isso acontece porque um usuário pode precisar de mais de uma sessão em ambiente ambulatorial para concluir seu tratamento.

Em relação às VD a idosos acamados e restritos, essas visitas foram compartilhadas apenas com as ACS de cada microárea, em virtude da indisponibilidade dos demais profissionais quando esta pesquisa foi executada. Com relação ao número de VD, os dados foram agrupados na tabela 3. Nesta tabela, é possível observar que houve um aumento de seis visitas na microárea 2, ao passo que na microárea 3 o número de manteve o mesmo. 

Tabela 3. Percentual relacionado às visitas domiciliares a idosos acamados e restritos das microáreas 2 e 3, nos anos de 2020 e 2021.

Microárea 2Microárea 3
2020202120202021
n%n%n%n%
Idosos acamados e restritos15100151000710007100
Visitas domiciliares a idosos acamados e restritos0320,00960,00457,140457,14
Fonte: Elaborada pelos autores

Com relação aos cuidadores de idosos acamados e restritos, cabe informar que participaram 09 cuidadores da microárea 2 e 04 cuidadores da microárea 3. Essas pessoas foram incluídas em diálogos, durante as visitas, a fim de conscientizá-las sobre a importância de um acompanhamento periódico de idosos por um cirurgião-dentista.

Para este estudo, considerou-se como tratamento concluído a finalização de todos os procedimentos, que competem à assistência odontológica na APS (restaurações, raspagens periodontais, exodontias, exames de prevenção ao câncer de boca, etc.), bem como os encaminhamentos realizados, quando necessários, à atenção secundária (Centros de Especialidades Odontológicas) ou faculdades de odontologia para a realização de serviços especializados (confecções de próteses, biópsias, tratamentos endodônticos, cirurgias mais complexas, etc.). Quanto a esses encaminhamentos, e ao número de idosos com tratamentos concluídos, os dados foram agrupados na tabela 4, a qual mostra um aumento nesses dois parâmetros.

Tabela 4. Percentual de idosos das microáreas 2 e 3 que tiveram tratamentos concluídos na APS, que foram encaminhados à atenção secundária ou faculdades de Odontologia, e que realizaram exames de prevenção ao câncer de boca, nos anos de 2020 e 2021.

Microárea 2Microárea 3
2020202120202021
n%n%n%N%
Total de idosos da microárea1021001021006510065100
Idosos com tratamento concluído021,961413,7000812,3
Idosos encaminhados para atenção secundária ou faculdades de odontologia021,9098,8000710,8
Idosos que realizaram exame de prevenção ao câncer de boca043,92120,6069,21218,5
Fonte: Elaborada pelos autores

Ainda com relação à tabela 4, observa-se que houve uma tentativa de aumentar os números de exames de prevenção ao câncer de boca no ano de 2021, que foi alcançada. Esse fato foi constatado pelo aumento de 17 exames na microárea 2 e 06 exames na microárea 3. A tabela 5 traz informações a respeito do número de alterações em tecidos moles encontradas na cavidade oral dos idosos examinados.

Tabela 5. Percentual de idosos das microáreas 2 e 3 que apresentaram alterações em tecidos moles na cavidade oral, após realização de exame de prevenção ao câncer de boca, nos anos de 2020 e 2021.

Microárea 2Microárea 3
2020202120202021
n%N%n%N%
Total de idosos que realizaram exame de prevenção ao câncer de boca04100211000610012100
Idosos que apresentaram alterações em tecidos moles benignas (infecções ou de natureza reacional e/ou inflamatória)0250,000,00116,7018,3
Idosos que apresentaram alterações em tecidos moles potencialmente malignas0250,00419,050116,700,0
Fonte: Elaborada pelos autores

Ainda com relação à tabela 5, verifica-se que, na microárea 3, não houve uma grande variação numérica de 2020 para 2021, no número de idosos com alterações potencialmente malignas na cavidade oral. O contrário ocorreu na microárea 2, em que houve um aumento no número de usuários que apresentaram essas alterações e n=04 (19,05%) dos 21 idosos, em 2021, que realizaram o exame de prevenção ao câncer oral, apresentaram lesões potencialmente malignas. Todos os idosos, tanto em 2020 quanto em 2021, que apresentaram lesões com suspeita ou potencial para malignidade, foram encaminhados a um serviço de estomatologia e lá mantêm acompanhamento periódico.

O fato da microárea 2 apresentar um maior número de usuários idosos com lesões potencialmente malignas, em comparação com a microárea 3, talvez se explique pelo fato daquela microárea ser maior numericamente do que esta última e, também, pelo fato de que na microárea 2 há um maior quantitativo de pessoas mais vulneráveis economicamente e com menor grau de escolaridade. A literatura pontua que o diagnóstico tardio de câncer de boca pode se dá em virtude de que as lesões costumam ser assintomáticas em seus estágios iniciais (Neville, 2016d), além do que a desinformação e as vulnerabilidades sociais são fatores que desestimulam a procura de tratamento (Campion et al., 2016).

Os usuários com alterações benignas apresentaram afecções passíveis de serem tratadas na APS; todos os que apresentaram esse tipo de alteração faziam uso de prótese dentária e foram diagnosticados com algum tipo de candidíase oral, a qual pode ser tratada com a correta higienização das próteses e retirada destas para dormir, concomitantemente com o uso de algum antifúngico (Neville, 2016c). No caso, a medicação que pode ser utilizada para o tratamento das candidoses orais, é a nistatina (Neville, 2016c) 100.000 UI na forma de suspensão oral (Martins; Wagner; Lopes, 2023), a qual felizmente é disponibilizada no SUS.

Até aqui, com base em todas as tabelas anteriores, observa-se um aumento percentual na maioria das intervenções a que se propôs esta pesquisa. Embora esse aumento tenha sido positivo, sabe-se que em 2020, devido ao alto potencial de contaminação em consultórios odontológicos (Brasil, 2020), as ações em odontologia foram praticamente inexistentes em virtude da pandemia da covid-19, o que faz com que houvesse um aumento expressivo de ações no ano de 2021. Entretanto, tendo em vista que os usuários idosos não procuram os serviços em saúde bucal (Melo et al., 2016) e historicamente são esquecidos por esses profissionais (Silva et al., 2017) não se pode negar a relevância desta pesquisa-intervenção.

Já no que se refere às interconsultas com profissionais da equipe mínima, não foi possível dedicar um turno semanal somente para as interconsultas, por conta do grande número de sintomáticos respiratórios no momento da pesquisa e porque os dentistas da APS de Sobral estavam envolvidos no telemonitoramento desses casos e suas respectivas notificações, o que dificultou a execução dessa etapa da intervenção. No ano de 2020, não houve nenhuma interconsulta com Odontologia nas microáreas 2 e 3. Já em 2021, duas interconsultas foram realizadas: uma com enfermeira da equipe e a outra com a médica da eSF.

A primeira comunicação interdisciplinar ocorreu em virtude da suspeita, desta pesquisadora, com relação ao diagnóstico de diabetes mellitus em uma idosa.  A suspeita se deu em razão da presença de periodontite avançada e da presença de hálito cetônico – manifestações orais comuns em pacientes diabéticos descompensados (Sant’Ana; Passanezi, 2023b). Dessa forma, foi solicitado exame de hemoglobina glicada durante a interconsulta, cujo resultado foi de HbA1c = 10,9%. Salienta-se que o valor de referência para determinar diabetes descontrolado é > 7% (Sant’Ana; Passanezi, 2023b), e é válido ressaltar que o diabetes e a periodontite apresentam uma relação bidirecional (Sant’Ana; Passanezi, 2023b; Klokkevold; Mealey; Otomo-Corgel, 2020), na qual essa condição sistêmica agrava os parâmetros periodontais, bem como a periodontite avançada tem repercussões negativas no controle do diabetes (Kocher et al., 2018; Genco; Borgnakke, 2020). Dessa forma, a partir do exame da cavidade oral, suspeitou-se de um distúrbio endócrino.

Por fim, a segunda interconsulta foi realizada com a médica da unidade, em que a profissional suspeitou de um câncer oral em palato mole de um idoso, solicitando a presença de uma profissional de saúde bucal, o que fez que o idoso fosse encaminhado a um serviço de estomatologia, mesmo não procurando espontaneamente o consultório odontológico. Apesar de poucas, constata-se que as duas interconsultas realizadas evidenciaram a necessidade de profissionais se articularem e integrarem diferentes saberes, já que essas ações se constituem como ferramentas de baixa densidade tecnológica e potencializadoras da integralidade na atenção primária à saúde (Farias; Fajardo, 2015); além disso, as interconsultas ajudam a qualificar o atendimento ao usuário/família e se voltam ao aprendizado dos profissionais que as praticam (Farias; Fajardo, 2015).

Quanto à ação de educação permanente (EP), no momento da pesquisa havia 24 profissionais que atuavam no cuidado às duas microáreas citadas. Inicialmente, foi estabelecida como meta a participação de pelo menos 60% (n=14) do corpo de profissionais, entre trabalhadores da equipe mínima e de apoio (RMSF e NAM). Dos 24 profissionais atuantes na assistência às duas microáreas, um estava de licença médica; oito recusaram-se a participar; cinco estavam ausentes da unidade por conta de fatores externos; dois estavam afastados em virtude de sintomas gripais e uma profissional estava de férias. Dessa forma, participaram dessa intervenção 07 profissionais, o que percentualmente corresponde a 29,2% do público-alvo dessa ação.

O turno escolhido para essa EP foi em uma sexta-feira à tarde, pois, teoricamente, seria o momento com menor movimentação de usuários na unidade. Os colaboradores que participaram dessa EP foram divididos em dois grupos e, como dito anteriormente, foram distribuídas frases em tarjas relacionadas à assistência odontológica a idosos. Cada grupo teve um tempo de 15 minutos para debater as informações contidas em cada tarja e elencá-las como mitos ou verdades. Os resultados obtidos estão ilustrados nos quadros 3 e 4.

Quadro 3. Resultados apresentados pelo Grupo 1, durante oficina de educação permanente.

Resultados – Grupo 1*composto por duas agentes comunitárias de saúde, uma auxiliar em saúde bucal e uma farmacêutica
MITOVERDADE
“Idoso sem dente não precisa ir ao dentista, somente algumas vezes se usar prótese dental.”“A saliva protege contra a cárie.”
“É natural a perda de dentes conforme se vai envelhecendo.”“O uso de vários medicamentos pelos idosos pode acarretar uma sensação de boca seca.”
“O diabetes é uma condição que pode ser percebida através do exame oral.”“O câncer de boca acomete mais homens e o exame de prevenção desta patologia deve ser feito periodicamente.”
“A imunidade baixa é uma condição que pode ser percebida através do exame oral.”

Fonte: elaborado pelos autores 

Quadro 4. Resultados apresentados pelo Grupo 2, durante oficina de educação permanente.

Resultados – Grupo 2*composto por uma assistente administrativa, uma profissional de educação física e uma cirurgiã-dentista
MITOVERDADE
“Idoso sem dente não precisa ir ao dentista, somente algumas vezes se usar prótese dental.”“A saliva protege contra a cárie.”
“É natural a perda de dentes conforme se vai envelhecendo.”“A imunidade baixa é uma condição que pode ser percebida através do exame oral.”
“O câncer de boca acomete mais homens e o exame de prevenção desta patologia deve ser feito periodicamente.”“O diabetes é uma condição que pode ser percebida através do exame oral.”
“O uso de vários medicamentos pelos idosos pode acarretar uma sensação de boca seca.”

Fonte: elaborado pelos autores 

Conforme o que se observa nos quadros 3 e 4, visualiza-se que os dois grupos compreendem a importância de usuários idosos desdentados serem acompanhados por um dentista e que a perca de dentes não é proporcional ao envelhecimento, e sim, um problema de saúde pública (Teixeira et al., 2016). Ambos os grupos enfatizaram entender que a atuação do dentista não se limita apenas aos tecidos dentários, mas também se estende aos demais componentes do sistema estomatognático. Essa percepção é positiva, pois no cotidiano dos serviços no território do Dom Expedito, foi possível perceber que a grande maioria dos usuários não entendem que, mesmo pessoas sem dentes, devem continuar sendo assistidos por uma eSB. Se os profissionais da equipe entendem essa importância, conseguem conscientizar e motivar usuários idosos a buscar assistência odontológica.

Ainda de acordo com os quadros 3 e 4, observa-se que o primeiro grupo mostrou desconhecimento a respeito de manifestações orais em decorrência de condições sistêmicas, como a imunidade baixa e o diabetes mellitus. O segundo grupo, mesmo relacionando tais tarjas à condição de “verdade”, não soube explicar o porquê chegaram àquela conclusão. Quanto à questão de baixa imunidade, segundo a literatura, indivíduos com algum grau de imunocomprometimento, sobretudo pacientes imunodeprimidos pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), podem apresentar manifestações orais, tais como doenças fúngicas, virais, periodontais, sarcoma de Kaposi, dentre outros (Dominguez Filho et al., 2021; Neville, 2016c). Essa evidência nos mostra que dentistas podem auxiliar no diagnóstico precoce de algumas condições sistêmicas (Neville, 2016c).

Em indivíduos idosos, o uso ininterrupto de próteses removíveis, sem retirar nem mesmo para dormir, e a higienização inadequada, associados ao ambiente úmido da cavidade oral e a uma situação temporária de imunodeficiência, podem propiciar o desenvolvimento de cepas de Candida albicans (Martins; Wagner; Lopes, 2023; Neville, 2016c). A candidíase trata-se de uma infecção fúngica oportunista, por isso costuma aparecer em situações de imunocomprometimento (Neville, 2016c). Em virtude disso, é tão importante usuários idosos serem acompanhados e orientados periodicamente por uma eSB.

Ainda de acordo com os quadros 3 e 4, observou-se que alguns profissionais participantes da EP demonstraram desconhecimento quanto às manifestações orais que podem ser percebidas em usuários diabéticos. Como citado anteriormente, a relação entre diabetes e doença periodontal já é bem estabelecida, sendo uma via de mão dupla (Sant’Ana; Passanezi, 2023; Klokkevold; Mealey; Otomo-Corgel, 2020), na qual é sabido que o diabetes não pode iniciar a periodontite, mas acelera sua progressão e destruição tecidual (Rodrigues et al., 2020). Dessa forma, em virtude da alta prevalência de doenças crônicas em usuários desse ciclo de vida, dentre elas o diabetes, constata-se que esse é mais um dentre tantos fatores que consolidam a importância da assistência odontológica a usuários idosos.

Outra questão levantada na oficina de educação permanente foi a ação da saliva enquanto um fator protetor contra a cárie. Os dois grupos pontuaram que a saliva é um fator de proteção, entretanto, relataram não saber exatamente o porquê; desconheciam a capacidade tampão da saliva na regulação do pH da cavidade oral durante o processo de desmineralização-remineralização, o qual consiste em tornar o pH mais básico durante a ação de fermentação de bactérias cariogênicas, como o Streptococcus mutans (Genestra; Sousa, 1998). 

Dessa forma, pessoas idosas apresentam uma maior predisposição ao surgimento de cáries, em virtude do uso concomitante de várias medicações para o tratamento de doenças crônicas, o que ocasiona hipossalivação e/ou a sensação subjetiva de boca seca (xerostomia) (Silva et al., 2017; Neville, 2016a). O uso desses medicamentos por idosos também foi pontuado na ação de mitos e verdades (conforme se observa nos quadros 3 e 4) e todos os profissionais participantes mostraram conhecimento sobre essa situação. Como foi dito, o uso concomitante dessas drogas (antidepressivos tricíclicos, sedativos, anti-histamínicos, anti-hipertensivos, entre outros) pode acarretar a hipossalivação e/ou xerostomia, levando a um quadro de desconforto, dificuldade na mastigação, deglutição, fala, sensação de queimação ou dor, assim como uma maior propensão à cárie (Neville, 2016a; Silva et al., 2017; Genestra; Sousa, 1998). Além do uso concomitante de várias drogas, os idosos também sofrem com a questão da diminuição da função das glândulas salivares, em virtude do processo de envelhecimento (Silva et al., 2017).

Durante a oficina de educação permanente, houve divergências a respeito da epidemiologia do câncer oral e o tempo para realizar o exame de prevenção dele. Segundo Neville et al. (2016b), os homens de meia-idade são os mais acometidos por neoplasias malignas na cavidade oral; o Instituto Nacional de Câncer (INCA, 2020) pontua que a partir dos 40 anos a doença se apresenta de forma mais frequente, e ressalta a importância do diagnóstico precoce para um melhor prognóstico. O INCA (2021) recomenda que o exame de prevenção ao câncer bucal seja realizado com certa periodicidade, sobretudo quando há o surgimento de lesões que não cicatrizam em até 15 dias, que podem apresentar sangramento e rápido crescimento.

Diante de tudo o que foi exposto, justifica-se que esta intervenção passou por limitações em virtude do contexto pandêmico do novo coronavírus. No município de Sobral, muitas ações tiveram seu fluxo alterado durante o ano de 2021, até que o cenário epidemiológico fosse mais favorável, sendo elas: a suspensão de atividades coletivas e de visitas domiciliares (estas últimas, por alguns meses não puderam ser feitas por todos os profissionais e por algum tempo priorizou-se somente os usuários da unidade de casos mais graves); a limitação de não atender pessoas de grupos de risco ao desenvolvimento da covid-19, dentre elas, os idosos; a volta gradual dos atendimentos clínicos, a qual foi feita com número reduzido de agendamentos e com a utilização de apenas uma cadeira odontológica, mesmo em unidades que tivessem duas cadeiras e mais de uma eSB. 

Em suma, na microárea 2, participaram 09 restritos ou acamados e 15 pessoas por meio de atendimento ambulatorial, totalizando 24 idosos; na microárea 3, participaram 04 idosos durante visitas domiciliares e 12 foram assistidos em ambiente ambulatorial, totalizando 16 pessoas. Ou seja, 40 idosos participantes. Quanto aos cuidadores, participaram 09 pessoas da microárea 2 e 04 cuidadores da microárea 3, totalizando 13 cuidadores. E, como dito anteriormente, o número de profissionais participantes foram 07 pessoas.

4 CONCLUSÃO

Conclui-se que, mesmo com as dificuldades encontradas em razão do contexto pandêmico da covid-19, esta pesquisa-intervenção conseguiu contribuir para a melhoria da atenção integral à saúde bucal de usuários idosos, no território do Dom Expedito. Esse fato é evidenciado através do aumento nos números de atendimentos ambulatoriais, de visitas domiciliares, de exames de prevenção ao CB, de tratamentos concluídos e encaminhamentos à atenção secundária. Como uma das limitações deste estudo, pontua-se o pouco acesso aos idosos residentes nas microáreas 2 e 3, em razão de não haver um contexto propício para aplicação das intervenções propostas. Além disso, como outro fator limitante, pontua-se o atraso nas respostas dos Comitês de Ética em Pesquisa, em decorrência da pandemia, o que culminou em pouco tempo destinado para a realização deste estudo.

Diante de tudo o que foi exposto, percebe-se que a falta de autopercepção de idosos, com relação à necessidade de cuidar da saúde bucal, é um problema de origem cultural e que precisa ser trabalhado. Dessa forma, somente a aplicação pontual desta pesquisa-intervenção não é suficiente para tentar mudar essa realidade. Essas ações que objetivam a atenção integral à saúde bucal de idosos, a exemplo das que foram realizadas neste estudo, devem ser contínuas e incluídas como prioridades nos processos de trabalho dos serviços.

As interconsultas realizadas durante este estudo e as discussões trazidas durante a oficina de educação permanente, mostraram que a saúde bucal tem repercussões na saúde sistêmica e vice-versa. Dessa forma, é de suma importância que os profissionais de diferentes áreas de atuação se articulem e cooperem entre si, gerando a qualificação da assistência e culminando na integralidade do cuidado a esses usuários. Além disso, a EP realizada com os profissionais do serviço, mostrou que há interesse e entendimento por parte desses servidores quanto à importância da manutenção da saúde bucal de idosos, apesar de que algumas questões sobre assistência odontológica ainda não serem de conhecimento de todos. Em suma, há um vasto campo de atuação para a eSB, dentro da atenção integral ao idoso na Estratégia Saúde da Família, que precisa ser mais bem explorado e a continuidade do cuidado a esses usuários só será mais bem aproveitada quando houver um envolvimento multiprofissional.

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1Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Família da Universidade Federal do Ceará – campus Sobral, docente do Curso de Odontologia da Faculdade Ieducare (FIED). E-mail: nfranca325@gmail.com;
2Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Família da Universidade Federal do Ceará – campus Sobral, docente do Curso de Odontologia da Faculdade Ieducare (FIED). E-mail: nfranca325@gmail.com;
3Doutora em Ciências Odontológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: itanielly.dantas@fied.edu.br;
4Especialista em Endodontia pela Faculdade Paulo Picanço, docente do Curso de Odontologia da Faculdade Ieducare (FIED). E-mail: maria.luiza@fied.edu.br;
5Mestra em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Ceará – campus Sobral, docente do Curso de Odontologia da Faculdade Ieducare (FIED). E-mail: luciana.abreu@fied.edu.br;
6Cirurgião-dentista, docente do Curso de Odontologia da Faculdade Ieducare (FIED). E-mail: rauhan.gomes@fied.edu.br;
7Especialista em Saúde da Família pela Universidade Estadual Vale do Acaraú. E-mail: jaynarelka@gmail.com;
8Especialista em Saúde da Família pela Universidade Estadual Vale do Acaraú. E-mail: jessica.18enf@gmail.com;
9Doutor em Odontologia pela Universidade Federal do Ceará. E-mail: jacques.maciel@sobral.ufc.br;