PROMOÇÃO DE SAÚDE NO ATENDIMENTO ODONTOLÓGICO EM PACIENTE COM NECESSIDADES ESPECIAIS (PNE): RELATO DE CASO


Health promotion in dental care in patients with special needs (PNE): case report

REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th102411161216


Natália Lopes Miranda
Suseli Dantas Tavares
Márcio Lopes Linhares


RESUMO

A promoção de saúde bucal para pacientes com necessidades especiais (PNE) é uma área de crescente importância na Odontologia, considerando que esses indivíduos frequentemente enfrentam desafios que comprometem sua saúde bucal e geral. O objetivo deste trabalho é relatar um caso clínico de um paciente com necessidades especiais, destacando as estratégias de adequação do atendimento odontológico, promoção de saúde e manejo das comorbidades. O paciente foi atendido na clínica odontológica da Faculdade do Amazonas (IAES) com queixa de dor nos dentes 25 e 26, apresentando dificuldades na higienização bucal, o que agravava o acúmulo de placa bacteriana. Para minimizar o desconforto e a ansiedade, o plano de tratamento foi adaptado em seis sessões curtas e graduais, englobando profilaxia, raspagem gengival, exodontia dos elementos afetados, remoção de sutura e entrega de brinde. Conclui-se que as adequações no atendimento odontológico foram fundamentais para garantir um cuidado eficaz e compatível com as particularidades da paciente, permitindo o controle das comorbidades e a promoção da saúde.

Palavras-chave: Odontologia; Saúde bucal; Necessidades Especiais.

ABSTRACT

Oral health promotion for patients with special needs (PNE) is an area of increasing importance in Dentistry, considering that these individuals often face challenges that compromise their oral and general health. The objective of this study is to report a clinical case of a patient with special needs, highlighting the strategies for adequacy of dental care, health promotion and management of comorbidities. The patient was seen at the dental clinic of the Faculty of Amazonas (IAES) complaining of pain in teeth 25 and 26, presenting difficulties in oral hygiene, which aggravated the accumulation of bacterial plaque. To minimize discomfort and anxiety, the treatment plan was adapted in six short and gradual sessions, including prophylaxis, gingival scaling, extraction of the affected elements, suture removal and delivery of a gift. It is concluded that the adjustments in dental care were fundamental to ensure effective care compatible with the patient’s particularities, allowing the control of comorbidities and health promotion.

Keywords: Dentistry; Oral health; Special Needs.

  1. INTRODUÇÃO

A promoção de saúde bucal para pacientes com necessidades especiais (PNE) é uma área de crescente importância na Odontologia, uma vez que esses indivíduos frequentemente enfrentam desafios específicos que podem comprometer sua saúde bucal e geral. PNE são aqueles que apresentam condições físicas, intelectuais, sensoriais ou emocionais que dificultam o desenvolvimento normal de atividades diárias, como a higienização oral adequada e a busca por atendimento odontológico regular. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as pessoas com deficiências constituem aproximadamente 15% da população global, e muitas delas enfrentam barreiras significativas para acessar cuidados de saúde bucal de qualidade.1

Entre as condições mais comuns estão a deficiência intelectual, paralisia cerebral, Síndrome de Down e transtorno do espectro autista. Frequentemente são atribuídas essas condições a dificuldades em manter a higiene bucal adequada devido a limitações motoras, falta de cooperação ou comportamentos agressivos, além de afetar a capacidade intelectual, também podem estar associadas ao uso prolongado de medicamentos que causam efeitos adversos na cavidade oral, como xerostomia e hiperplasia gengival.2–4

O atendimento odontológico para pacientes com necessidades especiais exige a adoção de estratégias diferenciadas, que vão desde a adequação do ambiente clínico até o uso de técnicas de manejo comportamental e farmacológico. Profissionais da saúde bucal devem estar preparados para lidar com as particularidades dessas condições, garantindo um atendimento seguro e eficaz, apesar que, muitas vezes se sentem despreparados para tratar PNE, destacando a importância da educação especializada nesta área.5 Além disso, a promoção de saúde nesses indivíduos não se limita ao tratamento de doenças já estabelecidas, mas também envolve medidas preventivas e educativas que visam minimizar o risco de futuras complicações odontológicas.1,2

A prevalência de cáries em pacientes com necessidades especiais pode variar entre 35% e 90%,2 dependendo do tipo de deficiência e da qualidade do acesso ao tratamento odontológico. Uma abordagem multidisciplinar envolvendo odontologia, medicina, psicologia, educação e fisioterapia é crucial para o atendimento integral.6 Em particular, pacientes com deficiência intelectual enfrentam riscos aumentados de cáries dentárias e doenças periodontais devido a limitações na higiene oral e uso contínuo de medicamentos que afetam a saúde oral.7

O manejo dessas condições é um dos principais desafios para os cirurgiõesdentistas, especialmente em contextos de baixa disponibilidade de serviços especializados. Além disso, é importante notar que os pacientes PNE, muitas vezes, apresentam comorbidades que requerem um planejamento odontológico criterioso e adaptado às suas necessidades. Por exemplo, o uso de ansiolíticos e antipsicóticos, comuns em indivíduos com deficiências intelectuais, pode aumentar a propensão à xerostomia, o que, por sua vez, eleva o risco de cáries dentárias. Assim, o controle rigoroso da placa bacteriana e a implementação de protocolos preventivos são fundamentais para a manutenção da saúde bucal desses pacientes.8

Portanto, a promoção de saúde no contexto odontológico para pacientes com necessidades especiais deve ser vista como uma prioridade tanto pelos profissionais de saúde quanto pelos formuladores de políticas públicas. A inclusão de programas específicos para PNE no âmbito da atenção primária e especializada pode contribuir para a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas, reduzindo o impacto das doenças bucais e promovendo o bem-estar geral.1,4

O objetivo deste trabalho é relatar um caso clínico de um paciente com necessidades especiais, destacando as estratégias de adequação do atendimento odontológico, promoção de saúde e manejo das comorbidades.

  1. RELATO DE CASO

Paciente N.A, 33 anos, gênero feminino, portadora de deficiência intelectual, compareceu à clínica odontológica da Faculdade do Amazonas (IAES) com queixa de dor nos elementos dentários 25 e 26. A cuidadora relatou que a paciente apresentava dificuldade em realizar a higienização bucal de maneira adequada devido à sua condição especial, o que agravava o acúmulo de placa bacteriana e tártaro (figura 1).

Figura 1. Aspecto clínico intrabucal inicial

Na consulta inicial, foi realizada uma anamnese completa com o auxílio da cuidadora. A paciente faz uso contínuo de diversos medicamentos, aumentando o risco de hiperplasia gengival. O exame clínico revelou a presença de placa bacteriana generalizada e cálculo subgengival, especialmente nas regiões de molares e prémolares. Além disso, a inspeção radiográfica inicial mostrou lesões cariosas avançadas e comprometimento periodontal nos elementos 25 e 26, justificando a queixa de dor da paciente. Não houve sinais de infecção sistêmica.

Devido à condição especial da paciente, foi necessário adaptar o plano de tratamento para minimizar o desconforto, a ansiedade e a colaboração limitada durante os procedimentos. Optou-se por dividir o tratamento em seis sessões curtas, com intervenções gradativas. Dividiu-se em: profilaxia, raspagem gengival, exodontia dos elementos 25 e 26, remoção de sutura e entrega de brinde.

Na primeira sessão, foi realizada uma profilaxia básica, com o uso de escovas rotatórias para a remoção da placa bacteriana e aplicação tópica de flúor para controle de cáries. A paciente tolerou bem o procedimento e foram realizados exames radiográficos para uma avaliação mais detalhada da condição periodontal.

Nas sessões subsequentes, a abordagem incluiu a raspagem periodontal subgengival. A segunda sessão focou no quadrante superior direito, onde a remoção do cálculo subgengival foi realizada com o auxílio de curetas manuais e ultrassom. A paciente apresentou ansiedade moderada, mas foi possível concluir a intervenção com pausas programadas.

Na terceira sessão, foi realizada a raspagem no quadrante superior esquerdo, com uma resposta mais tranquila da paciente, indicando que ela estava se acostumando à abordagem gradual do tratamento. Observou-se redução significativa da inflamação gengival, indicando boa resposta ao tratamento.

A quarta sessão abordou a raspagem periodontal dos quadrantes inferiores. O procedimento foi bem aceito pela paciente, e o exame clínico revelou uma melhora geral no quadro de hiperplasia gengival, com menor acúmulo de biofilme nas áreas tratadas (figura 2).

Figura 2. Aspecto após raspagem gengival

Na quinta sessão, foi realizada a exodontia dos elementos 25 e 26, ambos com lesões irreversíveis e mobilidade aumentada. A paciente foi submetida a anestesia local com articaína 4% e epinefrina 1:100.000 (Nova DFL®), e a extração transcorreu sem intercorrências, com controle eficaz do sangramento e aplicação de suturas simples com fio de nylon 4-0 para garantir uma cicatrização adequada (figura 3).

Figura 3. Suturas realizadas em pontos simples

A sexta e última sessão foi dedicada à remoção das suturas e à avaliação do processo de cicatrização, que ocorreu dentro dos parâmetros normais, sem complicações. Durante essa consulta, foi possível reforçar as orientações sobre higiene bucal, especialmente a importância da escovação correta e o uso do fio dental, considerando as limitações motoras e cognitivas da paciente. Como parte do incentivo e promoção da saúde, a paciente recebeu um brinde, comemorando a conclusão bemsucedida do tratamento.

Ao longo de todo o processo, houve um cuidado especial com o manejo das comorbidades da paciente. O uso contínuo de medicamentos que aumentam o risco de hiperplasia gengival foi considerado na elaboração do plano de tratamento. A equipe manteve comunicação constante com a cuidadora para garantir que as instruções de cuidados bucais domiciliares fossem seguidas de maneira adequada. O resultado final foi a estabilização da saúde bucal da paciente, com uma redução significativa da inflamação gengival e eliminação das fontes de dor, promovendo uma melhor qualidade de vida e conscientização sobre a importância dos cuidados bucais contínuos em pacientes com necessidades especiais (figura 4).

Figura 4. Paciente satisfeita com o tratamento.

  1. DISCUSSÃO

O presente estudo evidencia, de modo inequívoco, que o atendimento odontológico voltado a PNE demanda não apenas adequações técnicas, mas também estratégias abrangentes de promoção da saúde.9 A abordagem multidimensional empreendida no caso relatado realça a indissociabilidade entre cuidado clínico e inclusão social, conforme preconizado por Arcanjo, Alberto Junior e Mármora10. Assim, torna-se imperioso conceber práticas que transcendem a odontologia tradicional, promovendo a saúde de forma holística.

Em consonância com Santos11, a intervenção junto a PNE requer modificações no ambiente de atendimento e uma abordagem humanizada, o que pressupõe maior sensibilidade na comunicação e na gestão do comportamento. Neste contexto, a utilização de dispositivos adaptados e técnicas de manejo específicas revelou-se essencial para mitigar o estresse e assegurar a adesão ao tratamento. Não obstante, a experiência descrita também reitera que a odontologia para PNE deve priorizar ações preventivas e educativas, corroborando as diretrizes da literatura contemporânea8,12.

Ademais, é crucial sublinhar que a promoção de saúde bucal não se restringe ao ambiente clínico13. Como pontuam Luz et al.14, é no cotidiano dos pacientes e seus cuidadores que reside a continuidade das ações preventivas. Assim, a educação em saúde emerge como elemento basilar, fomentando a autonomia dos envolvidos e fortalecendo o protagonismo dos cuidadores na manutenção da saúde bucal, algo que, neste estudo, demonstrou-se ser fundamental para os resultados obtidos.

Não obstante os avanços apresentados, a temporalidade dilatada e a paciência requerida para atender PNE configuram desafios incontornáveis. Armesto, Alonso e Mutran15 sustentam que a formação profissional deve contemplar o desenvolvimento de habilidades comunicativas e empáticas, imprescindíveis para fortalecer o vínculo entre cirurgião-dentista e paciente. Tal vinculação, como se observou no presente caso, configura-se como eixo central para garantir a continuidade do cuidado.

Cabe, todavia, reconhecer que a limitação deste estudo reside em sua análise circunscrita a um único caso clínico, o que restringe a extrapolação dos achados. Sugere-se que investigações futuras abarquem amostragens mais amplas e diversificadas, a fim de validar as estratégias aqui empregadas em diferentes contextos assistenciais, particularmente nas unidades vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS).

O presente estudo contribui significativamente para a compreensão das nuances envolvidas no atendimento odontológico de PNE, demonstrando que a efetividade desse processo depende da combinação entre manejo clínico especializado e promoção contínua da saúde. Desse modo, reafirma-se a importância de se investir em pesquisas e políticas públicas que consolidem práticas odontológicas mais inclusivas e seguras, capazes de garantir qualidade de vida e equidade na atenção à saúde.

  1. CONCLUSÃO

Conclui-se que o caso clínico demonstrou a relevância de adequações específicas no atendimento odontológico para pacientes com necessidades especiais, assegurando um cuidado eficaz e compatível com suas particularidades. As adaptações no manejo e na condução do atendimento foram fundamentais para controlar as comorbidades e garantir a promoção da saúde, destacando a importância de abordagens individualizadas para alcançar resultados positivos.

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Graduanda em Odontologia Instituição: Faculdade do Amazonas – IAES
Graduanda em Odontologia Instituição: Faculdade do Amazonas – IAES
Especialista em EndodontiaInstituição: Faculdade do Amazonas – IAES