PROJETO TERAPÊUTICO SINGULAR COM USUÁRIO E FAMÍLIA: UMA EXPERIÊNCIA NO CURSO DE MEDICINA

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11493174


Villani, Luiza Z.1
Lasmar, Giovana Z.1
Oliveira, Fernanda L. De1
Conceição Iáris M. da1
Martins, Thais da S1
Melo, Laís D.1
Oliveira, Júlia B. de1
Valente, Henrique G. R.1
Fernandes, Camila V.de M.1
Nolasco, Marcela2


RESUMO  

Este estudo foi uma experiência no curso de medicina que se concentrou na implementação de um Projeto Terapêutico Singular (PTS) com o usuário e sua família. O objetivo foi avaliar a eficácia e os efeitos dessa estratégia na promoção da saúde e no manejo de doenças. O PTS foi aplicado em casos clínicos selecionados e acompanhado por um acompanhamento longitudinal e avaliação multidisciplinar. Os resultados mostraram uma melhoria substancial na adesão ao tratamento, na compreensão da doença e na qualidade de vida dos pacientes e suas famílias. Além disso, o número de complicações relacionadas às condições de saúde abordadas diminuiu. Esses resultados indicaram que a incorporação do PTS ao processo de atendimento médico poderia levar a uma abordagem mais eficaz.

Palavras-chave: Assistência Integral à Saúde, Medicina da Família, Educação Médica

1.  INTRODUÇÃO 

O Projeto Terapêutico Singular (PTS) configura-se como uma valiosa ferramenta na atenção primária à saúde (APS). O objetivo do PTS é oferecer cuidados ao indivíduo, às famílias ou comunidades, considerando as particularidades de cada indivíduo, de forma holística 1.  

O PTS compreende quatro fases: diagnóstico multi-axial, definição de metas, divisão de responsabilidades e reavaliação. No PTS são consideradas todas as opiniões visando a compreensão do indivíduo que necessita de cuidado e a elaboração de propostas terapêuticas. Sendo assim, o PTS é uma ação interdisciplinar em saúde 1

Visando obter qualidade nas abordagens e diálogos, e organização das entrevistas é indispensável, necessitando de escuta ativa e troca de saberes. Uma abordagem qualificada permite a criação do vínculo de confiança entre o usuário e a equipe, bem como o acompanhamento integral do usuário, que passa a ser visto de maneira mais abrangente 2.

Este relato compreende diversas propostas e abordagens terapêuticas, destacando-se pela ênfase nas diretrizes e princípios fundamentais do Sistema Único de Saúde (SUS), tais como humanização e integralidade no cuidado. A interdisciplinaridade é de suma importância para o bom desenvolvimento do PTS. 

Este relato descreveu a história de uma família de uma cidade do interior de Minas Gerais, onde a mãe é a provedora da família apresenta um histórico de tentativas de suicídio, sendo uma sobrevivente que mantém pensamentos auto e hetero agressivos. O objetivo do presente trabalho foi relatar o acompanhamento de uma família apresentando vulnerabilidades socioeconômicas, afetados por traumas. O PTS foi realizado por estudantes e uma docente do curso de medicina em conjunto com uma Organização não governamental (ONG) e uma Equipe de Saúde da Família (eSF), visando a melhoria da qualidade de vida a partir das necessidades individuais e familiares. 

Por se tratar de um relato de experiência de ensino-aprendizagem, não houve necessidade de seu encaminhamento para o Comitê de Ética em Pesquisa, previsto na Resolução n. 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde.

O trabalho trata-se de um relato de experiência vivenciado com uma família, em um município localizado no interior de Minas Gerais, por acadêmicos de medicina do terceiro período, durante a disciplina de IESC III. Esta disciplina é caracterizada pela sua articulação teórica-prática no âmbito da APS.  

2.  MATERIAIS E MÉTODOS  

O trabalho trata-se de um relato de experiência vivenciado com uma família, em um município localizado no interior de Minas Gerais, por acadêmicos de medicina do terceiro período, durante a disciplina de IESC III. Esta disciplina é caracterizada pela sua articulação teórica-prática no âmbito da APS.  A disciplina foi cursada entre fevereiro e junho de 2024. A elaboração do PTS ocorreu entre março e maio de 2024. O objetivo da disciplina é desenvolver os conhecimentos, habilidades e atitudes relacionados ao cuidado e enfrentamento das necessidades de saúde do indivíduo, da família e da sociedade, por meio das ações de promoção da saúde; prevenção e tratamento das doenças e agravos; e reabilitação. 

Os estudantes permaneciam duas horas semanais, às sextas-feiras pela manhã, na ONG e eSF, sob orientação da docente com formação em enfermagem e mestrado em saúde mental, focando principalmente na utilização de tecnologias leves para a produção de saúde, tais como o acolhimento, autonomização, criação de vínculo, dentre outras. Dessa maneira, durante as aulas práticas, inicialmente, foram realizados atendimentos com três crianças, onde foi escolhido um que apresentava vulnerabilidades, para construir o PTS de acordo com as necessidades identificadas junto à equipe. 

Os estudantes selecionaram o caso de uma criança de oito anos, por morar com a mãe e dois irmãos, seu pai e padrasto estarem presos, em regime fechado, e pelas vulnerabilidades socioeconômicas. A construção do PTS se deu a partir de sete encontros com a criança, sua família, sendo um atendimento na eSF e um por visita domiciliar. Este PTS inclui a história de vida da criança, da família, registro dos atendimentos, consultas de puericultura, consulta ginecológica e o plano de cuidados. Para a elaboração do plano de cuidado foram utilizados instrumentos de coleta de dados familiares: o genograma e o APGAR familiar. 

3.  DISCUSSÃO E RESULTADOS

Além das atividades práticas, os acadêmicos elaboraram um relatório qualitativo baseado nas entrevistas que fizeram com cada membro da família, além da construção do PTS a partir de um documento adaptado do caderno “Gestão do cuidado”: Abordagem familiar e clínica ampliada. 

O estabelecimento de vínculos é indispensável para a criação de uma relação de compromisso entre usuário e equipe 3. Nessa etapa, foram feitas a apresentação dos acadêmicos e a proposta do referido projeto, com esclarecimentos sobre suas possibilidades. A criança e familiares foram receptivos, demonstrando interesse e entusiasmo e aceitaram participar.

As entrevistas e instrumentos utilizados favoreceram a identificação de vulnerabilidades e riscos que necessitavam de intervenção, tais como questões relacionadas à higiene, encaminhamentos, ações educativas e atendimentos por parte da docente e discente. A inserção da família no projeto ocorreu em atendimentos na ONG, eSF e visita domiciliar.  Vale ressaltar que, na realização da visita foi perceptível a confiança depositada nos alunos e professora. A principal queixa da família foi abordar os casos de mentiras por parte do filho mais velho, a falta de suporte familiar e comunitário e depressão da mãe, sem adesão ao tratamento.

 A família apresenta histórico conturbado devido a agressões, infidelidade e encarceramento de ex-companheiros da provedora familiar, que carrega alguns traumas relacionais, além de apresentar sobrecarrega com a criação de três crianças. Tal histórico gera, na mãe, um descontrole emocional em relação às crianças, que presenciam momentos de estresse e ansiedade dela. 

Os principais problemas elencados no PTS foram: Higiene precária, agressividade por parte da mãe e do filho mais novo, problemas psiquiátricos e psicológicos, sobrecarga familiar, vulnerabilidades sociais e económicas. Além disso, a família apresenta baixa adesão às ações de saúde na eSF. A adesão caracteriza a longitudinalidade ou a continuidade dos serviços prestados, facilitando a inserção de práticas assistenciais humanizadoras, com acolhimento das necessidades de saúde 4,5. Contudo, apesar da assiduidade da família para a elaboração do PTS, a falta de adesão em algumas intervenções na eSF, destaca a necessidade crucial de um acompanhamento contínuo. Foi conversado com a família e a equipe a necessidade de melhora de vínculo para garantir ações que possam impactar na qualidade de vida familiar. 

A partir dos problemas encontrados pelo grupo, algumas ações foram desenvolvidas, de acordo com o quadro I. 

Quadro I: Principais ações realizadas

1. Encaminhamento da mãe para psiquiatra e ortopedista
2. Encaminhamento do filho mais novo a uma creche (ainda em andamento)
3. Solicitações da ONG estagiários na área de psicologia, assistente social e terapeuta ocupacional 
4. Ações de educação em saúde
5. Orientações sobre benefícios ao cidadão, tais como bolsa família e auxílio reclusão
6. Avaliação clínica dos membros da família (puericultura, consulta ginecológica, avaliação física e social)
7. Avaliação da funcionalidade da família (APGAR)
8. Elaboração do genograma familiar
9. Abordagem acerca do ciclos de vida familiar

Fontes: dos autores (2024)

O genograma é uma ferramenta importante de elaboração da árvore da família, considerada uma técnica de avaliação clínica das famílias. O desenvolvimento do genograma é feito a partir de uma entrevista, onde a família pode ser entendida como um processo envolvendo interação social, recuperação de memórias e desenvolvimento próprio. 

A aplicação do genograma permite uma visualização do processo de adoecer, facilitando o plano terapêutico. A análise do genograma facilita a compreensão de uma visão histórica de como a família enfrenta os acontecimentos críticos e, particularmente, as mudanças no ciclo de vida.

A partir da avaliação clínica da família, a partir de entrevistas, avaliações de saúde e doença, atendimentos individuais e familiares, visitas domiciliares, análise do APGAR, genograma e ciclos de vida foi possível determinar os principais problemas e ações a serem realizadas com a família. O genograma da família está representado na figura I.

Figura I: Genograma família Almeida

Fonte: dos autores, 2024

Com base nessas ações necessárias, foi possível a elaboração de um plano de cuidado individualizado para membros da família.  Dessa maneira, nota-se que as proposições dadas pelo PTS para esse plano de cuidado devem decorrer de debate coletivo do caso, através de várias visões, incluindo a equipe da ONG e eSF 6

4.  CONSIDERAÇÕES FINAIS  

Após a escolha da criança, iniciamos a primeira etapa do PTS através do acolhimento, que permitiu a aproximação e inclusão, tão importante em todas as relações e encontros. Acolher significa reconhecer o outro em sua individualidade, levando um atendimento de qualidade, atendendo às suas necessidades, de forma humanizada. Ademais, o acolhimento, na saúde, promove a qualificação da escuta, a construção de vínculos, bem como garantia do acesso com responsabilização e resolutividade. 

REFERÊNCIAS  

1. PAGANI, Rosani; ANDRADE, Luiz Odorico Monteiro de. Preceptoria de território, novas práticas e saberes na estratégia de educação permanente em saúde da família: o estudo do caso de Sobral, CE. Saúde e Sociedade, [s.l.], v. 21, n. 1, p.94-106, maio 2012. FapUNIFESP (SciELO).

2. SILVA, Ariná Islaine da et al. Projeto terapêutico singular para profissionais da estratégia de saúde da família. Cogitare Enfermagem, [s.l.], v. 21, n. 3, p.01-08, 19 set. 2016. Universidade Federal do Paraná.

3. SCHRANK G, OLSCHOWSKY A. O Centro de Atenção Psicossocial e as estratégias para a inserção da família. Rev Esc Enferm USP. 2008;42(1):127-34.

4. Silva CS, Paes NA, Figueiredo TMRM, Cardoso MAA, Silva ATMC, Araújo JSS. Blood pressure control and adherence/attachment in hypertensive users of primary healthcare. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2013[cited 2016 Sep 11];47(3):584-90. 

5. Girão ALA, Freitas CHA. Hypertensive patients in primary health care: access, connection and care involved in spontaneous demands. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2016 [cited 2016 Sep 11];37(2):e60015.

6. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização. Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.


1Discentes do curso de Medicina UNIPTAN

2Docente curso de Medicina UNIPTAN (Enfermeira, Mestra em Psicologia)