PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO COMO CORPO ESTRANHO EM FACE: UM RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202407311113


Stefani Santos Oliveira¹; Beatriz Sales da Silva Santos¹; Bruna Cavalcante Capinan²; Isabella Teixeira de Souza³; Tândara Pereira Fernandes4; Anna Júlia Guimarães Gonçalves4; Raquel Beatriz Silva Dias5; Pedro dos Santos Anjo e Aguero6; Luiz Antonio Telles Viana Filho7; Antonio Varela Câncio7


RESUMO:

As lesões resultantes de traumas por arma de fogo, variam de acordo com fatores como calibre, velocidade, trajetória e penetração do projétil. Essas lesões geralmente exigem intervenção imediata devido à sua gravidade e ao risco de afetar funções fisiológicas essenciais. A ocorrência de corpos estranhos nas regiões maxilofaciais pode ocorrer nesses casos, exigindo uma avaliação meticulosa e uma abordagem apropriada para sua remoção. A decisão de remover ou não o corpo estranho no local deve considerar cuidadosamente os riscos e benefícios, especialmente em relação à proximidade de estruturas anatômicas vitais. É crucial levar em conta a história do trauma e o estado de saúde prévio do paciente ao definir a técnica operatória e a conduta adequada. Relata-se a abordagem de urgência para remoção de projétil relacionado a interferência em funções fisiológicas do sistema estomatognático sob anestesia local.

Palavras-chave: Urgência. Violência com Arma de Fogo. Ferimentos Perfurantes

INTRODUÇÃO:

No trauma causado por arma de fogo, as lesões são influenciadas por uma série de variáveis, incluindo calibre, velocidade, trajetória, penetração e distância do disparo. Essas lesões geralmente demandam atenção urgente devido à sua gravidade e à necessidade de conter os danos, como as limitações das funções fisiológicas, por exemplo (Calvacante, WC. et al. 2010).

É comum a ocorrência de penetração de corpos estranhos em regiões maxilofaciais como resultado desses traumas. Portanto, é fundamental identificar esses corpos estranhos durante a avaliação inicial e adotar a conduta apropriada para cada caso. A remoção desses corpos estranhos deve ser cuidadosamente considerada, levando em conta os riscos e benefícios, uma vez que podem estar próximos a estruturas anatômicas vitais (Miloro, M. et al. 2009).  A decisão de remover ou deixar o corpo estranho no local deve ser baseada na avaliação dos potenciais danos irreversíveis para o paciente e nos riscos de infecção e reabsorção óssea local associados à sua permanência. Portanto, é essencial ter um entendimento completo da história do trauma e da saúde prévia do paciente para escolher a técnica operatória adequada e definir a conduta mais apropriada (Santos, TH. et al. 2011).

O presente trabalho tem como objetivo relatar a abordagem de urgência para remoção de projétil relacionado a interferência em funções fisiológicas do sistema estomatognático sob anestesia local. 

RELATO DE CASO:

Paciente sexo masculino, melanoderma, ASA I, 24 anos, compareceu a unidade de emergência e urgência de uma unidade hospitalar no interior da Bahia, após sofrer agressão por arma de fogo em região de cabeça, cursando com trauma em face, para tratamento. Na anamnese o paciente negou comorbidades, uso crônicos de medicamentos, alergias, uso de bebidas alcoólicas prévias ou de drogas ilícitas, sem contraindicações para realização do tratamento. Ao exame físico notou-se limitação do movimento de abertura de boca completa, aumento de volume em região temporal a palpação, escoriações e feridas perfuro-contusa compatíveis com orifício de entrada de perfuração por projétil de arma de fogo (PAF) (Figura 1).

Para avaliação secundária, foi solicitado exame de imagem (tomografia computadorizada) no qual foi identificado dois projéteis alojados em face, um localizado lateralmente a fissura pterigomandibular, atrás da porção bucal do corpo adiposo da bochecha (Figura 2A e 2B), com fratura de parede posterior de seio maxilar associada e outro em região temporal, ambos à direita. (Figura 2C)

Inicialmente foi orientado ao paciente a importância da vacinação contra o tétano com soro antitetânico, pois a ferida estava contaminada e o status de imunização do paciente era desconhecido. O tratamento estabelecido foi a realização de remoção dos projéteis alojados em seio maxilar e região temporal sob anestesia local, a fim de remover interferência na oclusão total, permitir abertura adequada de boca e remover sensação álgica local associada. Realizou-se assepsia e antissepsia intraoral e extraoral, com clorexidina aquosa, infiltração local com bupivacaína 0,50% com epinefrina vasoconstritora, em concentração de 1:200.000 em região temporal, nas proximidades da localização do projétil para evitar deformação tecidual, foi realizada incisão por planos localmente em volume para remoção do projétil (Figura 3A, 3B e 3C), divulsão dos tecidos seguido de identificação e pinçamento do corpo estranho para remoção (Figura 3D, 3E e 3F), após, irrigação copiosa com soro fisiológico 0,9%, e sutura por planos dos tecidos muscular e cutâneo com vycril 3-0 e nylon 4-0 respectivamente (Figura 3G).

Para remoção do projétil localizado em região posterior de seio maxilar foi feita infiltração local com bupivacaína 0,50% com epinefrina vasoconstritora, em concentração de 1:200.000, com bloqueio do nervo infraorbitário e alveolar superior médio e posterior. Realizou-se acesso intraoral em região de vestíbulo maxilar à direita, com extensão de segundo pré-molar a terceiro molar, durante o transcirúrgico houve necessidade de remoção de bola de bichat para melhor visualização de campo (Figura 4A), seguida de identificação e pinçamento do corpo estranho para remoção, após, irrigação copiosa com soro fisiológico 0,9%, e sutura do tecido com vycril 3-0 (Figura 4B e 4C).

Desta forma, foi efetuada limpeza das feridas com soro fisiológico e cuidados de curativo da lesão extraoral, orientações de cuidados locais e encaminhamento ao ambulatório local para proservação do paciente e encaminhamento do material obtido para setor responsável (Figura 5A e 5B).

Por fim, obteve-se retorno do movimento de elevação da mandíbula e oclusão total, anteriormente limitado por interferência de contato de corpo estranho durante movimentação mandibular, como remoção da sensação álgica associada, também foram solicitada novas imagens pós-operatórias do paciente, fratura de parede posterior de seio à direita, com tratamento conservador. (Figura 6A e 6B).

DISCUSSÃO:

A apresentação clínica do corpo estranho é diversificada, o que torna um desafio para o operador tanto o diagnóstico quanto a realização de procedimentos cirúrgicos. Aspectos como o tamanho, a forma e a dificuldade de acesso, assim como a proximidade com estruturas anatômicas vitais, precisam ser considerados para conduta mais adequada. (Morais, HHA. et al, 2007). Sabe-se que lesões causadas por arma de fogo podem trazer grandes prejuízos a vítima, no qual, grande parte dos casos a remoção de projéteis ocasionalmente alojados é possivelmente contraindicada por riscos de lesões a estruturas importantes adjacentes, e quando indicadas, geralmente devem ser feitas sob anestesia geral para maior controle operacional e menor risco de complicações transoperatórias (Bharani, KSNS. et al. 2015; Holmes, JD. et al. 2011). No caso relatado, devido a localização superficial e a distância a estruturas nobres da face, foi feita escolha por remoção sob anestesia local para retorno a função e remoção de sensação álgica associada aos projéteis, com colaboração do paciente para realização sem intercorrências.

Para determinar a abordagem adequada para a remoção de corpos estranhos, sempre que possível, é essencial considerar os riscos operatórios e as condições do paciente, desta forma, é essencial o conhecimento acerca da cinemática e agente causador do trauma, bem como anamnese detalhada (Santos, TH. et al. 2011). Em particular, ao lidar com projéteis de arma de fogo, deve-se sempre ter em mente o potencial de infecção local porque os metais presentes nos projéteis sofrem oxidação eletroquímica pelos fluidos corporais que levam à corrosão e causam infecção, além disso, uma vez que esses objetos não são estéreis, podem conter microrganismos patogênicos (Casanova, FHC. et al. 2001; McQuiter, JL. et al. 2001). Ademais, existe o risco de reabsorção local devido a processos inflamatórios agudos, no caso específico do seio maxilar, a inflamação da membrana mucosa é comum e pode aumentar a necessidade de considerar cuidados adicionais durante o procedimento de remoção (Cavalcante, WC. et al. 2010).

Os exames de imagem são de fundamental importância no diagnóstico, os de alta resolução como as tomografias devem ser priorizados na escolha, já que possibilita a visualização tridimensional e diminui o impacto de artefatos gerados na imagem pela densidade metálica (FONSECA et al. 2015).

CONCLUSÃO:

Os danos físicos causados por projéteis de arma de fogo na face podem ter um impacto significativo na qualidade de vida e no bem-estar psicológico dos pacientes. As lesões resultantes do trauma são frequentemente graves e podem acarretar complicações sérias. Portanto, é crucial realizar uma anamnese detalhada, investigando tanto a história do trauma quanto às condições de saúde prévias do paciente, para definir o tratamento de forma adequada. A intervenção requer uma equipe experiente e recursos adequados para assegurar o melhor resultado possível para os pacientes, considerando cuidadosamente os riscos e benefícios da remoção de corpos estranhos, como os projéteis de arma de fogo.

REFERÊNCIAS:

  1. Bharani KSNS, Kamath RAD, Kiran HY, Marol AD. Unobserved foreign body: A clinical dilema. Journal of Oral and Maxillofacial Surgery, Medicine, and Pathology. 2015; 27: 65–69.
  2. Cavalcante, W.C. et al. Corpo Estranho na Intimidade dos Ossos da face: Relato de Caso. Revista Brasileira de Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Facial. V.10. N. 1. P. 97 – 102. 2010;
  3. Casanova, F.H.C.; Mello Filho, P.A.A.; Nakanami, D.M.; Manso, P.G. Corpo estranho orgânico intra-orbitário: avaliação tomográfica e conduta. Arq Bras Oftalmol. 2001; 64: 297-301;
  4. FONSECA, R. J. et al. Trauma Bucomaxilofacial. 4.Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. GANDJALIKHAN-NASSAB, S. A. H. et al. Depression and anxiety disorders in a sample of facial trauma: A study from Iran. Medicina Oral Patología Oral y Cirurgia Bucal. v. 21, n. 4, p. 477-482, 2016. 
  5. Holmes JD. Lesão por Armas de Fogo. In: Miloro M, Ghali GE, Larsen PE, Waite PD. Princípios de Cirurgia Bucomaxilofacial de Peterson. 2 ed. São Paulo: Livraria Santos Editora; 2011. p. 509-525.
  6. McQuiter, J. L. et al. The effects of retained lead bullets on body lead burden. J. Trauma, v. 50, p. 892-9, 2001;
  7. Miloro M, Ghali GE, Larsen PE, Waite PD. Principles of Peterson’s oral Maxillofacial surgery (Princípios da cirurgia bucomaxilofacial de Peterson). 2a ed. São Paulo: Santos; 2009. São Paulo: Santos; 2009.
  8. Morais, H.H.A. et al. Corpo estranho no seio maxilar: relato de caso atípico. Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-fac., Camaragibe. v.7, n.1, p. 65 – 70, jan./mar. 2007;
  9. Santos, T.H. et al. Tooth embedded in tongue following firearm trauma: report of two cases. Dental Traumatology. 2011; 27: 309–313;

1Centro Universitário de Excelência (UNEX) – Feira de Santana – Bahia.
2Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP) – Salvador – Bahia.
3Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora (SUPREMA) – Minas Gerais
4Anhanguera (Unime) – Salvador – Bahia.
5Universidade Potiguar (UnP) – Rio Grande do Norte
6Centro Universitário Alfredo Nascer (UNIFAN) – Goiânia – Goiás.
7Preceptor em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Clériston Andrade (HGCA) – Bahia².