PROGRAMA DE NATAÇÃO: UM NAVEGAR DE HIPÓTESES RUMO AS EVIDÊNCIAS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102412131743


Almir Constanzo Marchetti1
William Urizzi de Lima2
Ana Maria Pinheiro3
Fabrício Madureira4


Resumo

A natação infantil é uma das modalidades mais procuradas por tutores para o envolvimento em práticas esportivas no Brasil e nos últimos anos, profissionais de educação física têm criado programas de intervenções aquáticas com distintas proposições finais no processo de ensino, entre elas: melhorar a coordenação motora, habilidades de autossalvamento, recreação, ensino dos nados etc. Entretanto, faz-se necessário modelos de avaliações que permitam a estes profissionais mensurar o impacto das suas intervenções, especificamente se os conteúdos traçados inicialmente, estão sendo atingidos pelas estratégias pedagógicas implementadas, bem como, a sistematização dos fatores de suplementação da aprendizagem ofertados durante a fase de aquisição das habilidades. O objetivo deste trabalho foi identificar os impactos de um programa de ensino em dois níveis de desenvolvimento do nadar: iniciação e aperfeiçoamento. Participaram do experimento 117 crianças em nível iniciação e 76 no aperfeiçoamento_1 de quatro instituições. Os modelos de avaliação foram constituídos de cinco competências em cada nível, sendo cada competência composta por cinco sub-habilidades, totalizando 25 habilidades em cada fase do nadar. Os dados inicialmente são apresentados de forma descritiva e o teste binominal, permitiu a caracterização das frequências de sucesso em cada uma das 25 tarefas testadas para cada fase de aquisição do nadar. Os resultados permitiram identificar que os grupos investigados apresentavam domínios acima da média para o desempenho geral, nas competências de segurança aquática os desempenhos mostraram-se acima de 70% de êxito, entretanto, também foi possível detectar sub-habilidades específicas, que necessitam de maior atenção por parte dos profissionais de planejamento do programa e os professores que realizam a aplicação do mesmo.

Palavras-chaves: natação infantil; programa de ensino; competências aquáticas.

Abstract

Children’s swimming is one of the most sought-after modalities by tutors for involvement in sports practices in Brazil and in recent years, physical education professionals have created aquatic intervention programs with different final propositions in the teaching process, among them: improving motor coordination, self- rescue skills, recreation, teaching swimming, etc. However, it is necessary to have evaluation models that allow these professionals to measure the impact of their interventions, specifically if the initially outlined contents are being achieved by the implemented pedagogical strategies, as well as the systematization of the learning supplementation factors offered during the training. skill acquisition phase. The objective of this work was to identify the impacts of a teaching program on two levels of swimming development: initiation and improvement. 117 children at the initiation level and 76 at the improvement level1 from four institutions participated in the experiment. The assessment models consisted of 5 skills at each level, each skill consisting of five sub-skills, totaling 25 skills in each phase of swimming. The data are initially presented in a descriptive way and the binomial test allowed the characterization of the success frequencies in each of the 25 tasks tested for each phase of swimming acquisition. The results made it possible to identify that the investigated groups had domains above average for general performance, in water safety skills the performances were above 70% successful, however, it was also possible to detect specific sub-skills that need greater attention by program planning professionals and professors who carry out its application.

Keywords: children’s swimming; teaching program; water skills.

Introdução:

Durante a construção de um programa de formação a longo prazo fazem-se necessárias a organização de elementos como: a progressão de complexidade das habilidades em distintos níveis de desenvolvimento; a caracterização da performance pretendida, em cada habilidade; bem como, modelos de testagem para cada nível que permitam, clareza de conteúdos e níveis significantes de reprodutibilidade inter e intra avaliadores (DONNELLY, MUELLER & GALLAHUE, 2016).

Para a progressão de complexidade das habilidades natatórias em distintos níveis de aprendizagem, diferentes modelos têm sido propostos, entre eles: prontidão aquática (LANGENDORFER e BRUYA,1995); habilidades de autossuficiência aquática em diferentes níveis de habilidade do nadar (PINHEIRO, et al. 2019); domínio respiratório em bebês e crianças (PINHEIRO, et al. 2021) e progressão dos nados crawl e costas em três fases do nadar que envolveram a iniciação ao aperfeiçoamento (PINHEIRO, et al. 2023).

Já na caracterização da performance pretendida, modelos nacionais têm sido propostos para avaliar a aquisição de habilidades de autossalvamento aquático (FLORÊNCIO, et al. 2012); proficiência do nado crawl (MADUREIRA, et al. 2008); magnitudes de interação entre os componentes dos nados (JERÔNIMO, et al. 2019; MADUREIRA, et al. 2019).

Todos os estudos apresentados anteriormente estão centrados em pontos específicos do nadar, não caracterizando o efeito de um programa de forma longitudinal em todas as habilidades contempladas pelo mesmo. No entanto, independente da finalidade fim, as avaliações permitem ao professor guiar o aprendiz em direção a metas específicas. Em especial na natação infantil, parece ser imprescindível na percepção dos professores (URIZZI, et al. 2021), a necessidade do uso de recursos avaliativos, centrados nas características diagnósticas e somativas, na tentativa de contribuir com a identificação de efeitos de distintos programas de ensino em aspectos múltiplos do nadar. Em um estudo recente (RAMALHO, et al. 2024) demonstrou que crianças que compreendiam as magnitudes dos seus domínios natatórios, estavam relacionadas a um maior engajamento com a prática.

Tendo em vista, os impactos robustamente documentados de modelos de avaliação centrados em características específicas do nadar, fazem-se necessários estudos que investiguem os efeitos de programas de ensino em múltiplas habilidades natatórios em distintas fases do nadar

Objetivos:

Identificar os impactos de um programa de ensino em dois níveis de desenvolvimento do nadar.

Materiais e Métodos:

Esta pesquisa é de natureza quantitativa e experimental, onde participaram do experimento 193 crianças, sendo 83 meninas e 110 meninos, todos frequentadores de três instituições escolares, franquiadas ao programa Escola de Esportes, que tem como objetivo central o ensino da natação. As crianças encontravam-se em dois níveis de desenvolvimento do nadar, sendo eles, a iniciação com 117 e o aperfeiçoamento_1 com 76 crianças. O nível iniciação foi composto pelas competências 1- Nado Crawl; 2- Nado Costas; 3- Pernadas rudimentares dos nados Peito e Borboleta; 4- Saídas dos nados e 5- Segurança Aquática com roupa. Para o grupo aperfeiçoamento 1 as competências foram 1- Nado Crawl; 2- Nado costas; 3- Nado peito; 4- Pernada do Borboleta e mergulho da borda e 5- Auto segurança Aquática com roupa.

Estatística:

Para os dois níveis de desenvolvimento do nadar, os dados inicialmente são apresentados de forma descritiva. Para as análises entre os sexos dos desempenhos em cada habilidade, optou-se pelo teste t de Student de amostras independentes. O teste binominal, permitiu a caracterização das frequências de sucesso em cada uma das 25 tarefas testadas.

Resultados:

Os dados apresentados a seguir estão divididos em dois momentos que são incialmente, o olhar geral dos desempenhos das crianças por sexo para cada um dos dois níveis. Como não se detectou diferenças estatisticamente significativas entre os sexos, optou-se pelas análises seguintes, serem apresentadas com os dois grupos juntos nos dois níveis (iniciação e aperfeiçoamento1) para cada uma das tarefas investigadas.

Os dados indicam que as crianças apresentam desempenhos gerais acima da média independente do sexo. Já no nível iniciação e aperfeiçoamento1, não se detectou diferença entre os sexos, respectivamente p=0,325 e p=0,993.

A seguir os dados são apresentados de forma sistemática para cada uma das habilidades investigadas nos dois níveis de aprendizagem

Nas análises das sub habilidades do Nado Crawl, a tabela 3. indica que das 5 sub habilidades no nível iniciação, apenas duas delas, especificamente a sub4 e sub5 apresentaram frequência acima da média esperada que não dominavam, respectivamente 92% e 59%. Já a Tabela 4. pode-se observar que no nível aperfeiçoamento1 as sub habilidades 1,2 e 4 as crianças atingiram frequências de desempenho acima da média, no entanto, para as sub habilidades 3 e 4 não ocorreu o mesmo, chamando a atenção a sub 3 onde apenas 24% foi capaz de realizar a tarefa.

Para os desempenhos no Nado Costas, a Tabela 5. mostra que apenas em uma das 5 sub habilidades no nível iniciação, os resultados das crianças não se apresentaram acima da média, e isto, pode ser observado na habilidade sub4 onde 77,8% não obtiveram êxito. Já a tabela 6. Demonstra que para o nível de aperfeiçoamento as sub habilidades 3 e 5 demonstraram que respectivamente 60 e 71% das crianças não conseguiram realizar a tarefa.

As tabelas 7 e 8 apresentam os desempenhos para ações do nado peito e borboleta. Especificamente na iniciação chama a atenção as sub habilidade 2 e 3 que tratam das ações propulsivas da

pernada do nado peito, com respectivamente 79 e 88% das crianças não conseguiram sucesso nas tarefas. Já o grupo de aperfeiçoamento1 mostrou limitação para as sub habilidades 4 e 5 que tratam da sincronização entre os braços e as pernas, bem como, na virada.

Nas tabelas 9 e 10.  observa-se que das 10 tarefas analisadas, apenas em uma as crianças apresentaram maior dificuldade de aquisição (52%), caracterizada pelo mergulho completo.

As tabelas 11 e 12 chama a atenção que a imensa maioria das crianças, apresentam resultados positivos em todas as cinco habilidades nos dois níveis de aprendizagem testados.

Discussão:

As testagens de programas de intervenção são imprescindíveis para detecções das qualidades e das possíveis limitações das estratégias desenvolvidas no mesmo.

Neste trabalho, pode-se observar particularidades positivas que foram: 1- a grande quantidade de sucesso, isto é, em 83% das habilidades investigadas mais da metade das crianças obtiveram êxito em suas execuções; 2- com relação as habilidades de autossalvamento, em 100% das habilidades, identificou- se que cerca de 70% das crianças possuíam domínio das mesmas, o que de certa forma, valoriza o programa, haja vista o afogamento infantil ainda nos dias atuais, ser um sério problema mundial (BURNAY et al. 2022).

Outros achados intrigantes concentraram-se nas habilidades onde frequências menores de crianças obtiveram sucesso, foram elas: 1- as caracterizadas por habilidades de maior complexidade, por envolver a sincronização entre os componentes. Neste sentido, Freudenheim et al. (2016) apontam que no nadar, há padrões de interação entre os componentes que demandam designes de prática específicos, quanto ao tipo de instrução e quantidade de feedbacks, que facilitem ao aprendiz o maior domínio da tarefa; 2- as ações da fase propulsiva da pernada de peito, caracterizada por ações distintas dos outros três nados, de maior complexidade de execução e larga variação intraciclo (NICOL et al. 2022), sendo assim, pode-se supor a necessidade de maior tempo de prática para sua aquisição e finalmente, 3- as saídas dos nados, para Madureira et al. (2023) ainda apresentam carência de evidências sobre estratégias que favoreçam a aquisição destas habilidades.

Conclusão:

Os achados permitem identificar especificamente quais habilidades os recursos pedagógicos, fatores de aprendizagem motora e o tempo de prática induziram a níveis maiores de aquisição, por outro lado, também foi possível detectar quais habilidades, o programa pode se reorganizar em termos de intervenções mais assertivas. Estes achados, emergem a magia da dinâmica do ensino, que através de feedbacks contínuos e específicos, resultarão na formulação de calendários pedagógicos flexíveis frente as necessidades de grupo de aprendizagem e suas realidades ambientais.

Referências bibliográficas:

BURNAY, C. et al. Infant drowning prevention: insights from a new ecological psychology approach. International journal of environmental research and public health, v. 19, n. 8, p. 4567, 2022.

DONNELLY, F. C.; MUELLER, S. S.; GALLAHUE, D. L Developmental Physical Education for All Children: Theory Into Practice. Human Kinetics, 2016

FLORÊNCIO R. et al. Validação de um instrumento de avaliação de performance das habilidades de autossalvamento para crianças. Brazilian Journal of Motor Behavior. Special Edition, 2012.

FREUDENHEIM, A. M. et al. Aprendizagem motora e o ensino da natação In: TANI, G. O.; CORRÊA, U. C. Aprendizagem motora e o ensino do esporte. Editora Blucher, 2016.

JERÔNIMO, E. et al. Proposição de um modelo de avaliação do desempenho do nadar: foco nos componentes e sua interação com o nado. In Anais do Brazilian Journal of Motor Behavior. v 13, 2019.

LANGENDORFER, S. J. & BRUYA, L. D. Aquatic Readiness Developing Water Competence in Young Children. Human Kinetics, 1994

MADUREIRA, F. et al. Análise das interações entre os desempenhos do nado completo e seus componentes braços e pernas isoladamente. In Anais do Simpósio Internacional de Ciências do Esporte, 2019.

MADUREIRA, F. et al. Validity and reliability of an assessment instrument of track start in swimming. Pedagogy of Physical Culture and Sports, v. 27, n. 1, p. 45-53, 2023.

NICOL, E. et al. Stroke Kinematics, Temporal Patterns, Neuromuscular Activity, Pacing and Kinetics in Elite Breaststroke Swimming: A Systematic Review. Sports Medicine-Open, v. 8, n. 1, p. 1-24, 2022.

PINHEIRO, A. M. et al. Proposição e validação de um modelo de progressão de complexidade para o controle respiratório de bebês e crianças na natação. In Anais do Simpósio Internacional de Ciências do Esporte, 2021.

PINHEIRO, A. M. et al. Competência aquática: uma proposição de progressão para a aquisição de habilidades para a autossuficiência na água. In Anais do Simpósio Internacional de Ciências do Esporte, 2019.

PINHEIRO, A. M. et al. Proposição e validação de um modelo de progressão de complexidade de conteúdos dos nados crawl e costas em diferentes fases do aprendizado. In Anais do Seminário de Ciências em Esporte Aquáticos, UFRJ, 2023.

URIZZI, W. L. et al. Potencialização do reconhecimento profissional através de recursos tecnológicos com feedbacks visuais que identificam a evolução das habilidades natatórias das crianças. In Anais do Simpósio Internacional de Ciências do Esporte, 2021


1 Graduado em Educação Física pela Universidade Mogi das Cruzes

2 Professor titular da disciplina de práticas aquáticas das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU

3 Pós-graduada em treinamento aquático – FMU

4 Professor titular das disciplinas de pesquisa e manifestações culturais aquática da Faculdade de Educação Física de Santos – UNIMES Doutor em Pedagogia do movimento humano – Universidade de São Paulo – USP