PRODUÇÃO DE VIDEOAULAS: REFLEXÃO DE BASTIDORES¹

VIDEO CLASS PRODUCTION: BACKSTAGE REFLECTION

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10076908


Vanessa Luciene Pereira Araujo2
Williany Miranda da Silva3


RESUMO

Nas últimas décadas, o contexto escolar vem vivenciando a construção de novos espaços de aprendizagem. Essas transformações constatam a importância de discutirmos acerca das abordagens educacionais em conformidade com a era digital, cuja realidade abrange não só professores e alunos, mas toda a sociedade (DUDENEY, HOCKLY, PEGRUM, 2016), impulsionando as investigações acerca da formação docente associada à prática. Sendo assim, o objetivo deste artigo é analisar reflexões da professora formadora e de estagiários-expositores que participaram da gravação de videoaulas do “Projeto ENEM na palma da mão”, tendo em vista a experiência e desafios enfrentados ao longo da disciplina. Tal análise sinalizou um espaço para a formação docente que elucida a busca pelo letramento digital no contexto educacional. São imprescindíveis aquisições de novas habilidades e estratégias de ensino associadas ao uso das Tecnologias de Informação e Comunicação. Além disso, os profissionais e cidadãos esperados para o vigente século precisam estar preparados para os impactos do mundo digital. Significa dizer que as mudanças acarretam desafios que incorporam um ensino participativo, interativo e dinâmico (DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2016).

PALAVRAS-CHAVE: Formação docente; Contexto tecnológico; Videoaulas.

ABSTRACT

In recent decades, the school context has been experiencing the construction of new learning spaces. These transformations confirm the importance of discussing educational approaches in line with the digital age, whose reality encompasses not only teachers and students, but society as a whole (DUDENEY, HOCKLY, PEGRUM, 2016), boosting investigations about teacher training associated with practice. Therefore, the objective of this article is to analyze reflections of the teacher trainer and trainees-exhibitors who participated in the recording of video classes of the “Projeto ENEM na palma da mão”, in view of the experience and challenges faced throughout the discipline. This analysis signaled a space for teacher training that elucidates the search for digital literacy in the educational context. Acquisition of new skills and teaching strategies associated with the use of Information and Communication Technologies are essential. In addition, professionals and citizens expected for the current century need to be prepared for the impacts of the digital world. It means to say that changes entail challenges that incorporate participatory, interactive and dynamic teaching (DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2016).

KEYWORDS: Teacher training; Technological context; Video classes.

1 Introdução

O mundo contemporâneo em associação com as transformações tecnológicas impõe novos rumos e dimensões ao processo de ensino-aprendizagem. É necessário compreender que o mercado de trabalho exige uma constante aprendizagem e adaptação aos desafios do contexto escolar. Esse cenário envolve o professor, em sua prática docente, exigindo a utilização de novos recursos tecnológicos como complementares às suas ações e adaptando-se a elas como forma de contribuir com um ensino em consonância com o mundo digital (MASETTO, 2013). Nesse sentido, a escola tem vivenciado práticas concomitantes com o universo tecnológico, existem inúmeras possibilidades de estar informado através da utilização de diversos tipos de ferramentas virtuais.

A partir desse contexto, o objetivo deste artigo é analisar reflexões da professora formadora e de estagiários-expositores que participaram da gravação de videoaulas do “Projeto ENEM na palma da mão”4, idealizado em uma disciplina na graduação, no Curso de Letras, da Universidade Federal de Campina Grande, cuja proposta proporcionou a elaboração de materiais didáticos digitais, disponíveis na plataforma You tube, com acesso gratuito. Para o presente artigo, propomo-nos a exibir um recorte de dados de uma pesquisa em andamento, nível de doutorado, que abrange a investigação de videoaulas produzidas durante o estágio supervisionado do referido projeto em uma turma de graduandos em 2015.25

Além desta introdução, apresentaremos a fundamentação teórica acerca do paradigma reflexivo na formação docente, seguido do letramento digital. Isto posto, tratamos os dados na seção de metodologia, a fim de desenvolvermos uma análise envolta do olhar para as reflexões dos bastidores e considerações finais. 

2 Paradigma reflexivo na formação docente

Ao situarmos o paradigma reflexivo, coadunamo-nos com a recursividade, com o não reducionismo, com a não totalidade e a impossibilidade de adquirir um conhecimento completo e objetivo do mundo (Freire; Leffa, 2013). Tal inserção dialoga com as discussões de Schӧn (2000, p. 24), quando remetemo-nos aos docentes que precisam estar aptos a lidar com “situações de incerteza, singularidade e conflito”. Nessa perspectiva, a formação docente requer um enfoque renovador e questionador, para que o século XXI passe a ser impulsionado por investigações acerca do desafio e urgência de uma formação associada à prática. 

Em consonância com os estudos desenvolvidos pela Linguística Aplicada (LA) contemporânea, é perceptível a emergência em dar voz aos licenciandos ou professores em formação. Apesar das recentes investigações em torno da formação docente, tanto no contexto internacional quanto no brasileiro, a sua importância envolve, inicialmente, o professor participante e, paulatinamente, o professor formador (MILLER, 2013).

A partir de discussões empreendidas por Stenhouse (1986) e Carr e Kemis (1986), Miller (2013) enfatiza que a prática reflexiva se tornou uma tendência nas pesquisas acerca da formação do professor. 

Quando a área passou a valorizar paradigmas crítico-reflexivos de pesquisa, fundamentados na teoria sociocultural de construção do conhecimento e da interação interpessoal em contextos culturais locais e situados, houve um deslocamento das práticas de formação para questões emergentes na socioconstrução discursiva de identidades pessoais e profissionais, de afeto, de agentividade, de transformação social e de ética (MILLER, 2013, p. 121). 

Nesse sentido, a pesquisa reflexiva é considerada, contemporaneamente, o impulso para o âmbito da aprendizagem e para a formação inicial, ou continuada do docente, como um profissional crítico, reflexivo e ético (MILLER, 2013). Os estudos acerca da formação docente têm proporcionado discussões significativas para o contexto educacional. É possível pensar na indissociabilidade entre teoria e prática (PIMENTA; LIMA, 2005/2006) associada à formação de um professor crítico-reflexivo e ético (MILLER, 2013).

Partindo dessa perspectiva, Pimenta e Lima (2005/2006) enfatizam a importância do estágio no processo de formação docente. Para as autoras, a compreensão da relação entre teoria e prática possibilita trazer uma nova concepção de estágio que não é vista como atividade prática, “mas atividade teórica, instrumentalizadora da práxis docente, entendida esta como a atividade de transformação da realidade” (PIMENTA; LIMA, 2005/2006, p. 14). Logo, o estágio deixa de ser a chamada parte prática do curso e caminha para a reflexão da realidade. 

Além disso, é por meio do estágio que os graduandos reconhecem a valorização dos paradigmas crítico-reflexivos de pesquisa. Pesquisadores em formação inicial em parceria com seus formadores e professores da educação básica podem compreender melhor seus contextos de ensino a partir da discussão contínua. Mesmo diante de grandes desafios, é preciso investir em novas formas de atuação, criando oportunidades para a “reinvenção” da vida em sala de aula como um espaço investigativo como forma de desenvolver questões e diálogos com os parceiros do âmbito escolar (MILLER, 2013). 

3 Letramento digital

Araújo e Pinheiro (2014) tomando como base o trabalho de Belshaw (2011) nos relatam que o termo letramento digital não apareceu de repente, foi resultado de muitas investigações. O seu surgimento está relacionado ao termo letramento visual, por conta de sua relação com aspectos midiáticos. Segundo os autores, a justificativa para isso está situada nas predominantes explicações de letramento do final dos anos 1960, tendo em vista a ausência, sentida pelos teóricos, de algo relativo “à natureza cada vez mais visual dos meios de comunicação produzidos pela sociedade da época” (ARAÚJO; PINHEIRO, 2014, p. 294). 

Após três décadas, o conceito de letramento visual “agrupava dois ou mais letramentos como um termo guarda-chuva” (ARAÚJO; PINHEIRO, 2014, p. 294). Ao aparecer o termo letramento tecnológico, teve logo repercussão por conta dos impactos econômicos daquelas sociedades que não aderiram às tecnologias. Sua designação, a princípio, reside nas dificuldades econômicas e inquietações políticas. Mesmo assim, a sua chegada acarretou uma compreensão de que as tecnologias digitais abarcavam alguma característica de letramento, reforçando assim, a utilidade do termo. 

Na sequência, com a chegada, em 1980, do computador pessoal, surgiu o termo letramento computacional, “cuja definição incluía habilidades e conhecimento em tecnologias, […], além da compreensão das características, capacidades e aplicações do computador” (ARAÚJO; PINHEIRO, 2014, p. 295). Entretanto, tal definição começou a ser questionada, foi perdendo confiabilidade e dando espaço para o termo letramento para as tecnologias de informação e comunicação (TIC), tendo em vista a influência e utilização das tecnologias para a comunicação. Nesse momento, temos como finalidade o uso das ferramentas digitais para o acesso, gerenciamento, integração, avaliação e criação da informação na sociedade do conhecimento. Além disso, o letramento digital também foi influenciado pelo termo letramento informacional que recebeu propagação da internet, uma vez que, para ter acesso a informações, o usuário precisava de um novo letramento, cuja nova concepção abarcava os letramentos referentes ao computador. 

Apesar do percurso exposto até o momento, nenhum desses conceitos incorporava as condições correspondentes a uma pessoa letrada digitalmente, porque todas guardavam alguma lacuna concernente às tecnologias. Nessa direção, os teóricos buscaram diferentes termos que atendessem as comunicações digitais e à era da internet. 

Ainda de acordo com Araújo e Pinheiro (2014), no início de suas investigações em torno das definições sobre letramento digital, perceberam que o seu primeiro surgimento ocorreu em 1997, no livro Digital Literacy, de Paul Gilster que afirmava que o que era antes realizado de modo tradicional, hoje se dá com a utilização das tecnologias. No entanto, este autor abordava muitas conceituações sobre o termo, sendo assim, alvo de muitos questionamentos, mesmo tendo sido um importante autor no início do século XXI. 

Dando seguimento, segundo Gillen e Barton (2010, apud Araújo; Pinheiro, 2014), no início, o conceito tinha como foco as competências e habilidades individuais porque, na época, requisitava-se a capacidade para desempenhar tarefas específicas e solucionar determinadas questões. Todavia, outras capacidades e outras questões eram requisitadas, pois as capacidades alcançadas não atendiam às atividades subsequentes. Isso tinha relação com o que era exigido nas indústrias de tecnologias de informação e comunicação, como retorno para o mercado de trabalho. 

Outro ponto que interferiu na formulação do termo letramento digital está situado no entendimento que alguns autores têm do termo como algo ancorado apenas na escrita. Nas palavras de Araújo e Pinheiro (2014), aqui no Brasil, temos Soares (2002) que compreende o letramento digital como a apropriação da nova tecnologia digital como forma de efetuar as práticas de leitura e escrita. Além desta autora, temos Ribeiro (2006) e Marcuschi (2004) que também compactuam da ideia e ancoram-se na escrita. Entretanto, 

Compreendemos que a característica principal da internet, quando os referidos autores se posicionam dessa maneira, era a presença de links e que suas declarações foram postuladas antes da popularização de algumas redes sociais no Brasil, como o Orkut, o Twitter, o Facebook, além de ter sido também anterior à popularização de conversas online no Skype, por exemplo, e do Youtube, embora já houvesse vários sites e blogs que mesclavam textos verbais e não verbais (ARAÚJO; PINHEIRO, 2014, p. 300). 

Desse modo, é imprescindível atestar o quanto as tecnologias digitais interferem na vida social, por meio da interação e modos de pensar dos usuários. Com tanta mudança, o conceito de letramento digital foi sendo redefinido. Hoje, ele é considerado como um recurso dinâmico, o seu termo foi ampliado por compreender que um cidadão utiliza variados letramentos em seu dia a dia. Além disso, todas essas modificações sociais estão inteiramente interligadas com o contexto educacional e a formação docente. Não há como pensar em escola dissociada de sociedade. Por isso, existem novas demandas para o professor em formação que o conduzem ao letramento digital, tornando-o capaz de atender às exigências contemporâneas. 

Diante disso, a produção de videoaulas tem ocupado um amplo espaço na educação, por auxiliar tanto professores como alunos no processo de ensino. Portanto, faz-se necessário abarcar sua influência no processo comunicativo e na formação docente. Sem falar que lidar com o contexto de gravação de videoaulas significa inserir-se em um novo ambiente que ressignifica os conceitos de aula, espaço, tempo. 

4 Metodologia

Considerando as peculiaridades da presente investigação, esta pesquisa está imersa no paradigma emergente, por caracterizar um espaço virtual com sua complexidade, instabilidade e intersubjetividade (VASCONCELLOS, 2002). 

Além disso, aliamo-nos aos estudos da Linguística Aplicada, tendo em vista a prática de uma investigação situada na práxis humana (MOITA LOPES, 2015). Ou seja, visualizar uma sociedade interligada com as transformações tecnológicas é compreender que não há como dissociar o objeto de seu sistema. Existe uma relação entre videoaulas, professora formadora e estagiários-expositores. Assim como corrobora Vasconcellos (2002, p. 112), ocorre uma ampliação do foco, “é a reintegração do objeto no contexto, ou seja, é vê-lo existindo no sistema”.

A pesquisa tem características de natureza qualitativa, pois envolve interpretação, subjetividade e flexibilidade no processo de condução da investigação. Seu corpus é integrado por uma entrevista realizada com a professora formadora e idealizadora do projeto e por um questionário aplicado com estagiários-expositores. No que se refere ao primeiro, Santade (2014, p. 105) menciona que esse instrumento possibilita a “coleta de dados, diagnóstico e orientação”; enquanto que o segundo permite o levantamento de “opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas, situações vivenciadas” (SANTADE, 2014, p. 69).  

Sendo assim, partimos de uma contextualização do desenvolvimento do projeto “ENEM na palma da mão”, cuja apropriação se deu através de uma entrevista semiestruturada, áudio-gravada e um questionário com questões abertas6, além da análise das videoaulas produzidas.

A entrevista semiestruturada foi realizada com a professora formadora que ministrou e coordenou a organização do mencionado projeto. Gerhardt et al (2009, p. 72) enfatizam que o tipo semiestruturado envolve um conjunto de questões acerca do tema pesquisado, porém existe a permissão, incentivada pelo investigador, para que o entrevistado se sinta livre para falar sobre “assuntos que vão surgindo como desdobramentos do tema principal”. Sendo assim, a entrevista com a professora formadora foi estruturada para a obtenção de respostas que explicitasse a motivação e as etapas de criação do Projeto. Além disso, à medida que eram expostas, a entrevistada teve autonomia para respondê-las livremente.  As questões7 englobam a motivação para o desenvolvimento do projeto, evidenciando a transição entre módulos e vídeo aulas, seja em elaboração seja em exibição.

Quanto ao questionário, sua aplicação se deu com 5 estagiários-expositores que se propuseram a participar da pesquisa. Diferentemente da entrevista, constitui-se por uma relação de perguntas ordenadas “que devem ser respondidas por escrito pelo informante, sem a presença do pesquisador” (SANTADE, 2014, p. 69). Por serem questões abertas, asseguram uma abrangente variabilidade interpretativa (GERHARDT ET AL, 2009, p. 106-107). Nele, constavam quatro questões8 em que se busca compreender a motivação e a experiência de realização do Projeto. Sua organização envolveu pontos positivos e negativos vivenciados na experiência, disciplinas do currículo acadêmico que contribuíram com o projeto, a transição entre módulos e vídeo aulas, como também os benefícios e dificuldades durante a sua produção. Ele foi enviado por e-mail e Facebook aos estagiários.

Assim, utilizaremos transcrições9 e trechos destes dados levantados. A professora formadora será mencionada por meio da abreviação PF, já os estagiários pela abreviação EE, cuja sinalização, não obstante de seu número de participantes, se dará por meio de numerações (EE1, EE2…). Nesse sentido, analisamos reflexões apresentadas pela professora formadora e por estagiários em formação com foco na experiência vivenciada na produção das videoaulas. 

5 Um olhar para as reflexões dos bastidores

As videoaulas gravadas no Projeto “ENEM na palma da mão” são parte de materiais didáticos produzidos em uma disciplina de estágio de Língua Portuguesa no ensino médio, na Unidade Acadêmica de Letras da UFCG, período 2015.2, com graduandos prestes a concluir o curso. Elas envolveram quatro subtemas da prova de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (Leitura multimodal; Variação linguística; Concordância nominal e verbal; e Produção do texto dissertativo-argumentativo), direcionados para candidatos ao ENEM, com a participação de 17 estagiários. Como forma de ilustrarmos as videoaulas gravadas, segue um print de uma videoaula sobre o conteúdo “Variação Linguística” presente no canal do YouTube. 

Figura 1: Representação de videoaula do Projeto “ENEM na palma da mão”

Fonte: https://youtu.be/kgdee42BtRk

No print em destaque da Fig. 1 “Representação de videoaula do Projeto “ENEM na palma da mão” é possível identificar que a videoaula apresenta um estagiário-expositor em um cenário do referido projeto, com camisa padronizada, microfone e tv para slides, cujo cenário é representativo das demais videoaulas. 

Como forma de sistematizar a análise empreendida e considerando que o objetivo do artigo é evidenciar reflexões apresentadas pela professora formadora e pelos estagiários-expositores, elencamos quatro pontos que são destacados pelos participantes na experiência vivenciada com a produção das videoaulas. Eles foram elucidados através das questões e respostas utilizadas na entrevista com a professora formadora e utilizadas no questionário aplicado com os estagiários. Vejamos o quadro a seguir.

Pontos destacados pelos participantesTranscrições
1. Contribuição das disciplinas da grade curricular de LetrasEE5: Com certeza. Todas, de um modo geral, contribuíram para a realização do projeto. Destaco algumas que, em minha opinião, foram cruciais: a começar pelo Planejamento e Avaliação, que foi essencial para grande parte do projeto, já que tudo envolvia planejar, pensar no aluno, cruzar o tradicional com o novo etc.(…) E, sem dúvidas, a experiência anterior com Estágio de Língua Portuguesa: Ensino Fundamental foi essencial para termos uma base de como funciona a escola e, assim, realizar o projeto (…).  
EE2: Do ponto de vista técnico, referindo-se a gravar a aula, estar em frente às câmeras e controlar o tempo de fala, a contribuição aconteceu rapidamente apenas na disciplina do estágio. 
2. Contribuição da experiência para a formação docenteEE1: O projeto “ENEM na palma da mão” realizado na disciplina “Estágio de língua portuguesa no ensino médio” foi muito importante para minha formação enquanto professora, pois me fez compreender que o processo de ensino e aprendizagem não acontece apenas no ambiente escolar, com a tradicional sala cheia de alunos e um professor explicando o conteúdo.
EE5: Foi uma experiência única, pois a proposta feita pra nós era a de ir além de simplesmente cumprir o critério de realizar estágio de ensino médio […]. O projeto me fez ver que o processo de ensino/aprendizagem não acontece apenas na escola, mas em qualquer lugar (desde que tenhamos material e disposição para isso) […]. Pude perceber que ser professor é isso: é enxergar os novos desafios, decorrentes das novas gerações de alunos, como uma chance de se renovar a cada dia enquanto profissional da educação. 
3. Desafios enfrentados nas gravaçõesPF: …se você me perguntar se eu sabia como eram videoaulas eu vou dizer que não…eu não sabia…eu usei a minha experiência que é uma experiência extra acadêmica de lidar com meios e:: de divulgação televisão e rádio usei um pouco do que eu estudei no doutorado que era sobre análise de telejornais e eu fui olhar videoulas no youtube e:: porque eu eu sabia que não podiam ser longas porque os alunos no ensino médio não iam se interessar e:: e aí como? o que contém uma videoula? como ela começa? pra onde ela vai? eu fu (?) juntei essas experiências e conversei com o pessoal da técnica…
EE1: O uso de mídias na produção e divulgação de material didático foi desafiador, me tirou do ambiente de conforto que eu havia encontrado ao entrar nas salas de aula, para atender um público ainda maior: qualquer pessoa que deseje fazer Enem e/ou estudar leitura, escrita e análise linguística e que acesse ao vídeo disponível publicamente no YouTube. Pensar onde esse conhecimento pode chegar por meio da rede é fascinante. 
EE2: …espontaneidade na frente das câmeras. 
EE4: Quando o projeto foi proposto para nós, tive bastante receio, pois sou um pouco tímida […]. Outras dificuldades foram surgindo, à medida que avançávamos: como o equipamento para a gravação (que foi um equipamento profissional), o local para a gravação (foi providenciada uma pintura na parede com o slogan do projeto para a gravação) e, por fim, a própria edição de todas as vídeoaulas que tinham sido gravadas.  
4. Diferenças entre o espaço presencial e o espaço virtualEE1: Na gravação da videoaula, a minha maior dificuldade era expor o conteúdo sem a interação com o aluno. Em sala de aula o aluno responde às indagações, tem sua linguagem corporal, expressões faciais que demonstram entendimento, dúvida, tédio ou qualquer outra sensação que a aula esteja lhe causando. Dar aula em frente às câmeras me fez sentir falta desse retorno, e foi difícil acostumar a expor o conteúdo a um público “desconhecido”.  

No que se refere ao 1º ponto “Contribuição das disciplinas da grade curricular de Letras”, podemos dizer que os EE2 e EE5 enfatizam posicionamentos acerca das disciplinas teóricas e práticas, além de evidenciar os aspectos técnicos. O EE2 revela que o currículo de Letras não abarca uma disciplina voltada para ferramentas tecnológicas no âmbito educacional, mas que a disciplina de estágio com a gravação de videoaulas, bem como suas peculiaridades proporcionaram esse contato técnico. Já o EE5 menciona a contribuição de todas as disciplinas, dando destaque para “Planejamento e Avaliação” e uma experiência com o “Estágio presencial”. Tal alusão retrata o envolvimento com teoria e prática como indissociáveis, fazendo com que o estagiário perceba a importância da utilização do planejamento e avaliação, tanto no ensino presencial quanto no ensino virtual, como ferramentas essenciais para a profissão docente em sala de aula. Nesse sentido, a experiência vivenciada pelos EE está interligada com as palavras de Mercado (2002), tendo em vista que a produção das videoaulas transcendeu o modelo tradicional e incluiu no currículo desses EE a integração de novas tecnologias. 

Quanto ao 2º ponto “Contribuição da experiência para a formação docente”, observamos que os EE1 e EE5 expõem a relevância da gravação das vídeo aulas para a formação docente, a percepção de uma sociedade em transição e a compreensão de estarmos diante de desafios a serem enfrentados no contexto escolar. O EE1 ressalta que o estágio proporcionou um olhar contemporâneo para o processo de ensino. Ou seja, o acesso ao conhecimento deixa se ser visualizado apenas em ambientes presenciais e passa a fazer parte do mundo virtual. Desse modo, os alunos podem estudar ou pesquisar em diferentes lugares, uma vez que existe a possibilidade de manter comunicação com os professores por meio da interação a distância, através de diversos recursos, entre eles, a videoaula (RODRIGUES; SCHMIDT; MARINHO, 2011). Em relação ao EE5, há um direcionamento para um estágio que ultrapassa os requisitos de cumprimento de uma disciplina, dado que abarca a dimensão de estar diante de desafios que contribuem com a sua vida no mercado de trabalho. Logo, presenciamos o perfil de um profissional que a sociedade tem esperado. É preciso acompanhar essas mudanças, caso contrário o professor tende a ficar para trás (MERCADO, 2002). 

No que diz respeito ao 3º ponto “Desafios enfrentados nas gravações” verificamos que a gravação das videoaulas demonstrou uma vivência nova tanto para os EE como para a PF. É perceptível que a PF, o EE1 e o EE4 apresentam o tratamento da videoaula como desafiador, uma vez que foi preciso conhecer um pouco desse universo tecnológico como forma de adentrar em suas singularidades técnicas e conseguir realizar as gravações. Acerca das questões identitárias, é possível identificar EE que precisaram lidar com o aspecto humano. Não é fácil encarar a exposição que a videoaula representa (LIBÂNEO, 2013).

Por fim, temos o 4º ponto “Diferenças entre o espaço presencial e o espaço virtual”, cujo destaque é enfatizado pelo EE1 que evidencia a dificuldade em dissociar o espaço presencial do espaço virtual. Para ele, a interação vista em aulas presenciais é algo que coopera com a prática de ensino, é por meio dela que o docente consegue compreender e atender o seu aluno. Porém tais reconhecimentos sinalizam a urgência de um docente flexível, habilitado a um universo ilimitado de alunos. Sendo assim, é necessária uma adaptação aos recursos tecnológicos, como modo de contribuir com uma educação em emergência (MASETTO, 2013). 

A partir de tais constatações, conseguimos caracterizar um espaço para a formação docente que elucida a busca pelo letramento digital no contexto educacional. São imprescindíveis aquisições de novas habilidades e estratégias de ensino associadas ao uso das Tecnologias de Informação e Comunicação. Os profissionais e cidadãos esperados para o vigente século precisam estar preparados para os impactos do mundo digital. Significa dizer que as mudanças acarretam desafios que incorporam um ensino participativo, interativo e dinâmico (DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2016). 

Considerações Finais

A voz dos participantes do projeto “ENEM na palma da mão” sinaliza reflexões acerca de uma grade curricular dos cursos não apenas de Letras, mas de todas as licenciaturas que necessitam de uma reformulação ou discussão acerca do profissional que as academias pretendem formar. A cada dia nos deparamos com situações simples, como a utilização de um caixa eletrônico ou a realização de compras sendo substituídas por aplicativos de bancos ou pedidos online. Essa realidade não está distante das atividades de um professor em sala de aula, uma vez que a educação presencia um cenário tecnológico sendo incorporado às atividades estudantis. É necessário observar que o ambiente escolar e demais âmbitos sociais acompanham a inserção de recursos tecnológicos de modo acelerado. Além disso, compreender que essas mudanças fazem parte do nosso dia a dia e configuram-se como desafios para a educação é reconhecer que o caminho não é fácil, mas as pesquisas na área da formação docente elucidam reflexões que visam contribuir com o atual letramento digital como uma urgência para o processo de ensino-aprendizagem. 

Nessa direção, presenciamos alunos imersos em tecnologias digitais que ultrapassam as paredes da sala de aula. Estamos diante de crianças, jovens e adultos letrados digitalmente. O período pandêmico revelou de modo acelerado e urgente o quanto a escola precisou incorporar o ensino remoto em meio aos desafios de enfrentamento do vírus da Covid 19. Se antes havia essa necessidade de letramento digital, a pandemia a tornou ainda mais latente. Não há mais como viver sem tantos recursos chegando às nossas casas, trabalhos, escolas, ruas. Tudo gira em torno de aplicativos diversos presentes na palma da nossa mão. Portanto, a formação docente deve acompanhar e se preparar melhor para a utilização de ferramentas digitais para o contexto escolar. Essa emergência precisa ser priorizada, uma vez que o mercado de trabalho tem se tornado exigente. Não é uma necessidade apenas do profissional da educação, mas uma habilidade que deve ser trabalhada e abarca todos os alunos e envolvidos no processo de ensino. As reflexões e discussões acerca desse novo ambiente educacional evidenciam uma interligação entre letramento digital e formação docente como imprescindíveis para as exigências do século XXI. 

Referências

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1 Este artigo tem filiação com estudos coordenados no contexto do projeto de pesquisa “CONFIGURAÇÕES DA PRÁTICA CONTEMPOR NEA DE ATUAÇÃO E DE FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LÍNGUAS”, (PPGLE/ UFCG, 2023-2027), cuja investigação está sendo empreendida em nível de doutorado e envolve discussões em torno do ensino de língua portuguesa em ambiente tecnológico, sob a orientação da Profa. Dra. Williany Miranda da Silva.
2 Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Linguagem e Ensino (PPGLE), da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG); Campina Grande-PB. Professora da Educação Básica no Sesc-Centro Campina Grande. E-mail: vanessalpsilva12@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/6489861031623591 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5333-4894.
3 Professora titular da Unidade Acadêmica de Letras e membro do Programa de Pós-graduação em Linguagem e Ensino (PPGLE) da Universidade Federal de Campina Grande, na área de estudos linguísticos. Campina Grande-PB. E-mail: williany.miranda@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/0044907035446244 ORCID: http://orcid.org/0000-0001-6667-2385.
4 Materiais didáticos podem ser acessados em:
https://www.youtube.com/channel/UCSkVZmh0xB2ddNZ73_f_8LQ. Acesso em 04 de mar. 2021.
5 As videoaulas do Projeto “Enem na Palma da mão” foram desenvolvidas em 2016, porém o período está indicado como 2015.2, porque o calendário da IES estava reprogramado devido às greves na universidade.
6 Tivemos contato pessoal ou por e- mail com os participantes do Projeto (professora formadora e estagiários) para detalhes gerais sobre o processo de produção das videoaulas.
7 1. O que motivou a realização do projeto “ENEM na palma da mão”?; 2. O que levou a ideia de sair dos módulos para a produção das videoaulas? Em que momento foi sinalizada essa transição?; 3. Por que, no estágio, o ponto de partida para a elaboração das videoaulas foram os módulos e, na escola, o ponto de partida foi a exibição das videoaulas para se chegar aos módulos?
8 1. O que você destacaria como positivo e/ou negativo da experiência vivenciada no projeto “ENEM na palma da mão”? 2. As disciplinas pagas durante o curso de Letras contribuíram para a realização do projeto “ENEM na palma da mão”? Se sim, qual (is); se não, por quê. 3.A produção dos módulos antes das videoaulas facilitou a realização do projeto?
9 As transcrições serão produzidas a partir das normas estabelecidas pelo Projeto de Estudos da Norma Linguística Urbana Culta de São Paulo (NURC, 1998).
10 “Print, ou print screen, é um comando usado para tirar uma foto da tela do computador […]”. Disponível em: https://www.hispace.com.br/print-screen-como-fazer/. Acesso em: 17.06.2018.
Estagiária