REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202411032248
João Gonçalves Pereira Abramovay
RESUMO
A pesquisa procura um novo uso sustentável para os compostos que seriam descartados de modo incorreto. Devido as características químicas da borra de café possibilitar uma transformação da borra em biodiesel, a pesquisa focou em formas eficazes e sustentáveis de realizar isso, com o maior aproveitamento possível dos compostos. Para isso, foi realizada a extração de óleo de café presente na borra por meio de uma destilação de refluxo, com a utilização do extrator de Soxhlet. Posteriormente foi realizada uma reação de transesterificação deste óleo obtido do café com a intenção de convertê-lo em biodiesel. Além disso, a partir do restante da borra de café que resta da extração do biodiesel, foi realizada, através de uma carbonização, a obtenção do carvão ativado, seguida da ativação. Os resultados se demonstraram satisfatórios e abrem perspectiva para propor soluções para diversos problemas ambientais e sociais, entre eles a obtenção de um método de energia renovável, de modo que às energias fósseis sejam substituídas por métodos mais eficazes e sustentáveis, por meio de compostos que seriam descartados incorretamente. Além de utilizar o carvão ativado para solucionar outros problemas, como a limpeza da água em ambientes que não possuem saneamento básico.
Palavra-chave: Biodiesel, Café, Carvão Ativado
ABSTRACT
The research seeks a new sustainable use for the compounds that would be discarded incorrectly. Due to the chemical characteristics of coffee grounds making possible a transformation of the grounds into biodiesel, the research focused on effective and sustainable ways to accomplish this, with the highest possible utilization of the compounds. For this, the extraction of coffee oil present in the grounds was carried out by means of a reflux distillation, with the use of a Soxhlet extractor. Subsequently, a transesterification reaction of this oil obtained from the coffee was performed with the intention of converting it into biodiesel. In addition, from the remainder of the coffee grounds left from the biodiesel extraction, activated carbon was obtained through carbonization, followed by activation. The results proved satisfactory and open perspective to propose solutions to various environmental and social problems, among them the development of a renewable energy method, so that fossil energies are replaced by more effective and sustainable methods, through compounds that would be incorrectly discarded. Besides using the activated carbon to solve other problems, such as water purification in environments that do not have basic sanitation.
Keywords: Biodiesel, Coffee, Activated Carbon
1 Introdução
Uma das grandes preocupações da atualidade é o aquecimento global, relacionado à degradação do planeta terra, devido a pegada ecológica e, com ela, a significante escassez de fontes renováveis de energia. O conceito de “Pegada Ecológica”, como abordado em um artigo da UNIFOR (2023), tem como princípio o impacto das atividades humanas no meio ambiente, representando a quantidade de recursos naturais usufruídos pelos indivíduos em comparação a capacidade da terra de regenerar esses recursos de forma eficaz e suficiente. Sendo assim, se constitui em uma metodologia de contabilidade ambiental, uma métrica que avalia e auxilia na compreensão da sustentabilidade do estilo de vida da sociedade. Em análise, e segundo dados divulgados, um dos principais componentes da pegada ecológica é o alto consumo de energia nas fontes não renováveis, como diesel e carvão mineral, que são formadas por recursos naturais finitos e aumentam a captação de carbono, liberando gases poluentes como monóxido de carbono e oxido de nitrogênio na atmosfera, o que pode causar o desequilíbrio do efeito estufa, além da possibilidade de prejudicar a saúde humana OMS (2019). Tendo esse alto impacto em vista, a busca e transição para fontes renováveis de energia, que não impactam o meio ambiente de forma tão negativa deve ser iniciada o quanto antes. De acordo com uma matéria publicada pela Enel (2024), renováveis são as fontes de energia que se regeneram naturalmente com o tempo e uma menor produção de danos ao meio ambiente. Tem como destino se tornar a fonte de eletricidade mais vantajosa para o planeta e para o desenvolvimento econômico. Com base em nossas pesquisas e o primordial objetivo de ajudar o meio ambiente, foi levado como partida os ODS’s (objetivos de desenvolvimento sustentável) da ONU: 6- Água Potável e Saneamento, 7-Energia limpa e acessível; 12-consumo e produção responsáveis; 13-ação contra a mudança global do clima. Além disso, energias renováveis foi determinado como recorte temático (ONU, 2024).
Figura 1: Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Disponível em https://brasil.un.org/pt-br/sdgs
Figura 2: Gráfico evolutivo do consumo de energia elétrica no Brasil de 2019 a 2050.
Disponível em https://www.arsolar.com.br/demanda-de-energia-eletrica-no-brasil-periodo-2019-2050/
O Brasil é conhecido pela sua longa jornada com a cafeicultura, iniciada em 1727 no período colonial, essa produção prossegue na atualidade. Como publicado pelo website do governo (BRASIL, 2023), o país é o maior exportador mundial, com exportações em 2022 de 2,2 milhões de toneladas de café para mais de cem países, além de ser o segundo maior consumidor do planeta, com impressionantes 1,35 milhão de toneladas anualmente. Ademais, foi revelado que em torno de 48% do café utilizado é convertido em borra, ou seja, aproximadamente 648 mil toneladas de borra que é, por sua vez, descartada de forma imprópria (BOLIGON, 2015) apud (XAVIER; LISBOA; LULA, 2017) O efeito desse resíduo é extremamente prejudicial, rapidamente liberando metano (CH4), um gás incolor altamente inflamável que agrava o efeito estufa de forma vinte vezes mais prejudicial que o gás carbono. Tendo em vista essa alta e popular ingestão, com um descarte não apropriado, decidimos consolidar nosso projeto em cima desse alimento que faz parte da vida cotidiana de milhões de brasileiros.
Por meio de pesquisas, a fim de encontrar uma forma de não somente produzir energia limpa, como também reaproveitar um poluente, fomos levados à extração de biodiesel da borra de café e a produção de carvão ativado com os resíduos. Tomamos como principal referência um artigo científico publicado na revista Scientia Amazonia, intitulado “Reaproveitamento da Borra de Café na Obtenção de Biodiesel e de Carvão Ativado Para Tratamento de Rejeitos Industriais Têxteis” (XAVIER; LISBOA; LULA, 2017). A partir desta publicação, foi visto que é possível extrair óleo a partir da borra de café, realizar a síntese de biodiesel e, em seguida, com os restos não utilizados e é possível ainda realizar outro procedimento, a carbonização e ativação da matriz orgânica restante, resultando em carvão ativado.
O biodiesel é constituído por uma mistura de diversas substâncias orgânica de cadeia grande, uma mistura de ácidos graxos. Ele surgiu como uma alternativa aos combustíveis minerais, derivados do petróleo. Além disso, o que o torna uma importante fonte de energia ao longo prazo é o caráter renovável, também outras vantagens como a produção de menos gases prejudiciais ao ambiente, por exemplo, efeito estufa, liberando menos CO2.
O biodiesel pode ser obtido através da reação de transesterificação de qualquer triglicerídeo (óleos e gorduras vegetais ou animais) com álcool de cadeia curta (metanol ou etanol). Será feito a partir da borra de café por meio de uma transerificação. O óleo vegetal é composto por três ácidos graxos ligados à uma molécula de glicerina (triglicerio). A transerificação, responsável pela conversão, remove a glicerina (20% da molécula) e realiza a conversão de triglicerídeos em glicerídeos.
O carvão é uma matéria sólida, constituída majoritariamente por carbono se apresenta de duas formas distintas: a mineral não renovável, utilizada principalmente em usinas para produção de energia e a vegetal renovável, utilizada para diversos fins tais como descontaminação. O carvão mineral é formado a partir de matéria vegetal antiga, decomposta a milhares de anos, já o carvão vegetal é composto pela queima controlada ou carbonização da madeira, material renovável de origem vegetal (SOUZA, 2023).
O carvão ativado provém do carvão vegetal e é uma forma de carvão muito porosa, de alta superfície de contato e grande poder de adsorção. Sendo assim, é empregado para a captura de compostos orgânicos em processos como a descontaminação da água. A filtragem com o carvão ativado permite a eliminação do gosto e odor da água, redução de riscos à saúde danos às membranas de osmose reversa e às resinas de troca iônica, tratamento terciário de águas residuais, pré-tratamento de água industrial, entre outros (SELA, 2023). Alguns poluentes que podem ser removidos com o carvão ativado incluem compostos orgânicos, incluindo solventes, pesticidas, resíduos industriais, chumbo entre outros (SELA, 2023). Entretanto, os filtros de carvão ativado são incapazes de remover bactérias, vírus e sais minerais. A relação entre a capacidade do carvão ativado de filtrar água e suas características estruturais está diretamente ligada à sua vasta área de superfície e à presença de inúmeros microporos. Com uma área de superfície de cerca de 1000 m²/g, o carvão ativado tem uma estrutura extremamente porosa, o que permite uma grande capacidade de adsorção (SELA, 2023). Através das forças de Van der Waals, o carvão ativado adsorve contaminantes presentes na água, como pesticidas, produtos químicos e compostos orgânicos, retendo-os nos poros (SELA, 2023). Assim, ele consegue remover substâncias indesejadas da água, tornando-a mais pura e segura para o consumo. Para sua obtenção com os restos dos resíduos (BRUM, 2008). Primeiro realiza-se a carbonização e depois a ativação com substâncias químicas. A ativação química ocorre através da impregnação da borra de café já carbonizada com esses agentes ativadores e tratamento térmico. Durante o tratamento térmico da borra de café impregnada, o produto químico fixa-se no interior das partículas carbonizadas e após o material ser lavado com água, é criada uma micro porosidade na estrutura do carvão. O material tem como importantes propriedades o alto teor de carbono e heteroátomos ligados aos átomos de carbono, principalmente oxigênio, nitrogênio e hidrogênio (GORGULHO et al., 2008), o que atribuem uma grande capacidade absortiva de moléculas presentes em fase líquida ou gasosa, o que possibilita uma retenção de até 95% em seus poros.
2 OBJETIVOS
A pesquisa procura enfrentar o problema do desperdício de café, insuflando uma série de soluções sustentáveis e inovadoras afim de garantir novas possibilidades de uso para compostos que apenas serviriam para a geração de lixo e agravamento dos efeitos climáticos. Os principais objetivos do projeto consistem em realizar a extração do óleo da borra de café, que será realizado por métodos eficientes. Esse óleo servirá como insumo fundamental para a síntese de biodiesel, por meio da transesterificação. Além disso, o projeto também realizará carbonização da borra do café para produzir o carvão vegetal, que posteriormente será ativado quimicamente, aumentando sua porosidade e potencial de aplicação em processos de purificação.
Desta forma, pode-se enumerar os principais objetivos do projeto da seguinte forma:
- Realizar a extração do óleo do café
- Realizar a síntese de biodiesel do café por meio da transesterificação
- Testar biodiesel do café
- Produzir carvão a partir da carbonização da borra de café
- Realizar a ativação do carvão vegetal de modo a produzir carvão ativado
- Testar carvão ativado
Com o a eficácia do produto comprovada, será possível solucionar problemas que afetam a vida de milhares de brasileiros. O consumo energético no Brasil aumenta exponencialmente com o advento de novas tecnologias da informação e com os padrões de consumo excessivo do ser humano. No Brasil, quase 35 milhões de pessoas vivem sem água tratada e cerca de 100 milhões de cidadãos não têm acesso à coleta de esgoto (VASCO, 2022). Esse cenário resulta em mortes que poderiam ser evitadas se houvesse o tratamento de esgoto adequado para garantir a dignidade da população.
3 DESENVOLVIMENTO
O projeto se inicia com a observação e necessidade de realizar um projeto que ajudasse no futuro do planeta Terra. Por isso, foi baseado em um projeto realizado para o curso de Engenharia Química do Instituto de Engenharia e Tecnologia da Universidade de Belo Horizonte, no uso da borra de café como percursor para biodiesel e posteriormente o carvão ativado (XAVIER; LISBOA; LULA, 2017)
O projeto tem duas fases distintas: a primeira fase de extração do óleo do café, síntese do biodiesel e teste. A segunda fase de carbonização da borra de café, ativação química e testes (para o carvão ativado).
Logo no início da primeira etapa foi necessário fazer um ajuste à nossa principal referência. Na pesquisa realizada pela Universidade de Belo Horizonte é utilizado como solvente uma substância química de difícil acesso e manipulação, o éter, substância controlada pela Polícia Federal. Assim, foi encontrada outra pesquisa que também realizada a extração do óleo do café e publicada no XXI Congresso Brasileiro de Engenharia Química de Fortaleza/CE, (BASTISTA, 2016). Nesta pesquisa também ocorre a extração do óleo da borra de café, mas com uma substância que desempenha o mesmo papel que o Éter, mas que não é controlado pela Polícia e bem mais fácil de manusear, o Hexano. Assim, ambos os artigos se tornaram nossas principais referências. E, de acordo com as referências, em nosso projeto foi utilizada a destilação por refluxo, que consiste em separar os componentes de uma mistura com base na volatilidade entre eles, realizadas sempre com o extrator de Soxhlet, utilizado na extração de lipídios (óleo de soja e café). Ademais, também foi utilizado o balão de destilação, manta de aquecimento, condensador e Erlenmeyer. A ideia de utilizar esse extrator veio do artigo base da Universidade de Belo Horizonte, mencionado anteriormente.
O extrator de Soxhlet é um equipamento de laboratório utilizado para a extração contínua de compostos solúveis de uma matriz sólida. Ele é composto por um balão de fundo redondo que contém o solvente (hexano), um sifão que conecta o balão ao cartucho de extração (onde inserimos a borra de café), e um condensador vertical no topo. O funcionamento é simples: o solvente hexano no balão é aquecido, evapora e condensa no condensador, gotejando sobre a borra de café no cartucho.
Figura 3 – Estrutura de um extrator de Soxhlet.
Fonte: WAISER, Equipamentos para Laboratórios.
Disponível em: https://waiser.com.br/produto/extrator-soxhlet-completo-com-balao-de-fundo-chato/.
À medida que o solvente dissolve os compostos solúveis tais como os óleos do café, ele enche recipiente até transbordar pelo sifão, retornando ao balão. Isso forma um ciclo de destilação que se repete várias vezes. Esse ciclo contínuo permite a extração eficiente sem a necessidade de renovar o solvente.
Após realizada a extração do óleo, segue-se à reação de transesterificação com etanol, de modo a obter o biodiesel do café. A transesterificação do óleo de café com etanol envolve a reação do óleo com o etanol, na presença de um catalisador (hidróxido de sódio ou potássio). O processo quebra as moléculas de triglicerídeos do óleo, liberando glicerol e formando ésteres etílicos biodiesel). O etanol reage com os ácidos graxos do óleo, convertendo-os em ésteres, que são o biodiesel. Após a reação, o glicerol e o biodiesel são separados por decantação e o biodiesel é purificado com lavagens para baixar o pH até a neutralidade antes de ser testado (FELIPE, 2000).
O biodiesel foi testado em um experimento simples para verificar o calor liberado. Foram feitos dois testes de transesterificação: um com biodiesel de óleo de soja produzido na escola e outro com biodiesel de óleo de café extraído. Ambos foram queimados em um calorímetro, e a temperatura interna do aparelho foi medida após a queima de quantidades iguais de cada combustível.
Após finalizados os estudos acerca do biodiesel foi dado início à segunda parte do projeto: a produção do carvão ativado, ativação química e testes preliminares. O experimento foi composto por duas etapas: carbonização e ativação química. Na primeira etapa, aqueceu-se o pó de café seco em um forno a alta temperatura por algumas horas, promovendo a carbonização. Após o resfriamento do material carbonizado, ele foi transferido para uma solução de hidróxido de sódio (NaOH), onde ocorreu a ativação química sob agitação constante e aquecimento. Após a agitação, filtrou-se o carvão ativado e lavou-se com água destilada até que o pH da água fosse neutro, removendo os resíduos químicos. Por fim, secou-se o carvão ativado em forno a baixa temperatura por 24 horas.
4 EXECUÇÃO E RESULTADOS
O projeto começou com a extração dos óleos oriundos do café. A extração foi realizada com o extrator de Soxhlet, um equipamento projetado para a extração de componentes químicos de amostras sólidas, utilizando solvente. Ele consiste na extração de óleo com solventes, constituintes solúveis (o óleo) de um material inerte (borra de café) para um solvente com o qual a matriz se encontra em contato. Esse equipamento foi utilizado, principalmente devido aos lipídios não se dissolverem em água, portanto o extrator consegue armazenar essas substâncias com todas as propriedades de seus compostos. Esse extrator é utilizado na principal referência utilizada pelo projeto (XAVIER; LISBOA; LULA, 2017).
O mecanismo do extrator de Soxhlet funciona de maneira cíclica para garantir a extração eficiente dos compostos desejados. O processo iniciou, primeiramente, com a extração do óleo essencial do café, por meio do aquecimento e vaporização. Assim, um solvente volátil (hexano) foi colocado em um frasco de fundo redondo e foi aquecido. O calor realizou a evaporação do solvente. A seguir, o solvente gasoso sobe através de um tubo, onde é resfriado e condensado no condensador vertical no topo, com retorno ao estado líquido. Logo após, o solvente líquido gotejou na câmara de extração, onde estava a borra de café. Assim ocorreu a extração dos óleos da borra e à medida em que a destilação prosseguia o solvente líquido enchia a câmara de extração. Assim, com a câmara cheia, inicia-se a etapa do refluxo, em que a câmara de extração que possui um sifão faz todo o solvente com óleos retornar ao balão de destilação na parte inferior do equipamento. Isso fecha o ciclo e a repetição do ciclo ocorre: o solvente hexano no frasco de fundo redondo é novamente aquecido, evapora e o ciclo se repete. Cada ciclo de refluxo permite que o solvente hexano entre em contato com a borra de café, extraindo eficientemente os óleos desejados. A extração contínua apresenta uma série de benefícios, dentre eles a economia de solvente, o aumento da eficiência do processo e a economia de tempo.
Figura 4: Início da extração do óleo do café. Inserção do café no destilador. Fonte: autores.
Figura 5: Extrator de Soxhlet durante o processo de Destilação por refluxo. Fonte: autores.
Terminada a destilação por refluxo é realizada uma destilação simples para recuperar o solvente hexano utilizado para que seja utilizado nas próximas extrações. Quando a destilação simples se aproxima do final, o material que fica no balão trata-se de hexano residual e óleos do café. Para eliminar esse hexano residual, deixa-se esse material em capela com exaustor ligado por uma tarde. Assim, ao final do processo se obtém os óleos do café. Em todas as destilações, o volume de solvente utilizado foi de 350mL de hexano. Ao final da destilação simples, se recuperou sempre um volume próximo de 250mL. Assim, pode-se dizer que se obtém um reaproveitamento do solvente da ordem de 71% aproximadamente com pequenas variações. Parte do solvente que se perde pode ser atribuída ao próprio mecanismo do destilador de Soxhlet que é aberto na parte superior do condensador vertical e à etapa final de vaporação na capela para eliminação do hexano residual.
Figura 6 – Óleo extraído da borra de café. Fonte: autores.
Com relação ao rendimento do café que é o principal objetivo deste projeto, foram realizadas três extrações com as seguintes quantidades e rendimentos:
Massa da borra de café | Massa de óleo obtida | Rendimento (m/m) | |
Extração 1 | 12g | 2,92g | 24,33% |
Extração 2 | 26g | 4,27g | 16,42% |
Extração 3 | 45,78g | 8,5g | 18,56% |
De acordo com nossas principais referências, era esperado um rendimento em massa de cerca de 15% (BATISTA, 2016). Exceto pela primeira extração que ocorreu com rendimento discrepante, os demais se encontraram exatamente dentro da faixa esperada. O que pode ter ocorrido na primeira extração dado o aspecto visual do óleo obtido é que não foi realizada uma eliminação satisfatória do hexano residual, aumentando a massa do produto e deixando o rendimento acima do apontado pelas referências.
Além disso, o rendimento de óleo mante-se dentro das expectativas em relação aos outros óleos de origem animal. O que pode ser observado com a tabela a seguir
Espécie | Origem do óleo | Teor de óleo (%) | Rendimento (T.óleo/ha) |
Dende/Palma | Amêndoa | 22,0 | 3,0-6,0 |
Coco | Fruto | 55,0- 60,00 | 1,3-1,9 |
Café | Semente | 15,0 | … |
Fonte: NOGUEIRA et al, 2005 apud XAVIER; LISBOA; LULA, 2017
É interessante apontar que esse rendimento da ordem de 15% obtido com hexano é maior do que aquele obtido com éter que é cerca de 10%. Além disso, apesar de não ser um fruto oleaginoso, o café permite obter cerca de 15% de rendimento e espécies oleaginosas como a palma e o dendê rendem pouco mais, cerca de 22% (XAVIER; LISBOA; LULA, 2017).
Com a extração do óleo do óleo essencial do café realizada, pode-se seguir ao processo de teste de produção de biodiesel a partir de transesterificação de óleos. Devido à complexidade em extrair o óleo oriundo do café, foi utilizado para o teste o óleo de soja, para que não se desperdiçasse os resultados dos experimentos.
O procedimento experimental para a produção de biodiesel iniciou-se com a pesagem de 1,0 g de hidróxido de sódio (NaOH) utilizando uma balança analítica, com o auxílio de um vidro de relógio e uma espátula. O NaOH foi então transferido para um béquer de 250 mL contendo aproximadamente 20 mL de água destilada, sendo agitado até sua completa dissolução. Em seguida, foram medidos 50 mL de etanol com uma proveta e transferidos para um béquer de 500 mL, no qual também foram adicionados 100 mL de óleo de soja previamente medidos.
Após a preparação desses reagentes, a solução de hidróxido de sódio foi adicionada lentamente à mistura de etanol e óleo de soja, garantindo agitação contínua durante todo o processo. A mistura resultante foi então submetida a aquecimento, sendo mantida a 60°C com o auxílio de uma barra magnética para garantir a agitação constante por um período de 15 minutos.
Figura 7: Forma geral de uma reação de transesterificação de triglicerídeos com álcool. Fonte: XAVIER; LISBOA; LULA, 2017
Completado o período de aquecimento e agitação, o conteúdo foi cuidadosamente transferido para um funil de separação, onde permaneceu em repouso até ocorrer a separação completa das duas fases. A glicerina, que se formou na fase inferior, foi drenada, enquanto o biodiesel, presente na fase superior, foi coletado.
O biodiesel coletado foi submetido a um processo de lavagem com água destilada, e o pH da fase aquosa foi medido após cada etapa de lavagem, repetindo-se o processo até que o pH atingisse um valor próximo de 7,0 (neutro). Por fim, o biodiesel foi drenado e submetido a um leve aquecimento a 50°C até que adquirisse uma aparência transparente, indicando que o produto estava purificado.
Figura 8 – Lavagem do biodiesel. Fonte: autores.
Uma vez que essa síntese piloto foi realizada com sucesso, realizou-se o mesmo experimento com o óleo de café obtido pelas destilações. As únicas mudanças foram adaptações nos volumes e massas de reagentes para o volume de óleo de café disponível para o teste, de modo a replicar a reação de transesterificação em uma escala reduzida.
Uma vez que o método de produção do biodiesel foi realizado com sucesso em ambos os experimentos, com óleo de soja e com óleo de café, foi realizado um teste simples a fim de verificar o poder energético de um biodiesel em relação ao outro e a outros combustíveis.
Dessa forma, foi montado um calorímetro simples com caixa de isopor com tampa, recipiente para realizar combustão e termômetro. Foram testadas quantidades iguais de três combustíveis: álcool etílico, biodiesel de óleo de soja e biodiesel do café. Volumes iguais dos três combustíveis foram adicionados em pedaços de mesma massa de algodão, aos quais se ateou fogo. Os resultados de temperatura interna do calorímetro atingida por cada combustível estão relacionados na tabela abaixo.
Etanol | Biodiesel de soja | Biodiesel de café | |
Temperatura no interior do recipiente | 76ºC | 56ºC | 61ºC |
Trata-se de um teste simples e sem muita complexidade. No entanto, os resultados preliminares obtidos com esse teste sugerem que o biodiesel do café apresenta um potencial energético promissor, maior que o biodiesel de soja que já é muito utilizado. Ainda, tendo por referencial o etanol, um biocombustível renovável de alto potencial energético, pode-se concluir que o biodiesel do café é bastante promissor.
O carvão ativado produzido apresentou aspecto visual bastante semelhante aos carvões ativados comerciais.
Figura 9 – Carvão ativado produzido a partir da borra de café. Fonte: autores.
Figura 10 – Tubos 1,2 e 3: teste do carvão ativado sintetizado, solução inicial (controle), teste carvão ativado comercial. Fonte: autores.
Com relação ao desempenho em remover substâncias da água, um teste preliminar foi realizado com solução de corante alimentício azul. A uma solução padronizada foram adicionadas três pontas de espátula do carvão ativado produzido com a borra de café em um tubo de ensaio contendo a solução. Para efeitos comparativos, o mesmo teste foi realizado com o carvão ativado comercial, reproduzindo as mesmas quantidades. Ambos os sistemas foram agitados por quatro minutos. Após aguardar a decantação dos carvões ativados nos dois sistemas, observou-se que o carvão ativado produzido foi capaz de remover o corante da água. No entanto, o desempenho do carvão ativado comercial foi superior ao produzido com a borra de café. Uma possível causa para essa diferença de desempenho pode ser o processo de ativação dos carvões vegetais. O carvão ativado de borra de café foi produzido com a ativação realizada por base forte em alta concentração. Os carvões ativados comerciais, além de usar agentes químicos diversos nas etapas de ativação, também contam com a utilização de correntes de gás nitrogênio a altas pressões e temperaturas, por horas. Para isso são necessários equipamentos e insumos que não são de fácil acesso e não se encontravam disponíveis para este projeto. Com isso, é de se esperar que o carvão ativado comercial apresente maior microporosidade frente ao carvão ativado experimental ativado apenas com base forte. Diante dessas condições, considerando os recursos disponíveis, pode-se concluir que o carvão produzido apresentou resultados satisfatórios.
5 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES
A pesquisa mostrou que é possível extrair óleo da borra de café por meio do extrator de Soxhlet. Devido as propriedades da borra de café serem semelhantes as propriedades de óleos de origem de plantas, que são utilizados convencionalmente. Foi comprovado no projeto também a capacidade do óleo se transformar em energia biodiesel, por meio da reação de transesterificação. Além disso, a substituição do etanol por hexano como solvente mostrou-se eficaz, mantendo a eficácia e os resultados esperados. O óleo essencial extraído do café, por mais que não seja feito por meio de uma planta produtora de óleo convencional, mostrou-se com propriedades bastante parecidas com os óleos comerciais e reagiu conforme esperado para a produção de biodiesel. O biodiesel de café mostrou possuir mais energia do que o de soja em sua composição, porém menos que o etanol, que foi usado como referência. Isso indica que o óleo de café pode ser uma boa alternativa para produzir biodiesel, considerando seu potencial energético. Tendo como os principais pontos fortes, a obtenção do biodiesel com aspecto pouco turvo e o material se mostrou como bastante viscoso e sem odor do solvente, apresentando uma grande melhora em relação ao primeiro experimento na eliminação do solvente devido ao ajuste em sua porosidade. Com relação ao carvão ativado produzido, verificou-se que este apresentou capacidade de remoção de corantes, embora o desempenho tenha sido inferior ao do carvão ativado comercial. A diferença pode ser atribuída aos processos mais avançados de ativação utilizados comercialmente, que resultam em maior micro porosidade. Apesar das limitações, o carvão produzido apresentou resultados satisfatórios. Em relação ao projeto, os resultados são promissores e sugerem que o café pode ter várias aplicações além do consumo comum. Isso prova que os componentes inutilizados do café podem possuir aplicações inovadoras e sustentáveis, podendo ser capaz de reduzir preocupações relevantes presentes no Brasil, como a crise energética e a disponibilidade de água potável e saneamento básico. Desse modo, a pesquisa mantém seu objetivo de proporcionar soluções sustentáveis e inovadoras a esses problemas, visando trazer maior dignidade à população mais vulnerável que necessita da energia e do saneamento para possuir uma vida digna.
Referências
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