PROCEDIMENTOS E ÓBITOS DA REVASCULARIZAÇÃO MIOCÁRDICA NO ESTADO DE SÃO PAULO 2004 – 2024

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202502181547


Patrícia Borges de Moraes Juviniano,  Paulo Fernando Katsuo Ogatha Ito,  Emanuela Ferreira Goulart, Amanda Ribeiro Pavan, ⁠Gabriela Luiza Correa Oliveira, ⁠Rafael Shigueru Tabata, Marjorie Albergoni Inohira, ⁠Welleson Feitosa Gazel, ⁠Ana luiza Barbosa, Éric Edmur Camargo Arruda2


RESUMO:

Introdução: O choque cardiogênico complica até 10% dos infartos agudos do miocárdio, com mortalidade de 40-50% em 30 dias. O suporte mecânico, especialmente a oxigenação por membrana extracorpórea venoarterial (ECLS), cresceu na última década, mas carece de evidências robustas. Apesar de potencial benefício hemodinâmico, há riscos significativos. Objetivos: Avaliar os óbitos nos procedimentos de revascularização miocárdica no Estado de São Paulo. Métodos: Os dados foram obtidos por meio de consulta ao Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), no endereço eletrônico (http://www.data-sus.gov.br) na base de dados da Produção Hospitalar (SIH/SUS) em todo o estado de São Paulo dos anos de 2004 a novembro de 2024. Resultados: Todos os procedimentos estudados ocorreram no estado de São Paulo entre 2004 a novembro de 2024. Revascularização miocárdica com uso de extracorpórea com um total de 24164 procedimentos, com uma média anual de 1098,36 procedimentos e 1310 óbitos durante o procedimento com uma taxa de 5,42% de óbitos, a revascularização miocárdica com uso de extracorpórea e com dois ou mais enxertos totalizaram 111865 procedimentos, com uma média anual de 5084,77 procedimentos e 4117 óbitos durante o procedimento com uma taxa de 3,68% de óbitos, a revascularização miocárdica sem uso de extracorpórea apresentou um total de 11162 procedimentos, com uma média anual de 507,36 procedimentos e 323 óbitos durante o procedimento com uma taxa de 2,89% de óbitos e a revascularização miocárdica sem uso de extracorpórea e com dois ou mais enxertos totalizaram 4908 procedimentos, com uma média anual de 223,09 procedimentos e 175 óbitos durante o procedimento com uma taxa de 3,56% de óbitos, os dados foram analisados pelo software IBM SPSS STATISTICS 20, para testar a normalidade dos dados foi aplicado os testes de Shapiro Wilk e Kolmogorv Smirnof que apresentaram distribuição não normal, foi aplicado o teste de Kruskal-Wallis o qual demonstrou haver diferença entre os grupos  e entre o número de óbitos com p< 0,001. Conclusão: O uso de circulação extracorpórea na revascularização miocárdica demonstrou uma maior taxa de morte entre os pacientes submetidos a revascularização miocárdica.

Palavras-Chave: Choque Cardiogênico, Venoarterial, Hemodinâmico, Revascularização

INTRODUÇÃO:

A doença arterial coronariana (DAC) estável representa um dos principais desafios na cardiologia contemporânea, com estratégias terapêuticas direcionadas à redução do risco de mortalidade, eventos isquêmicos e à melhora da qualidade de vida dos pacientes. O tratamento baseado em diretrizes enfatiza a terapia médica otimizada como pilar fundamental no manejo da DAC, independentemente da estratégia invasiva adotada. (MARON et al., 2020)

Historicamente, ensaios clínicos prévios que compararam a revascularização miocárdica à terapia médica isolada não demonstraram benefício na redução de mortalidade ou infarto do miocárdio, especialmente antes da disseminação do uso de stents farmacológicos. A introdução da intervenção coronária percutânea (ICP) guiada por reserva de fluxo fracionada (FFR) demonstrou redução na necessidade de revascularização urgente, embora os desfechos de morte e infarto não tenham sido significativamente alterados a curto prazo. No entanto, análises de acompanhamento a longo prazo sugerem um potencial benefício na redução da incidência de infarto do miocárdio. (MARON et al., 2020)

A ausência de impacto significativo nos desfechos primários em estudos prévios pode estar associada a múltiplos fatores, incluindo a seleção de pacientes predominantemente de baixo risco anatômico e funcional, a exclusão de indivíduos com maior gravidade angiográfica e a inclusão de pacientes com qualquer grau de isquemia, limitando a identificação de subgrupos que poderiam se beneficiar mais da abordagem invasiva. Evidências observacionais indicam que a revascularização precoce pode conferir vantagens prognósticas em pacientes com isquemia extensa, reforçando a necessidade de estratificação de risco mais precisa. (MARON et al., 2020)

O Estudo Internacional de Eficácia Comparativa em Saúde com Abordagens Médicas e Invasivas (ISCHEMIA) foi delineado para responder a essa lacuna do conhecimento, investigando o impacto da estratégia invasiva associada à terapia médica em comparação à abordagem conservadora em pacientes com DAC estável e isquemia moderada ou grave. Através de um delineamento robusto, o estudo buscou esclarecer o papel da revascularização na modificação do curso clínico da doença coronária estável, fornecendo subsídios para aprimorar a tomada de decisão na prática clínica. (MARON et al., 2020)

O choque cardiogênico é uma das complicações mais graves do infarto agudo do miocárdio (IAM), ocorrendo em até 10% dos pacientes hospitalizados e representando a principal causa de mortalidade nesse contexto.¹ Apesar dos avanços terapêuticos, incluindo a revascularização coronária precoce, a taxa de mortalidade permanece elevada, variando entre 40% e 50% em 30 dias.¹ A alta letalidade desse quadro motivou o desenvolvimento de estratégias adicionais para suporte hemodinâmico, com destaque para o uso crescente de dispositivos de assistência circulatória mecânica. (THIELE et al.,2023)

Entre essas estratégias, a oxigenação por membrana extracorpórea venoarterial (ECLS) emergiu como uma opção promissora, proporcionando suporte circulatório e respiratório temporário, especialmente em pacientes com choque cardiogênico grave.²-⁴ Nos últimos anos, o uso do ECLS aumentou exponencialmente, impulsionado pelo aprimoramento tecnológico de dispositivos menores e pela introdução de técnicas percutâneas para canulação e fechamento vascular.⁵ No entanto, a aplicabilidade dessa intervenção ainda é objeto de debate, visto que os benefícios teóricos da estabilização hemodinâmica podem ser contrabalançados por um risco significativo de complicações, como sangramento, acidente vascular cerebral, isquemia de membros e hemólise. (THIELE et al.,2023)

Embora estudos observacionais tenham sugerido um potencial benefício do ECLS no choque cardiogênico, a evidência oriunda de ensaios clínicos randomizados permanece limitada.⁶-⁹ Diante desse cenário, foi desenvolvido o ensaio clínico ECLS-SHOCK, com o objetivo de avaliar o impacto do ECLS precoce de rotina, em comparação com a terapia médica isolada, na sobrevida de pacientes com IAM complicado por choque cardiogênico, para os quais a revascularização precoce estava planejada. O presente estudo busca contribuir para o esclarecimento do papel do ECLS no manejo dessa condição crítica e potencialmente letal. (THIELE et al.,2023).

OBJETIVOS:

Avaliar os óbitos nos procedimentos de revascularização miocárdica no Estado de São Paulo.

MÉTODOS:

Os dados foram obtidos por meio de consulta ao Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), no endereço eletrônico (http://www.data-sus.gov.br) na base de dados da Produção Hospitalar (SIH/SUS) em todo o estado de São Paulo dos anos de 2004 a novembro de 2024.

RESULTADOS:

Os procedimentos analisados ocorreram no estado de São Paulo, abrangendo o período de 2004 até novembro de 2024. A revascularização miocárdica com uso de circulação extracorpórea totalizou 24.164 procedimentos, o que representa uma média anual de 1.098,36 procedimentos. Durante esses procedimentos, ocorreram 1.310 óbitos, resultando em uma taxa de mortalidade de 5,42%. Em contraste, a revascularização miocárdica com uso de circulação extracorpórea e dois ou mais enxertos totalizou 111.865 procedimentos, com uma média anual de 5.084,77. Nesses casos, foram registrados 4.117 óbitos, o que gerou uma taxa de mortalidade de 3,68%.

A revascularização miocárdica sem o uso de circulação extracorpórea apresentou um total de 11.162 procedimentos, com uma média anual de 507,36, e 323 óbitos, resultando em uma taxa de mortalidade de 2,89%. Já a revascularização miocárdica sem o uso de circulação extracorpórea e com dois ou mais enxertos totalizou 4.908 procedimentos, com uma média anual de 223,09, e 175 óbitos, o que corresponde a uma taxa de mortalidade de 3,56%.

Os dados foram analisados utilizando o software IBM SPSS Statistics 20. Para testar a normalidade dos dados, foram aplicados os testes de Shapiro-Wilk e Kolmogorov-Smirnov, ambos indicaram uma distribuição não normal. Em seguida, foi realizado o teste de Kruskal-Wallis, o qual revelou diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, bem como entre o número de óbitos, com valor de p < 0,001.

DISCUSSÃO:

Os achados do presente estudo estão alinhados com os resultados obtidos por Thiele et al. (2023), evidenciando que o uso precoce e rotineiro de ECLS em pacientes com choque cardiogênico secundário ao infarto agudo do miocárdio não resultou em redução da mortalidade em 30 dias, quando comparado à terapia convencional. Ademais, foi observado um aumento na incidência de complicações graves, como sangramento e eventos vasculares periféricos, corroborando a hipótese de que os riscos associados ao ECLS podem neutralizar seus potenciais benefícios hemodinâmicos.

A análise dos dados obtidos no estado de São Paulo entre 2004 e 2024 demonstra um panorama similar em relação à revascularização miocárdica, tanto com quanto sem o uso de circulação extracorpórea. Procedimentos realizados com suporte extracorpóreo apresentaram taxas de mortalidade mais elevadas (5,42% para revascularização convencional e 3,68% para procedimentos com dois ou mais enxertos) quando comparados àqueles realizados sem o uso de circulação extracorpórea (2,89% e 3,56%, respectivamente). A diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p<0,001) reforça a necessidade de uma avaliação criteriosa da relação risco-benefício na escolha da abordagem terapêutica para pacientes críticos.

A ausência de benefício clínico do ECLS pode ser explicada por diversos fatores, incluindo o aumento da pós-carga ventricular esquerda induzido pela inserção periférica do dispositivo, além da maior incidência de complicações hemorrágicas e tromboembólicas. A necessidade de suporte vasopressor adicional, como observado no grupo ECLS, também pode ter contribuído para o aumento da morbimortalidade.

Esses achados ressaltam a importância de estudos randomizados adicionais para definir subgrupos de pacientes que possam se beneficiar do ECLS e para otimizar estratégias de descarga ventricular esquerda, minimizando seus efeitos adversos. Enquanto não houver evidências mais robustas, a decisão pelo uso de ECLS deve ser individualizada, considerando cuidadosamente os riscos e benefícios para cada paciente.

A comparação entre os achados de MARON et al., 2020 e os resultados do presente estudo ecológico permite uma avaliação crítica do impacto das estratégias invasivas e conservadoras na doença coronariana. MARON et al. demonstraram que, em pacientes com isquemia moderada a grave, uma estratégia invasiva inicial não reduziu a mortalidade ou eventos cardiovasculares isquêmicos em comparação com a estratégia conservadora. Além disso, observaram um maior número de infartos procedurais no grupo invasivo, enquanto os infartos não procedurais foram mais frequentes no grupo conservador, sem impacto na mortalidade global.

Os achados do estudo ecológico sobre revascularização miocárdica em São Paulo entre 2004 e 2024 corroboram, de certa forma, os resultados de MARON et al., ao demonstrar variações significativas na mortalidade intra operatória de acordo com a técnica utilizada. A revascularização miocárdica com uso de circulação extracorpórea apresentou uma taxa de mortalidade de 5,42%, enquanto a técnica sem circulação extracorpórea teve menor mortalidade (2,89%). A revascularização com dois ou mais enxertos mostrou taxas intermediárias de mortalidade (3,68% com extracorpórea e 3,56% sem extracorpórea), sugerindo que a extensão da cirurgia pode influenciar os desfechos.

A ausência de benefício em mortalidade com uma abordagem invasiva inicial, conforme evidenciado no estudo ISCHEMIA e reforçado pelos dados ecológicos, sugere que a indicação da revascularização deve ser cuidadosamente individualizada. A diferença entre os infartos procedurais e não procedurais observada por MARON et al. pode indicar que, apesar da ausência de impacto na mortalidade geral, os pacientes submetidos à estratégia invasiva apresentam um risco aumentado de complicações associadas ao procedimento. No contexto do estudo ecológico, isso pode ser refletido nas taxas de óbito intra-operatório, sugerindo que a decisão pelo uso de circulação extracorpórea deve levar em conta o perfil de risco do paciente.

A análise estatística do presente estudo ecológico confirmou diferenças significativas entre os grupos quanto à mortalidade (p < 0,001), reforçando a necessidade de estratificação adequada dos pacientes para determinar a melhor abordagem terapêutica. O presente estudo, alinhado com as evidências do ISCHEMIA, reforça a necessidade de um acompanhamento prolongado para avaliar desfechos a longo prazo e a importância de critérios rigorosos para a indicação de procedimentos invasivos. Estudos futuros devem explorar o impacto da revascularização em diferentes perfis clínicos e o papel da otimização da terapia medicamentosa na melhora dos desfechos em pacientes com doença coronariana estável.

CONCLUSÃO:

O uso de circulação extracorpórea na revascularização miocárdica demonstrou uma maior taxa de morte entre os pacientes submetidos a revascularização miocárdica.

REFERÊNCIAS:

THIELE, Holger et al. Extracorporeal life support in infarct-related cardiogenic shock. New England Journal of Medicine, v. 389, n. 14, p. 1286-1297, 2023.

MARON, David J. et al. Initial invasive or conservative strategy for stable coronary disease. New England Journal of Medicine, v. 382, n. 15, p. 1395-1407, 2020.


1Discente da universidade nove de julho, São Paulo.

2Docente da universidade nove de julho, São Paulo.