PRISÃO EM FLAGRANTE E O DIREITO FUNDAMENTAL À INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO

ARREST IN FLAGRANTE AND THE FUNDAMENTAL RIGHT TO THE INVIOLABILITY OF THE HOME

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202505292135


Rodrigo Ribeiro Domingues1


RESUMO: O presente artigo busca debater o direito fundamental da inviolabilidade do domicílio, com enfoque nas circunstâncias em que é permitido o ingresso em residência, sem ordem judicial e autorização do morador, nos casos de flagrante delito. A importância do tema está relacionada com o julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal, na fixação do Tema 280. Na ocasião, a Suprema Corte decidiu que para justificar o ingresso em domicílio, sem autorização judicial, no caso de flagrante delito, existe a necessidade da presença de elementos fáticos que demonstrem fundadas razões da presença de flagrante delito no interior de imóvel. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, diversamente do que foi decidido pela Suprema Corte, anulou várias operações policiais que apreenderam quantidade considerável de drogas, utilizando-se dos mais variados argumentos. O presente artigo busca debater, por meio de revisão bibliográfica, os limites e restrições do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, as circunstâncias em que é permitido o ingresso residência, sem ordem judicial e autorização do morador, nos casos de flagrante delito, tomando por base a legislação atual e decisões do Supremo Tribunal Federal. 

Palavras-chaves: direitos fundamentais; direitos à inviolabilidade do domicílio; tema 280 do Supremo Tribunal Federal.

ABSTRACT: This article seeks to discuss the fundamental right to the inviolability of the home, focusing on the circumstances in which entry into a home is permitted without a court order and the resident’s authorization, in cases of flagrant crime. The importance of this topic is related to the judgment made by the Supreme Federal Court, in the determination of Theme 280. At the time, the Supreme Court ruled that to justify entry into a home without court authorization, in cases of flagrant crime, there is a need for the presence of factual elements that demonstrate well-founded reasons for the presence of flagrant crime inside the property. However, the Superior Court of Justice, contrary to what was decided by the Supreme Court, annulled several police operations that seized considerable quantities of drugs, using the most varied arguments. This article seeks to discuss, through a bibliographic review, the limits and restrictions of the fundamental right to the inviolability of the home, the circumstances in which entry into a home is permitted, without a court order and the resident’s authorization, in cases of flagrant crime, based on current legislation and decisions of the Supreme Federal Court.

Keywords: fundamental rights; rights to the inviolability of the home; theme 280 of the Federal Supreme Court.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem o objetivo de analisar os contornos jurídicos do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, com destaque nas hipóteses em que é permitido o ingresso em uma residência sem autorização do morador. Inicialmente, é imperioso delimitar as características dos direitos fundamentais, possibilidade de restrições e o princípio da proporcionalidade. No caso da inviolabilidade do domicílio, o próprio texto constitucional destaca as situações em que agentes estatais e particulares podem ingressar em uma residência sem o consentimento do morador. O artigo propôs a discussão com base no que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, com a fixação do tema 280, que estabelece a presença de fundadas razões para ingresso em residência no caso de flagrante delito, com o intuito de possibilitar ao juiz da causa analisar a legitimidade da ação policial. Por derradeiro, foram analisadas decisões do Superior Tribunal de Justiça que ensejaram insegurança jurídica e posterior revisão pelo Supremo Tribunal Federal, pois exigiram dos órgãos de segurança pública cumprimento de requisitos que extrapolavam o que foi decidido pela Suprema Corte. A importância do artigo está delineada na influência das decisões judiciais no trabalho dos órgãos estatais de promoção de segurança pública. O artigo utiliza uma abordagem metodológica qualitativa, baseada na revisão bibliográfica, legislação e jurisprudência aplicada ao tema.

2. Direitos Humanos 

A análise dos Direitos Fundamentais, com o enfoque nas suas características e modo de restrições, inicia-se, basicamente, com o estudo dos Direitos Humanos. Denomina-se Direitos Humanos o conjunto de normas internacionais que garantem uma vida livre de arbitrariedades e violência, tendo como elemento central de proteção a dignidade da pessoa humana2.

Na visão de Antônio Augusto Cançado Trindade3, os Direitos Humanos são um conjunto de normas internacionais, princípios e conceitos básicos, construídos com o propósito de proteger o ser humano em todas as circunstâncias, sobretudo nas relações com o poder público. A função dos Direitos Humanos, portanto, está direcionada à proteção da pessoa, em todas as circunstâncias, contra qualquer tipo de violência praticada por agentes estatais ou por particulares.

Conforme descreve Valério Mazzuoli4, os Direitos Humanos são regras internacionais que visam garantir vida digna ao ser humano, livre de arbitrariedades e violência, em que os Estados devem respeitá-las, com a possibilidade de responsabilização no âmbito internacional no caso de descumprimento, para além dos mecanismos de proteção previstos no âmbito doméstico, com destaque para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que pode acionar a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Note-se que, em sua essencialidade, além de serem constituídos por normas internacionais, na visão de Luís Roberto Barroso, os direitos humanos são “uma combinação de conquistas históricas, valores morais e razão pública que, fundados na dignidade da pessoa humana, visam a proteção e ao desenvolvimento das pessoas5.

O presente trabalho não pretende exaurir o conceito, amplitude e características dos Direitos Humanos, porém sua análise é essencial para o desenvolvimento do tema proposto, uma vez que o conceito de proteção do ser humano, por intermédio de um conjunto de normas internacionais, é essencial para compreensão do conceito dos Direitos Fundamentais, bem como o estudo de sua aplicação e modo de restrições do seu exercício.

3. Direitos Fundamentais

Sendo os Direitos Humanos um conjunto de normas internacionais, convencionados entre Estados soberanos, aptas a garantir vida digna à pessoa, os Direitos Fundamentais são a incorporação dessas normas no ordenamento jurídico interno, por intermédio de previsão expressa ou implícita na Constituição Federal6.

Apesar das diferenças terminológicas e de fontes normativas, não é demasiado ressaltar que ambos os institutos têm a finalidade de proteger e garantir vida digna da pessoa, conforme se observa da Constituição Federal de 1988, bem como dos Tratados e Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos. 

Diante da similaridade entre os institutos, Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Matidiero, ressaltam que o processo de harmonização das normas internacionais com a Constituição Federal, constituem um verdadeiro direito constitucional internacional7.

3.1 Características dos Direitos Fundamentais

A Constituição Federal de 1988, conhecida popularmente como Constituição Cidadã, contém amplo catálogo de Direitos Fundamentais, em seu Título II, artigos 5º ao 17, inobstante o reconhecimento de outros decorrentes das regras previstas ao longo do texto constitucional, ou dos Tratados Internacionais que o Brasil seja parte. 

Essencialmente, a Constituição Federal apresenta um rol extensivo e não exauriente de direitos fundamentais, todos direcionados para proteger o cidadão, proporcionando um conjunto de princípios que formam a base legal da sociedade.

Em apertada síntese, os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal são constituídos por um conjunto de regras e princípios que limitam o poder punitivo estatal. Além desses, existem ainda direitos fundamentais que impõe medidas proativas ao Estado, com o propósito de garantir que os direitos previstos no texto constitucional sejam usufruídos pelo cidadão, com a promoção de igualdade e justiça social, bem como proteção das liberdades individuais.

3.2 Eficácia e aplicação dos Direitos Fundamentais

No que tange a eficácia e sua aplicação, as inúmeras garantias do cidadão previstas no texto constitucional, limitadoras do poder punitivo estatal, são direitos imediatamente exigíveis. Nesse ponto, destaca-se que não há necessidade de ato normativo para regulamentar os direitos e garantias fundamentais do cidadão, sendo, inclusive, vedado suprimir garantia constitucional, tratando-se de cláusula pétrea8.

Insta ressaltar, ainda, que qualquer violação a direito e garantia fundamental do cidadão deve ser dirimida perante o Poder Judiciário, reforçando o caráter normativo dos princípios e regras presentes na Constituição Federal, com eficácia plena e de aplicação imediata9.

3.3 Influência dos Direitos Fundamentais no Direito Penal.

Os Direitos fundamentais exercem dupla função com relação o Direito Penal10, pois servem de limites para o exercício do poder punitivo estatal, incluindo a atividade legislativa, julgadora e exercida pelos órgãos de segurança pública, mas também fundamentam o exercício do poder punitivo estatal, como forma de proteção e tutela dos bens jurídicos condizentes com os valores constitucionais, com aplicação de sanções penais adequadas e eficazes.

Desse modo, a Constituição Federal, em especial os direitos e garantias fundamentais, têm o importante papel de moldar o perfil do Direito Penal, uma vez que impõe ordem de valores que devem ser protegidas com mais vigor, bem como descrevem liberdades individuais que não necessitam de intervenção penal. 

Nesse ponto, em razão da influência exercida pelos direitos fundamentais no sistema punitivo estatal, conforme dispõe Antônio Carlos da Ponte11, o Direito Penal busca proteger, através de suas sanções, os bens jurídicos que refletem os modelos de Estado e suas opções ideológicas, morais, éticas e estruturais, sendo essas opções contidas nos princípios e valores constitucionais.

Caminhando na mesma linha de intelecção, Luís Roberto Barroso12 destaca que o Direito Penal existe para proteger e tutelar valores sociais e bens jurídicos relevantes, dentre eles a vida, a propriedade privada, a dignidade sexual e o patrimônio público, bem como assegurar direitos dos acusados de crimes, entre esses direitos, a presunção da inocência e o devido processo legal.

Destarte, o Direito Penal tem como primordial função a tutela de bens jurídicos com relevância social, que na visão de Maria Luiza Schafer Streck13 são valores constitucionais ligados explícita ou implicitamente a direitos fundamentais. Assim, a legitimação do poder punitivo estatal, através da restrição de liberdade do infrator, tem como fundamento o próprio dever de proteção dos direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais têm a função de evitar abusos legislativos, bem como servem de fundamento para a seleção de condutas que merecem atuação proporcional do poder punitivo estatal. Conforme ensinamento de Márcia Dometila Lima14, exige-se funcionalidade do Direito Penal, pois os bens jurídicos tutelados devem guardar, como parâmetro, os valores contidos na Constituição Federal.  

Os direitos fundamentais expressam os valores de determinada comunidade, de modo que sua eficácia não pode ser valorada em um plano essencialmente individualista, mas sim, conforme pontuado por Ingo Wolfgang Sarlet, revela o interesse de toda comunidade15.

Desse modo, os direitos fundamentais não só limitam o exercício do poder punitivo estatal, mas são fundamentos para a criação de tipos penais que visam proteger bens jurídicos constitucionalmente definidos, de modo que o alcance e o conteúdo dos direitos fundamentais guardam conexão com o interesse de toda a comunidade, o que justifica restrições de liberdades individuais.

3.4 Princípio da Proporcionalidade.

O equilíbrio necessário para se observar o duplo papel dos direitos fundamentais, entre os limites para o poder punitivo estatal e dever de proteção dos bens jurídicos indicados na Constituição Federal, exige análise do princípio da proporcionalidade. 

O exercício do dever de punição exercido pelo Estado, por vezes, pode limitar ou restringir garantias fundamentais dos investigados. Por exemplo, a restrição da liberdade na aplicação da pena, a aplicação imediata na pena nas condenações proferidas pelo Tribunal do Júri, a invasão do domicílio sem ordem judicial no caso de flagrante delito, dentre outras possibilidades. 

Desse modo o princípio da proporcionalidade é o parâmetro adequado para orientar a atuação estatal no que tange às restrições e limitações dos direitos fundamentais no exercício do direito de punir estatal, de modo a não tornar a ação estatal excessivamente rigorosa, bem como a não se tornar uma proteção penal insuficiência16.

Conforme delimitado por Valério de Oliveira Mazzuoli e Antônio Sérgio Cordeiro Piedade17, o princípio da proporcionalidade, em matéria penal, deve ser observado para se evitar excesso e tutela penal insuficiente, ou seja, não coaduna com o sistema de proteção, medidas extremamente gravosas, bem como tutela penal subdimensionada.

4. Direito Fundamental à inviolabilidade do domicílio.

A inviolabilidade do domicílio é um direito e garantia fundamental do cidadão, previsto na Constituição Federal, em seu artigo 5º, XI, com o seguinte texto: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito, desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”18,19.

Por sua vez, a Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, em seu art. 11, 2, estabelece que: “Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação20

O direito fundamental em análise visa proteger e tutelar a vida privada do cidadão, no intuito garantir o pleno desenvolvimento da pessoa ou núcleo familiar que habita o domicílio, sem qualquer tipo de interferência externa. Destarte, o referido direito fundamental21 é base fundamental para outros direitos e garantias fundamentais, tais como a inadmissibilidade de obtenção de provas ilícitas, o livre exercício e à privacidade das atividades profissionais.

4.1 Conceito de domicílio

O domicílio considerado como local de moradia de uma pessoa é o bem jurídico tutelado pela norma fundamental. Porém, tal expressa necessita ser melhor analisada, a fim de delimitar os locais abrangidos no âmbito de proteção da garantia constitucional, uma vez que existem conceitos diferentes nas fontes normativas que tratam sobre o tema. 

Preliminarmente, urge destacar que a Constituição Federal utilizou a terminologia casa como local a ser considerado como inviolável, por sua vez a Convenção Americana de Direitos Humanos utilizou a palavra domicílio para definir o âmbito de proteção da norma.

Nesses termos, tem-se que as terminologias devem ser consideradas como equivalentes, pois apesar de algumas variações conceituais, seus alcances e significados devem ser realizados de maneira mais ampla possível22, sem nenhuma relação com o conceito de propriedade contido no Código Civil.

Caminhando na mesma linha de intelecção, Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Branco ensinam que o conceito de domicílio é “todo lugar privativo, ocupado por alguém, com direito próprio e de maneira exclusiva, mesmo sem caráter definitivo e habitual. O conceito constitucional de domicílio é, assim, mais amplo do que aquele do direito civil”.23

Não é demasiado lembrar que o direito à inviolabilidade ao domicílio não está intimamente ligado ao direito à propriedade, mas sim a garantia fundamental à privacidade, o que torna essencial o tratamento expansivo do conceito de casa e domicílio, de modo que a garantia constitucional alcança todo espaço que o indivíduo ou o núcleo familiar utiliza de forma exclusiva, para fins de residência ou profissional, de forma duradoura ou temporária, exclusiva ou em habitação coletiva24

O conceito de domicílio abrange qualquer tipo de espaço destinado para o exercício de atividades pessoais, seja de atividade privada ou profissional, desde que o local seja para o uso exclusivo, estando abrangidos quarto de hotel, trailer, barco ou um quarto de habitação coletiva25.

4.2 Destinatários do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio

Os destinatários do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio são, basicamente, as pessoas físicas ou um grupo de pessoas, naturais e estrangeiras, que ocupam uma área delimitada de espaço, urbano ou rural, de forma transitória ou permanente, para o pleno desenvolvimento das suas atividades privadas ou profissionais. 

Com relação a titularidade do direito fundamental, as unidades habitacionais ocupadas por agrupamento de pessoas, sendo essas consideradas como um núcleo familiar ou não, são destinatárias da garantia fundamental, estende-se a todos os membros da família ou moradores da residência, inclusive com aptidão para autorizar a entrada de particulares ou agentes estatais, desde que maiores e capazes. 

No caso de divergência dos titulares do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio acerca da autorização para ingresso na residência, deve-se interpretar o caso concreto, de modo a priorizar a decisão de proibição de entrada ou da permanência no domicílio26, inexistindo a possibilidade de que a decisão seja proferida pelo ‘chefe’ da casa, ou qualquer outro tipo de interpretação que ofenda o princípio da igualdade. Nesses termos, dispõe o artigo 226, § 5º da Constituição Federal de 1988 que: “os direitos e deveres da sociedade conjugal são exercidos igualmente entre homens e mulheres.”27

A pessoa jurídica também é destinatária do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, sendo imperioso destacar que seu alcance se dá apenas aos espaços físicos necessários para o desenvolvimento das suas atividades privativas, não abrangendo locais destinados ao público em geral.28

Feitas as considerações acerca do conceito, abrangência e titulares do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, imperioso descrever suas restrições contidas no próprio texto constitucional.

5. Limitação e restrição ao direito fundamental à inviolabilidade do domicílio.

O artigo 5º, XI, tratou da inviolabilidade do domicílio e suas restrições, vejamos:

“Art. 5º.
XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;”

A lei fundamental, além do prévio consentimento do morador, excepcionou o direito à inviolabilidade do domicílio em quatro situações: a) flagrante delito; b) desastre; c) prestar socorro; d) durante o dia, por determinação judicial.

O próprio texto constitucional indicou exceções para exercício do direito fundamental da inviolabilidade do domicílio, no intuito de garantir a vida e incolumidade física do titular do direito fundamental, nos casos de desastre e prestação de socorro, bem como para promover segurança pública e evitar que o domicílio seja local destinado à prática e ocultação de crimes, sendo permitido o ingresso nos casos de flagrante delito e por determinação judicial. 

A entrada no domicílio no caso de desastre, sem o consentimento do morador, é permitida em acontecimentos calamitosos, por exemplo no caso de inundação, deslizamento de terras e incêndio. Nesses casos, é permitida a entrada no domicílio sem o consentimento do morador, tanto para salvar a vida de quem se encontra no recinto protegido pela norma fundamental, quanto para o ingresso na casa alheia para se salvar de algum perigo.29

No caso da prestação de socorro, tal autorização para ingresso no domicílio, sem consentimento da titular do direito fundamental, não está ligada a calamidades, mas a uma condição extraordinária em que o ingresso é imprescindível para salvar a vida ou garantir a integridade física de uma pessoa. Nesse ponto, verifica-se a necessidade de observar a excepcionalidade da medida, consubstanciada na impossibilidade física e jurídica para solicitar autorização do morador ou uma ordem judicial.

5.1 Inviolabilidade do Domicílio e reserva de jurisdição.

Nos casos ligados a segurança pública, a Constituição Federal delimita que, via de regra, o ingresso forçado em domicílio deve ser precedido de ordem judicial, tratando-se de questão afeta a reserva de jurisdição, tendo em vista que nenhuma outra autoridade ligada ao Poder Executivo, Legislativo ou do Ministério Público pode autorizar a restrição ao direito à inviolabilidade do domicílio.

Destarte, o próprio texto constitucional traçou contornos para prolação da ordem judicial, bem como o Código de Processo Penal elencou procedimento adequado para ingresso em residência.  

A Constituição Federal estabelece que o ingresso em domicílio, sem o consentimento do morador, pode ser realizado por intermédio de ordem judicial, durante o dia. Com efeito, inobstante divergência doutrinária acerca do tema, o critério da luminosidade e do pôr do sol confere maior controle e segurança do procedimento de busca e apreensão domiciliar. 

Insta ressaltar, ainda, a necessidade da adequada fundamentação da ordem judicial que autoriza o ingresso na residência, sem o consentimento do morador, em razão da regra constitucional inscrita no artigo 93, IX, sob pena de nulidade da decisão em si, bem como a impossibilidade de utilização de provas decorrentes das apreensões feitas no cumprimento do mandado judicial.30

O Código de Processo Penal estabelece procedimentos e restrições aplicadas aos mandados judiciais para ingresso em residência sem o consentimento do morador, de modo evitar excessos no cumprimento das ordens judiciais. O artigo 245 do Código de Processo Penal estipula que as buscas domiciliares serão realizadas de dia e os executores da ordem lerão o mandado ao morador. Em seguida, o morador será intimado a apresentar o objeto ou a coisa que a autoridade procura durante o ato. Os dispositivos legais determinam que encontrado o objeto, a autoridade policial procederá com sua apreensão e posterior lavratura de auto circunstanciado. 

O procedimento previsto na legislação penal tem o propósito de resguardar a intimidade da pessoa ou núcleo familiar objeto da busca e apreensão domiciliar, com a determinação de apreensão pela autoridade policial de objetos previamente indicados, sendo, de fato, importantes para uma investigação criminal ou para obstar a perpetuação de delitos.  

Com efeito, o Código de Processo Penal ainda determina que sejam aplicadas essas regras no caso de buscas em compartimento habitado, em habitações coletivas ou em compartimento não aberto ao público. Nesse caso, a ordem de busca e apreensão domiciliar deve ser direcionada a casas delimitadas, sendo defeso autorização genérica para número indeterminado de domicílios.

De mais a mais, o ingresso em domicílio sem o consentimento do morador deve ser realizado de modo a causar o menor prejuízo possível ao titular do direito fundamental, sendo que as violações traçadas pelo texto constitucional e pelo Código de Processo Penal são capazes de ensejar nulidade do ato e, consequentemente, a impossibilidade de utilização como meio de prova dos objetos apreendidos, conforme bem destacado por Ingo Sarlet e Jayme Weingartner.31

5.2 Inviolabilidade de domicílio e flagrante delito.

A Constituição Federal ainda autoriza o ingresso em residência no caso de flagrante delito, ainda que seja no período noturno, sem ordem judicial e autorização do morador da residência. 

Destarte, mister se faz esclarecer o que é flagrante delito, a fim de delimitar quais são as possibilidades de ingresso na residência nos termos acima indicados. O Código de Processo Penal, em seu artigo 30232, considera-se em flagrante delito quem está cometendo uma infração penal, acaba de cometê-la, é perseguido e encontrado logo após e/ou logo depois de cometer a infração.

Diante dessas situações, qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão ingressar no domicílio, ainda que sem ordem judicial e autorização do morador, a fim de efetuar a prisão em flagrante, conforme dispõe artigo 301 do Código de Processo Penal.33 

Esclarecidas as hipóteses de flagrante delito, em apertada síntese, sendo desnecessária a análise pormenorizada de cada uma, pois não é objeto do presente trabalho, urge analisar o caso da prisão em flagrante do crime de tráfico de drogas, em razão de divergência jurisprudencial entre o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, acerca do tema.

6. Supremo Tribunal Federal e a prisão em flagrante nos crimes de tráfico de drogas. 

O crime de tráfico de drogas é considerado pela doutrina como crime de ação múltipla ou de conteúdo variado, com vários verbos nucleares do tipo penal, sendo que alguns deles são tidos como crimes permanentes, pois a consumação se perfaz com uma única conduta, embora sua antijuridicidade se prolongue no tempo34

Dessa forma, guardar, manter em depósito e trazer consigo drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar35, constitui crime permanente. 

O Código de Processo Penal estabelece que nos crimes permanentes o agente infrator está em flagrante delito enquanto não cessar a permanência, essa particularidade no crime de tráfico de drogas autoriza ao agente de segurança pública a ingressar no domicílio, sem prévia autorização do morador, bem como sem ordem judicial, mesmo no período noturno, conforme se percebe do que dispõe inciso XI, do artigo 5º da Constituição Federal.  

A despeito da interpretação gramatical da Constituição Federal e Código de Processo Penal, a posterior apreensão de drogas no interior de uma residência, por si só, não justifica o ingresso sem o consentimento do morador. 

Desse modo, o ingresso em residência para procurar drogas não pode ser realizado de maneira aleatória, pois assim a atividade estatal se torna arbitrária e tende a ofender direitos fundamentais de pessoas que não cometeram crimes e tiveram sua privacidade violada. 

A convenção Americana de direitos Humanos, artigo 11.2, diz que ninguém pode ser objeto de ingerência arbitrária em seu domicílio.37 Nesse ponto, a Kledson Dionísio de Oliveira38 ressalta que a sistemática da Constituição Federal conferiu às fontes internacionais de direitos humanos máxima efetividade e fonte normativa interna, devendo ser observadas e aplicadas imediatamente pelos órgãos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Sobre o tema, Aury Lopes Júnior39 entende que para se evitar arbitrariedades, a busca e apreensão, sem ordem judicial, no caso de flagrante delito nos crimes de tráfico de drogas, é preciso que o flagrante seja visualizado ex ante ao ato de invasão do domicílio, pois situações imaginadas pela polícia, mesmo com posterior apreensão das drogas, tornam o flagrante nulo bem como a apreensão de todo o material ilícito.

Na mesma linha de intelecção, Ingo Wolfgang Sarlet e Jayme Weingartner40, com o intuito de possibilitar controle posterior do Poder Judiciário acerca da licitude da invasão do domicílio no caso de flagrante delito de tráfico de drogas, obtemperam que a situação de flagrante deve ser perceptível, do ponto de vista dos policiais, ex ante o ato de busca e apreensão em si, independentemente do êxito na apreensão de entorpecente no local, sob pena de tornar toda a ação policial eivada de ilicitude.

Nesses termos, a busca e apreensão no caso de flagrante delito relacionada ao crime de tráfico de drogas pode ser realizada sem ordem judicial, bem como a autorização do morador, desde que a ação policial esteja amparada por fatos que levem aos agentes estatais a acreditarem que dentro do imóvel exista entorpecentes, a fim de evitar buscas aleatórias e sem dados concretos sobre a prática do crime. 

Diante da necessidade de otimizar o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, sem, contudo, obstar o direito fundamental da sociedade à segurança pública, o Supremo Tribunal Federal, na análise do Recurso Extraordinário 603.616/RO41, de relatoria do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, estabeleceu a tese 280 nos seguintes termos: 

A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados.”

Após o julgamento efetuado pelo Supremo Tribunal Federal, foram estabelecidas condições objetivas para entrada forçada em domicílio, com intuito de possibilitar ao Poder Judiciário a licitude do ato estatal, sendo permitido aos agentes de segurança pública o ingresso em residência sem ordem judicial, apenas quando existentes fundadas razões para violação do direito fundamental. 

O padrão probatório que autoriza a ingresso da residência sem autorização é o mesmo utilizado para o deferimento de medida judicial de busca e apreensão judicial, previsto no artigo 240, § 1º, do Código de Processo Penal, porém, no caso de flagrante delito, em razão da dinâmica dessa modalidade de prisão, bem como da alta probabilidade de inviabilizá-la, não existe tempo hábil para provocação do Poder Judiciário42:

Em consequência, resta fortalecer o controle a posteriori, exigindo dos policiais a demonstração de que a medida foi adotada mediante justa causa. Ou seja, que havia elementos para caracterizar a suspeita de que uma situação que autoriza o ingresso forçado em domicílio estava presente. O modelo probatório é o mesmo da busca e apreensão domiciliar – fundadas razões, art. 240, §1º, do CPP. Trata-se de exigência modesta, compatível com a fase de obtenção de provas. É amplo o leque de elementos que podem ser utilizados para satisfazer o requisito.”

De mais a mais, o Supremo Tribunal Federal, com a fixação do tema 280, delimitou os casos em que é autorizado o ingresso em residência para efetuar prisão em flagrante, uma vez que tal assertiva preserva o mínimo essencial do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, bem como autoriza o ingresso em residência, sem autorização do morador, no caso de flagrante delito, desde que presentes razões para tanto, o que pode ser analisada posteriormente pelo Poder Judiciário. 

Restou claro na decisão do Supremo Tribunal Federal que os direitos e garantias fundamentais podem sofrer restrições quando colidentes com outro direito fundamental, desde que não ocorra a neutralização da garantia fundamental restringida. 

Robert Alexy, ao descrever o caráter principiológico dos direitos fundamentais, destaca que no caso de colisão entre garantias fundamentais, inevitavelmente um deles será restringida, porém com limites a serem observados, para que não ocorra a neutralização de apenas uma, sendo, portanto, necessária a tentativa de máxima aplicação de ambas as garantias em conflito.

Da natureza principiológica das normas de direitos fundamentais decorriam não apenas a restrição e a restringibilidade dos direitos fundamentais em face dos princípios colidentes, mas também que sua restrição e sua restringibilidade têm limites. Uma restrição a um direito fundamental somente é admissível se, no caso concreto, aos princípios colidentes for atribuído um peso maior que aquele atribuído ao princípio de direito fundamental em questão. Por isso, é possível afirmar que os direitos fundamentais, enquanto tais, são a própria restrição à sua restrição e restringibilidade.”43

Ainda sobre o caráter principiológico dos direitos fundamentais, Robert Alexy44 bem observa que as normas se dividem entre regras e princípios, de modo que por constituírem em mandamentos de otimização, os princípios devem ser aplicados em graus variados, conforme as possibilidades fáticas e também jurídicas, porém, no que tange as regras, são sempre aplicadas na sua integralidade ou não, podendo sofrer restrições com uma cláusula de exceção ou uma declaração de invalidade.

A fixação do tema 280 no Supremo Tribunal Federal tratou o princípio constitucional da garantia à intimidade e da vida privada, na forma da proteção à inviolabilidade do domicílio, de modo a otimizar todo o sistema de proteção do cidadão em face do poder punitivo estatal e, ao mesmo tempo, possibilitou que Estado promova segurança pública com a prisão em flagrante delito nos crimes de tráfico de drogas, desde que existam fundadas razões para medida estatal, a ser verificada sua legitimidade pelo poder judiciário. 

7. O Superior Tribunal de Justiça e a prisão em flagrante nos crimes de tráfico de drogas.

Apesar das diretrizes indicadas pela Corte Constitucional, o Superior Tribunal de Justiça, em reiteradas decisões concedidas em Habeas Corpus, algumas delas monocraticamente, inclui requisitos inexistentes na Constituição Federal, Código de Processo Penal e nas diretrizes traçadas no tema 280 fixadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Urge destacar, dentre as decisões do Superior Tribunal de Justiça, o julgamento do Habeas Corpus 598051/SP45, em que o Tribunal de Cidadania exige o registro audiovisual da diligência de busca e apreensão, estabelecendo, inclusive, prazo de 01 ano para permitir o aparelhamento das polícias e respectivo treinamento, decisão posteriormente anulada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 1.342.077/SP.46

Apesar da notoriedade de operações policiais, destaca-se o julgamento do Habeas Corpus 596.705/SP, em que o Superior Tribunal de Justiça anula apreensão de drogas, em razão de ausência de prévia investigação feita pela autoridade policial, sendo que a decisão proferida pela Superior Tribunal de Justiça também foi cassada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 1.447.939 /SP47

Em razão do conteúdo das decisões do Superior Tribunal de Justiça, aliada as reformas realizadas pelo Supremo Tribunal Federal, verifica-se o aumento da insegurança jurídica, principalmente no que tange aos procedimentos adotados pelas forças de segurança pública, quando do ingresso em domicílio para efetuar prisões em flagrante delito, principalmente no caso de tráfico de drogas.

Além de insegurança jurídica, percebe-se, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça não observa os princípios e regras constitucionais que determinam a efetivação de punições com maior rigor nos crimes de tráfico de drogas.

Os mandados constitucionais48 de criminalização estão presentes no texto constitucional de maneira explícita ou implícita, de modo que determinados bens jurídicos merecem especial atenção dos poderes constituídos do Estado, a fim de que sejam tutelados pelo direito penal. Nesse aspecto, o artigo 5º, XLIII, dispõe que a lei considerará crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia a prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.  

Ademais, o constituinte de 1988 descreveu a segurança pública como um dos direitos sociais a ser tutelado e garantido pelo Estado49, sendo o tráfico de drogas, notadamente, responsável direto pela disseminação de outros crimes na sociedade. 

Destarte, o Poder Judiciário não pode impor barreiras intransponíveis para que os órgãos de segurança pública possam desenvolver seu mister constitucional de combater o crime e efetuar prisão em flagrante delito, principalmente daqueles que utilizam suas residências para prática do tráfico de drogas. A insegurança jurídica gerada pelas inovações trazidas pelo Superior Tribunal de Justiça, como vimos em linhas pretéritas, ensejam falta de efetividade nas ações policiais e, consequentemente, ausência de cumprimento dos mandamentos constitucionais que tratam sobre o tema.

8. Conclusão

Os limites para o ingresso em residência, sem autorização do morador, para prisão em flagrante nos casos de tráfico de drogas, devem guardar os contornos estipulados pelo Supremo Tribunal Federal no que tange a presença de elementos fáticos que indiquem fundadas razões de que, no interior do imóvel, exista drogas a possibilitar a prisão em flagrante delito. 

A fundada razão não está ligada a um juízo de certeza ou de cognição exauriente, como pretende o Superior Tribunal de Justiça com a exigência de investigação prévia ou filmagem do ato policial, bastando a presença de indícios de provas para justificação do ingresso, para posterior análise do Poder Judiciário, evitando-se buscas aleatórias e sem nenhuma justificativa.  

As decisões que exigem dos órgãos de segurança pública ações que extrapolam o que foi decido no tema 280 da repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, além de causar insegurança jurídica, não observam o sistema de proteção fixado na Constituição Federal que obriga o Estado a promover segurança pública e efetivar punições penais nos casos do crime de tráfico de drogas.

O Estado Brasileiro tem o dever de respeitar os direitos e garantias constitucionais do cidadão, porém tais direitos não podem se tornar barreiras para que o Estado também cumpra seu papel constitucional de promover segurança pública50 e sancionar de forma proporcional e racional os crimes que ofendem bens jurídicos elencados explicitamente ou implicitamente na Constituição e Tratados Internacionais de Direitos Humanos.


2A proteção da dignidade humana, elemento central no conceito de direitos humanos, visa a garantir que todos os indivíduos tenham uma vida livre de arbitrariedade e violência. Piovesan, Flávia; Cruz, Julia Cunha. Curso de Direitos Humanos: Sistema Interamericano (Portuguese Edition) (p. 19). Forense. Edição do Kindle.

3Entendo o Direito Internacional dos Direitos Humanos como o corpus juris de salvaguarda do ser humano, conformado, no plano substantivo, por normas, princípios e conceitos elaborados e definidos em tratados e convenções, e resoluções de organismos internacionais, consagrando direitos e garantias que têmpor propósito comum a proteção do ser humano em todas e quaisquer circunstâncias, sobretudo em suas relações com o poder público. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Desafios e conquistas do direito internacional dos direitos humanos no início do século XXI. In: MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de (Org.). Desafios do direito internacional contemporâneo. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2007.pg 412

4São direitos indispensáveis a uma vida digna e que, por isso, estabelecem um nível protetivo (standard) mínimo que todos os Estados devem respeitar, sob pena de responsabilidade internacional. Assim, os direitos humanos são direitos que garantem às pessoas sujeitas à jurisdição de um dado Estado meios de vindicação de seus direitos, para além do plano interno, nas instâncias internacionais de proteção (v.g., em nosso entorno geográfico, perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que poderá submeter a questão à Corte Interamericana de Direitos Humanos). Mazzuoli, Valerio de Oliveira. Curso de Direitos Humanos (p. 32). Edição do Kindle.

5Aqui é o momento de oportuno para uma nota terminológica. Direitos Humanos são uma combinação de conquistas históricas, valores morai e razão política que, fundados na dignidade da pessoa humana, visam à proteção e ao desenvolvimento das pessoas, em esferas que incluem a vida, as liberdades, a igualdade e a justiça. Barroso, Luís Roberto, Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo/ Luís Roberto Barroso.- 11ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2023.

6Os Direitos Fundamentais, por sua vez, são os Direitos Humanos incorporados ao ordenamento jurídico doméstico. Significam a positivação, pelo Estado, dos direitos morais das pessoas. Isto se dá por previsão expressa ou implícita no texto constitucional, ou no chamado bloco de constitucionalidade. Barroso, Luís Roberto, Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo/ Luís Roberto Barroso.- 11ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2023. Pg 523

7Reconhecer a diferença, contudo, não significa desconsiderar a íntima relação entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, uma vez que a maior parte das constituições do segundo pós-guerra se inspirou tanto na Declaração Universal de 1948 quanto nos diversos documentos internacionais e regionais que a sucederam, de tal sorte que – no que diz com o conteúdo das declarações internacionais e dos textos constitucionais – está ocorrendo um processo de aproximação e harmonização, rumo ao que já está sendo denominado (não exclusivamente – embora principalmente – no campo dos direitos humanos e fundamentais) um direito constitucional internacional. Sarlet, Ingo Wolfgang; Marinoni, Mitidiero, Luiz Guilherme; Daniel. Curso de Direito Constitucional – 13ª edição 2024 (Portuguese Edition) . SaraivaJur. Edição do Kindle.

8Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: V – os direitos e garantias individuais.

9No caso dos direitos fundamentais – salienta Juán María Bilbao –, nos encontramos normalmente com um denso espectro de garantias, tanto normativas como jurisdicionais, que tratam de preservar sua integridade frente a qualquer forma de agressão. Nessa perspectiva, e dentre outras garantais, a Constituição de 1988 estabelece, no art. 5º, § 1º, que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Duas características entronizam o sentido dessa aplicação imediata dos direitos fundamentais: a justiciabilidade e a aplicabilidade edireta, garantindo, aos direitos fundamentais, uma tutela judicial efetiva (art. 5º, inc. XXXV, da CF) FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal: garantismo, deveres de proteção, princípio da proporcionalidade. Jurisprudência constitucional penal, jurisprudência dos tribunais de direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008. Pg 38

10O texto constitucional de 1988 direciona o perfil do Direito Penal, na medida em que funciona como agente limitador à atividade legislativa, ao mesmo tempo em que fornece em seu texto diretrizes específicas sobre a necessidade de proteção especial de determinados bens e valores, assim denominados bens jurídicos. Essa assertiva e corolário lógico da dinâmica concebida pelo modelo tradicional de Justiça Penal detentor da dupla missão de respeitar os direitos fundamentais, mas também de protege-los. Moran, Fabiola. Ingerência penal e proteção integral à vítima. 1. ed. Belo Horizonte, São Paulo: D’Plácido. p. 55.

11O direito é integrado pelo ordenamento jurídico como um dado sistema jurídico, ao passo que compete à Ciência do Direito interpretá-lo muito além da descrição dos seus significados. (…) O Direito Penal como dogmático busca, por meio de sua aplicação, proteger determinados bens, interesses e valores considerados fundamentais para uma dada sociedade, dotada em seu cerne de opções ideológicas, morais, éticas e estruturais próprias de um determinado modelo de Estado. Isso só é possível graças a um sistema punitivo firmado em princípios. PONTE, Antônio Carlos da. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 3.

12O Direito Penal existe para a proteção de valores sociais e de bens jurídicos relevantes. Entre eles estão inclusos a vida, a integridade física, a integridade sexual, a propriedade privada, o patrimônio público e inúmeros outros. Cabe-lhe, também, assegurar os direitos fundamentais do acusado, que incluem, entre muitos, a presunção da inocência, o direito de não ser preso arbitrariamente e o devido processo legal. A lei penal define condutas que são vedadas e estabelece sanções para a violação das regras que institui. Barroso, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo/ Luís Roberto Barroso.- 11.ed. São Paulo: SaraivaJur, 2023, pg 671.

13Nunca é demais lembrar que a função do Direito é a de proteger bens jurídicos, que nada mais são do que valores e interesses de relevância constitucional ligados explícita ou implicitamente aos direitos e deveres fundamentais, e que a intervenção do poder punitivo se realizará para evitar comportamentos que neguem ou que violem tais valores. STRECK, Maria Luiza Shäfer. Direito penal e constituição: A face oculta da proteção dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 40.

14Há, na atualidade, uma exigência de funcionalidade para o Direito, a qual não pode permanecer estranho ao Direito Penal. E, com relação a essa funcionalidade do Direito Penal, cresce em importância a noção de bem jurídico. A formulação rigorosa de um elenco de bens jurídicos compatibilizados com a Constituição evitará o abuso do poder punitivo, em detrimento dos seus valores mais primordiais. A ordem dos bens jurídicos tuteláveis deve guardar, com parâmetro, a ordem dos valores constitucionais. Para isso, toma-se imprescindível a elaboração de um conceito material de delito, adequado à nova ordem constitucional. CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação constitucional do direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, p. 46.

15Como uma das implicações diretamente associada à dimensão axiológica da função objetiva dos direitos fundamentais, uma vez que decorrente da idéia de que estes incorporam e expressam determinados valores objetivos fundamentais da comunidade, está a constatação de que os direitos fundamentais (mesmo os clássicos direitos de liberdade) devem ter sua eficácia valorada não só sob um ângulo individualista, isto é, com base no ponto de vista da pessoa individual e da sua posição perante o Estado, mas também sob o ponto de vista da sociedade e da comunidade na sua totalidade, já que se cuidam de valores e fins que esta deve respeitar e concretizar. (p. 22). É neste sentido que se justifica a afirmação de que a perspectiva objetiva dos direitos fundamentais não só legitima restrições aos direitos subjetivos individuais com base no interesse comunitário prevalente, mas também e de certa forma, que contribui para a limitação do conteúdo e do alcance dos direitos fundamentais, ainda que deva sempre ficar preservado o núcleo essencial destes e desde de que estejamos atentos ao fato de que com isto não se está a legitimar uma funcionalização (e subordinação apriorística) dos direitos fundamentais em prol dos interesses da coletividade, aspecto que, por sua vez, guarda conexão com a discussão em torno da existência de um princípio da supremacia do interesse público que aqui não iremos desenvolver.  SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o Direito Penal e os Direitos fundamentais entre a proibição de excesso e de insuficiência. Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, vol. 47, p. 23.

16Essa hipótese corresponde às aplicações correntes do princípio da proporcionalidade como critério de controle de constitucionalidade das medidas restritivas de direitos fundamentais que, nesta perspectiva, atuam como direitos de defesa, no sentido de proibições de intervenção (portanto, de direitos subjetivos em sentido negativo, se assim preferirmos). O princípio da proporcionalidade atua, neste plano (o da proibição de excesso), como um dos principais limites às limitações dos direitos fundamentais, o que também já é de todos conhecido e dispensa, neste contexto, maior elucidação. Por outro lado, o Estado —também na esfera penal— poderá frustrar o seu dever de proteção, atuando de modo insuficiente (isto é, ficando aquém dos níveis mínimos de proteção constitucionalmente exigidos) ou mesmo deixando de atuar, hipótese, por sua vez, vinculada (pelo menos em parte) à problemática das omissões inconstitucionais. É neste sentido que — como contraponto à assim designada proibição de excesso — expressiva doutrina e, inclusive, jurisprudência tem admitido a existência daquilo que se convencionou batizar de proibição de insuficiência (no sentido de insuficiente implementação dos deveres de proteção do Estado e como tradução livre do alemão Untermassverbot). SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o Direito Penal e os Direitos fundamentais entre a proibição de excesso e de insuficiência. Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, vol. 47, p. 334.

17O princípio da proporcionalidade deve ser aplicado, conforme recomendado pela hermenêutica constitucional, tanto em sua face de proibição de excesso como no reverso na proibição de insuficiência. Nesse sentido, a proporcionalidade na conduta do Estado há de ser utilizada não apenas para impedir medidas gravosas e evitáveis, senão também para proibir uma proteção deficiente dos direitos humanos das vítimas. Em outras palavras, a proporcionalidade deve atuar tanto para evitar medidas gravosas e evitáveis por parte do Estado (proibição de excesso, Übermaßverbot) quanto para proibir a proteção subdimensionada (ou insuficiente, Untermaßverbot) dos órgãos do Estado que atuam na persecução penal. MAZZUOLI, Valério de Oliveira; PIEDADE, Antônio Sérgio Cordeiro. Punir como Standard de Direitos Humanos: Centralidade de Proteção das Vítimas no Direito Internacional dos Direitos Humanos e no Processo Penal Brasileiro. Revista dos Tribunais, [s.l], v. 1055, p. 135 – 160, set. 2023.

18https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

19

20https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm

21dá conta da importância da inviolabilidade do domicílio para a dignidade e o livre desenvolvimento da pessoa humana. Com efeito, a íntima conexão da garantia da inviolabilidade do domicílio com a esfera da vida privada e familiar lhe assegura um lugar de honra na esfera dos assim chamados direitos da integridade pessoal. Já por tal razão não é de surpreender que a proteção do domicílio foi, ainda que nem sempre da mesma forma e na amplitude atual, um dos primeiros direitos assegurados no plano das declarações de direitos e dos primeiros catálogos constitucionais. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 544-562, julho/dezembro de 2013. Pg 2

22Muito embora a Constituição Federal não tenha utilizado a expressão domicílio, substituindo-a por “casa”, os termos hão de ser tomados como equivalentes, pois a proteção do domicílio, em que pese alguma variação encontrada no direito comparado no que diz com sua amplitude e eventuais pressupostos para sua restrição, é tomada em sentido amplo e não guarda relação necessária com a propriedade, mas, sim, com a posse para efeitos de residência e, a depender das circunstâncias, até mesmo não de forma exclusiva para fins residenciais. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 544-562, julho/dezembro de 2013. Pg 3

23Mendes, Gilmar Ferreira, Curso de Direito Constitucional/Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 2 ed. rev. e atual- São Paulo: Saraiva, 2008. Pg 387

24a casa (domicílio) que constitui o objeto de proteção da garantia da inviolabilidade consagrada pelo art. 5.º, XI, da CF é todo aquele espaço (local) delimitado e separado que alguém ocupa com exclusividade, seja para fins de residência, seja para fins profissionais, de modo que mesmo um quarto de hotel, o escritório, qualquer dependência de casa mais ampla, desde que utilizada para fins pessoais (aposento de habitação coletiva), são considerados abrangidos pela proteção constitucional8. O caráter temporário e mesmo provisório da ocupação, desde que preservada a exclusividade no sentido de sua privacidade, não afasta a proteção constitucional, pois esta, como já frisado, busca em primeira linha assegurar o direito à vida privada. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 544-562, julho/dezembro de 2013. Pg5

25O lugar fechado em que o indivíduo exercer atividades pessoais está abrangido pelo conceito de domicílio. Esse lugar pode ser da residência da pessoa, independentemente de ser própria, alugada ou ocupada em comodato. É irrelevante que a moradia seja fixa na terra ou não. Da mesma sorte o dispositivo constitucional apanha um aposento de habitação coletiva. Mendes, Gilmar Ferreira, Curso de Direito Constitucional/Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 2 ed. rev. e atual- São Paulo: Saraiva, 2008. Pg 387

26Se os titulares da liberdade estiveram em igualdade de condições, como no caso do marido e mulher ou da república de estudantes, a divergência deve ser resolvida em favor da proibição ou permanência na casa. Mendes, Gilmar Ferreira, Curso de Direito Constitucional/Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 2 ed. rev. e atual- São Paulo: Saraiva, 2008. Pg 390

27https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

28No que toca às pessoas jurídicas, impõe-se um registro adicional.  Considerando que em primeira linha a proteção do domicílio busca assegurar o direito à privacidade, no caso das pessoas jurídicas a inviolabilidade alcança apenas os espaços físicos indispensáveis ao desenvolvimento das atividades essenciais da pessoa jurídica sem estar sujeita a intromissões de terceiros, portanto apenas os espaços físicos onde se situam os centros de direção da sociedade e onde são guardados documentos e outros bens que são afastados do conhecimento de outras pessoas físicas e jurídicas. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 544-562, julho/dezembro de 2013. Pg. 550

29Desastre tem o sentido de acometimento calamitoso, de que fazem exemplos a inundação, o deslizamento de terras e o incêndio. Trata-se de episódio que ameaça e põe em risco a saúde ou a vida de quem se encontra protegido no recinto protegido constitucionalmente. Nesses casos, o domicílio pode ser invadido para salvar quem sofre o perigo. Permite-se, também, o ingresso na casa alheia para que quem está de fora passa salvar-se de um desastre, como no evento em que o indivíduo rompe a parede de prédio contíguo para escapar de incêndio no seu próprio edifício. Mendes, Gilmar Ferreira, Curso de Direito Constitucional/Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 2 ed. rev. e atual- São Paulo: Saraiva, 2008Pg. 391

30Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)  https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

31Mas o próprio Poder Judiciário tem revelado preocupação quanto ao rigor procedimental que deve atender mesmo aos casos nos quais o ingresso domiciliar se dá com base em decisão judicial.  (…) Importante consequência resultante do desatendimento dos critérios estabelecidos pela Constituição Federal é que prova obtida em situação que configure violação do domicílio tem sido considerada como irremediavelmente contaminada e ilícita. Sarlet, Ingo Wolfgang e Neto, Jayme Weingartner. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 544-562, julho/dezembro de 2013.

32Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem: I – está cometendo a infração penal; II – acaba de cometê-la; III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm

33art. 301.  Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm

34Os delitos permanentes são os que se consumam com uma única conduta, embora a situação antijurídica gerada se prolongue no tempo até quando queira o agente. Exemplo disso é o sequestro ou cárcere privado. Com a ação de tirar a liberdade da vítima, o delito está consumado, embora, enquanto esteja esta em cativeiro, por vontade do agente, continue o delito em franca realização. Outros exemplos: extorsão mediante sequestro, porte ilegal de arma e de substância entorpecente. O crime permanente, como regra, realiza-se em duas fases: uma comissiva e outra omissiva, esta se seguindo à primeira, além de voltar-se contra bens imateriais, como a liberdade, a saúde pública, entre outros. Essas regras não são absolutas, comportando exceções. O delito permanente admite prisão em flagrante enquanto não cessar a sua realização, além de não ser contada a prescrição até que finde a permanência. NUCCI, Guilherme de S. Manual de Direito Penal. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559642830. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559642830/. Acesso em: 11 out. 2023.a pg 118

35Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm

36Art. 303.  Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm

37https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm

38Da sistemática de tratamento privilegiado conferida pala Constituição Federal brasileira às fontes internacionais de direitos humanos (art. 5º, § § 1º, 2º e 3º, da CF) e extrai-se a diretriz da máxima efetividade desses direitos e da pronta inclusão dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil como fonte de sua ordem normativa interna, desenvolvendo-se, assim, o fenômeno da internacionalização do direito por meio dos direitos humanos. Oliveira, Kledson Dionysio de Processo penal convencional e fundamentos das obrigações positivas do Estado em matéria penal/ Kledson Dionysio de Oliveira.- 1ed.- Belo Horizonte, São Paulo: D’Plácido, 2022. Pg 151

39No mesmo sentido é precisa a lição de MORAIS DA ROSA de que “de fato, o art. 303 do CPP autoriza a prisão em flagrante nos crimes permanentes enquanto não cessada a permanência. Entretanto, a permanência deve ser anterior à violação de direitos. Dito diretamente: deve ser posta e não pressuposta/imaginada. Não basta, por exemplo, que o agente estatal afirme ter recebido uma ligação anônima, sem que indique quem fez a denúncia, nem mesmo o número de telefone, dizendo que havia chegado droga, na casa “x”, bem como que “acharam” que havia droga porque era um traficante conhecido, muito menos que pelo comportamento do agente “parecia” que havia droga. É preciso que o flagrante esteja visualizado ex ante. Inexiste flagrante permanente imaginado595. Assim é que a atuação policial será abusiva e inconstitucional, por violação do domicílio do agente, quando movida pelo imaginário, mesmo confirmado poste­riormente. A materialidade estará contaminada pela árvore dos frutos envenenados” JR., Aury L. Direito processual penal. [Digite o Local da Editora]: Editora Saraiva, 2023. E-book. ISBN 9786553626355. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553626355/. Acesso em: 11 out. 2023.

40Sempre, contudo, que os elementos presentes nos autos não forem suficientes para comprovar a ocorrência de situação de flagrante perceptível do ponto de vista dos policiais, que se encontravam fora da residência do réu, então a conclusão só pode ser pela ilicitude da prova material eventualmente colhida. Reiteramos que o respectivo juízo cognitivo, para ser racional e controlável, só pode aceitar-se ex ante. Tampouco se cogita da licitude da diligência policial para realizar busca domiciliar, nos termos do artigo 240, § 1º, “a”, do Código de Processo Penal37, pois teria que ser previamente determinado pelo juiz. INGO WOLFGANG SARLET / JAYME WEINGARTNER NETO INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO E SEUS LIMITES: O CASO DO FLAGRANTE DELITO Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 544-562, julho/dezembro de 2013. Pg 13

41Recurso Extraordinário 603.616/RO, de relatoria do Ministro Gilmar Ferreira Mendes.

42Recurso Extraordinário 603.616/RO, de relatoria do Ministro Gilmar Ferreira Mendes.

43Alexy, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. Ed. São Paulo: Malheiros , 2017. P. 295-296.

44O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes. Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é urna distinção qualitativa, e não urna distinção de grau. Toda norma é ou urna regra ou um princípio. Pg 90-91

45https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202001762449&dt_publicacao=15/03/2021

46https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE1342077.pdf

47https://www.mpf.mp.br/pgr/arquivos/2023/re-1-447-939_carmen-lucia_ingresso-policial-2.pdf

48mandado constitucional a norma impositiva veicula uma obrigação de legislar em proteção de um bem jurídico-penal (…) diferença do mandado constitucional, o mandado legal em matéria penal tem como destinatários diretos os próprios particulares (cidadãos), que agora se vêem obrigados em face de um dever não apenas genérico, mas também específico de sujeição à lei (…) O mandado constitucional não define a conduta incriminada, menos ainda estabelece-lhe sanção, mas tão-somente, e de forma nem sempre específica, a conduta por incriminar. Daí por que centra-se, a princípio. em uma obrigação de caráter positivo dirigida ao legislador, para que edifique a norma incriminadora, ou, quando esta já existe, em uma obrigação negativa, no sentido de que se lhe é vedado retirar, pela via legislativa, a proteção já existente. O mandado legal (penal), a seu turno, traz consigo a definição da conduta incriminada e sua respectiva sanção, projetando uma obrigação negativa dirigida aos particulares como potenciais lesionadores da ordem jurídico-penal FELDENS, Luciano. A constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle das normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005 pg 75

49Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

50É neste sentido que se justifica a afirmação de que a perspectiva objetiva dos direitos fundamentais não só legitima restrições aos direitos subjetivos individuais com base no interesse comunitário prevalente, mas também e de certa forma, que contribui para a limitação do conteúdo  do alcance dos direitos fundamentais, ainda que deva sempre ficar preservado o núcleo essencial destes e desde que estejamos atentos ao fato de que com isto não se está a legitimar uma funcionalização (e subordinação apriorística) dos direitos fundamentais em prol dos interesses da coletividade, aspecto que, por sua vez, guarda conexão com a discussão em torno da existência de um princípio da supremacia do interesse público que aqui não iremos desenvolver SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o Direito Penal e os Direitos fundamentais entre a proibição de excesso e de insuficiência. Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, vol. 47, p.23

Referências 

  1. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2017.
  2. FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal: garantismo, deveres de proteção, princípio da proporcionalidade. Jurisprudência constitucional penal, jurisprudência dos tribunais de direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008.
  3. FELDENS, Luciano. A constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle das normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
  4. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.
  5. SARLET, Ingo Wolfgang; WEINGARTNER NETO, Jayme. Inviolabilidade do Domicílio e seus limites: o caso do flagrante delito. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 544-562, jul./dez. 2013.
  6. OLIVEIRA, Kledson Dionysio de. Processo penal convencional e fundamentos das obrigações positivas do Estado em matéria penal. 1. ed. Belo Horizonte; São Paulo: D’Plácido, 2022.
  7. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 11 jun. 2024.
  8. BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm. Acesso em: 11 jun. 2024.
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1Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. Pós-graduado em Direito Penal pela Universidade de Rio Verde. Promotor de Justiça do Estado de Mato Grosso. E-mail: rodrigoribeirodomingues@gmail.com