REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7806774
Moises Ferreira Freire1
Alessandra Caroline Bataglia2
Amanda Rates Pereira3
Carlos Roberto Sales4
Diana Dalmolim Cadore5
Gabriely Gomes de Corduva6
Lucas Nazario de Oliveira7
Suzana Mioranza Bif8
Tiago Pereira de Albuquerque9
Viviane Moresco Sanvido Ribeiro10
RESUMO
As endocrinopatias são doenças que afetam o sistema endócrino e, frequentemente, apresentam manifestações cutâneas. A identificação e o tratamento adequado dessas manifestações são essenciais na prática médica. Este artigo revisa as principais endocrinopatias e suas manifestações cutâneas, destacando a importância do diagnóstico precoce e a abordagem terapêutica adequada. A relação entre o sistema endócrino e a saúde da pele é discutida, bem como a interação entre o sistema endócrino e a pele. Além disso, o artigo aborda os desafios no diagnóstico e erros de encaminhamento, como encaminhar casos para a dermatologia quando a causa subjacente é uma endocrinopatia. A conscientização dos profissionais de saúde sobre a relação entre manifestações cutâneas e doenças endócrinas, juntamente com uma abordagem multidisciplinar envolvendo clínicos, dermatologistas e endocrinologistas, é fundamental para evitar erros de encaminhamento e garantir o cuidado adequado aos pacientes.
Palavras-chave: endocrinopatias, manifestações cutâneas, sistema endócrino, diagnóstico.
ABSTRACT
Endocrinopathies are diseases that affect the endocrine system and often have skin manifestations. The identification and proper treatment of these manifestations are essential in medical practice. This article reviews the main endocrinopathies and their cutaneous manifestations, highlighting the importance of early diagnosis and the appropriate therapeutic approach. The relationship between the endocrine system and skin health is discussed, as well as the interaction between the endocrine system and the skin. In addition, the article addresses the challenges in diagnosis and referral errors, such as referring cases to dermatology when the underlying cause is an endocrinopathy. The awareness of health professionals about the relationship between skin manifestations and endocrine diseases, along with a multidisciplinary approach involving clinicians, dermatologists and endocrinologists, is essential to avoid referral errors and ensure proper care for patients.
Keywords: Endocrinopathies, skin manifestations, endocrine system, diagnosis
1 INTRODUÇÃO
As endocrinopatias são doenças que afetam o sistema endócrino, responsável pela regulação das funções do organismo por meio de hormônios (Williams et al., 2020). Essas patologias podem causar uma série de sintomas sistêmicos e, em muitos casos, manifestações cutâneas específicas (Bolognia et al., 2018). A relação entre o sistema endócrino e a saúde da pele tem sido objeto de estudo de diversos pesquisadores (Slominski et al., 2013), uma vez que alterações hormonais podem influenciar a função, a estrutura e a aparência da pele e seus anexos (Kanitakis, 2017).
O reconhecimento das manifestações cutâneas associadas às endocrinopatias é crucial para os profissionais de saúde, especialmente dermatologistas e endocrinologistas, pois pode facilitar o diagnóstico precoce e o tratamento adequado dessas doenças (Rademaker et al., 2018). Além disso, o manejo das alterações cutâneas pode contribuir para a melhora da qualidade de vida dos pacientes afetados (Patruno et al., 2019).
O objetivo deste artigo é revisar as principais endocrinopatias e suas manifestações cutâneas, explorando a fisiopatologia subjacente e discutindo a importância do diagnóstico e tratamento dessas condições para a saúde da pele e do organismo como um todo.
2 FISIOLOGIA E ANATOMIA DO SISTEMA ENDÓCRINO
O sistema endócrino é um conjunto de glândulas e órgãos que sintetizam e secretam hormônios diretamente na corrente sanguínea, regulando diversas funções do organismo, como crescimento, metabolismo e reprodução (Melmed et al., 2016). Hormônios são substâncias químicas mensageiras que atuam em órgãos-alvo específicos, onde se ligam a receptores celulares e desencadeiam respostas fisiológicas (Yen & Jaffe, 2018).
2.1 FUNÇÕES DAS PRINCIPAIS GLÂNDULAS ENDÓCRINAS
● Hipófise: localizada na base do cérebro, a hipófise é composta por duas partes, a adeno-hipófise e a neuro-hipófise, que secretam diversos hormônios, incluindo hormônios tróficos que estimulam outras glândulas endócrinas (Melmed, 2011).
● Tireoide: localizada no pescoço, a tireoide produz os hormônios tiroxina (T4) e triiodotironina (T3), que regulam o metabolismo, o crescimento e o desenvolvimento (Brent, 2012).
● Paratireoides: quatro pequenas glândulas localizadas atrás da tireoide, responsáveis pela produção do hormônio paratireoideo (PTH), que regula o metabolismo do cálcio e do fósforo no organismo (Silverberg & Bilezikian, 2018).
● Pâncreas: órgão localizado no abdômen que possui funções endócrinas e exócrinas. As células das ilhotas de Langerhans produzem insulina, glucagon e somatostatina, que regulam o metabolismo da glicose e outros nutrientes (Powers, 2015).
● Adrenais: glândulas localizadas acima dos rins, compostas pelo córtex adrenal e medula adrenal. O córtex produz glicocorticoides, mineralocorticoides e androgênios, enquanto a medula produz adrenalina e noradrenalina, regulando diversas funções como resposta ao estresse, equilíbrio hidroeletrolítico e metabolismo energético (Bornstein et al., 2019).
● Gônadas: testículos e ovários são as gônadas masculinas e femininas, respectivamente, responsáveis pela produção de hormônios sexuais e gametas (Speroff & Fritz, 2005).
2.2 INTERAÇÃO ENTRE SISTEMA ENDÓCRINO E PELE
A pele é o maior órgão do corpo humano, exercendo funções de barreira, regulação térmica e sensorial (Kanitakis, 2017). A interação entre o sistema endócrino e a pele é complexa e multifacetada, com hormônios exercendo efeitos diretos e indiretos sobre a estrutura, função e aparência da pele (Slominski et al., 2013). Alguns exemplos incluem a influência dos glicocorticoides no processo inflamatório, o efeito dos hormônios tireoidianos no metabolismo cutâneo e a regulação da síntese de colágeno, e o papel dos hormônios sexuais na modulação da produção de sebo, crescimento de pelos e espessura da pele (Zouboulis et al., 2007; Pasquali, 2018).
Alterações hormonais causadas por endocrinopatias podem levar a uma variedade de manifestações cutâneas, refletindo o equilíbrio delicado entre os sistemas endócrino e tegumentar (Patruno et al., 2019). Além disso, a pele e seus anexos, como folículos pilosos e glândulas sebáceas, também produzem e metabolizam alguns hormônios, o que sugere um sistema de retroalimentação local que contribui para a homeostase cutânea (Slominski et al., 2013).
A compreensão da interação entre o sistema endócrino e a pele é essencial para o diagnóstico e tratamento de endocrinopatias e suas manifestações cutâneas. A identificação dessas manifestações pode ser útil para direcionar o médico a uma investigação mais aprofundada das funções endócrinas, facilitando o diagnóstico precoce e a abordagem terapêutica adequada (Rademaker et al., 2018).
3 PRINCIPAIS ENDOCRINOPATIAS E SUAS MANIFESTAÇÕES CUTÂNEAS
Hipotireoidismo: uma condição caracterizada pela baixa produção de hormônios tireoidianos, que pode levar a manifestações cutâneas como pele seca, espessa e fria, edema não-pitting (mixedema), unhas quebradiças e queda de cabelo difusa (Fatourechi, 2009). A fisiopatologia envolve a redução do metabolismo e da renovação celular na pele, resultando em alterações na função e aparência da pele (Heymann, 2006).
Hipertireoidismo: causado por excesso de hormônios tireoidianos, pode apresentar-se com pele fina e úmida, hiperidrose, unhas frágeis, eritema palmar, prurido e, no caso da doença de Graves, dermopatia infiltrativa (Mixedema pré-tibial) (Fatourechi, 2009; Smith & Hegedüs, 2016).
Hiperparatireoidismo: aumento da produção de hormônio paratireoideo, geralmente devido a hiperplasia ou adenoma paratireoide. As manifestações cutâneas são raras, mas incluem calcinose cutânea e prurido intenso devido ao aumento do cálcio sérico (Silverberg & Bilezikian, 2018; Patruno et al., 2019).
Diabetes mellitus: uma doença metabólica caracterizada por hiperglicemia crônica, que pode causar várias manifestações cutâneas, como infecções fúngicas e bacterianas recorrentes, xantomas eruptivos, acantose nigricans, necrobiose lipoídica e úlceras diabéticas (Bhat et al., 2013). A fisiopatologia envolve alterações na resposta imune, na função das células endoteliais e no metabolismo do colágeno, além de danos aos nervos e vasos sanguíneos (Romano et al., 2018).
Síndrome do ovário policístico (SOP): uma endocrinopatia comum em mulheres em idade reprodutiva, caracterizada por hiperandrogenismo, oligo/anovulação e ovários policísticos. As manifestações cutâneas incluem hirsutismo, acne, seborreia, alopecia androgenética e acantose nigricans (Azziz, 2018).
Hiperplasia adrenal congênita (HAC): um grupo de doenças autossômicas recessivas que afetam a síntese de hormônios adrenais. Dependendo do tipo de HAC e do déficit enzimático específico, as manifestações cutâneas podem incluir hiperpigmentação, virilização em mulheres e ambiguidade genital em recém nascidos (Merke & Bornstein, 2005).
Acromegalia: uma doença causada pela produção excessiva de hormônio do crescimento (GH), geralmente devido a um adenoma hipofisário. As manifestações cutâneas incluem aumento do tamanho de mãos, pés e nariz, espessamento da pele, hiperidrose e acrocórdões (pequenas protuberâncias cutâneas). A fisiopatologia envolve o excesso de GH e fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1), que promove o crescimento e a proliferação celular na pele (Katznelson et al., 2014).
Síndrome de Cushing: causada pelo excesso crônico de glicocorticoides, geralmente devido a um tumor hipofisário ou suprarrenal. As manifestações cutâneas incluem estrias violáceas, pele fina e frágil, equimoses fáceis, hiperpigmentação, acne, hirsutismo e distribuição de gordura centrípeta (Nieman et al., 2015).
4 IDENTIFICAÇÃO OU SUSPEITA DE ENDOCRINOPATIA A PARTIR DE MANIFESTAÇÕES CUTÂNEAS
A pele pode funcionar como um espelho das condições internas do organismo, incluindo as endocrinopatias. Manifestações cutâneas podem ser a primeira ou a única indicação de uma doença endócrina subjacente, e a identificação dessas alterações é fundamental para a avaliação diagnóstica e tratamento adequados. Neste capítulo, abordaremos a importância da identificação ou suspeita de endocrinopatia a partir de manifestações cutâneas, fornecendo exemplos de condições em que a observação clínica da pele é essencial.
4.1 IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO PRECOCE
O reconhecimento precoce das manifestações cutâneas relacionadas a endocrinopatias pode levar a uma investigação mais aprofundada das funções endócrinas, facilitando o diagnóstico precoce e a abordagem terapêutica adequada (Rademaker et al., 2018). Em muitos casos, as manifestações cutâneas podem ser reversíveis se a endocrinopatia subjacente for tratada adequadamente.
Exemplos de manifestações cutâneas indicativas de endocrinopatias:
a. Acanthose nigricans: pode ser um sinal de resistência à insulina e síndrome do ovário policístico (SOP) (Azziz, 2018).
b. Mixedema pré-tibial: uma manifestação específica da doença de Graves, uma causa comum de hipertireoidismo (Smith & Hegedüs, 2016).
c. Necrobiose lipoídica: embora possa ocorrer em indivíduos sem diabetes, essa manifestação é mais comum em pacientes diabéticos, especialmente do tipo 1 (Romano et al., 2018).
d. Hiperpigmentação: pode ser um sinal de insuficiência adrenal, como na hiperplasia adrenal congênita (HAC) ou na doença de Addison (Merke & Bornstein, 2005).
Abordagem diagnóstica: Quando manifestações cutâneas suspeitas são identificadas, é importante realizar uma avaliação detalhada da história clínica e dos sintomas do paciente, seguida de exames físicos e laboratoriais para confirmar a presença de endocrinopatia.
Tratamento multidisciplinar: O manejo das endocrinopatias e suas manifestações cutâneas geralmente requer uma abordagem multidisciplinar, envolvendo endocrinologistas, dermatologistas e outros profissionais de saúde conforme a necessidade. O tratamento da doença endócrina subjacente pode melhorar ou resolver as manifestações cutâneas, enquanto o manejo dermatológico das lesões cutâneas pode melhorar a qualidade de vida do paciente (Patruno et al., 2019).
Em suma, a identificação ou suspeita de endocrinopatia a partir de manifestações cutâneas é um aspecto crucial na prática médica, pois permite o diagnóstico precoce e o tratamento adequado das doenças endócrinas e suas manifestações dermatológicas. A abordagem multidisciplinar, envolvendo especialistas em endocrinologia e dermatologia, é fundamental para alcançar os melhores resultados no cuidado do paciente.
5 ERROS DE ENCAMINHAMENTO PELO CLÍNICO: QUANDO CASOS SÃO ENCAMINHADOS PARA A DERMATOLOGIA, MAS O PROBLEMA É ENDÓCRINO
Na prática clínica, é comum que profissionais de saúde enfrentem desafios diagnósticos devido à complexidade e à sobreposição de sintomas entre diferentes doenças. Nesse contexto, é possível que casos sejam encaminhados para a dermatologia, enquanto a causa subjacente é, na verdade, uma endocrinopatia. Esses erros de encaminhamento podem atrasar o diagnóstico correto e o tratamento adequado, prejudicando a evolução clínica do paciente.
Vários fatores podem contribuir para erros de encaminhamento, como a falta de familiaridade com a relação entre manifestações cutâneas e doenças endócrinas, a atenção excessiva a sintomas isolados ou a ausência de sintomas sistêmicos mais específicos. Além disso, algumas condições dermatológicas e endócrinas podem coexistir, tornando o diagnóstico ainda mais complexo.
Alguns exemplos de erros de encaminhamento incluem:
Acne e hirsutismo: o clínico pode encaminhar o paciente para um dermatologista para tratar a acne e o hirsutismo, sem considerar a possibilidade de síndrome do ovário policístico (SOP) ou outra causa de hiperandrogenismo como etiologia subjacente (Azziz, 2018).
Acanthose nigricans: essa condição pode ser erroneamente atribuída a uma doença cutânea primária e encaminhada para tratamento dermatológico, quando na verdade pode ser um sinal de resistência à insulina ou síndrome metabólica (Azziz, 2018).
Hiperpigmentação: um clínico pode encaminhar um paciente com hiperpigmentação para um dermatologista, acreditando ser uma desordem de pigmentação cutânea, quando a causa subjacente pode ser a insuficiência adrenal, como na doença de Addison (Merke & Bornstein, 2005).
Para minimizar erros de encaminhamento, é importante que os clínicos estejam cientes da relação entre manifestações cutâneas e doenças endócrinas e considerem uma avaliação endocrinológica antes de encaminhar o paciente para um dermatologista. Além disso, a colaboração entre clínicos, dermatologistas e endocrinologistas é crucial para o diagnóstico correto e o tratamento adequado dessas condições complexas.
6 CONCLUSÃO
As endocrinopatias são um grupo heterogêneo de doenças que afetam o sistema endócrino e, frequentemente, apresentam manifestações cutâneas variadas. A compreensão da relação entre as manifestações cutâneas e as endocrinopatias é crucial para a identificação e o tratamento adequado dessas condições. O diagnóstico pode ser desafiador devido à complexidade e à sobreposição de sintomas entre diferentes doenças endócrinas e dermatológicas. Além disso, erros de encaminhamento, como encaminhar casos para a dermatologia quando a causa subjacente é uma endocrinopatia, podem ocorrer na prática clínica e prejudicar a evolução clínica do paciente.
A colaboração entre clínicos, dermatologistas e endocrinologistas é fundamental para minimizar erros de encaminhamento e assegurar o diagnóstico correto e o tratamento adequado de doenças endócrinas com manifestações cutâneas. Uma abordagem multidisciplinar e uma maior conscientização dos profissionais de saúde sobre a relação entre as manifestações cutâneas e as endocrinopatias podem melhorar significativamente o cuidado aos pacientes.
Em suma, o estudo das endocrinopatias e suas manifestações cutâneas é essencial para uma prática médica eficaz. O reconhecimento precoce e a abordagem adequada das manifestações cutâneas podem facilitar o diagnóstico e tratamento das endocrinopatias subjacentes, melhorando a qualidade de vida dos pacientes e reduzindo a morbidade e a mortalidade associadas a essas condições. A conscientização dos profissionais de saúde sobre a relação entre manifestações cutâneas e doenças endócrinas, juntamente com uma abordagem multidisciplinar, é fundamental para evitar erros de encaminhamento e garantir o cuidado adequado aos pacientes.
REFERÊNCIAS
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1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10Acadêmicos de Medicina, UNINASSAU, Cacoal-Rondônia