REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7647012
Marcus Elidius Michelli de Almeida
Fernanda Pasinato Naufal
I. INTRODUÇÃO
Além de conceituar o que é a representação comercial e quais as individualidades e características do tipo contratual que instrumentaliza a atividade do representante comercial, este artigo busca traçar a evolução histórica da atividade de representação e estabelecer uma classificação desse tipo contratual. A partir disso, será possível traçar comparativos entre os contratos de representação e outros tipos contratuais que podem, muitas vezes, se confundirem. A análise também irá, de forma exemplificativa, apresentar alguns dos temas mais polêmicos e discutidos pela doutrina e pelos Tribunais atualmente.
Como será abordado na sequência, a atividade da representação comercial tem singular importância, uma vez que atinge um elevado número de profissionais atuantes na área. Mas não apenas, além de ser uma fonte significativa de renda para muitos profissionais, a representação comercial tem também grande relevância mercadológica e negocial, visto que a atividade é responsável, em grande medida, pela circulação de bens no país e pelo desenvolvimento comercial.
Por isso, a análise jurídica da relação mantida entre representante e representado e, principalmente, do instrumento que rege essa relação é tão importante. Nesse sentido, o aparato legislativo responsável por regulamentar a representação comercial já é um indicativo dessa importância. Atualmente, existem três leis federais específicas sobre representação comercial, além do tema ser também complementado por disposições do Código Civil.
Portanto, o que se pretende com esse artigo não é exaurir o assunto, mas sim apresentar o tema e trazer uma análise que dê ao leitor recursos capazes de compreender de forma suficiente os principais aspectos dos contratos de representação comercial.
II. A ATIVIDADE DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL
Pode-se dizer que a atividade de representação comercial teve início na Idade Média, com os mercadores. Foi durante o período das grandes navegações que surgiu a figura dos mercadores, como uma nova classe profissional, responsável por intermediar as vendas de mercadorias trazidas de outros continentes aos centros comerciais da Europa. No Brasil, eram os mascates, tropeiros e caixeiros viajantes que exerciam essa função de intermediar a venda de mercadorias por onde iam, sendo os principais responsáveis pela circulação de bens no país.
Seja pelo mercado, na Europa, ou pelo mascate, no Brasil, as características desses profissionais são parecidas e se repetem na atividade de representação comercial. Em todas elas, é possível perceber a mediação para realização da venda e o objetivo de busca por pedidos e novos consumidores. Ou seja, tanto o mercador, o mascate, como também o representante, têm a função de mediar a relação entre comprador e produtor e de obter e procurar novos consumidores para os produtos que vende. Essas funções, junto com outros elementos, é o que caracteriza a atividade de representação comercial.
Nesse sentido, entende-se como representação comercial a atividade exercida por pessoa jurídica ou física, sem relação de emprego, que desempenha em caráter não eventual, por conta de outros, a mediação para realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos para, transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios. Essa é a definição apresentada pelo artigo 1º da Lei nº 4.886/65, alterada pela Lei nº 8.420/92 (“Lei de Representação Comercial”).
Assim, tem-se, pela definição legal, os elementos caracterizadores do sujeito que exerce a atividade de representação e do próprio negócio. Nesse sentido, são elementos do sujeito: ser pessoa física ou jurídica, não ter relação empregatícia e não exercer a atividade de representação em caráter eventual. E, são elementos do negócio: ser atividade exercida por conta de outra pessoa, envolvendo a mediação de um negócio mercantil e o agenciamento de apostas ou pedidos.
Esses elementos, hoje compreendidos pela legislação, são frutos da evolução legislativa que, por sua vez, refletiu também a evolução da própria atividade que, ao longo do tempo, passou a ter cada vez mais relevância comercial, econômica e social no âmbito nacional.
III. HISTÓRICO DA REGULAMENTAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO COMERCIAL
Como falado no item anterior, a representação comercial iniciou-se no Brasil com os mascates, tropeiros e caixeiros viajantes. E, a partir deles, a atividade desenvolveu-se e alcançou um número significativo de trabalhadores que passaram a exercê-la de forma profissional.
E, foi justamente por conta do elevado número de profissionais que passaram a exercer a representação comercial que a partir da década de sessenta1 houve um movimento dessa classe de trabalhadores para que a atividade fosse reconhecida e regulamentada para, assim, estabelecer minimamente as regras para o seu exercício. Dessa forma, em 9 de dezembro de 1965, foi sancionada a Lei nº 4.886 que não apenas regulou a atividade do representante comercial como também trouxe as bases do contrato de representação. Outro ponto de novidade da lei foi a instituição do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais e estaduais, aos quais incumbe o registro do profissional ou da empresa prestadora da representação comercial.
Em que pese a Lei nº 4.886 ter sido um marco de extrema relevância e ter contribuído de forma significativa para a atividade, fato é que com o correr do tempo percebeu-se que a legislação se revelava insuficiente e deficiente em alguns pontos. Conforme demonstrado pelo Prof. Rubens Requião, em seu livro ‘Do Representante Comercial’, a Lei nº 4.886 acabou descolando da realidade da profissão, à medida que deixava muitos campos em aberto, à margem da vontade das partes que, quase sempre, pendia favoravelmente às empresas representadas.
Ou seja, a lei de 1965, em grande medida, responsável por proteger a atividade da representação comercial e seus profissionais, acabou por fragilizar a posição destes. As lacunas e deficiências observadas nas disposições normativas dava uma liberdade demasiada às empresas representadas que abusavam de seu posicionamento dominante com contratos leoninos e abusivos. Destarte, ante a deficiência normativa, ficava evidente o desequilíbrio econômico existente entre representantes e representados e a necessidade de uma alteração legislativa.
Essa alteração, tão necessária, veio apenas na década de noventa, por impulso de representantes comerciais da região sul e sudeste, especialmente os gaúchos. Em 8 de maio de 1992, o então presidente da república, Fernando Collor de Mello, sancionou a Lei nº 8.420.
A nova lei alterou de forma significativa a lei anterior e buscou trazer o equilíbrio na relação entre representantes e representados. Para esse equilíbrio, tão necessário e desconsiderado pela primeira Lei de Representação Comercial, a nova legislação trouxe algumas benesses aos representantes, uma vez que estes, na função de intermediários, não tinham poder econômico suficiente para fazer frente aos representados.
Assim, a Lei nº 8.420 (I) proibiu a renovação ou celebração sequencial do contrato a prazo, com o mesmo representante, uma vez que isso servia apenas como motivação para o não pagamento da indenização devida ao representante; (II) proibiu a cláusula del credere, que gerava responsabilidade solidária com o comprador; (III) caso houvesse denúncia do contrato pelo representado, determinou o vencimento antecipado de comissão devida ao representante; e (IV) orientou à respeito do contrato de sub-representação comercial, o que foi uma novidade positiva para a classe de representantes2.
Em sequência, alguns doutrinadores entendem que o texto da Lei nº 4.886/65, complementado e ampliado pela Lei nº 8.420, foi, de certo modo, também complementado pelo Código Civil (Lei nº 10.406/02), nos artigos 710 a 721 que versam sobre o contrato de agência e distribuição. E, ainda que o contrato de agência e distribuição não devam ser entendidos como tipos contratuais idênticos ao contrato de representação comercial, conforme será abordado na sequência, as disposições trazidas pela legislação civil podem servir de complemento às normas especiais da representação comercial, naquilo que tais normas forem omissas.
Por fim, em 2010, houve ainda mais uma modificação à legislação específica da representação comercial trazida pela Lei nº 12.246. Trata-se de uma alteração pontual acerca da fixação do valor das anuidades, taxas e emolumentos devidos aos Conselhos Regionais dos Representantes Comerciais em que estes devem estar registrados.
Assim, pode-se entender que atualmente, a atividade e o contrato de representação comercial no Brasil são regulados pela Lei nº 4.886/65, modificada pela Lei nº 8.420/92 (de forma substancial) e pela Lei nº 12.246 (de forma pontual). E, no que couber, complementada pela Lei nº 10.406/02, i.e., o Código Civil, nos termos dos artigos 710 a 721.
IV. CLASSIFICAÇÃO DO CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL
Antes de dar início a esse tópico, é necessária a ressalva de que não há uma classificação formal ou uma do contrato de representação comercial. A classificação aqui adotada, é utilizada pelo Prof. Fábio Ulhoa Coelho, e é apenas uma classificação útil que permite, mais facilmente, criar paralelos e diferenciações entre tipos contratuais que muitas vezes podem se confundir.
De início, devemos classificar o contrato de representação comercial como um contrato tipicamente empresarial, i.e., um contrato firmado entre particulares que atuam como empresários. Esses, por sua vez, entendidos como a pessoa física ou jurídica que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”, tal como preceituado pelo artigo 966 do Código Civil. Já por essa primeira classificação, pode-se perceber que os sujeitos do contrato de representação, tanto o representante como o representado, atuam dentro dessa relação como empresários e por isso estão submetidos às regras de Direito Comercial. Isto posto, passa-se a uma próxima classificação.
Dentro dos contratos empresariais, o contrato de representação comercial está inserido no grupo dos contratos de colaboração empresarial que servem como instrumentalização para o escoamento de mercadorias, “em que um dos contratantes (empresário colaborador) se obriga a criar, consolidar ou ampliar o mercado para o produto do outro contratante (empresário fornecedor)”3. Assim, nesse tipo de contrato empresarial, é necessário que um dos empresários assuma a obrigação contratual de gerar, implementar, desenvolver e ampliar o mercado consumidor, em determinada localidade4, do produto fabricado, produzido ou comercializado pelo outro empresário, de modo que, caso essa relação contratual venha a ser extinta será devido um ressarcimento ao empresário colaborador. A indenização será devida, uma vez que o empresário colaborador, ao cumprir sua obrigação de criar o mercado consumidor, precisa fazer investimentos (com divulgação, marketing, estudos de mercado, publicidade em geral, formação de estoque etc.) que deverão ser ressarcidos, caso a relação contratual seja encerrada de forma injustificada.
Como ‘espécies’ de contrato empresarial de colaboração existem: (I) os contratos de colaboração por intermediação; e (II) os contratos de colaboração por aproximação. É nesse último em que estão inseridos os contratos de representação comercial. Porém, antes de analisar detalhadamente tal ‘espécie’ de contrato, vale caracterizar rapidamente o contrato de colaboração por intermediação. Só assim, será possível comparar as duas ‘espécies’ de contratos, para perceber suas diferenças.
Os contratos de colaboração por intermediação se caracterizam como aqueles em que o empresário fornecedor vende, em condições especiais, o seu produto ao empresário colaborador que, por sua vez, terá a obrigação contratual de encontrar um consumidor interessado em adquirir tal produto. Aí, então, o empresário colaborador irá revender ao consumidor final o produto comprado, obtendo um lucro com essa revenda.
Percebe-se, a partir disso, que nos contratos empresariais de colaboração por intermediação existem também duas relações de compra e venda mercantil, a primeira entre empresário fornecedor e empresário colaborador e, a segunda, entre empresário colaborador e consumidor final, de modo que “as partes do contrato de colaboração ocupam elos distintos da cadeia de circulação”5 do produto. Tal fato já é um diferencial significativo entre os contratos de colaboração por intermediação e os contratos de colaboração por aproximação, uma vez que neste último, conforme será abordado a seguir, não há essa distinção de elos. Outro ponto que chama atenção nesse tipo contratual é que o empresário fornecedor não tem a obrigação de remunerar o empresário colaborador que, nesse caso, será remunerado a partir do lucro obtido com a revenda do produto.
São exemplos de contratos de colaboração por intermediação os contratos de concessão mercantil e os contratos de distribuição intermediação. Esses contratos são considerados contratos atípicos, com exceção dos contratos de concessão para comercialização de veículos automotores que seguem as diretrizes contratuais trazidas pela Lei nº 6.729/79, conhecida como Lei Ferrari.
Em relação aos contratos de colaboração por aproximação, estes são contratos em que o empresário colaborador tem a obrigação contratual de procurar e identificar potenciais consumidores para o produto produzido pelo empresário fornecedor que é quem irá, ao final, vender o produto ao consumidor. Ou seja, nesse caso, a tarefa desenvolvida pelo empresário colaborador é criar ou ampliar o mercado para o produto do empresário fornecedor e atrair consumidores motivando-os a realizar a compra do produto que será efetivada diretamente entre consumidor e empresário fornecedor. Percebe-se que nessa modalidade contratual não é realizada a compra do produto pelo empresário colaborador, este irá apenas prestar um serviço6 ao empresário fornecedor e por ele será remunerado através de comissões, i.e., um percentual do volume de vendas que o empresário colaborador for capaz de viabilizar. Nessa modalidade, o empresário colaborador é um prestador de serviços ao empresário fornecedor.
São exemplos de contratos de colaboração por aproximação os (I) mandatos e comissões mercantis; (II) contratos de distribuição-aproximação; (III) contratos de agência; e (IV) contratos de representação comercial.
Nos mandatos, o mandatário se obriga, além de criar o mercado para o produto e atrair e motivar os consumidores, a praticar atos em nome e por conta do mandante. Nesse caso, o mandatário, na figura do empresário colaborador, irá estimular interessados em adquirir os produtos e efetivar a compra em nome e por conta do empresário fornecedor, o mandante. Ou seja, o empresário colaborador age em nome do empresário fornecedor, através de um mandato, para assim efetivar a compra do produto. Vale ressaltar que será um mandato mercantil apenas quando (I) uma das partes for empresário; e (II) os poderes conferidos tiverem por objetivo habilitar o mandatário a praticar atos negociais (cláusula ad negotia).
Já nos contratos de comissão mercantil, o empresário colaborador, nesse caso o comissário, também tem a função de identificar interessados em adquirir os produtos e efetivar a compra, porém não a faz em nome do empresário fornecedor. Na comissão, o comissário pratica os atos para efetivação da venda em nome próprio, mas por conta do comitente que é o empresário fornecedor. Sobre o tema, ensina a Prof. Maria Helena Diniz:
O comissário, pessoa natural ou jurídica, deverá ser o empresário que, segundo as instruções recebidas do comitente, efetuará negócios em seu próprio nome, porém em favor e por conta do comitente. Apresenta-se, no dizer de alguns autores, sob a feição de mandato sem representação. Há, na verdade, uma representação indireta ou imperfeita, visto que o comissário não é representante direto do comitente. Produz efeitos análogos aos do mandato, distinguindo-se dele pela maneira de agir do representante. No mandato, o representante age em nome do representado, ao passo que, na comissão o comissário deve negociar em nome próprio, porém em favor e por conta do comitente, cujas instruções devem seguir […]7
Como se vê, o mandato e a comissão mercantil são exemplos de contratos de colaboração que muito se aproximam, porém, diante das pequenas diferenças acima apresentadas, são figuras que não se confundem.
Outro tipo bastante específico de contrato de colaboração por aproximação são os contratos de distribuição-aproximação que, por sua vez, se aproximam muito dos contratos de agência e são até mesmo considerados, pela norma civilista, como uma modalidade desse tipo contratual. Por isso, entende-se como contratos distribuição-aproximação os contratos de agência no qual o agente, i.e., o empresário colaborador, tem a posse das mercadorias para as quais contribui com o escoamento8. Assim, o empresário colaborador terá apenas a posse direta do produto, enquanto a sua propriedade ou posse indireta permanecerá com o empresário fornecedor, de modo que o colaborador não assumirá o risco específico da operação. Destaca se que essa forma contratual não se confunde com os contratos de colaboração por intermediação à medida que o empresário colaborador não compra o produto para então revender. Há, como dito, apenas a posse direta da mercadoria.
E, em sequência ao adiantado acima, são também um tipo de contrato de colaboração por aproximação os contratos de agência que, nos termos do artigo 710 do Código Civil, são aqueles em que o empresário colaborador, aqui chamado de agente, se obriga a promover, em caráter não eventual e sem dependência, negócios do interesse do empresário fornecedor e por conta deste, em uma zona previamente estabelecida.
Nesse tipo de contrato, o agente deve (I) atuar com diligência a fim de viabilizar o negócio, (II) acatar as orientações do empresário fornecedor, visto que há uma relação de subordinação a este, (III) respeitar os limites territoriais e as demais cláusulas contratuais; e (IV) arcar com as despesas despendidas para o desempenho de sua função. Já o empresário fornecedor deve, além de também respeitar as cláusulas contratadas, remunerar o agente e indenizá-lo quando cessar a atendimento dos negócios ou quando não for possível a efetivação do negócio por culpa exclusiva do empresário fornecedor.
E, por fim, chega-se aos contratos de representação comercial que são aqueles em que o empresário colaborador, como representante obriga-se, contratualmente, em caráter não eventual, a mediar e promover negócios mercantis9. Como se percebe por essa definição, os contratos de representação comercial em muito se assemelham aos contratos de agência. Nesse sentido, é válida a observação do Prof. Rubens Requião de que “o Código Civil, no artigo 710, regulando o contrato de agência, preserva a ideia legal do contrato de representação comercial. O contrato de agência, no entanto, não substitui o contrato de representação comercial”10.
Portanto, ainda que a definição legal de tais contratos seja muito semelhante e apresente características comuns, esses dois contratos não se confundem. Entre os dois tipos contratuais existem diferenças limitantes. Por exemplo, enquanto no contrato de agência não há limitação quanto a natureza do negócio agenciado, no contrato de representação a lei estabelece que este se dá apenas para intermediação de negócios mercantis. Tal exemplo, já é perceptível pela própria definição dos contratos, no entanto, existem outras: (I) no contrato de representação comercial, o representante é pessoa física ou jurídica, já no contrato de agência, o agente é pessoa natural; (II) a denúncia do contrato de representação a prazo indeterminado é de trinta dias, enquanto no contrato de agência é de noventa dias; (III) no contrato de representação comercial é necessário registro do representante em órgão de classe, o que não é necessário ao agente.
De modo geral, o contrato de representação comercial tem pontos de semelhança não apenas com os contratos de agência, mas também com os contratos de distribuição por aproximação (visto que estes são uma modalidade do contrato de agência), e com os contratos de mandato e comissão, à medida que esses contratos que também instrumentalizam a intermediação de negócios mercantis. Tal fato é justificável à medida que todos esses contratos estão inseridos no grupo de contratos de colaboração por aproximação. Portanto, é normal e esperado que tais contratos tenham semelhanças entre si. Porém, em que pese o reconhecimento dessas semelhanças, também é necessário identificar as diferenças que os individualizam.
Assim, a conclusão a que se chega nesse tópico é que os contratos de representação comercial se classificam como contratos empresariais de colaboração por aproximação e que, dentro desse grupo, existem outros tipos contratuais que se assemelham, porém que não se confundem, uma vez que cada um tem características próprias e singulares.
V. CLÁUSULAS TÍPICAS DOS CONTRATOS DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL
Como todo contrato, o contrato de representação comercial tem cláusulas típicas, cláusulas essas que se repetem e que, no caso em questão, não são apenas comuns, mas também obrigatórias. Nesse sentido, é o artigo 27 da Lei nº 4.886/65 que restringe a liberdade contratual das partes ao estabelecer os elementos necessários e essenciais dos contratos de representação.
O artigo começa impondo às partes que indiquem no contrato as condições gerais e os requisitos da representação. A imposição é bem ampla e permite que as partes condicionem a representação da forma como queiram desde que tais condições não sejam ilegais. Como exemplo de ‘condições gerais’ tem-se a imposição de juros de mora ou multa, a possibilidade de substituição dos produtos, métodos de comercialização, prazos e custos financeiros a serem observados, entre tantas outras11. Na sequência, o artigo 27 da Lei nº 4.886/65 também é bem extensivo e determina que deve haver a indicação do produto ou artigo cuja venda deve ser intermediada, e que essa indicação poderá ser específica ou genérica.
Já na alínea ‘c’ do dispositivo, a alteração legislativa trouxe limitações, destacadas nos parágrafos subsequentes ao artigo. Isso porque, mesmo permitindo que as partes decidam se o contrato será por prazo certo ou indeterminado, o legislador proibiu a renovação ou prorrogação do contrato, antes de seis meses de sua extinção. Ademais, vale destacar que em relação ao prazo, um aspecto importante é a questão da amortização do investimento que deve ser observado.
Além do prazo, da indicação do produto e das disposições gerais, a Lei de Representação Comercial ainda determina que as partes indiquem no contrato a zona de atuação do representante. A delimitação da zona pode ser feita por um critério geográfico ou qualquer outro, tal como relação de clientes. Esse critério adotado não é imutável. Ao longo da relação contratual, as partes podem aumentar ou até mesmo reduzir a zona de atuação. Então, por exemplo, se em um determinado período há uma demanda crescente e o representante não tem meios de atender a todos os consumidores da zona em que atua, é possível reduzir a área de sua atuação de modo a eventualmente dividi-la entre outros representantes. Nesses casos haverá a restrição da zona em que o representante atua com exclusividade e essa possibilidade, inclusive, deve ser prevista contratualmente, tal como determina o item ‘g’ do artigo 27 da referida lei. Ademais, cabe ressaltar que eventuais restrições ou alterações, ainda que possíveis, não devem causar prejuízos ao representante, caso isso aconteça a alteração poderá ser invalidada, com base no artigo 32, §7º, da Lei nº 4.886/65.
Atrelada à cláusula de indicação de zona de atuação há a cláusula de exclusividade de zona. Essa cláusula, também imposta pela Lei de Representação Comercial, impede que o empresário fornecedor venda seu produto na área de atuação do empresário colaborador, direta ou indiretamente. Caso não cumprida a previsão contratual nesse sentido, o empresário fornecedor terá de pagar ao colaborador a comissão gerada pelos negócios desviados, ou arcar com o inadimplemento do contrato12. Como posto pela doutrina “trata-se de obrigação negativa. Se o proponente o fizer, o agente se tornará credor do proponente das comissões geradas pelos negócios concluídos dentro da zona, pela ação do proponente ou por terceiros por ele designados, e ainda que sem interferência do agente”13. Essa medida é também mais uma forma de proteger o empresário colaborador, de modo a garantir-lhe o retorno de seus investimentos.
Vale ressaltar, no entanto, que a cláusula de exclusividade de zona é ineficaz perante terceiros. Ou seja, verificado o não cumprimento da cláusula, o empresário colaborador somente poderá demandar indenização do empresário fornecedor. No caso, não haverá qualquer direito contra o concorrente que está vendendo os produtos na zona de exclusividade. No entanto, um fato que chama atenção nessa situação é a formação do chamado ‘mercado cinza’, como ensina o Prof. Fábio Ulhoa Coelho:
Nele opera o empresário que comercializa o produto na área de atuação do colaborador exclusivo sem que o fornecedor tenha descumprido a obrigação contratada. Como isso é possível? Imagine-se […] Esse terceiro concorrente pode, sem dificuldade nenhuma, estabelecer-se nos Estados Unidos, constituindo lá uma subsidiária, em nome da qual adquire os mesmos produtos e exporta-os para a empresa brasileira dele. Quando o fornecedor vende, diretamente ou por meio de distribuidor estadunidense, para uma empresa também sediada nos Estados Unidos, ele não está descumprindo a cláusula de exclusividade contratada com o distribuidor brasileiro. […] Desse modo, verifica se a hipótese em que o colaborador exclusivo não poderá fazer valer sua exclusividade nem demandar o fornecedor por descumprimento contratual (que não houve).14
Por fim, no que diz respeito à cláusula de exclusividade por zona, vale pontuar que (I) a exclusividade poderá ser parcial ou total, o que significa dizer que na parcial poderá haver outro representante atuando na mesma área; e (II) a exclusividade não pode ser presumida ou tácita, é necessário que se tenha manifestação de vontade, seja de forma oral, escrita ou gestual15.
E, assim como há exclusividade em favor do representante, também há exclusividade em favor do representado. O item ‘i’, do artigo 27, da Lei nº 4.886/65, obriga às partes que indiquem no contrato ‘o exercício exclusivo ou não da representação a favor do representado’. Nesse caso, o representante deverá atuar unicamente em favor do representado, quando houver exclusividade total, ou, não deverá promover produtos semelhantes ou concorrentes daquele que está promovendo, quando a exclusividade for parcial.
Outra previsão contratual de destaque, que também deverá ser obrigatoriamente prevista no contrato, diz respeito à remuneração do representante por sua atuação. Na representação comercial, a remuneração é chamada de comissão e está atrelada ao resultado efetivo da atuação do representante e ao ritmo dos negócios. Ou seja, o representante somente terá direito às comissões quando o cliente pagar ao representado o valor da mercadoria intermediada. Somente a partir da efetiva compra é que o representante tem direito à remuneração, de modo que, a promessa da compra pelo cliente ou o simples pedido pela mercadoria não são suficientes para ensejar o pagamento das comissões. Nesse sentido, o artigo 32, ao complementar o item ‘f’ do artigo 27 da Lei de Representação Comercial, estabelece que, após o pagamento feito pelo cliente, o representante deverá receber as comissões devidas, até o dia 15 do mês subsequente.
Em sequência aos elementos do contrato de representação que devem estar expressamente previstos, o artigo 27 ainda incluiu de forma bastante ampla ‘as obrigações e responsabilidades das partes contratantes’. A previsão dá bastante liberdade para que representante e representado regula minuciosamente a relação que irão manter. No entanto, cabe ressaltar que tal liberdade está limitada às proibições da Lei de Representação Comercial, dentre elas, a proibição de cláusula del credere bastante comum antes da alteração legislativa de 1992.
A cláusula del credere, típica dos contratos de comissão mercantil, passou a ser também utilizada nas relações de representação como forma de privilegiar e garantir o representado que podia impor essa previsão contratual ao representante, uma vez que esse último, como dito, era o elo mais frágil da relação e não tinha poder de barganha frente ao representado. A cláusula impunha “aos representantes comerciais a responsabilidade, perante o representado, pela solvência do terceiro com quem contratavam”16. Assim, caso o consumidor deixasse de pagar pelo produto intermediado pelo representante, esse teria de ressarcir o representado.
Considerando que a Lei de 1965 deixou de abordar esse tema, a aplicação da cláusula del credere nos contratos de representação perdurou até 1992. Apenas com as alterações da Lei nº 8.420/92, foi proibida a inclusão desse tipo de cláusula nos contratos de representação comercial. Todavia, considerando a máxima de que ‘a lei que rege o contrato é aquela da data de sua assinatura’, para os contratos com cláusula del credere, assinados antes de 1992, a previsão continuará válida até sua extinção ou alteração.
Por fim, ainda dentre os elementos obrigatórios dos contratos de representação comercial, o artigo 27 da Lei nº 4.886/65 determina que seja estipulada a indenização devida ao representante, em caso de rescisão contratual injustificada ou por culpa do representado. Vale destacar que essa indenização não é devida em caso de distrato, i.e., quando de comum acordo as partes resolverem extinguir a relação contratual. E, também não será devida a indenização quando a resolução do contrato se der por culpa do representante ou por força maior.
Portanto, no caso de a rescisão contratual não decorrer de culpa do representante, ou por distrato ou por força maior, será devida a ele indenização no patamar mínimo de 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação, tal como determinado pelo item ‘j’ do artigo 27 da Lei de Representação Comercial. Percebe-se que a previsão do dispositivo buscou equiparar-se ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (“FGTS”) que estipula 8% sobre o salário do empregado durante o vínculo empregatício17. Vale destacar que se trata de um patamar mínimo, de modo que as partes podem conjuntamente estabelecer um patamar de indenização ainda mais alto.
De modo geral, os elementos trazidos neste tópico são aqueles considerados obrigatórios pela Lei de Representação Comercial. Nesse sentido, entendeu o legislador que tais elementos (prazo, exclusividade, indicação de zona e do produto intermediado, possibilidade de restrição de zona, indenização) são essenciais e primários para regular a relação entre representante e representado. No entanto, o contrato pode trazer muitas outras previsões e obrigações, tornando-se ainda mais completo e complexo. Conforme será melhor apresentado no item seguinte, o contrato de representação comercial pode ainda trazer elementos dos contratos de intermediação, pode ter previsão de sub-representação, entre tantas outras.
VI. CARACTERÍSTICAS DOS CONTRATOS DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL
Após terem sido abordadas as cláusulas típicas e obrigatórias dos contratos de representação comercial, nesse tópico o que se pretende é trazer algumas características que podem aparecer nesse tipo de contrato e algumas questões que têm provocado debate. Não se pretende exaurir o assunto, porém espera-se trazer pontos importantes que costumam ser comentados pela doutrina e jurisprudência.
Possibilidade de Contratos Mistos18. Considerando que a questão a ser abordada está disciplinada no primeiro artigo da Lei nº 4.886/65, faz sentido iniciar esse tópico a partir de la. O artigo 1º da Lei nº 4.886/65 estabelece que a representação comercial se dá quando o representante realiza a “mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios”. Nesse sentido, quando o dispositivo permite a prática de atos relacionados à execução dos negócios na atividade da representação comercial, o que se entende é que, além da mediação para a realização dos negócios mercantis, o representante comercial pode também prestar serviços de assistência técnica, de disponibilidade de peças de reposição, entre outros.
Assim, caso o representante se obrigue a prestar esses serviços secundários, haverá um contrato misto, visto que, a prestação desses serviços secundários é compatível com os contratos de intermediação. Trata-se, nesse caso, da junção de elementos de dois tipos contratuais distintos que estarão reunidos em um único contrato. Por haver essa junção de elementos, o contrato em questão será chamado misto.
E, o fato de haver um contrato misto suscita o questionamento de qual será o regramento imposto a essa relação contratual. No caso de o representante também se obrigar a oferecer um serviço de reposição de peças, por exemplo, a relação contratual seguirá as normas aplicáveis aos contratos de intermediação ou seguirá as normas específicas da representação comercial, i.e., a Lei nº 4.886/65? Haverá, nesse caso, a desnaturalização do tipo contratual?
As respostas para essas perguntas encontram-se sob dois argumentos. O primeiro, é o fato de que se a Lei de Representação Comercial, em seu primeiro dispositivo, estabelece que é possível que o representante comercial assuma atos relacionados com a execução dos negócios, ou seja, o exercício desses atos está abrangido no escopo da atividade da representação comercial, tal como delimitado pela lei. Portanto, ainda que atípicos, os atos relacionados à execução dos negócios fazem parte da atividade de representação. Por isso, o representante comercial continua como tal e as regras aplicáveis são aquelas estabelecidas pela Lei nº 4.886/65.
O segundo argumento que corrobora com a conclusão do parágrafo acima é o fato de que a prestação desses serviços típicos dos contratos de intermediação é secundária e acessória à atividade da representação comercial. Ou seja, a atividade principal e nuclear do contrato é a intermediação de negócios, sem que o representante assuma o risco destes ou tenha que adquirir o produto para o qual está intermediando a compra. A esse respeito, o Prof. Rubens Requião ensina:
A parte principal do contrato sob exame, portanto, está na intermediação, da qual as outras são dependentes. Não ocorrendo a venda do equipamento, celebrada pela ação do intermediário, não haverá espaço para a prestação de assistência técnica ou venda de peças de reposição. […] no caso, a assistência técnica e a manutenção de estoque e revenda de peças de reposição surgem para atender aos consumidores de produtos que tiveram suas aquisições intermediadas pelo representante comercial, é nítida a condição acessória dessas duas últimas obrigações relativamente ao conteúdo do contrato de representação comercial.19
Dessa forma, o que se percebe é que ainda que seja possível a existência de um contrato misto que tenha elementos do contrato de representação e do contrato de intermediação, esse contrato seguirá as regras previstas na Lei nº 4.886/65. E, mesmo se tratando de outras formas de contrato misto, para analisar qual o regramento aplicável, sugere-se examinar qual o núcleo do contrato, i.e., qual a obrigação principal estabelecida entre as partes20.
Contratos de sub-representação. Outro ponto que é também abordado pela Lei de Representação Comercial é a possibilidade da sub-representação. O artigo que diz respeito à sub-representação é o artigo 42 que faculta ao representante contratar outros representantes para execução dos serviços relacionados à representação, desde que seja não seja proibido pelo contrato original celebrado com o representado.
Trata-se de um contrato derivado ou um subcontrato. Por isso, as determinações trazidas nesse subcontrato replicam, total ou parcialmente, as determinações estipuladas no contrato original, i.e., no contrato de representação comercial principal do qual o subcontrato é derivado. Assim, um representante que contratar outro representante para com ele atuar irá estabelecer com este outro uma nova relação semelhante à relação original travada com o representado. E, a partir daí, o contrato original e o subcontrato coexistirão como relações distintas, ainda que dependentes. Essa nova relação, no entanto, não vincula o representado ao novo representante (i.e., sub-representante).
E, por se tratar de um contrato derivado, vale o princípio geral de que o acessório segue o principal. Assim, na hipótese de ser invalidada determinada cláusula estipulada no contrato principal e replicada no subcontrato, a cláusula também será considerada inválida para esse último. Em conclusão, é válida a lição de Orlando Gomes de que “em relação ao terceiro, o subcontratante ocupa a posição que a outra parte do contrato básico tem nesta relação jurídica. Os direitos adquiridos pelo terceiro descendem dos direitos do subcontratante”21.
Necessidade de registro do representante. A necessidade de registro do representante comercial ao órgão fiscalizador é mais um assunto acolhido pela Lei nº 4.886/65. Nesse sentido, a norma instituiu o Conselho Federal dos Representantes Comerciais e os Conselhos Regionais responsáveis por fiscalizar e regulamentar a profissão.
Assim, para que o representante comercial atue de forma regular, sem incorrer em contravenção penal, é necessário que esteja devidamente registrado no órgão de classe. Dessa forma, como meio de incentivar o exercício regular da atividade, com o respectivo registro, foi ainda estabelecido pela Lei de Representação Comercial que não seria devida remuneração ao representante que não estivesse devidamente registrado. Ocorre que, sobre tal determinação, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal declararam que seu conteúdo é inconstitucional, visto que não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e configura enriquecimento ilícito por parte do representado.
Ou seja, a remuneração será sempre devida ao representante, ainda que este não esteja registrado tal como deveria. Porém, como punição o representante não fará jus à eventual indenização22 e poderá ainda receber sanções administrativas impostas pelos conselhos de classe.
Compromisso arbitral nos contratos de representação. É cada vez mais recorrente nos contratos de representação comercial a existência de cláusula de compromisso arbitral. Até porque, “o contrato de representação é um dos principais instrumentos de contratação no âmbito do comércio internacional”23, por meio deles muitas empresas estrangeiras têm a possibilidade de introduzir seus produtos no território brasileiro, de forma a ampliar seu mercado.
Nesses casos, em se tratando de parcerias internacionais, é ainda mais comum que seja adotada a convenção de arbitragem como meio de resolução de disputas entre as partes. Essa opção, no entanto, traz alguns questionamentos quanto à competência e à lei aplicável ao contrato. No que tange a competência, a adoção da cláusula arbitral significa renúncia ao juízo estatal, ainda que exista a competência estabelecida no artigo 39 da Lei nº 4.886/65. A previsão normativa nesse caso, será relativizada, uma vez que se entende que as partes têm liberdade para deliberar sobre o assunto24. Da mesma forma, em relação à lei aplicável, mais uma vez, se entende que as partes também podem escolher livremente qual será a lei a reger a relação contratual. Como se percebe, o princípio da autonomia da vontade das partes atrelado à autonomia inerente ao procedimento arbitral permite uma maior maleabilidade do contrato de representação, pelo ao menos no que se refere à resolução de eventuais disputas.
Aspectos processuais. Por fim, é interessante também trazer algumas questões processuais que causam controvérsia e dizem respeito aos contratos de representação comercial que vem a ser debatidos perante o Poder Judiciário. Dentre elas, a prescrição, a legitimidade e a competência para o julgamento das demandas que surgem entre representante e representado são bastante comuns.
Em relação à prescrição dos direitos do representante comercial, a controvérsia decorre da alteração legislativa ocorrida com a promulgação da Lei nº 8.420/92. Isso porque, inicialmente, a Lei 4.886/65 não trazia qualquer previsão de qual seria o prazo prescricional aplicável ao contrato de representação, de modo que se aplicava o prazo de vinte anos. Porém, a Lei nº 8.420/92 sanou a omissão da lei anterior e estabeleceu o prazo prescricional de cinco anos.
Com essa alteração legislativa, passou-se a questionar se haveria retroação dos efeitos da lei, de forma que esse novo prazo prescricional fosse também aplicável àqueles contratos que, embora tivessem sido assinados antes da vigência da lei de 1992, se estendessem no tempo. O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar tal questão, entendeu que a alteração trazida pela Lei nº 8.420/92 não pode retroagir para atingir os contratos celebrados na vigência da lei anterior, “visto que o instituto dos contratos é regido pela lei do tempo da sua assinatura”25. Assim, o posicionamento assentado pelo órgão superior é no sentido de que, somente será considerado o prazo prescricional de cinco anos, quando o contrato tiver sido pactuado após a vigência da Lei nº 8.420/92, ficando vedada a retroação dos efeitos em caso de anterioridade26.
No que diz respeito à legitimidade, grande parte dos questionamentos decorre do fato de que a representação comercial é uma atividade de longa duração. Por este motivo, pode haver alterações dos sujeitos participantes da relação contratual, através de uma alteração societária (cisão, fusão, incorporação), por exemplo, ou, como é muito comum, quando o representante, que inicialmente exerce a atividade pessoalmente, transfere a relação para uma pessoa jurídica constituída por ele.
Nesses casos, o questionamento que surge é: com a transferência da representação para a pessoa jurídica ou com a alteração societária de uma das partes, se iniciará uma nova relação de representação ou, deve-se somar os períodos pré e pós alteração dos sujeitos, e considerá-la como uma única relação?
Para analisar o questionamento, sugere-se uma análise fática de forma a verificar se a relação entabulada entre as partes permaneceu inalterada ao longo do tempo, i.e., se as premissas contratadas se mantiveram. Assim será possível reconhecer a continuidade da relação. Sobre esse entendimento, a doutrina expõe:
Isso constituirá o próprio julgamento do mérito. A aferição da legitimidade processual antecede logicamente o julgamento do mérito. Assim, como regra geral, é parte legítima para exercer o direito de ação aquele que afirma titular de determinado direito que precisa da tutela jurisdicional, ao passo que será parte legítima, para figurar no pólo passivo, aquele a quem caiba a observância do devedor correlato àquele hipotético direito.27
Outro ponto posto pela doutrina como necessário à análise é se a alteração societária ou se a transferência da representação foi comunicada à outra parte. Caso tenha sido, e as partes tenham se mantido inertes, presume-se anuência e concordância tácita para a continuidade da relação com o novo sujeito (desde que não seja necessária a declaração de vontade expressa).
Por último e, ainda assim, bastante interessante é o impasse acerca da competência. Como já mencionado nesse artigo, a alteração da Lei nº 4.886/65 visou equilibrar a relação entre representante e representado. Para tanto foi necessário ‘proteger’ o representante, uma vez que este encontrava-se em situação menos favorável do que o representado. Como exemplo desse viés protetivo da legislação, o artigo 39 da lei estabeleceu que, para julgamento das controvérsias que surgirem, decorrentes da relação de representação, seria competente a Justiça Comum e o foro do domicílio do representante. Essa previsão legal foi uma forma de privilegiar o representante e facilitar o seu acesso à justiça.
Ocorre, no entanto, que muitas vezes as partes estabelecem contratualmente foro competente distinto daquele de domicílio do representante. Diante dessa situação, a doutrina e jurisprudência passaram a relativizar o dispositivo normativo. Ou seja, a atual interpretação dada ao artigo 39 é sob o entendimento de que a competência definida na norma é relativa, podendo ser alterada livremente pelas partes, desde que a mudança de foro não obstaculize ao representante seu acesso à justiça 28.
VII. CONCLUSÃO
O contrato de representação comercial é um contrato complexo e que tem bastante relevância no âmbito jurídico e impactos no meio social, visto que, atinge uma parcela significativa de profissionais. E, justamente por atingir um considerável número de trabalhadores que atuam na representação comercial é que as questões decorrentes deste tipo contratual são sempre atuais e recorrentes. Por isso, o que se pretendeu com esse artigo não foi exaurir o tema, tampouco trazer todas as questões mais relevantes, até porque, seriam inúmeras.
O que se pretendeu foi, primeiramente, trazer a evolução histórica e legislativa da representação comercial, para na sequência, situar esse tipo contratual dentro dos tipos contratuais admitidos pela norma brasileira. E, a partir disso, trazer alguns assuntos polêmicos e interessantes, entre os tantos, que envolvem os contratos de representação comercial hoje.
Vale destacar, que os assuntos polêmicos se alteram no correr do tempo. Hoje, por exemplo, já se percebe uma mudança sutil no posicionamento dos tribunais sobre a relação entre representante e representado. Se antes, se verificava uma predisposição do Poder Judiciário em proteger e, de certa forma, privilegiar os representantes que eram considerados hipossuficientes na relação. Hoje, se vê, ainda que forma tímida, um posicionamento no sentido de não mais enxergar o representante como elo frágil, mas sim como parte igualmente poderosa na relação com o representado.
Tal fato se dá, não apenas pela importância econômica adquirida ao longo do tempo, mas, em grande medida, por conta das alterações legislativas que buscam equilibrar a relação entre representante e representado. Assim, percebe-se que tais alterações, junto com a consolidação de uma jurisprudência favorável, alcançaram o que era inicialmente almejado pela classe de representantes: uma relação de representação comercial em pé de igualdade. Uma vez alcançada essa relação de igualdade, abre-se espaço para novas conquistas.
No âmbito contratual, propriamente dito, também haverá reflexos. A partir de uma relação mais equilibrada entre representantes e representados, tem-se a possibilidade de uma maior autonomia das partes. Mas não apenas, o mundo moderno e globalizado também enseja mudanças e traz complexidades novas às disposições contratuais que, por sua vez, acarretarão novas discussões jurídicas a respeito dos contratos de representação comercial.
BIBLIOGRAFIA
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1 Vale ressaltar que em 1949 já havia sido apresentado um projeto de Lei, porém sem força suficiente para sua efetivação. Assim, apenas em 1961, quando houve uma nova investida dos profissionais que atuavam como representantes comerciais, foram apresentados dois novos projetos, sendo o último a origem da Lei nº 4.886/65. (Fonte: https://www.confere.org.br/historico.php)
2 REQUIÃO, Rubens Edmundo. Nova regulamentação da representação comercial autônoma / Rubens Edmundo Requião. – 3. Ed. adapt. ao novo Código Civil – Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. – São Paulo: Saraiva, 2007. Pg. 3 e 4.
3 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 3: direito de empresa: contratos, falência e recuperação de empresas / Fábio Ulhoa Coelho. – 18. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. Pg. 104.
4 Normalmente, o mercado a ser criado é identificado por uma base territorial
5 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 3: direito de empresa: contratos, falência e recuperação de empresas / Fábio Ulhoa Coelho. – 18. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. Pg. 104.
6 O serviço nesse caso pode ser entendido como identificar e atrair potenciais compradores para os produtos que serão vendidos pelo empresário fornecedor.
7 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – volume 3: Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais / Maria Helena Diniz. – 37 ed. – São Paulo: Saraiva, 2021. Pg. 436.
8 Art. 710, Parágrafo Único.
9 “Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios.” (Art. 1º da Lei nº 4.886/65, alterada pela Lei nº 8.420/92)
10 REQUIÃO, Rubens Edmundo. Nova regulamentação da representação comercial autônoma / Rubens Edmundo Requião. – 3. Ed. adapt. ao novo Código Civil – Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. – São Paulo: Saraiva, 2007. Pg. 11.
11 REQUIÃO, Rubens Edmundo. Nova regulamentação da representação comercial autônoma / Rubens Edmundo Requião. – 3. Ed. adapt. ao novo Código Civil – Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. – São Paulo: Saraiva, 2007. Pg. 58
12 REQUIÃO, Rubens Edmundo. Nova regulamentação da representação comercial autônoma / Rubens Edmundo Requião. – 3. Ed. adapt. ao novo Código Civil – Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. – São Paulo: Saraiva, 2007. Pg. 63 e 64
13 REQUIÃO, Rubens Edmundo. Nova regulamentação da representação comercial autônoma / Rubens Edmundo Requião. – 3. Ed. adapt. ao novo Código Civil – Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. – São Paulo: Saraiva, 2007. Pg. 64
14 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 3: direito de empresa: contratos, falência e recuperação de empresas / Fábio Ulhoa Coelho. – 18. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. Pg. 108.
15 STJ – REsp nº 229.761/ES, Min. Rel. Waldemar Zveiter, Rel. p/ Acórdão Min. Ari Pargendler, Terceira Turma, j. 05/12/2000 e STJ – Resp nº 135.548/SP, Min. Rel. Eduardo Ribeiro, Terceira Turma, j. 21/05/1998.
16 SCHEER, Eunice Fumagalli Martins e. Representação comercial e distribuição: 40 anos da Lei nº 4.886/65 e as novidades do CC/02 (arts. 710 a 721). EC 45/04: estudos em homenagem ao Prof. Rubens Requião / Hamilton Bueno e Sandro G. Martins (coordenadores). – São Paulo: Saraiva, 2006. Pg. 332.
17 Isso porque 1/12 percentualmente equivale a 8,333%.
18 Os contratos mistos são também conhecidos como contratos coligados.
19 REQUIÃO, Rubens Edmundo. Nova regulamentação da representação comercial autônoma / Rubens Edmundo Requião. – 3. Ed. adapt. ao novo Código Civil – Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. – São Paulo: Saraiva, 2007. Pg. 30 e 31
20 “Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal” (Art. 92 do Código Civil)
21 GOMES, Orlando. Contratos. 26 ed. rev. atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de 2002. – Rio de Janeiro: Forense, 2008. Pg. 168.
22 “6. Aplicação aos prestadores de serviços de representação, não registrados no respectivo Conselho Regional, das disposições do Código Civil, que, apesar de prever a remuneração pelos serviços prestados, não contempla a indenização prevista no artigo 27 da Lei 4.886/65. 7. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1678551/DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. 06/11/2018)
23 LEE, João Bosco. Representação comercial e distribuição: 40 anos da Lei nº 4.886/65 e as novidades do CC/02 (arts. 710 a 721). EC 45/04: estudos em homenagem ao Prof. Rubens Requião / Hamilton Bueno e Sandro G. Martins (coordenadores). – São Paulo: Saraiva, 2006. Pg. 313
24 A relativização da competência estabelecida no art. 39 da Lei nº 4.886/65 é melhor explicada no último assunto dos aspectos processuais.
25 STJ – Resp nº 1.323.404/GO, Min. Rel. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 27.8.2013.
26 STJ – AgInt no REsp 1371836/SC, Min. Rel. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. 4.5.2020. No mesmo sentido, STJ – Resp nº 541.083/MS, Min. Rel. Hélio Quaglia Barbosa, Quarta Turma, j. 25.9.2007.
27 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento / Luiz Rodrigues Wambier e Outros. – Volume 1 – 9ª ed. – São Paulo: RT, 2007, p. 137/139
28 “A competência prevista no art. 39 da Lei nº 4.886/65 é relativa, podendo ser livremente alterada pelas partes, mesmo via contrato de adesão, desde que não haja hipossuficiência entre elas e que a mudança de foro não obstaculiza o acesso à justiça do representante comercial.” STJ – AgRg no AREsp 695.601/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. 06/08/2015