PREVALÊNCIA E FATORES ASSOCIADOS À FÍSTULA FARINGOCUTÂNEA NO PÓS-OPERATÓRIO DE LARINGECTOMIA TOTAL: CASUÍSTICA DE SERVIÇO PÚBLICO ESPECIALIZADO NO ESTADO DO CEARÁ

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10081029


 Mateus Machado Bastos


RESUMO 

A laringectomia total é uma cirurgia realizada em pacientes com doenças da cabeça e pescoço, sendo mais comumente indicada em casos de neoplasia dessa região. Dentre as possíveis complicações deste procedimento, temos a fístula faringocutânea, qual seja uma comunicação entre a faringe e a pele, podendo predispor a infecções e demais complicações locais. O presente estudo buscou descrever e analisar o perfil de pacientes submetidos à laringectomia total no período de fevereiro de 2020 a setembro de 2022 no serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza (CCP – SCMF). Em uma amostra de 32 participantes, 11 (34.37%) evoluíram com fístula faringocutânea/salivar no pós-operatório imediato. Dos pacientes analisados, cerca de 97% são do sexo masculino e apresentam média de idade de 61.4 anos. Ainda, 83.8% dos pacientes eram etilistas e 65% tabagistas, mas somente 2 pacientes diabéticos e 1 paciente com DPOC. Quanto aos sítios de neoplasia, cerca de 75% dos participantes apresentaram tumor em glote e 9.4% múltiplos sítios; 58.1% invadiram linha média e 100% dos tumores foram diagnosticados como Carcinoma Espinocelular (CEC) via biópsia. Quanto a comparação entre os grupos em relação ao desfecho “fístula salivar”, observamos que a única variável com diferença estatisticamente significativa foi “Invasão Perineural” (p=0.05), de modo que cerca de 70% dos pacientes com fístula tinham esse achado, e por volta de 28% dos pacientes que não evoluíram com fístula também apresentavam este tipo de invasão. Em consonância com estes achados, nosso trabalho buscou apresentar os principais fatores descritivos da amostra de pacientes submetidos à laringectomia total no período analisado, servindo como mote para demais estudos com essa temática.  

Palavras chave: Laringectomia total; Fístula faringocutânea; Complicações.

ABSTRACT 

Total laryngectomy is a surgery performed in patients with head and neck diseases, being more commonly indicated in cases of neoplasia in this region. Among the possible complications of this procedure is pharyngocutaneous fistula, which is a communication between the pharynx and the skin that may predispose to infections and other local complications. This study sought to describe and analyze the profile of patients who underwent total laryngectomy from February 2020 to September 2022 at the head and neck surgery service of Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza (CCP – SCMF). In a sample of 32 participants, 11 (34.37%) developed pharyngocutaneous/salivary fistula in the immediate postoperative period. Of the patients analyzed, about 97% were male, with a mean age of 61.4 years. Also, 83.8% of the patients were alcoholics and 65% smokers, but only 2 diabetic patients and 1 patient with COPD. As for the sites of neoplasia, about 75% of the participants had a tumor in the glottis and 9.4% had multiple sites; 58.1% invaded the midline and 100% of the tumors were diagnosed as squamous cell carcinoma (SCC) by biopsy. When comparing the groups in relation to the outcome “salivary fistula”, we observed that the only variable with statistically significant difference was “Perineural Invasion” (p=0.05), so that about 70% of patients with fistula had this finding, and about 28% of patients who did not evolve with fistula also had this type of invasion. In line with these findings, our study sought to present the main descriptive factors of the sample of patients who underwent total laryngectomy in the period analyzed, serving as a motive for other studies on this topic. 

Keywords: Total laryngectomy; Pharyngocutaneous fistula; Complications.

1. INTRODUÇÃO 

A laringectomia total consiste em um procedimento cirúrgico com fins de extirpação completa das estruturas que compõem a laringe, bem como uma aposição de traqueostomia, pois a conexão via aérea superior – via aérea inferior será interrompida (CHOTIPANICH, 2021). Dentre as indicações principais, podemos citar em especial os carcinomas de laringe refratários à terapia convencional com quimioterapia/radioterapia, carcinomas de estruturas adjacentes com invasão local, casos de estenose laríngea após trauma e ainda a papilomatose laríngea recorrente (CEACHIR; HAINAROSIE; ZAINEA, 2014; SHAH; PATEL; SINGH, 2012). 

Nesse contexto, a indicação para a realização desse procedimento passa por uma rigorosa avaliação pré-operatória, onde o profissional responsável deve solicitar exames importantes tanto para o estadiamento da neoplasia, caso seja esta a indicação, quanto para identificar possíveis fatores que sejam contraindicações para o procedimento (CEACHIR; HAINAROSIE; ZAINEA, 2014). É um procedimento cirúrgico de alta complexidade e deve ter esclarecidas também as suas contraindicações, destacando-se a evidência de neoplasias que se estendem para além da fáscia pré-vertebral e tumores ou metástases que acometem a artéria carótida interna (CEACHIR; HAINAROSIE; ZAINEA, 2014; ISEH, 2011; SHAH; PATEL; SINGH, 2012).  

Sabendo da complexidade do procedimento, é fundamental que haja um planejamento cirúrgico adequado a fim de evitar danos desnecessários no momento da cirurgia, bem como para prevenção de complicações futuras (WEBER; BERKEY; FORASTIERE; COOPER et al., 2003). Há diferentes modalidades para abordagem cirúrgica destes pacientes, sendo a incisão a etapa inicial em todas elas.  

São até 8 tipos diferentes de incisão, devendo ser escolhido o melhor método que se segue à indicação cirúrgica; por exemplo, a “incisão em T” ou “duplo-Y” apresenta maior exposição do pescoço, facilitando em abordagens de esvaziamento, mas envolve trifurcação, necessitando de maior cuidado com a região (CEACHIR; HAINAROSIE; ZAINEA, 2014; CHOTIPANICH, 2021; WEBER; BERKEY; FORASTIERE; COOPER et al., 2003). Cuidados como a preservação de órgãos e vasos nobres da região devem ser realizados em todos os tempos cirúrgicos. 

Quanto às possíveis complicações da doença que levou à indicação do procedimento (ex.: metástases à distância por neoplasia laríngea), é necessário o acompanhamento com um especialista para planejamento de possíveis abordagens terapêuticas que melhorem o prognóstico do paciente (CEACHIR; HAINAROSIE; ZAINEA, 2014; ISEH, 2011).  

Após o manejo das possíveis complicações locais próprias da doença (ex.: metástases cervicais), faz-se a remoção da laringe por meio da dissecção e desinserção dos músculos supra-hioideos e ligadura dos vasos de nutrição. A remoção da laringe pode ser feita utilizando uma técnica aberta ou fechada, sendo a técnica mais tradicional a abordagem via faringe (CEACHIR; HAINAROSIE; ZAINEA,2014; PATEL; MOORE; WAX; ROSENTHAL et al., 2013).  

Trata-se de um procedimento com várias possíveis complicações, as quais podem comprometer uma área fundamental para a fisiologia do indivíduo: a via aérea. Se houver qualquer obstrução ou sinal que ofereça risco à passagem do ar para os pulmões com consequente inibição da hematose, o paciente corre risco de vida, podendo vir à óbito no pós-operatório (GANLY; PATEL; MATSUO; SINGH et al., 2005; ISEH, 2011). 

Assim, considerando as possíveis complicações, destacamos inicialmente que grande parte dos pacientes apresenta comorbidades como Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), Diabetes Mellitus (DM) e também doenças crônicas pulmonares ou hepáticas, as quais, junto a fatores como tempo prolongado de permanência no hospital e necessidade de reabordagem cirúrgica, estão entre os principais fatores que aumentam a incidência de complicações no pós-operatório desses pacientes (CEACHIR; HAINAROSIE; ZAINEA, 2014; GANLY; PATEL; MATSUO; SINGH et al., 2005). 

Dividindo as complicações entre precoces (2 dias a 3 semanas) e tardias (mais de 3 semanas), podemos citar como principais precoces: sangramentos, fístulas linfáticas e fístulas faringotraqueais ou faringocutâneas, sendo as fístulas faringocutâneas (FFCs) uma das complicações precoces mais comuns (BUSONI; DEGANELLO; GALLO, 2015; GALLI; VALENZA; PARRILLA; GALLA et al., 2009; GANLY; PATEL; MATSUO; SINGH et al., 2005; MILINIS; GASKELL; LAU; LANCASTER et al., 2021). Dentre as principais complicações tardias, citamos a estenose faringoesofágica e o hipotireoidismo, ocorrendo cerca de semanas a meses após a laringectomia total (CEACHIR; HAINAROSIE; ZAINEA, 2014; GANLY; PATEL; MATSUO; SINGH et al., 2005; LEONG; KARTHA; KATHAN; SHARP et al., 2012). 

Dentre os principais fatores de risco para desenvolvimento de FFCs em pacientes no pós-operatório de laringectomia total, citamos alcoolismo, alimentação precoce, tabagismo, alterações significativas na albumina sérica tanto no pré quanto no pós-operatório, a localização da neoplasia laríngea e ainda, de acordo com Busoni et al. em estudo randomizado, a incidência de FFCs aumenta em até 3 vezes quando da realização de radioterapia prévia e em até 8 vezes quando a radioterapia está associada também à quimioterapia (AIRES; DEDIVITIS; PETRAROLHA; BERNARDO et al., 2015; BUSONI; DEGANELLO; GALLO, 2015; GANLY; PATEL; MATSUO; SINGH et al., 2005; SAYLES; GRANT, 2014). 

Dada a relevância do tema, o presente trabalho busca analisar o perfil de pacientes submetidos à laringectomia total e que evoluíram com fístula faringocutânea no Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza-CE. Analisamos tanto fatores sociodemográficos como idade, sexo e comorbidades, quanto fatores clínicos, como o estadiamento da patologia, técnica cirúrgica e indicação para realização do procedimento. 

2. OBJETIVOS 

2.1 Objetivo Geral 

O objetivo central deste estudo consiste em analisar a prevalência e fatores associados à fístula faringocutânea em pacientes submetidos à laringectomia total no Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza-CE. 

2.2 Objetivos Específicos 

2.2.1 Descrever a amostra de pacientes submetidos à laringectomia total e que evoluíram com fístula faringocutânea no pós-operatório acompanhados em nosso serviço; 

2.2.2 Analisar a correlação entre o diagnóstico de fístula faringocutânea e variáveis como tipo de esvaziamento, comorbidades e aspectos do anatomopatológico (margens de neoplasia, invasão perineural e invasão angiolinfática); 

2.2.3 Avaliar as abordagens terapêuticas e fatores de melhora na abordagem das fístulas faringocutâneas na amostra em questão.

3. METODOLOGIA 

3.1 TIPO DE ESTUDO 

Trata-se de estudo descritivo-analítico, retrospectivo, de natureza quantitativa, cujos pacientes incluídos foram submetidos à laringectomia total por diagnóstico de neoplasia de cabeça e pescoço. Foi feito levantamento de prontuários do serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza-CE no período de fevereiro de 2020 a setembro de 2022. Desta forma, foram coletadas informações desses pacientes a fim de analisar a prevalência da intervenção cirúrgica e a associação de determinados fatores com a incidência de fístula faringocutânea. 

3.2 LOCAL E PERÍODO DO ESTUDO 

O estudo foi realizado na Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza (SCMF), e foi utilizada a metodologia retrospectiva de revisão de prontuários, onde foram revisados os prontuários de pacientes abordados cirurgicamente no serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço no período de fevereiro de 2020 a setembro de 2022. 

Os dados são referentes aos pacientes que realizaram laringectomia total no período supracitado.  

3.3 AMOSTRA E CRITÉRIOS DE INCLUSÃO/EXCLUSÃO

A amostra em questão é composta de pacientes submetidos cirurgicamente à laringectomia total no serviço de cirurgia de cabeça e pescoço da SCMF no período de 2020-2022. Os critérios de inclusão foram: pacientes submetidos à laringectomia total, com idade superior a 18 (dezoito) anos e que estiveram internados na SCMF no período em questão.  

Foram excluídos os pacientes menores de 18 (dezoito) anos e/ou que apresentavam dados incompletos no prontuário. 

3.4 PROCEDIMENTO E INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

Os dados foram coletados por meio de fonte secundária, a partir de registros complementares nos prontuários. Para melhor organização foi utilizado um checklist no qual foram anotados os dados: data do procedimento cirúrgico, sexo, idade, tipo de neoplasia, comorbidades, invasão de linha média, maior dimensão tumoral, resultado da biópsia, terapêuticas prévias (quimioterapia ou radioterapia), estadiamento tumoral, esvaziamento linfonodal, margens de neoplasia, caráter de invasão perineural ou angiolinfática, complicações imediatas e tardias. Vale destacar que determinadas informações não estavam descritas adequadamente no prontuário, dificultando o processo de coleta dos dados. 

3.5 ANÁLISE ESTATÍSTICA 

3.5.1 Tratamento dos Dados 

Os dados foram coletados entre os meses de outubro de 2022 e janeiro de 2023 com levantamento retrospectivo de prontuários de pacientes internados no serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço no período de fevereiro de 2020 a setembro de 2022. Criamos a variável desfecho “Fístula Salivar” frente à variável coletada “Complicações Imediatas”; deste modo, recodificamos em uma nova variável binária para fístula salivar, dividida em “Sim” ou “Não”. 

3.5.2 Análise Descritiva 

Analisamos a normalidade das variáveis numéricas contínuas por meio de histogramas e teste de Shapiro-Wilk. Dados clínicos dos participantes foram apresentados como mediana e quartis, bem como média e desvio padrão, para variáveis numéricas, e frequências relativas e absolutas, para variáveis categóricas. 

3.5.3 Análise Inferencial 

A amostra foi dividida em dois grupos: presença ou ausência de fístula salivar. Os grupos foram comparados por meio de testes de hipóteses sob um alfa de 0.05. Para variáveis categóricas, foram aplicados os testes qui-quadrado ou exato de Fisher, a depender das frequências esperadas. Variáveis contínuas apresentaram distribuições não normais de seus resíduos e foram comparadas através do teste de Wilcoxon. As análises foram conduzidas por meio do software R®. 

4. ASPECTOS ÉTICOS 

O projeto para realização desta pesquisa foi submetido à Plataforma Brasil, aceito e assinado pelo chefe do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Dr. Valdenor Neves Feitosa, constando como anexo neste trabalho. 

5. RESULTADOS

O presente estudo analisou 32 pacientes que realizaram laringectomia total no período de 2020 a 2022 do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza. Dos pacientes incluídos na análise, 11 evoluíram com fístula salivar no pós-operatório. As seções a seguir dividem os resultados em “Descrição da Amostra”, onde serão apresentados os dados descritivos referentes às variáveis que foram coletadas, e em “Inferência Estatística”, onde apresentamos os resultados mediante aplicação de testes de hipótese para verificação de diferença entre os grupos considerando a variável “Presença de fístula salivar”. 

5.1 Descrição da Amostra Na tabela 1, vemos uma descrição geral da amostra analisada. Observamos que 96.9% dos participantes é do sexo masculino, e que se trata de uma população idosa: média de idade de 61.4 anos. Além disso, quanto às comorbidades, vemos que a maioria dos participantes é tabagista ou etilista, ao passo que menos de 50% destes apresenta diagnóstico de HAS, DM ou DPOC.

Tabela 1 – Descrição da amostra de pacientes submetidos à laringectomia total no serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Santa Casa de Misericórdia no período de 2020-2022.

VariávelN = 321Dados faltantes
Sexo0
Masculino31 (96.9%)
Feminino1 (3.1%)
Idade 
Média (DP2
Mediana (IIQ2)
61.4 (10.9) 
62.0 (56.0, 69.2)
0
Tabagismo8
Sim20 (83.3%)
Não4 (16.7%)
Etilismo9
Sim15 (65.2%)
Não8 (34.8%)
HAS3
Sim7 (24.1%)
Não22 (75.9%)
DM3
Sim2 (6.9%)
Não27 (93.1%)
DPOC3
Sim1 (3.4%)
Não28 (96.6%)
1n (%). 2DP = Desvio Padrão; IIQ = Intervalo Interquartil.

Analisando as características macroscópicas das neoplasias cervicais dos pacientes submetidos à laringectomia no período analisado, vimos que 100% dos pacientes foram diagnosticados com carcinoma espinocelular. A maioria (75%) apresentava câncer de glote, e 3 pacientes foram diagnosticados com neoplasia em múltiplos sítios, conforme a tabela 2. 58% apresentaram neoplasia que invadia a linha média, de modo que a mediana da maior dimensão tumoral foi de 4.0 cm, com os outros 50% dos pacientes apresentando valores entre 3.5cm e 5.1cm.

Tabela 2 – Aspectos macroscópicos das neoplasias nos pacientes submetidos à laringectomia total no serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Santa Casa de Misericórdia no período de 2020-2022.

VariávelN = 321Dados faltantes
Tipo de Neoplasia0
Glote24 (75.0%)
Supraglote4 (12.5%)
Múltiplos sítios3 (9.4%)
Infraglote1 (3.1%)
Invasão de Linha Média1
Invade18 (58.1%)
Livre13 (41.9%)
Maior dimensão do tumor (cm) 
Média (DP2
Mediana (IIQ2)
4.3 (1.5) 
4.0 (3.5, 5.1)
2
Resultado da biópsia0
CEC32 (100.0%)
1n (%). 2DP = Desvio Padrão; IIQ = Intervalo Interquartil.

Na tabela 3, temos os aspectos clínicos dos pacientes do serviço em questão no período analisado. 25 pacientes não haviam realizado radioterapia prévia, ao passo que 27 pacientes também não haviam realizado quimioterapia prévia ao momento da internação para realização da laringectomia total. Considerando a quantidade elevada de dados faltantes para a variável albumina sérica devido a falta de registro em prontuários, vimos que a mediana da distribuição foi de 3.9, com os outros 50% dos participantes apresentando valores entre 2.7 e 3.8. Em relação às complicações, vimos que 53% dos participantes não apresentou nenhuma complicação no período da internação hospitalar até a alta, ao passo que 11 pacientes evoluíram com fístula salivar no pós-operatório imediato (primeiras 24h após o procedimento cirúrgico).

Tabela 3 – Aspectos clínicos dos pacientes submetidos à laringectomia total no serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Santa Casa de Misericórdia no período de 2020-2022

VariávelN = 321Dados faltantes
Radioterapia prévia0
Sim7 (21.9%)
Não25 (78.1%)
Quimioterapia prévia0
Sim5 (15.6%)
Não27 (84.4%)
 Uso de SNE por 21 dias32 (100.0%)
Albumina sérica 
Média (DP2
Mediana (IIQ2)
3.1, 0.7 
2.9 (2.7, 3.8)
27
Complicações Imediatas0
Nenhuma17 (53.1%)
Fístula salivar9 (28.1%)
Fístula salivar + quilosa1 (3.1%)
Fístula salivar infectada + Hematoma1 (3.1%)
Lesão do NC XI1 (3.1%)
Sangramento pelo TQT1 (3.1%)
Secreção hemática em FO1 (3.1%)
TSVP1 (3.1%)
Complicações Tardias
Nenhuma29 (93.5%)
CEC de língua sincrônico1 (3.2%)
IRA1 (3.2%)
1n (%). 2DP = Desvio Padrão; IIQ = Intervalo Interquartil.

Na tabela 4 há a descrição dos aspectos anatomopatológicos das neoplasias dos pacientes submetidos à laringectomia no período e local em questão. Quanto ao estadiamento tumoral pelo sistema TNM, 80% dos participantes apresentava estádio IV, sendo 63.3% em estádio IVA e 16.7% em estádio IVB, denotando a gravidade das neoplasias. Foi feito esvaziamento linfonodal radical modificado bilateral em cerca de 90% dos participantes, além de que, dos pacientes cuja informação estava disponível, 100% fizeram reconstrução simples e 100% também colocaram dreno no pós-operatório. 14.3% dos pacientes apresentava neoplasia que invadia linha média, de modo que 43% das neoplasias evoluíram com invasão angiolinfática e mais de 30% invadiram a região perineural adjacente.

Tabela 4 – Aspectos patológicos das neoplasias nos pacientes submetidos à laringectomia total no serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Santa Casa de Misericórdia no período de 2020-2022.

VariávelN = 321Dados faltantes
Estadiamento Tumoral (TNM)2
 T
T4a17 (56.7%)
T39 (30.0%)
T11 (3.3%)
T21 (3.3%)
T41 (3.3%)
T4b1 (3.3%)
N3
 N013 (44.8%)
 N14 (13.8%)
 N3b4 (13.8%)
 N2a3 (10.3%)
 N2c2 (6.9%)
 N21 (3.4%)
 N2b1 (3.4%)
 Nx1 (3.4%)
 M3
 M029 (100.0%)
Graus de Estadiamento Tumoral (TNM)2
IVA19 (63.3%)
III5 (16.7%)
IVB5 (16.7%)
I1 (3.3%)
Esvaziamento1
Wide-field bilateral13 (42.0%)
Radical modificado18 (58.0%)
Reconstrução2
Simples30 (100.0%)
Colocação de dreno1
Sim31 (100.0%)
TQT de proteção1
Sim10 (32.3%)
Não21 (67.7%)
Margens4
Livres24 (85.7%)
Comprometidas4 (14.3%)
Invasão perineural4
Sim12 (42.9%)
Não16 (57.1%)
Invasão angiolinfática4
Sim10 (35.7%)
Não18 (64.3%)
1n (%).

5.2 Inferência Estatística 

A tabela 5 nos traz informações sobre os pacientes que evoluíram com fístula salivar em comparação aos que não apresentaram esta complicação imediata. Dos 11 pacientes que apresentaram este diagnóstico, 1 apresentou ainda fístula quilosa com saída de linfa, e outro apresentou ainda infecção de fístula salivar junto a hematoma local. Observamos que 100% dos pacientes que evoluíram com fístula salivar eram tabagistas e mais de 80% estilistas.

Tabela 5 – Análise comparativa das características demográficas dos pacientes com diagnóstico pós operatório de fístula salivar submetidos à laringectomia total no serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Santa Casa de Misericórdia no período de 2020-2022.

Fístula Salivar
VariávelSim, N = 111Não, N = 211Dados faltantesp-valor
Sexo0>0.999
Masculino11 (100.0%)20 (95.2%)
Feminino0 (0.0%)1 (4.8%)
Idade 
Média (DP1
Mediana (IIQ1)
63.9, 11.0 
64.0 (56.5, 71.5)
60.0, 10.8 
61.0 (54.0, 65.0)
00.302
Tabagismo80.262
Sim8 (100.0%)12 (75.0%)
Não0 (0.0%)4 (25.0%)
Etilismo90.345
Sim6 (85.7%)9 (56.2%)
Não1 (14.3%)7 (43.8%)
HAS3>0.999
Sim2 (20.0%)5 (26.3%)
Não8 (80.0%)14 (73.7%)
DM3>0.999
Sim1 (10.0%)1 (5.3%)
Não9 (90.0%)18 (94.7%)
DPOC3>0.999
Sim0 (0.0%)1 (5.3%)
Não10 (100.0%)18 (94.7%)
1n (%); DP = Desvio Padrão; IIQ = Intervalo Interquartil.
2Teste exato de Fisher; Teste de soma de postos de Wilcoxon

Na tabela abaixo, temos uma análise comparativa das características do intra operatório e do anatomopatológico das neoplasias dos pacientes submetidos à laringectomia total na amostra em questão. O CEC supraglótico foi maioria tanto nos pacientes que evoluíram com fístula salivar, quanto naqueles que não tiveram esta complicação. 

Por volta de 82% dos pacientes com fístula tinham diagnóstico de neoplasia que invadia linha média, e somente 45% dos que não tinham fístula apresentavam neoplasia desse tipo (p=0.06). Adiante, a mediana da maior dimensão tumoral foi, em termos absolutos, maior no grupo com fístula salivar (4.5) do que no grupo sem essa complicação (3.7). 

Ainda, observamos que houve diferença significativamente estatística entre os pacientes cuja neoplasia apresentava invasão perineural, de modo que 70% apresentavam tal achado patológico dentre os que evoluíram com fístula, ao passo que 72.2% dos que não tiveram fístula, a neoplasia também não apresentou invasão em estruturas nervosas proximais.

Tabela 6 – Análise comparativa das características da neoplasia dos pacientes com diagnóstico pós operatório de fístula salivar submetidos à laringectomia total no serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Santa Casa de Misericórdia no período de 2020-2022.

Fístula Salivar
VariávelSim, N = 111Não, N = 211Dados faltantesp-valor2
Tipo de Neoplasia00.300
Glote7 (63.6%)17 (81.0%)
Supraglote1 (9.1%)3 (14.3%)
Múltiplos sítios2 (18.2%)1 (4.8%)
Infraglote1 (9.1%)0 (0.0%)
Invasão de Linha Média10.066
Invade9 (81.8%)9 (45.0%)
Livre2 (18.2%)11 (55.0%)
Maior dimensão tumoral (cm)
Média (DP1
Mediana (IIQ1)
4.8, 1.2 
4.5 (4.0, 5.3)
4.0, 1.6 
3.7 (2.8, 4.4)
20.086
Estadio tumoral20.620
IVA7 (63.6%)12 (63.2%)
III2 (18.2%)3 (15.8%)
IVB1 (9.1%)4 (21.1%)
I1 (9.1%)0 (0.0%)
Invasão perineural40.050
Sim7 (70.0%)5 (27.8%)
Não3 (30.0%)13 (72.2%)
Invasão angiolinfática40.097
Sim6 (60.0%)4 (22.2%)
Não4 (40.0%)14 (77.8%)
1n (%); DP = Desvio Padrão; IIQ = Intervalo Interquartil.
2Teste exato de Fisher; Teste de soma de postos de Wilcoxon.

A tabela 7 apresenta as características dos grupos quanto a aspectos clínicos e de terapêuticas utilizadas pelos pacientes. Inicialmente, é importante considerar a grande quantidade de dados faltantes para a variável “Albumina sérica” devido a dificuldade de localização deste registro nos prontuários. Assim, a maioria dos pacientes que evoluiu com fístula salivar não realizou radioterapia prévia (72.7%), ao passo que a grande maioria dos que não tiveram fístula também não realizou quimioterapia prévia (90.5%). Ainda, em relação a tratamentos adjuvantes, vimos que quase 70% dos pacientes tanto do grupo que evoluiu com fístula quanto o outro grupo realizou quimioterapia e radioterapia.

Tabela 7 – Análise comparativa das características clínicas e terapêuticas dos pacientes com diagnóstico pós operatório de fístula salivar submetidos à laringectomia total no serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Santa Casa de Misericórdia no período de 2020-2022.

Fístula Salivar
VariávelSim, 
N = 111
Não, 
N = 211
Dados faltantesp-valor2
RT prévia
Sim3 (27.3%)4 (19.0%)
Não8 (72.7%)17 (81.0%)
QT prévia00.310
Sim3 (27.3%)2 (9.5%)
Não8 (72.7%)19 (90.5%)
Albumina sérica 
Média (DP1
Mediana (IIQ1)
3.3, 0.6 
3.3 (2.8, 3.8)
2.3, 0 
2.3 (2.3, 2.3)
270.400
Adjuvância90.260
RT e QT6 (66.7%)12 (85.7%)
RT3 (33.3%)1 (7.1%)
QT0 (0.0%)1 (7.1%)
1n (%); DP = Desvio Padrão; IIQ = Intervalo Interquartil.
2Teste exato de Fisher; Teste de soma de postos de Wilcoxon.

5.3 Análise de Subgrupo 

Na tabela abaixo, observamos uma descrição geral dos pacientes submetidos a laringectomia total no período em questão e que evoluíram com complicação imediata de fístula salivar. A média de idade foi de 64 anos, ao passo que 100% destes pacientes eram tabagistas. Dado que as demais características já foram previamente apresentadas, observamos o tratamento das fístulas nos pacientes: em mais de 50% dos casos, optou-se por tratamento conservador.

Tabela 8 – Aspectos descritivos do subgrupo de pacientes com diagnóstico pós-operatório de fistula salivar submetidos à laringectomia total no serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Santa Casa de Misericórdia no período de 2020-2022.

VariávelN = 111Dados faltantes
Idade 
 Média (DP1
 Mediana (IIQ1)
63.9, 11.0 
64.0 (56.5, 71.5)
0
Tabagismo3
Sim8 (100.0%)
Etilismo4
Sim6 (85.7%)
Não1 (14.3%)
Tipo de Neoplasia0
Glote7 (63.6%
Múltiplos sítios2 (18.2%)
Infraglote1 (9.1%)
Supraglote1 (9.1%)
Invasão de Linha Média0
Invade9 (81.8%)
Livre2 (18.2%)
Maior dimensão do tumor (cm) 
 Média (DP1
 Mediana (IIQ1)
4.8, 1.2 
4.5 (4.0, 5.3)
1
Estadio Tumoral (segundo o TNM)0
IVA7 (63.6%)
III2 (18.2%)
I1 (9.1%)
IVB1 (9.1%)
Margens1
Livre7 (70.0%)
Comprometida3 (30.0%)
Invasão perineural1
Sim7 (70.0%)
Não3 (30.0%)
Invasão angiolinfática1
Sim6 (60.0%)
Não4 (40.0%)
Tratamento da Fístula0
Conservador6 (54.5%)
Conservador + GTT1 (9.1%)
Debridamento cirúrgico2 (18.2%)
Reabordagem cirúrgica1 (9.1%)
Reabordagem cirúrgica + NPT1 (9.1%)
1n (%); DP = Desvio Padrão; IIQ = Intervalo Interquartil. 

6. DISCUSSÃO

Pode-se dizer que a primeira laringectomia total para um tumor maligno realizada em paciente humano remonta ao ano de 1873, por Billroth em Viena. Embora bastante complicada do ponto de vista anestésico e de controle hemostático, a operação teve sucesso, com sobrevida inicial de 7 meses e reabilitação completa da deglutição (Kierzek A, et al., 2013). Esta primeira experiência já demonstrava com simplicidade as dificuldades inerentes ao procedimento, dentre estas a anastomose do remanescente faríngeo, cuja eventual deiscência culmina em comunicação entre faringe e pele. 

O procedimento rapidamente evoluiu com implementação de novas técnicas e instrumentação, sendo finalmente padronizada por volta de 1950 por Martin e Ogura (Ogura J, Bello J, 1952). Implementou-se a realização de esvaziamento cervical no mesmo tempo cirúrgico e, mais recente, os protocolos de preservação de órgãos, terapia multimodal e laringectomias parciais (Ceachir O, et al., 2014). 

Cerca de 90% das neoplasias malignas da laringe tem como subtipo histológico o carcinoma epidermóide (CEC), sendo possível extrapolar informação semelhante para toda a mucosa do trato respiratório superior. Essa etiologia é de grande importância para a especialidade Cirurgia de Cabeça e Pescoço, sendo o CEC de laringe representante de 25% dos tumores malignos da região e 2% de todas as doenças malignas (Filho V, et al., 2013). 

A observação de nossas amostras segue padrão semelhante, com todos os casos da instituição representados pela histologia CEC, cabe ressaltar, no entanto, a grande prevalência de tumores em estadio avançado. Estádios IVA e IVB representaram 72,7% da amostra, enquanto em outras séries na literatura essa relação permaneceu em 40,1% (Busoni M, et al., 2015). Vemos ainda consonância com dados populacionais de distribuição demográfica em nossa amostra, sendo a maioria dos pacientes do sexo masculino (96,9%), tabagistas (83,3%) e com idade média de 61,4 anos. 

Em revisão do ano de 2022, encontramos incidência de fístula média de 14,88%, variando entre 4,88% e 35,29% (Rao K, et al., 2022), faixa que engloba nossa experiência, com 34,37% de incidência, embora o valor seja incomum dentre as referências analisadas, possivelmente se relacionando com estádios tumorais mais avançados e maior complexidade dos procedimentos empregados. 

Os fatores associados à fístula no mesmo trabalho incluíram presença de comorbidades (as principais sendo diabetes, hipertensão e cardiopatias), envolvimento de hipofaringe, hemoglobina e albumina pré-operatórias, uso de grampeador para o fechamento da faringe e margem mucosa comprometida (Rao K, et al., 2022), existem ainda outros fatores possivelmente relacionados na literatura, embora sejam alvo de grande controvérsia, incluindo idade, tabagismo, alcoolismo, sítio acometido, estadiamento tumoral e radioterapia prévia regional (Busoni M, et al., 2015). 

Em nosso trabalho se mostrou significativa a relação entre incidência de fístula salivar e invasão perineural (p < 0,05). Outros fatores possivelmente associados em nosso estudo seriam a invasão de linha média e maior tamanho tumoral, ambos relacionados à extensão da ressecção, embora não tenham se mostrado significativos. Possivelmente esse resultado possa ser melhor avaliado ao ampliar o n pesquisado na instituição. 

Houve um esforço por parte de meta-análise recente em verificar associação entre o tipo de fechamento da faringe, o fio utilizado e a incidência de fístula salivar, no entanto sem sucesso (Chotipanich A, Wongmanee S, 2022). As duas técnicas empregadas são o fechamento horizontal e o fechamento em T, variando ainda a quantidade de planos utilizados. 

Em nossa instituição utilizamos por padrão o fechamento em T, utilizando plano único e fio Vicryl 3.0 para pontos de fechamento da faringe. Quanto ao esvaziamento, utiliza-se a técnica de Wide-field para tumores sem envolvimento nodal e esvaziamento radical modificado, com preservação de estruturas, na presença de envolvimento de cadeias cervicais. 

Como já exposto, encontrou-se algum benefício no uso de grampeadores para o trato aerodigestivo na incidência de complicações, no entanto, tais materiais ainda são financeiramente inviáveis na prática em nosso serviço, bem como em outras instituições públicas e filantrópicas. 

Em se falando na complicação mais frequente da laringectomia total e no impacto em morbidade, tempo de internação e custos com o paciente que desenvolve fístula faringocutânea é mais que importante analisar as possibilidades terapêuticas. O tratamento em casos de fístula faringocutânea depende da gravidade e extensão da lesão, além de fatores individuais do paciente, como idade, estado nutricional e presença de comorbidades (Sumarroca A, et al., 2018). 

A abordagem deve ser individualizada e baseada na gravidade e extensão da lesão. As abordagens conservadoras, com antibioticoterapia, nutrição enteral por sonda nasogástrica e cuidados locais com a ferida são geralmente reservadas para fístulas de pequeno a médio porte, cabendo inclusive a possibilidade de acompanhamento ambulatorial em casos selecionados (Sumarroca A, et al., 2018). Em casos mais graves, a reabordagem cirúrgica pode ser necessária, podendo-se utilizar técnicas com desbridamento da ferida, utilização de enxertos de pele ou retalhos miocutâneos, e, em casos mais extensos, uso de retalhos livres (Alvarez Morujo R, et al., 2018). 

A prevenção da fístula faringocutânea em nossa instituição inclui medidas como a otimização do estado nutricional do paciente antes e após a cirurgia, a administração de antibióticos profilaxia cirúrgica e o controle rigoroso da glicemia em pacientes diabéticos. A terapia na maioria dos casos observados limitou-se à abordagem conservadora (63,5%), com medidas para redução do débito da fístula e utilização de curativos. 

A terapia de escolha para os casos graves em literatura, bem como em nossa prática são o retalho miocutâneo do músculo peitoral maior ou retalhos livres (Alvarez-Morujo R, et al., 2018), estes últimos ainda incipientes em nosso serviço. O manejo é feito em conjunto com equipe multiprofissional, envolvendo profissional estomaterapeuta e fisioterapeuta. 

7. BENEFÍCIOS E LIMITAÇÕES 

O presente estudo buscou analisar a prevalência e fatores associados à fístula salivar na amostra de pacientes submetidos à laringectomia total no período de fevereiro de 2020 a setembro de 2022. 

Como benefícios, podemos citar o fato de que se trata de uma casuística, isto é, uma descrição de casos de um serviço especializado de nível terciário do nordeste do Brasil; demonstra a relevância da apresentação do trabalho, pois se trata da experiência de um serviço com alto grau de complexidade. 

Outro benefício que podemos citar é a descrição de um elevado número de pacientes com diagnóstico pós-operatório de fístula salivar (34.3%) e baixo índice de demais complicações. Ainda, o fato de que a maior parte das FFCs recebeu tratamento conservador, mostrando a possibilidade de que não haveria benefício de nova intervenção nos pacientes em questão. 

Em relação às limitações de nosso trabalho, podemos citar a ausência de um sistema integrado com tais informações, sendo a coleta de dados realizada por meio de revisão de prontuários; algumas informações como tempo de internação, medicamentos utilizados para tratamento de complicações e materiais utilizados no procedimento não constavam nos prontuários. Além disso, citamos a ausência de informações sobre variáveis como “Albumina sérica”, dificultando a análise referente a esse fator. 

Uma limitação importante que reflete a revisão por prontuários é o fato de não haver informações de acompanhamento longitudinal dos pacientes na internação, ou seja, não conseguimos fazer uma análise temporal dos pacientes considerando a variável tempo. 

8. CONCLUSÃO 

A laringectomia total é um procedimento cirúrgico realizado para tratamento de patologias da laringe, das quais podemos citar como exemplos mais comuns as neoplasias de laringe. Desse modo, esta cirurgia é comumente realizada como abordagem terapêutica em pacientes com diagnóstico de tumor de laringe, uma vez revisado o estado geral do paciente e a indicação de acordo com o estadiamento da neoplasia. 

Em nosso estudo, vimos que 34.3% dos pacientes que realizaram laringectomia total na SCMF evoluíram com fístula salivar como complicação imediata no pós-operatório. Destes pacientes, a maioria apresentava neoplasias com invasão perineural e angiolinfática, além de estadiamentos avançados como IVA e IVB, denotando o caráter de gravidade das patologias em questão. 

Desse modo, esperamos que nosso trabalho sirva de base para demais pesquisas na área de cirurgia em cabeça e pescoço, e em especial na parte de seguimento a longo prazo de pacientes com diagnóstico pós-operatório de fístula salivar, enfocando aspectos como a qualidade de vida e aspectos biopsicossociais desses pacientes.

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