PREVALÊNCIA DO MAL DE HANSEN NA CAPITAL RONDONIENSE NOS ANOS DE 2018 A 2021

PREVALENCE OF LEPROSY IN THE CAPITAL OF RONDÔNIA IN THE YEARS OF 2018 TO 2021

PREVALENCIA DE LA ENFERMEDAD DE HANSEN EN LA CAPITAL DE RONDONIA EN LOS AÑOS 2018 A 2021

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10598843


Amanda Arlete Gurgel do Amaral Bacellar1
Andressa Flores da Costa1
Luiza Helena Becker de Melo e Silva1
Maísa da Silva Brilhante1
Arlindo Gonzaga Branco Junior 1, 2, 3, 4


RESUMO

Objetivo: Analisar o perfil sociodemográfico dos pacientes acometidos com Hanseníase no município de Porto Velho entre os anos de 2018 a 2021. Métodos: Trata-se de um estudo do tipo descritivo com abordagem quantitativa, que analisará o perfil sociodemográfico dos pacientes acometidos pela hanseníase através do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) entre os anos de 2018 a 2021. Resultados: No período analisado, foram notificados 459 casos, com maior ocorrência no ano de 2019. Os casos notificados de Hanseníase foram mais recorrentes em indivíduos com a faixa etária entre 50 a 59 anos (22,8%), sexo masculino (62,4%) e cor parda (76%). Acerca da escolaridade, 24% dos indivíduos não declararam a variável, predominando ensino fundamental completo em segundo lugar (19,2%). Preponderou a forma clínica dimorfa (66,7%), com grau zero de incapacidade (52,7%). Considerações finais: Houve diminuição dos casos notificados nos anos 2020 e 2021, período da pandemia COVID-19. 

Palavras-chave: Hanseníase, Epidemiologia, Rondônia. 

ABSTRACT

Objective: To analyze the sociodemographic profile of patients affected by leprosy in the city of Porto Velho between 2018 and 2021. Methods: This is a descriptive study with a quantitative approach, which will analyze the sociodemographic profile of patients affected by leprosy through of the Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) between the years 2018 and 2021. Results: In the period analyzed, 459 cases were reported, with the highest occurrence in 2019. The reported cases of Leprosy were more recurrent in individuals within the age group between 50 and 59 years old (22.8%), male (62.4%) and mixed race (76%). Regarding education, 24% of individuals did not declare the variable, with complete primary education coming in second (19.2%). The dimorphic clinical form predominated (66.7%), with grade zero disability (52.7%). Final considerations: There was a decrease in reported cases in 2020 and 2021, the period of the COVID-19 pandemic. 

Key words: Leprosy, Epidemiology, Rondonia. 

RESUMEN 

Objetivo: Analizar el perfil sociodemográfico de los pacientes afectados por Enfermedad de Hansen en la ciudad de Porto Velho entre 2018 y 2021. Métodos: Se trata de un estudio descriptivo con enfoque cuantitativo, que analizará el perfil sociodemográfico de los pacientes afectados por lepra por medio del Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) entre 2018 y 2021. Resultados:En el período analizado se reportaron 459 casos, siendo la mayor ocurrencia en el 2019. Los casos reportados de Lepra fueron más recurrentes en individuos con el grupo etario entre 50 y 59 años (22,8%), varones (62,4%) y mestizos (76%). Acerca de la educación, el 24% de los individuos no declaró la variable, ocupando el segundo lugar la educación primaria completa (19,2%). Predominó la forma clínica dimórfica (66,7%), con grado cero de discapacidad (52,7%). Conclusión: Hubo una disminución de casos reportados en 2020 y 2021, período de la pandemia COVID-19. 

Palabras clave: Lepra, Epidemiología, Rondonia.

INTRODUÇÃO

A Hanseníase (ou Mal de Hansen) é uma doença infectocontagiosa antiga de importante notificação compulsória e possui o bacilo álcool-ácido resistente Mycobacterium leprae como causador da doença. Além de ter o tropismo pela derme, sua clínica também prejudica os nervos periféricos, especialmente nas regiões dos pés, mãos e olhos (SANTOS AR e IGNOTTI E, 2020). 

A transmissão da doença ocorre pelo contato direto com gotículas de saliva e secreções nasais do indivíduo infectado. A forma transmissora denomina-se como multibacilar e caracteriza-se pela presença de mais de cinco lesões na pele e ou mais de um tronco nervoso acometido; ela subdivide-se na forma clínica Dimorfa ou Virchowiana. Enquanto isso, na forma paucibacilar, os casos possuem até cinco lesões de pele e ou apenas um tronco nervoso comprometido, agrupando-se na forma Indeterminada e forma Tuberculoide (SANTOS KCB, et al., 2019). 

É válido ressaltar que se trata de uma doença que possui notificação compulsória em todo o território nacional e que a investigação epidemiológica é obrigatória. As notificações devem ser realizadas pelo profissional de saúde, na semana e local em que o paciente recebeu o diagnóstico, por meio do preenchimento da Ficha de Notificação/Investigação da Hanseníase do Sistema de Informação de Agravos (SINAN). Desse modo, a finalidade é quebrar a cadeia de transmissão, como também prevenir as incapacidades físicas (BRASIL, 2019). 

No Brasil, o Mal de Hansen é considerado como uma importante doença para saúde pública, pois acomete principalmente populações com perfis mais vulneráveis que abrangem uma assistência social e sanitária incerta (VIEIRA et al., 2014). 

Historicamente, o acesso ao sistema de saúde das pessoas com Hanseníase é dificultado devido a um longo itinerário terapêutico até a confirmação diagnóstica, tornando-se uma doença negligenciada (MARTINS PV e IRIART JAB, 2014).

É importante salientar que no período de 2015 a 2019, foram diagnosticados 137.385 novos casos de Hanseníase no Brasil, o que caracteriza alta taxa de endemicidade da doença, principalmente em regiões de risco (BRASIL, 2021).

Baseado nessa premissa e atrelado à pandemia Covid-19 que se deu no início do ano de 2020, compreender a prevalência do Mal de Hansen durante os anos de 2020 e 2021 se torna interessante, de forma a possibilitar o sistema de saúde tecer estratégias para o seguimento de pessoas acometidas com a Hanseníase. Outro ponto importante inclui comparar o período pandêmico com anos anteriores a fim de analisar estes resultados entre os estados do país. 

O distanciamento social resultante da pandemia Covid-19 e redução dos atendimentos em Saúde em virtude da pandemia fez com que considerável número de pacientes tivesse seus tratamentos cancelados ou adiados, aumentando a taxa de contaminação da doença (NETO EF, 2020). Tal acontecimento pode ter alterado o perfil sociodemográfico dos casos notificados no estado de Rondônia.

Pensando nesta problemática, este trabalho tem por objetivo avaliar a prevalência de Mal de Hansen na cidade de Porto Velho – Rondônia nos anos de 2018-2021 e avaliar o perfil sociodemográfico desta população, bem como a evolução da doença nas pessoas notificadas neste período.

MÉTODOS 

Trata-se de um estudo do tipo descritivo com abordagem quantitativa, que analisou o perfil sociodemográfico dos pacientes acometidos com hanseníase no município de Porto Velho, Rondônia, entre o período de 2018 a 2021. 

Para a realização deste estudo, foi utilizada a plataforma DATASUS (2022), que refere ao Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, que detém informações do Cadastro Nacional do Estabelecimento de Saúde, como o número de nascidos vivos e de mortalidade, imunizações e demais informações. 

Foram incluídos no presente estudo todos os indivíduos diagnosticados com Hanseníase no período de 2018 a 2021 no município de Porto Velho, Rondônia, abrangendo todas as formas clínicas notificadas e todos os desfechos clínicos. 

Os dados foram tabulados pela plataforma Excel através da utilização do DATASUS, e depois de tabulados serão organizados em planilhas e analisados quantitativamente.

RESULTADOS 

O número de notificações de Hanseníase na capital rondoniense, no ano de 2018, resultou em 122 casos. No ano de 2019, 132 casos foram registrados. No ano de 2020, houve 96 casos e, em 2021, 109 casos notificados. O número total integrando os quatro anos analisados foi de 459 notificações de Hanseníase. 

Primeiramente, analisa-se o número de indivíduos com Hanseníase notificados por faixa etária no período entre 2018 a 2021. Em 2018, foram declarados 22,13% (27) casos de pessoas entre 50 a 59 anos, prevalecendo esta faixa etária. Por outro lado, em 2019, houve predomínio na faixa etária de 40 a 49 anos, com 22,72% (30) dos casos. Em 2020 e 2021, 22,9% dos casos prevaleceram na faixa etária de 50 a 59 anos. Dessa forma, percebe-se que a população entre 50 a 59 anos de idade foi a mais afetada pela Hanseníase no período analisado, apresentando no total 22,44% dos casos (Tabela 1). 

Tais resultados também condizem quando comparados com outras regiões do Brasil onde estados como Tocantins, Mato Grosso, Maranhão, Piauí e Pará demonstraram um aumento nas taxas de detecção de novos casos por 100 mil habitantes em pessoas com 60 ou mais anos de idade durante o período de 2016 a 2018. Sendo assim, tais comparações reforçam a necessidade de busca de casos nesse grupo populacional, podendo assim facilitar a detecção, o tratamento e consequentemente o bloqueio das fontes de infecção da doença (ROCHA MC, et al., 2020). 

Tabela 1: Número de indivíduos diagnosticados com Hanseníase por faixa etária entre 2018 a 2021 em Porto Velho.

Faixa Etária (13)2018201920202021Total
1 a 4 anos11
5 a 9 anos1124
10 a 14 anos21126
15 a 19 anos762318
20 a 29 anos2415131466
30 a 39 anos2123181981
40 a 49 anos1930172187
50 a 59 anos27292225103
60 a 69 anos1119191564
70 a 79 anos773724
80 anos e mais3115
Total12213296109459

Fonte: Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net, 2023.

A Tabela 2 ilustra a distribuição de indivíduos acometidos por Hanseníase de acordo com o sexo durante o período de 2018 a 2021. De acordo com a plataforma DATASUS, houve maior incidência de casos em indivíduos do sexo masculino, com percentagem de 62,41% (279), enquanto nas mulheres resultou em 37,58% (168) casos.

Em relação às altas taxas de diagnóstico em indivíduos do sexo masculino, os estudos de Oliveira GS, et al. (2022), bem como Watanuki AP, et al. (2023), Santos DA, et al. (2023) e Almeida C, et al. (2023) também descreveram maior incidência em homens. 

Dessa forma, historicamente, a cultura patriarcal e os estereótipos de masculinidade submetem os homens à “invulnerabilidade” e ao papel social de provedor do lar, o que os leva a maiores exposições de risco e a diminuição na busca por auxílio em saúde. Essa função social, é questionada e ameaçada pelo Mal de Hansen (BRASIL, 2009; MINUZZO DA, 2008).

Estudos revelam que indivíduos infectados com Hanseníase enfrentam discriminação por efeito das lesões dermatológicas, ou são dispensados de seus locais de trabalho devido à patologia e ao estigma que esta carrega. Compreende-se, então, que pacientes masculinos temem diagnóstico de Hanseníase, uma vez que isso pode ser equivalente a perdas socioeconômicas e à quebra de sua invulnerabilidade (BRASIL, 2009; MINUZZO DA, 2008; SARAIVA ER, 2020, SANTOS TP, 2022).

Tabela 2: Notificação de hanseníase de acordo com o sexo durante o período de 2018 a 2021. 

Ano NotificaçãoMasculinoFemininoTotal
20187442116
20198148129
2020613495
20216344107
Total279168447

Fonte: Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net, 2023.

Em referência à raça dos indivíduos notificados com Hanseníase, a raça parda prevaleceu, com 76% das notificações (350). Em seguida, a população branca com 16,5% (76), preta com 3% (15), amarela com 1,5% (7), indígena com uma notificação e 10 notificações que não informam raça.

Esses resultados condizem com estudos semelhantes referentes a outros estados do Brasil, como Santos KCB, et al. (2023) e Watanuki AP, et al. (2023) descreveram, sendo fortemente predominante o diagnóstico de Hanseníase na raça parda. 

Como Damasceno PR et al (2023) argumentaram, a predominância da raça parda no perfil epidemiológico da Hanseníase sugere focos endêmicos não diagnosticados no estado, além de evidenciar a miscigenação populacional da região Norte. 

De maneira condizente aos resultados citados, o Censo Demográfico 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística revelou que, dos cerca de 325 mil nascidos vivos relatados no censo, aproximadamente 200 mil eram indivíduos pardos. Isso sugere a forte predominância dessa raça no perfil demográfico da cidade de Porto Velho. Esse fato revela a razão da maior porcentagem de indivíduos pardos no perfil de notificações de Hanseníase entre os anos de 2018 a 2021.

Ao analisar os indivíduos acometidos pela Hanseníase por escolaridade, pode-se inferir que, no período entre 2018 a 2021, 24% ignoraram/deixaram em branco o dado. Nos demais, observa-se que 4,4% são analfabetos e 14% possuem a 1ª a 4ª série incompleta do ensino fundamental. 

Além disso, 4% apresentam a 4ª série completa do ensino fundamental, 12% possuem a 5ª a 8ª série incompleta do ensino fundamental, 10,2% detêm ensino fundamental completo, 4,9% possuem ensino médio incompleto, 19,2% manifestam ensino médio completo, 2,2% possuem educação superior incompleta, 4,2% revelam educação superior completa e 0,67% dos casos não se aplicam nesses critérios. 

É importante destacar o número elevado de infectados (24% dos casos) que estão inseridos no item “ignorado/em branco” na indicação de escolaridade no processo de notificação da Hanseníase. O preenchimento inadequado das fichas de notificação fornece dados deficientes que impossibilitam a compreensão do processo saúde-doença e impede o monitoramento espaço-temporal de epidemias. Sob essa visão, tal prática pode resultar em um obstáculo para a gestão em saúde direcionar ações públicas de prevenção e controle para essa população (MARQUES CA, et al., 2020). 

Em adição, verifica-se alta concentração de casos em indivíduos com ensino superior completo (19,2%) e tal perspectiva pode evidenciar uma carência no acesso ao serviço de saúde entre cidadãos de menor escolaridade. A Hanseníase enquadra-se no grupo de doenças negligenciadas, de forma que o estado nutricional, a condição de habitação e a escolaridade são fatores associados à ocorrência da patologia (PEGAIANI KN, et al., 2023). Assim, valores reduzidos dos casos de Hanseníase em indivíduos analfabetos e do ensino fundamental podem sugerir uma subnotificação devido à escassez do diagnóstico em populações vulneráveis. 

De modo a fomentar tal alegação, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2021) demonstra que a quantidade de indivíduos matriculados no ensino fundamental (75.628 matrículas) ultrapassa a quantidade de indivíduos matriculados no ensino médio (20.131 matrículas) em Porto Velho – RO. Logo, nota-se maior concentração populacional em matriculados no ensino fundamental, sendo discordante com a distribuição dos casos de Hanseníase pelo determinante social de escolaridade.

Além disso, a título de comparação, o estado do Pará – localizado na região Norte – registrou frequência maior de casos de Hanseníase em indivíduos que possuem da 1ª a 4ª série do ensino fundamental incompletas (23,4%) no período entre 2017 e 2021 (DAMASCENO PR, et al., 2023). 

A baixa escolaridade dos indivíduos com Hanseníase influência no letramento em saúde do paciente. Segundo Ribas KH, et al. (2021), esta habilidade envolve a compreensão e utilização de serviços para ações que envolvem saúde própria e de outros. 

Dessa forma, o letramento torna-se um condicionante para efetividade terapêutica e cuidado equânime. De acordo com dados do DATASUS (2023), seguindo a variável de escolaridade, o grupo de indivíduos com maior concentração de incapacidades possuem 1ª a 4ª série incompleta do ensino fundamental, representando 22,14% dos casos no período entre 2018 a 2021. Logo, a baixa escolaridade pode dificultar a adesão ao tratamento, gerando impacto no desfecho clínico de incapacidade em indivíduos infectados.

Ao analisar os indivíduos acometidos pela Hanseníase por forma clínica (Tabela 3), constata-se que 66,7% dos casos são da forma dimorfa, 12,5% virchowiana, 7,9% tuberculóide, 9% indeterminada, 1,9% ignoraram/deixaram em branco e em 1,8% dos casos, a forma clínica não pôde ser classificada. Assim, nota-se predomínio da forma clínica dimorfa, a qual compreende-se entre o pólo tuberculóide e o polo virchowiano no espectro clínico e baciloscópico, com estado imunitário instável (VELÔSO DS, et al., 2018).

Tabela 3:  Notificação de hanseníase de acordo com a forma clínica durante o período de 2018 a 2021. 

Ano Notificaçãoign/brancoindeterminadatuberculóidedimorfavirchowiananão classificadaTotal
20181101681104122
201918910212132
202014380896
202167897109
Total32835352374459

Fonte: Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net, 2023.

As lesões típicas da hanseníase dimorfa são as foveolares, que apresentam bordos internos definidos, de modo a demarcar uma área central de pele aparentemente poupada, enquanto os bordos externos possuem aspecto infiltrados e imprecisos. Já o comprometimento neuronal periférico comumente é múltiplo e assimétrico, com espessamento, dor e choque à palpação, relacionado à diminuição de força muscular e hipoestesia no local (BRASIL, 2022).

O Gráfico 1 representa a tendência de notificação e diagnóstico de Hanseníase no município de Porto Velho – Rondônia, entre os anos de 2018 e 2021. É possível notar uma tendência consideravelmente decrescente entre o ano de 2019 e o ano 2020, sendo essa queda possivelmente relacionada ao surgimento da pandemia pelo SarsCOV-2 neste ano. O surgimento da pandemia estabeleceu dificuldades para o acesso à saúde e tornou a Hanseníase uma doença ainda mais negligenciada, por agravar a subnotificação e diagnóstico da patologia. 

Gráfico 1: Número de notificações por ano entre 2018 a 2021 em Porto Velho, Rondônia. 

Fonte: Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net, 2023.

Essa tendência é concomitante aos resultados relatados em trabalhos semelhantes, como Santos KCB, et al. (2023) e Watanuki AP, et al. (2023) evidenciaram. Ainda de maneira concordante aos artigos citados, com a diminuição da gravidade da pandemia pelo novo coronavírus no ano de 2021 e a redução da sobrecarga no Sistema Único de Saúde (SUS) ocasionado pela mesma, houve uma discreta elevação no número de diagnósticos e notificações de Hanseníase. 

A diminuição no número de notificações e diagnósticos de Hanseníase com o surgimento da pandemia COVID-19 parece ter tido caráter nacional, conforme revelado por LOPES JG, et al. (2022). Outrossim, conforme evidenciado por Ehrenberg N, et al. (2021), a pandemia COVID-19 impactou negativamente a vigilância de doenças tropicais negligenciadas (DTN), dentre elas o Mal de Hansen. 

Em maio de 2020, houve uma recomendação da Organização Mundial da Saúde para a interrupção de todos os programas de rastreio, controle e tratamento em massa de DTN em áreas de alto risco, visando não agravar a transmissibilidade do vírus da COVID-19 nessas regiões (WHO, 2020). Essa recomendação resultou em uma severa diminuição no número de diagnósticos e no acompanhamento do tratamento da Hanseníase.

A redução no número de diagnósticos de Hanseníase no período pandêmico de 2020 pode ter resultado em um aumento no número de casos graves da doença, conforme sugere LOPES JG et al (2022). Essa tese é reforçada pela tendência crescente de número de casos com incapacidades notificados nos anos de 2020 e 2021 descritos adiante. 

Por fim, o isolamento social e a crise econômica instaurados pela pandemia COVID-19 também parece ter impactado negativamente indivíduos já diagnosticados com Hanseníase. Conforme Nascimento RD, et al. (2023) relata, a prevalência da Hanseníase em populações de maior vulnerabilidade social, associada ainda a maior dificuldade no acesso à saúde desses indivíduos aparenta ter resultado em um agravamento do quadro já negligenciado dessa população, favorecendo mais uma vez o surgimento de quadros mais graves da doença em populações vulneráveis. 

O Gráfico 2 demonstra a incidência de notificações de desfechos de incapacidade física decorrente de hanseníase na cidade de Porto Velho no período de 2018 a 2021. Nesse aspecto, observou-se que 52,79% (236) dos indivíduos mantiveram-se em grau zero de incapacidade física, enquanto 28,18% (126) foram acometidos com grau 1 e 18,12% (81) por grau 2 de incapacidade. Outro fato relevante, são os dados em branco 0,4% (2) e não avaliados 0,4% (2), que destacam as perspectivas de falha nas notificações no período. 

Gráfico 2: Notificações de incapacidade física por hanseníase de 2018 a 2021.

Fonte: Ministério da Saúde/SVS- Sistema de Notificação de Agravos de Notificação- Sinan Net, 2023. 

O Ministério da Saúde preconiza que o grau de incapacidade física por Mal de Hansen deve ser avaliado, nos momentos de diagnóstico e alta, assim como a cada 3 meses durante o tratamento sem queixas. Neste aspecto, os indivíduos avaliados em grau zero são aqueles que possuem força e sensibilidade preservadas em olhos, mãos e pés. Todavia, considera-se grau 1 de incapacidade física decorrente de hanseníase, se houver alteração de sensibilidade ou força em algum desses componentes. Por fim, determina-se grau 2 os casos de indivíduos que possuem presença de alterações visíveis em mãos, olhos ou pés (BRASIL, 2019).

Seguramente, o diagnóstico precoce é a principal prevenção contra as incapacidades físicas e novas transmissões. Ainda, outro importante método é a poliquimioterapia nos estágios iniciais do Mal de Hansen. É válido, portanto, destacar que os altos números de indivíduos com incapacidades físicas decorrentes da doença ilustram as condições de acesso ao sistema de saúde (BRASIL, 2019; SANTOS & IGNOTTI, 2020; LOPES JG, et al 2022).  

No período da pandemia COVID-19, o sistema de saúde se reorganizou para enfrentar o vírus. Nesse sentido, profissionais foram afastados, houve esgotamento de medicações e ações de prevenção foram despriorizadas. Como consequência, houve maior incidência de diagnósticos tardios, o que implica maior número de incapacidades funcionais e disseminação da doença, em virtude do interrompimento das vigilâncias epidemiológicas (LOPES JG, et al, 2022).

Assim, a gravidade do Mal de Hansen fica explícita por meio de suas incapacidades, que evidenciam as repercussões deletérias da doença, sendo as principais: estigma e exclusão social devido ao medo e à vergonha que os indivíduos acometidos sentem de se expor, diminuição de capacidade para realização de atividades cotidianas e consequentes impactos na vida financeira (WATANUKI AP, et al., 2023). 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O presente estudo evidenciou a prevalência do Mal de Hansen na capital rondoniense nos anos de 2018 a 2021. Em relação às variantes, observou-se que a população mais acometida foram aquelas com faixa etária de 50 a 59 anos, do sexo masculino, raça parda e de ensino superior completo. Além disso, das incapacidades físicas avaliadas e informadas, a mais prevalente foi a grau zero, em que não há incapacidade a longo prazo. Dessa forma, o desfecho da cura foi o mais prevalente. Entretanto, conforme proposto, houve diminuição no número de notificações de Hanseníase entre o ano de 2020 e 2021, período da pandemia COVID-19. Essa diminuição provavelmente se atribui ao isolamento social e sobrecarga dos serviços de saúde nesse período. 

AGRADECIMENTOS

Ao Centro Universitário São Lucas por nos proporcionar a oportunidade de realizar este trabalho.


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1 Centro Universitário São Lucas Afya (UNISL), Porto Velho – RO. *E-mail: amaralamanda1212@gmail.com,
2 Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho – RO.
3 Fundação Osvaldo Cruz – Rondônia (FIOCRUZ-RO)
4 Programa de Pós Graduação em Biotecnologia – PPG REDE BIONORTE