PREVALÊNCIA DE SÍFILIS NO SISTEMA PENITENCIÁRIO FEMININO BRASILEIRO: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

PREVALENCE OF SYPHILIS IN BRAZILIAN FEMALE PENITENTIARY SYSTEM: AN INTEGRATIVE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202411210850


Maria Eugênia Torres Moreira Castelo Branco¹
Osvaldo Bonfim de Carvalho²
Ione Maria Ribeiro Soares Lopes³
Marina Uchôa Wall Barbosa de Carvalho⁴
Lauro Lourival Lopes Filho⁵


Resumo

Objetivos: analisar a prevalência de sífilis adquirida na população privada de liberdade em penitenciárias femininas brasileiras, conhecendo o perfil sociodemográfico das reclusas com sífilis, avaliando situações de risco e descrevendo o formato de assistência à saúde sexual das mulheres encarceradas. Metodologia: busca de publicações científicas, nos meses de agosto a outubro de 2024, utilizando descritores de saúde, nas bases de dados PubMed, BVS, Elsevier, LILACS, BIREME, Google Acadêmico e SciELO. Foram selecionados artigos com textos completos gratuitos, nos idiomas português, inglês e espanhol, publicados entre 2014 e 2024. Resultados: após as buscas utilizando os descritores propostos, a análise dos resumos e o estabelecimento dos critérios de exclusão, foram selecionados nove artigos. Quanto à abordagem metodológica: 01 estudo randomizado, 02 quantitativos, 01 qualitativo e 05 quantitativos e qualitativos. Quanto ao ano de publicação: 01 estudo de 2014, 01 de 2015, 01 de 2017, 01 de 2018, 01 de 2019, 02 de 2020 e 02 de 2021. Conclusão: mulheres que estão em penitenciárias brasileiras costumam apresentar maior vulnerabilidade a infecções sexualmente transmissíveis como a sífilis. A escassez de ações de assistência em saúde sexual pode proporcionar maior probabilidade de infecção.

Palavras-chave: Infecções por treponema. Sorodiagnóstico da sífilis. Saúde sexual. Saúde da mulher. Prisões.

Summary

Objectives: analyze the prevalence of syphilis acquired in population deprived of liberty in brazilian women penitentiares, knowing the sociodemographic profile of inmates with syphilis, evaluating risk situations and describing the format of sexual health assistance for incarcerated women.  Methods: search for scientific publications, from august to october 2024, using health descriptors, in databases PubMed, BVS, Elsevier, LILACS, BIREME, Google Academic and SciELO. Articles with free full texts were selected, in portuguese, english and Spanish languages, published between 2014 and 2024. Results: after searches using proposed descriptors, analysis of abstracts and establishment of exclusion criteria, nine articles were selected. Regarding methodoly approach: 01 randomized study, 02 quantitative, 01 qualitative and 05 both. Regarding year of publication: 01 study from 2014, 01 from 2015, 01 from 2017, 01 from 2018, 01 from 2019, 02 from 2020 and 02 from 2021. Conclusion: women from brazilian penitentiaries tend to be more vulnerable to sexually transmitted infections. The scarcity of sexual health assistance actions can provide a greater probability of infection.

Keywords: Treponemal infections. Syphilis serodiagnosis. Sexual health. Women’s health. Prisions.

1. INTRODUÇÃO

As infecções sexualmente transmissíveis (IST) são encaradas mundialmente como um problema de saúde pública. São caracterizadas por terem como  principal via de transmissão o contato sexual com uma pessoa infectada. Pode, ainda, ocorrer transmissão por forma vertical, contato direto com sangue contaminado, transfusão sanguínea, ou por meio de mucosas (Brasil, 2015).

Dentre as infecções sexualmente transmissíveis, tem-se a sífilis, doença que, consoante a Organização Mundial de Saúde (OMS), é a IST mais comum no mundo, culminando em cerca de 6 milhões de novos casos anualmente (PAHO, 2019). No Brasil, no intervalo de 2012 a 2022, foram notificados 1.237.027 casos de sífilis adquirida, desses, 537.401 foram em gestantes e 238.387 foram casos de sífilis congênita (Brasil, 2023).

A sífilis é uma doença infecciosa, de evolução sistêmica, causada pela bactéria Treponema pallidum,  tendo a via sexual como a principal forma de transmissão. Em sua forma clínica, pode ser classificada quanto ao tempo da evolução da infecção e quanto a manifestações clínicas. No que diz respeito a manifestação clínica, é classificada como primária, secundária, latente e terciária. Com relação ao tempo de infecção, é dividida em recente e tardia.  (Montenegro, 2017).

O diagnóstico da doença é feito por meio da combinação de manifestações clínicas e de resultados de exames sorológicos positivos que confirmem histórico anterior de infecção ou a exposição recente a algum fator de risco. A sífilis precoce é mais facilmente diagnosticada pelo exame microbiológico direto (Passos et al., 2017), mas podem, também, serem realizadas provas sorológicas, denominadas de testes treponêmicos e não treponêmicos.

Segundo Martins (2018), o sistema prisional é encarado mundialmente como um problema de saúde pública, em razão das condições insalubres, do alto percentual de indivíduos encarcerados quando comparado ao espaço físico restrito e da deficiência ao acesso e à qualidade em saúde, o que torna essa realidade um grande desafio a ser  enfrentado. Quando se trata do sistema penitenciário feminino brasileiro, a superlotação, os comportamentos sexuais de risco e a dificuldade de acesso à saúde levam as mulheres que vivem nesses ambientes carcerários a serem mais vulneráveis a doenças infecciosas.

A alta prevalência da sífilis na penitenciária ocorre, muitas vezes, porque as reclusas não conhecem as características das IST para precaução da doença.  Quando conhecem, terminam por prevenir de maneira incorreta e, por essas razões, é mais fácil acontecer a transmissão no ambiente carcerário, bem como é mais difícil o tratamento (Araújo, Filho, Feitosa, 2015).

O presente estudo teve como objetivo geral analisar a prevalência de sífilis adquirida na população privada de liberdade em penitenciárias femininas brasileiras, e como objetivos específicos, conhecer o perfil sociodemográfico das reclusas com sífilis, avaliar situações de risco para infecções sexualmente transmissíveis na penitenciária e descrever o formato de assistência à saúde sexual das mulheres no sistema prisional.

O estudo justifica-se, pois tanto a carência de trabalhos na área, como o atual cenário de reemergência da sífilis tornam relevantes mais pesquisas acerca dessa problemática. A análise da prevalência de sífilis em mulheres privadas de liberdade, além da identificação dos fatores de risco da infecção em penitenciária feminina, pode contribuir como indicador de saúde sexual da população estudada, sendo utilizada como forma de prevenção de futuras infecções, por meio da adoção de medidas de planejamento que auxiliem a mudança dessa realidade.

2. METODOLOGIA 

Trata-se de uma revisão da literatura que utilizou o método da revisão integrativa, mediante estudo executado sobre a evidência de levantamento bibliográfico e fundamentado empiricamente pelos autores em pesquisas baseadas em artigos, com a finalidade de identificar produções que demonstrassem a análise da prevalência de sífilis no sistema penitenciário feminino brasileiro.

As pesquisas utilizadas objetivam esclarecer fatos que necessitam de investigação, logo, se faz necessário um condensado de conhecimento, recorrendo a comprovações científicas (Zambello, 2018). Adotou-se a revisão integrativa da literatura pois, ela contribui para o processo de sistematização e análise de resultados, visando ao entendimento de questões acerca de determinado tema, a partir da síntese do conhecimento já produzido em outros estudos independentes, bem como a detecção de entrelinhas que ainda precisam ser abordadas com mais clareza em novas pesquisas. O método utilizado teve como objetivo analisar o contexto de saúde sexual de mulheres privadas de liberdade, suscetíveis à sífilis, a partir de publicações científicas na área da saúde. 

Como primeira etapa, houve a definição do problema de pesquisa, utilizado como guia da revisão integrativa.  Por tratar-se de uma revisão de literatura, utilizou-se a estratégia PICo (Tabela 01), sendo elaborada a seguinte pergunta: “Qual a prevalência de sífilis e os fatores de risco envolvidos em mulheres privadas de liberdade em penitenciárias femininas brasileiras?”.

Tabela 01 – Estratégia PICo para elaboração do problema de pesquisa

P – PopulaçãoMulheres
I – InteresseSuscetíveis à sífilis
Co – ContextoPenitenciárias do Brasil

Fonte: Autores, 2024.

Para responder aos objetivos propostos, a estratégia de identificação e seleção de dados foi a consulta de publicações indexadas nas seguintes bases de dados: Medical Publications (PubMed), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Scopus (Elsevier), Latin American and Caribbean Health Sciences Literature (LILACS), BIREME, Google Acadêmico e Scientific Eletronic Library Online (SciELO), nos meses de agosto a outubro de 2024. Na construção da estratégia de busca, foram seguidos passos sistemáticos. Para cada base indexadora, foi realizada uma adaptação dos termos/descritores utilizados na operacionalização da busca, dadas as características particulares de cada indexador. As estratégias de consulta foram realizadas com base em palavras-chave para abranger a totalidade de publicações acerca do conteúdo desejado. Os principais assuntos da pesquisa e seus sinônimos foram colhidos nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), para termos em português e em espanhol, e no Medical Subject Headings (MeSH), para termos em inglês.

Foram adotados os seguintes critérios para a seleção dos artigos: artigos com resumos e textos completos gratuitos disponíveis para análise; artigos publicados nos idiomas português, inglês e espanhol; aqueles publicados entre os anos de 2014 e 2024; e artigos que contivessem, em seus títulos e/ou resumos, os seguintes termos em português, inglês e espanhol, respectivamente: infecções sexualmente transmissíveis/sexually transmitted diseases/enfermedades de transmisión sexual, infecções por treponema/treponemal infections/infecciones por treponema, sífilis/syphilis/sífilis, sorodiagnóstico da sífilis/syphilis serodiagnosis/serodiagnóstico de la sífilis, saúde da mulher/women’s health/salud de la mujer, saúde sexual/sexual health/salud sexual, prisões/prisons/prisiones, brasil/brazil/brasil. Os descritores foram utilizados de maneira combinada em português com o conector aditivo “e”, em buscas em inglês, com o conector aditivo “and”, e, em espanhol, com “y”.

A análise e seleção dos artigos incluídos nesta revisão foram divididas em duas fases. Na primeira fase, foi executada a leitura de títulos, e dos resumos dos artigos, sendo excluídos os estudos que não atenderam aos critérios de elegibilidade. Tendo sido aplicados nessa etapa os critérios de inclusão e exclusão: revisões bibliográficas, teses, dissertações, editoriais, cartas, artigos de opinião, resumos de anais, TCC, protocolos, opiniões pessoais, artigos publicados em outros idiomas além de português, inglês e espanhol e artigos com textos completos indisponíveis, foram excluídos.

Na segunda fase, cada um dos artigos selecionados foi lido de forma mais detalhada, e os dados de interesse foram extraídos. Foi elaborado um quadro com as seguintes informações: título, autores, periódicos, ano de publicação, objetivos e conclusão. Os dados foram analisados de forma descritiva e independente pelos autores. Foram sintetizados os principais resultados e discussões dos estudos, com enfoque nas informações que respondessem aos questionamentos propostos por este estudo. Todos os princípios éticos relacionados à produção de uma revisão integrativa de literatura foram seguidos, e os estudos utilizados foram citados e referenciados de forma adequada.

3. RESULTADOS

A amostra final do presente estudo foi de nove artigos que atenderam aos objetivos propostos. O processo de inclusão, elegibilidade, seleção e identificação dos estudos foi disposto no Fluxograma 01.

Fluxograma 01: Registro das etapas metodológicas empregadas nesta revisão integrativa.

Fonte: Autores, 2024.

Os nove estudos que compuseram a revisão são apresentados na Tabela 02:

Tabela 02: Artigos buscados e selecionados em suas respectivas bases de dados, entre os anos de 2014 a 2024.

Com relação aos estudos selecionados, foram classificados quanto a sua abordagem metodológica, assim especificados: 01 estudo randomizado, 02 estudos quantitativos, 01 estudo qualitativo e 05 estudos quantitativos e qualitativos. Em relação aos anos de publicação dos artigos, compreendidos entre os anos de 2014 e 2024, têm-se os seguintes resultados: 01 estudo de 2014, 01 de 2015, 01 de 2017, 01 de 2018, 01 de 2019, 02 de 2020 e 02 de 2021.

Os artigos selecionados foram organizados de acordo com seus respectivos objetivos e conclusão, conforme apresentado na Tabela 03:

Tabela 03: Organização dos estudos selecionados de acordo com autores/ano, título, objetivos e conclusão.

Autores/AnoTítulo do ArtigoObjetivosConclusão
Mesquita et al., 2021.Soroprevalência e determinantes sociais de sífilis em uma penitenciária feminina do interior do estado de São Paulo.Estimar a prevalência de sífilis em mulheres privadas de liberdade da penitenciária feminina de Tupi Paulista/SP e os determinantes sociais associados a sua prevalência.A prevalência de soropositividade do teste treponêmico foi de 5,5%. O uso de drogas foi o único fator associado (mulheres usuárias há mais de 5 anos demonstraram ter 5x mais chances de possuírem a doença).
Barbosa et al., 2021.Dados de saúde de mulheres em regime prisional em Teresina, Piauí.Avaliar dados de saúde de mulheres em regime prisional em Teresina, Piauí.Os dados de saúde da população da penitenciária feminina de Teresina demonstram que mulheres nesse contexto estão mais vulneráveis às ISTs (como a sífilis). Há uma escassez de ações preventivas de saúde.
Batista et al., 2020.Alta prevalência de sífilis em unidade prisional feminina do Nordeste brasileiro.Determinar a prevalência de sífilis e fatores de risco associados no sistema prisional feminino.Foi alta a prevalência de sífilis na população carcerária feminina estudada, especialmente gestantes. Medidas preventivas e de tratamento da doença podem minimizar o impacto da doença nesse contexto e melhorar esse indicador de saúde no país.
Correa et al., 2017.High prevalence of Treponema pallidum infection in brazilian prisoners.Determinar a prevalência de infecção por Treponema pallidum, sífilis ativa e fatores de risco associados entre prisioneiros brasileiros.A alta prevalência de sífilis em sistemas prisionais é um problema de saúde pública. Muitos presos podem retornar à comunidade sem diagnóstico e serem um risco de transmissão. São altas as taxas de sexo desprotegido. É alta a prevalência de sífilis ativa entre mulheres presas. A triagem sorológica em prisões pode aumentar a taxa de detecção precoce e reduzir a transmissão.
Matilda et al., 2014.O HIV e a sífilis no sistema prisional feminino do estado de São Paulo.Conhecer a prevalência da sífilis em presídios femininos do estado de São Paulo e o perfil socioepidemiológico desse grupo populacional, e desenvolver ações de prevenção e de assistência às ISTs. 7% da população encarcerada feminina deste estudo obteve teste rápido de sífilis positivo. São de grande importância ações voltadas para a prevenção e assistência de ISTs (como a sífilis).
Benedetti et al., 2020.Sexually transmitted infections in women deprived of liberty in Roraima, BrazilAvaliar a prevalência de infecção por HIV, sífilis e hepatite B entre mulheres privadas de liberdade do estado de Roraima e sua correlação com percepções, conhecimento e fatores comportamentais.Mulheres privadas de liberdade  constituem um grupo de alta vulnerabilidade às ISTs (entre elas, está a sífilis). Isso pode ser explicado por déficits de conhecimento sobre o assunto, percepções distorcidas e condições peculiares ao aprisionamento, que resultam em comportamento de risco. É necessário implantar programas educativos de prevenção, diagnóstico e tratamento para essa população.
Silva et al., 2018.Sífilis em mulheres egressas do sistema prisional: prevalência e fatores associados.Investigar a prevalência de sífilis e seus fatores associados em mulheres egressas do sistema prisional.A prevalência de positividade do marcador sorológico para sífilis observada no grupo de mulheres estudado foi de 16,1%. Esse dado demonstra a importância da  utilização de métodos de rastreio e de estratégias para a prevenção e o diagnóstico precoce. 
Araújo et al., 2015.Prevalência de sífilis em mulheres do sistema prisional de uma capital do nordeste brasileiro.Investigar a prevalência de sífilis e fatores associados em internas na penitenciária feminina de Teresina, Piauí, Brasil.A alta prevalência da sífilis está estatisticamente associada à situação conjugal e ao uso de drogas ilícitas (e seu consumo antes das relações sexuais). O grande número de testes rápidos para sífilis positivos demonstra que condições socioeconômicas desfavoráveis são importantes marcadores de risco e de vulnerabilidade para ISTs, como a sífilis.
Nichiata et al., 2019.Prevalência de infecções sexualmente transmissíveis em mulheres privadas de liberdade.Verificar a prevalência de IST em mulheres privadas de liberdade em Santarém, Pará.A sífilis se configura como uma das patologias mais prevalentes nesse ambiente carcerário. Esses dados demonstram a relevância da temática e a necessidade do desenvolvimento de ações preventivas para diagnosticar e tratar adequadamente.

Fonte: Autores, 2024.

4. DISCUSSÃO

Ao traçar o perfil sociodemográfico, os estudos demonstram que, geralmente, a população feminina encarcerada é composta por mulheres entre os 18 e 68 anos, estando a maioria entre 30 a 40 anos (Araújo et al., 2015; Barbosa et al, 2021; Batista et al, 2020; Correa et al., 2017; Mesquita et al., 2021). Quanto à raça/cor declarada, a maioria se considera parda (Araújo et al., 2015; Batista et al, 2020; Correa et al., 2017; Mesquita et al., 2021; Silva et al., 2018), mas em Barbosa et al. (2021) houve predomínio de negras, e em Matilda et al., predominaram brancas e pardas. O perfil sociodemográfico dessa população é marcado por mulheres de baixa escolaridade (com, em geral, ensino fundamental incompleto ou ensino médio incompleto) e baixa renda, demonstrando que esse público já costuma apresentar vulnerabilidades prévias. 

Com relação ao estado civil, há hegemonia de solteiras, e quanto à quantidade de parceiros sexuais, os resultados demonstram que boa parte das mulheres provenientes de penitenciárias negam múltiplas parcerias, não ultrapassando mais de 5 parceiros por ano (Araújo et al., 2015; Barbosa et al, 2021; Batista et al., 2020; Benedetti et al., 2020; Correa et al., 2017; Matilda et al., 2014; Mesquita et al., 2021; Silva et al., 2018). Apenas em Nichiata et al., 2019, boa parte das mulheres afirmaram estarem em união estável. Em Silva et al. (2018), os resultados apontam que a sífilis costuma ser mais prevalente entre mulheres que têm relações sexuais com múltiplos parceiros, reafirmando que essa exposição pode acentuar o risco à infecção.  Quanto à orientação sexual, grande parte afirma ter relações apenas com homens. (Matilda et al., 2014; Mesquita et al., 2021).

O não uso de preservativo também pode indicar maior suscetibilidade a adquirir a doença. Grande parte das mulheres encarceradas afirma não utilizar ou fazer uso de forma esporádica de preservativo durante as relações sexuais. Tal comportamento confere um risco mais evidente para a transmissão da sífilis nas penitenciárias femininas brasileiras (Barbosa et al, 2021; Batista et al., 2020; Correa et al., 2017; Matilda et al., 2014; Mesquita et al., 2021). 

Consoante Batista et al. (2020), as mulheres que possuem relações esporádicas ou contínuas desprotegidas possuem mais chances de serem diagnosticadas com sífilis, enquanto que, aquelas que relatam fazer uso de camisinha, geralmente não desenvolvem a doença. De acordo com Benedetti et al. (2020), o déficit de conhecimento sobre o uso de camisinha se associou à maior chance de ISTs (como a sífilis). Já em Silva et al. (2018), foi demonstrado que a infecção por sífilis pode também ser prevalente em mulheres que utilizam preservativo, o que faz questionar quanto ao possível uso inadequado ou irregular do insumo, ou, ainda, uma vergonha em relatar, quando questionadas, que não utilizam preservativo durante a relação. Quanto ao uso de métodos anticoncepcionais, não foi possível identificar predomínio entre uso e não uso (Matilda et al., 2014).

Um resultado intrigante das análises realizadas está relacionado à prática sexual dessas mulheres enquanto presas.  Uma parte considerável (quase 50%) não pratica atos sexuais durante o cárcere e, com relação às visitas, muitas alegam nunca terem recebido visitas, e a grande maioria afirma não receber visitas íntimas (Barbosa et al, 2021; Mesquita et al., 2021).

Os estudos analisados demonstram alto uso de álcool e drogas pela população carcerária feminina no Brasil (Barbosa et al, 2021; Batista et al., 2020; Correa et al., 2017), entretanto, de acordo com o estudo de Mesquita et al. (2021), apenas o uso de drogas ilícitas apresenta associação significativa com a prevalência de sífilis e a soropositividade do teste treponêmico. Parece haver associação entre mulheres que fazem uso de drogas ilícitas por mais de cinco anos e o acometimento de sífilis, com probabilidade cinco vezes maiores de possuírem a infecção, quando comparadas às que afirmam não serem usuárias de drogas. Para Silva et al. (2018), essa associação pode ser atribuída ao fato de que o uso dessas substâncias expõe essas mulheres a situações de maior vulnerabilidade, como comportamentos de risco, violência e/ou relações sexuais desprotegidas.

Com relação ao conhecimento a respeito da doença, as distorções de percepção sobre ISTs não parece apresentar associação com a infecção. Porém, acreditar não haver risco de contrair sífilis pode quase triplicar a chance de positividade nos testes (Benedetti et al., 2020). Consoante Araújo et al. (2015), uma grande parte da população feminina das penitenciárias não sabe como se dá a transmissão da doença e, embora muitas tenham medo de contrair, ainda seguem mantendo relações sexuais desprotegidas.

Quanto às manifestações clínicas, os resultados em Correa et al. (2017) apresentaram apenas uma pequena parcela de mulheres com sintomas da doença (como erupções cutâneas e cancro duro), o que reforça a necessidade de maior realização de testes para a detecção da infecção nesses ambientes. 

Segundo Mesquita et al. (2021), as taxas de soropositividade para sífilis no Brasil em mulheres em idade fértil estão na faixa de 1,5 a 5%, com porcentagens mais elevadas em grupos de maior vulnerabilidade (menor renda, menos escolaridade, minorias étnicas e sem acesso adequado a serviços de saúde). No entanto, conforme estudos de Batista et al. (2020), Benedetti et al. (2020) e Matilda et al. (2014), essa porcentagem pode ser ainda maior (identificada tanto em testes rápidos, como confirmada por testes sanguíneos). É válido salientar que, por já terem comportamentos de risco antes da prisão, muito provavelmente essa população feminina encarcerada apenas dá, durante o tempo em que estão presas, seguimento a comportamentos de risco que já possuía antes, o que leva a taxas de sífilis significativamente maiores que as encontradas na população geral (Barbosa et al., 2021).

Diversas variáveis podem explicar a potencial alta frequência de sífilis entre esse público feminino, como o baixo nível socioeconômico, a carência de atividades educacionais de prevenção e orientação dentro do sistema prisional, além do reduzido investimento na saúde (Batista et al., 2020). A utilização de testes rápidos para diagnóstico da sífilis tem se mostrado uma estratégia eficaz na implementação de novas medidas de abordagem para o diagnóstico rápido e preciso, bem como para o tratamento precoce (Araújo et al., 2015).

Os estudos selecionados evidenciam a persistência de falhas na promoção da saúde no sistema prisional feminino brasileiro, principalmente no que tange a ações preventivas. Há persistência de um perfil social que demonstra vulnerabilidade e que, por isso, precisa de melhor acesso aos serviços de saúde (Barbosa et al., 2021). Além disso, os resultados encontrados demonstram a importância de campanhas de conscientização para a população feminina encarcerada na prevenção, detecção e tratamento da sífilis, uma vez que a falta de conhecimento e infecções não tratadas podem perpetuar uma reação em cadeia que contribui para aumentar o risco de exposição à doença também para a população geral (Batista et al., 2020; Benedetti et al., 2020).

5. CONCLUSÃO

A partir da análise dos artigos selecionados, pode-se concluir que as mulheres que estão em penitenciárias brasileiras costumam apresentar maior vulnerabilidade a infecções sexualmente transmissíveis como a sífilis. Isso porque, em sua maioria, apresentam baixa renda e escolaridade, bem como menor conhecimento a respeito da prevenção e dos cuidados com a doença. Ademais, a escassez de ações de assistência em saúde sexual para essas mulheres também proporciona maior probabilidade de infecção.

O presente estudo atingiu os objetivos propostos, e, dessa forma, foi possível traçar o perfil sociodemográfico do público-alvo desejado, entender os comportamentos de risco que podem estar associados à ocorrência de sífilis e identificar a necessidade de maiores ações que auxiliem na prevenção, no diagnóstico e tratamento da doença. No entanto, houve algumas dificuldades encontradas durante a pesquisa, entre elas, a carência de artigos que aprofundassem a temática, especialmente nas regiões Centro-Oeste e Sul do Brasil, o que impediu a melhor análise do panorama geral do país. 

Nesse sentido, o estudo teve sua importância, pois, ao realizar o levantamento de dados a respeito da realidade da sífilis no sistema penitenciário feminino brasileiro, ficou mais fácil enxergar os fatores de risco que podem influenciar a perpetuação desse contexto. Assim, nota-se que medidas que busquem a ampliação de estratégias de prevenção, detecção e terapêutica da infecção são imprescindíveis para reduzir o cenário atual.

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¹Discente do curso superior de Medicina do Centro de Educação Tecnológica de Teresina (CET). Email: Maria.eugenia.t@hotmail.com.
²Discente do curso superior de Medicina do Centro de Educação Tecnológica de Teresina (CET).
³Docente do curso superior de Medicina do Centro de Educação Tecnológica de Teresina (CET). Mestre em Ciências e Saúde e Doutora em Medicina (Ginecologia).
⁴Docente do curso superior de Medicina do Centro de Educação Tecnológica de Teresina (CET). Mestre e Doutora em Imunologia.
⁵Docente do curso superior de Medicina do Centro de Educação Tecnológica de Teresina (CET). Mestre e Doutor em Medicina (Dermatologia Clínica e Cirúrgica).