PREVALÊNCIA DE LESÕES EM JOGADORES DE FUTEBOL EM GRAMADO SINTÉTICO: revisão integrativa¹

PREVALENCE OF INJURIES IN SOCCER PLAYERS ON SYNTHETIC GRASS: INTEGRATIVE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202504222215


João Pedro Rebouças da Costa²
Juliano Paiva de Brito³


RESUMO

O futebol é uma modalidade esportiva de alta exigência física, caracterizada por movimentos rápidos, intensos e com mudanças bruscas de direção. Dentre os fatores que contribuem para a ocorrência de lesões nessa prática, o tipo de gramado utilizado tem se mostrado relevante, uma vez que pode aumentar significativamente o risco de traumas, especialmente em superfícies artificiais. A literatura aponta uma prevalência aproximada de cinco lesões para cada mil horas de treinamento. Diante disso, o objetivo deste estudo foi investigar a prevalência de lesões em jogadores de futebol que atuam em gramado sintético. Trata-se de uma revisão integrativa, fundamentada na estratégia PICO (P: População – jogadores de futebol; I: Interesse – lesões associadas ao uso de gramado sintético; Co: Contexto – prática esportiva em campos com superfície artificial), com a seguinte pergunta norteadora: “Qual a prevalência de lesões em jogadores de futebol que atuam em gramado?”. A busca foi realizada nas bases de dados PubMed, LILACS, PEDro, SciELO e Web of Science, considerando artigos publicados entre 2013 e 2024. Foram selecionados oito estudos com os descritores “futebol”, “gramado sintético”, “lesões esportivas” e “lesões musculoesqueléticas”. Os resultados indicaram que os gramados sintéticos estão frequentemente associados a um maior número e gravidade de lesões, especialmente as de natureza ligamentar e articular. Entre os principais fatores contribuintes destacam-se a rigidez da superfície, o nível de tração, a baixa capacidade de absorção de impacto e a variabilidade na qualidade dos gramados. Conclui-se que, embora ofereçam vantagens operacionais, os gramados sintéticos representam um fator de risco à integridade física dos atletas, exigindo atenção quanto à sua utilização e manutenção, bem como à implementação de estratégias preventivas voltadas à redução de lesões.

Palavras-chave: Futebol; Gramado Sintético; Prevalência; Lesões esportivas.

ABSTRACT

Soccer is a sport of high physical demand, characterized by fast, intense movements and sudden changes in direction. Among the factors contributing to the occurrence of injuries in this practice, the type of playing surface has proven to be relevant, as it can significantly increase the risk of trauma, especially on artificial fields. The literature reports an approximate prevalence of five injuries per thousand hours of training. In this context, the objective of this study was to investigate the prevalence of injuries in soccer players who play on synthetic turf. This is an integrative review, based on the PICO strategy (P: Population – soccer players; I: Interest – injuries associated with synthetic turf use; Co: Context – sports practice on artificial surfaces), guided by the following question: “What is the prevalence of injuries in soccer players who play on synthetic turf?” The search was conducted in the PubMed, LILACS, PEDro, SciELO, and Web of Science databases, considering articles published between 2013 and 2024. Eight studies were selected using the descriptors “soccer,” “synthetic turf,” “sports injuries,” and “musculoskeletal injuries.” The results indicated that synthetic fields are frequently associated with a higher number and severity of injuries, especially ligament and joint-related. The main contributing factors include surface rigidity, traction level, low shock absorption capacity, and variability in turf quality. It is concluded that, although synthetic turf offers operational advantages, it represents a significant risk to athletes’ physical integrity, requiring careful consideration of its use and maintenance, as well as the implementation of preventive strategies aimed at reducing injuries.

Keywords: Soccer; Synthetic Turf; Prevalence; Sports Injuries.

1. INTRODUÇÃO

O futebol é uma modalidade esportiva caracterizada por ter uma grande exigência física com movimentos breves, que de forma potente e veloz mudam de direção de maneira intensa. Devido a intensidade e dinâmica requisitada atualmente, o futebol exige esforços dos atletas, os quais possibilitam maior predisposição às lesões em detrimento de treinos e jogos de alta intensidade, seguidos por curtos períodos de folga, gerando um importante desgaste físico (D’AVILA, 2020). Concordando com tais premissas, Sá (2024) retrata que o futebol por ser um esporte de contato predispõe a elevados índices de lesões, se comparado com outros esportes. E que, estas lesões estão associadas a fatores como: idade, carga de trabalho, padrão de treino e nível de jogo. 

Paralelo a isso, Ramos et al (2021) ao referir sobre as lesões em atletas que jogam futebol, aborda que o contato físico constante entre os atletas aumenta os riscos de lesões, confirmando que este esporte possui, alta prevalência, sendo reportado aproximadamente cinco lesões para cada mil horas de treinamento.

As lesões representam um grande desafio para os profissionais da área esportiva, pois o tempo prolongado de recuperação afasta os atletas dos treinamentos e competições, além de frequentemente ocasionar sequelas e reincidências. A maioria das lesões musculares ocorre durante a prática esportiva, correspondendo de 10% a 55% de todas as lesões. Os músculos mais acometidos são os isquiotibiais, quadríceps e gastrocnêmios, que por serem biarticulares estão mais sujeitos às forças de aceleração e desaceleração (BEZERRA et al.,2022,p.02,apud BARROSO;THIELE,2011).

Diante disso, observa-se que o tipo de superfície onde o futebol é praticado pode influenciar diretamente na ocorrência de determinadas lesões. Um estudo realizado por Quadra (2023) apontou que atletas que atuaram em gramados sintéticos apresentaram maior probabilidade de sofrer lesões em comparação com aqueles que jogaram em gramados naturais. Tal diferença pode estar relacionada às características físicas das superfícies, como o atrito inadequado entre o calçado e o solo, a rigidez da estrutura sintética e a tração diferenciada, além do fato de que a grama natural pode crescer de forma irregular, alterando a uniformidade do campo e impactando a dinâmica dos movimentos dos atletas.

A evolução das superfícies sintéticas utilizadas em práticas esportivas, especialmente no futebol, trouxe avanços significativos em termos de durabilidade, versatilidade e manutenção. Os gramados artificiais, amplamente utilizados em ambientes profissionais, universitários e comunitários, tornaram-se uma alternativa viável à grama natural, sobretudo em locais com variações climáticas extremas. No entanto, apesar de suas vantagens estruturais e econômicas, os impactos sobre a saúde dos atletas ainda geram controvérsias na literatura científica. Estudos clínicos e biomecânicos indicam que há maior torque e tensão nas articulações quando comparadas às superfícies naturais, o que pode elevar os índices de lesões musculoesqueléticas (DRAKOS et al., 2013).

Estudos recentes têm buscado avaliar a influência do tipo de campo na frequência e gravidade das lesões. Em pesquisa realizada por Cousins et al. (2021), verificou-se que superfícies com conteúdo sintético, mesmo que parcial, como os campos híbridos (com 3% de fibras artificiais), apresentaram taxas de lesão significativamente mais altas do que gramados naturais. A incidência de lesões em gramados sintéticos foi duas vezes maior, com destaque para lesões de joelho, que foram até sete vezes mais frequentes do que em gramados naturais. Além disso, as chances de lesões de contato e não-contato também aumentaram em campos sintéticos, ainda que a gravidade das lesões não tenha apresentado variações significativas entre os diferentes tipos de superfície.

Considerando a frequência com que lesões vêm sendo registradas entre jogadores de futebol que atuam em gramados sintéticos, o presente trabalho tem como objetivo analisar, por meio de uma revisão integrativa da literatura, a prevalência dessas ocorrências.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, uma metodologia que permite sistematizar o conhecimento científico sobre um tema específico, demonstrando de forma linear a produção científica e a evolução do tema pesquisado. Além disso, essa abordagem proporciona aos leitores meios para avaliar e reproduzir as técnicas utilizadas na elaboração da revisão (BOTELHO; CUNHA; MACEDO, 2011). A realização desta revisão seguiu as seguintes etapas: formulação da pergunta norteadora, busca ou amostragem na literatura, coleta de dados, análise crítica dos estudos incluídos, discussão dos resultados e elaboração da revisão integrativa (Crossetti, 2012).

Adotou-se o método PICO para a elaboração da pergunta norteadora (Quadro 1), em que, (P: População, I: Interesse, Co: Contexto), ajustada da seguinte forma: População: Jogadores de futebol; Interesse: Lesões associadas ao uso de gramado sintético; Contexto: Prática esportiva em campos com superfície artificial. Assim, a pergunta norteadora foi: Qual a prevalência de lesões em jogadores de futebol que atuam em gramado sintético?

Quadro 1. Estratégia PICO.

As buscas pelos estudos foram realizadas nas bases de dados PUBMED (National Library of Medicine), PEDro (Physiotherapy Evidence Database), LILACS (Literatura Latino- Americana e do Caribe em ciências da Saúde) e SciELO (Scientific Eletronic Library Online) e WEB OF SCIENCE. Foram utilizados os descritores em português e inglês extraídos do DeCS: futebol, gramado sintético, lesões esportivas, lesões musculoesqueléticas, soccer, synthetic turf, sports injuries, musculoskeletal injuries. Os termos foram combinados com o operador booleano AND para refinar os resultados, com expressões como: “soccer AND synthetic turf”, “football injuries AND artificial grass”, “lesões esportivas AND grama sintética”.

Os critérios de seleção incluíram artigos publicados entre 2013 e 2025, redigidos em português ou inglês, que abordassem a prevalência de lesões em jogadores de futebol que atuam em gramados sintéticos. Foram incluídos estudos realizados com atletas de ambos os sexos, em diferentes níveis de competição, desde categorias amadoras até profissionais. Foram excluídos estudos de revisão narrativa, monografias, teses, dissertações, pesquisas com foco em outras modalidades esportivas, investigações que tratassem de lesões sem relação com a superfície de jogo, além de estudos duplicados ou indisponíveis na íntegra.

Os achados da pesquisa passaram por algumas etapas de seleção, no primeiro momento, os artigos encontrados nas bases de dados passaram por uma análise que consistia na leitura do título e resumo, em um segundo momento os estudos selecionados foram lidos na íntegra, e com a aplicação dos critérios de inclusão/exclusão somente 8 estudos foram analisados de acordo com o fluxograma (Figura 1).

A busca realizada nas bases de dados resultou na identificação de 335 artigos. Após a aplicação dos critérios de inclusão, 302 artigos foram excluídos, enquanto 16 artigos foram eliminados por duplicação. Com base nessa revisão criteriosa, o número de artigos selecionados para leitura integra foram 17 onde foram excluídos 9 e inclusos na revisão integrativa 8. Esses artigos proporcionaram uma base sólida para compreender a prevalência de lesões em jogadores de futebol que atuam em gramado sintético, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento científico sobre os riscos associados a esse tipo de superfície.

Figura 1. Fluxograma da seleção dos estudos incluídos na revisão integrativa.

Fonte: Autor (2025)

3. RESULTADOS

Posteriormente a leitura na íntegra, foram analisados oito (8) artigos, dispostos nas Tabelas 1, 2, 3, 4. A Tabela 1 apresenta dois estudos que abordam a prevalência de lesões em gramados sintéticos, com foco na percepção dos atletas e na incidência real de lesões ligamentares. Esses dados demonstram que tanto a percepção dos atletas quanto a análise epidemiológica reforçam a preocupação com o uso de gramados sintéticos, sugerindo a necessidade de medidas preventivas e avaliações criteriosas quanto à escolha da superfície de jogo.

A Tabela 2 apresenta dois estudos epidemiológicos que investigam a incidência, severidade e carga de lesões em diferentes tipos de superfícies esportivas, com foco especial em gramados sintéticos. Os achados indicam que, apesar da semelhança na taxa de ocorrência, os gramados sintéticos estão relacionados a um maior impacto físico, o que os torna um fator de risco relevante para lesões severas, especialmente em modalidades de alto contato ou que envolvem mudanças rápidas de direção.

A Tabela 3 reúne dois estudos que investigam a relação entre os diferentes tipos de superfícies esportivas e a ocorrência de lesões, tanto sob a perspectiva epidemiológica quanto da percepção dos atletas. De forma geral, os dados da Tabela 3 apontam que tanto a real incidência quanto a percepção subjetiva dos atletas reforçam a ideia de que as superfícies sintéticas podem representar um risco aumentado para determinadas lesões, em especial as que envolvem articulações e ligamentos, como as do joelho.

A Tabela 4 reúne dois estudos que exploram os efeitos de diferentes tipos de gramados sintéticos sobre variáveis fisiológicas, perceptivas e de desempenho físico, com destaque para a influência da certificação de qualidade da superfície e suas implicações na prevenção de lesões. Os autores reforçam que a escolha da superfície de treino deve ser considerada no planejamento esportivo, tanto para otimizar o desempenho quanto para prevenir lesões musculoesqueléticas, especialmente em atletas submetidos a cargas elevadas de treinamento.

De modo geral, os estudos demonstram que a qualidade e o tipo de gramado sintético influenciam diretamente nas respostas físicas dos atletas, sendo a certificação e manutenção da superfície fatores essenciais para a segurança e o rendimento esportivo.

Através de uma revisão integrativa da literatura, foi possível identificar que a prática esportiva em gramados sintéticos está associada a uma maior frequência e gravidade de lesões, especialmente em modalidades como o futebol. Fatores como a rigidez da superfície, menor absorção de impacto, maior tração e qualidade variável entre os campos são apontados como elementos de risco para o aumento de lesões ligamentares, musculares e articulares. Além disso, estudos destacam que a percepção dos atletas sobre essas superfícies influencia diretamente seu desempenho e sua segurança, reforçando a necessidade de análises criteriosas sobre a escolha e manutenção do tipo de gramado utilizado em treinamentos e competições.

Tabela 1. Estudos referentes à prevalência de lesões em jogadores de futebol em gramado sintético.

Legenda: ACL(Ligamento Cruzado Anterior);PCL(Ligamento Cruzado Posterior); MCL(Ligamento Colateral Medial); RR(Risco Relativo); IPR(Razão de proporção de incidência); OR(Razão de chances)

Tabela 2.

Tabela 3.

Tabela 4.

4. DISCUSSÃO

O futebol é a modalidade esportiva mais praticada no mundo, reunindo mais de 400 milhões de praticantes em diversas faixas etárias e níveis de habilidade. Desse total, cerca de 30 milhões estão no Brasil, o que evidencia a forte presença do esporte no país. Segundo a Federação Internacional de Futebol (FIFA), mais de 200 milhões desses participantes são atletas licenciados em todo o mundo (SILVA et al., 2005).

Pelo fato de o futebol ser um esporte de grande contato e movimentos, e ter grande duração, tem-se notado considerável prevalência de lesões. Assim, Ramos et al (2021 p. 180) referem que:

“Em alinhamento com essas condições de exposição de risco do futebol, um dos principais achados foi que atletas de futebol são suscetíveis à lesão durante a carreira (prevalência de 80%), sendo a idade um importante fator de risco. A região de maior prevalência de lesões foi a de membros inferiores.”

Reafirmando tais preceitos, Pedrinelli et al. (2013), refere que a localização anatômica mais comum para Medicina do Esporte no Futebol são as lesões em membros inferiores, com maiores índices nas coxas e joelhos. Já na região do quadril ocorrem menos lesões. Nascimento e Silva (2017) ao abordar sobre a incidência de lesões retratam os membros inferiores como os mais propícios à lesão. Esse cenário descritivo de lesões por segmento corpóreo é reconhecido no futebol. 

O uso do gramado sintético tem sido amplo, desde que a Federação Internacional de Futebol   (FIFA) em 2001, passou a admitir esses tapetes, que imitam o campo natural, alguns estádios brasileiros aderiram essa alternativa, principalmente pelo custo-benefício. As diferenças do comportamento da bola no gramado artificial podem ser entendidas como trunfo para quem está mais adaptado ao estilo de jogo. Mas pode haver consequências em jogar bola nesse piso diferente, que é mais duro (QUADRA, 2023).

O estudo de Roberts et al. (2014), de natureza quantitativa e transversal, investigou a percepção de 1129 jogadores de futebol de elite provenientes de 43 países. Os atletas relataram que o gramado sintético é mais duro, abrasivo, com menor aderência e grama mais fina do que o gramado natural. A experiência prévia com diferentes superfícies influenciou fortemente essas percepções, indicando que a variabilidade da qualidade entre os campos sintéticos pode ser determinante para a avaliação dos atletas sobre o risco de lesão.

Já o estudo de Loughran et al. (2019), baseado em um banco de dados nacional dos EUA (NCAA Injury Surveillance System), analisou mais de 3 milhões de exposições atléticas e identificou 2.460 lesões ligamentares e meniscais no joelho entre atletas de futebol americano universitário. Os resultados mostraram que, durante competições, o risco de lesões no ligamento cruzado posterior (PCL) foi significativamente maior em gramados sintéticos (RR = 2,94), assim como as lesões de ACL e PCL nas divisões II e III (RR = 1,63 e RR = 3,13, respectivamente). Embora os mecanismos de lesão não tenham diferido entre os tipos de superfície, a superfície artificial foi considerada um fator de risco relevante para lesões ligamentares, especialmente em contextos competitivos.

Os estudos de Roberts et al. (2014) e Loughran et al. (2019), embora distintos em metodologia, um voltado à percepção subjetiva dos atletas e o outro baseado em dados epidemiológicos objetivos, apresentam resultados que se complementam e reforçam uma mesma preocupação: o gramado sintético pode representar um risco adicional à integridade física dos jogadores. Enquanto Roberts et al. revelam que os atletas percebem o gramado artificial como mais duro e abrasivo, características que indicam potencial desconforto e maior suscetibilidade a lesões, Loughran et al. quantificam esse risco ao demonstrar aumento significativo na incidência de lesões ligamentares em gramados sintéticos, especialmente durante competições.

Essa correlação entre percepção e evidência clínica fortalece a hipótese de que as características físicas das superfícies sintéticas, como rigidez e baixa absorção de impacto, não apenas são notadas pelos atletas, mas de fato contribuem para um aumento mensurável no número de lesões. Assim, a análise cruzada desses estudos evidencia a importância de se considerar tanto a experiência prática dos jogadores quanto os dados estatísticos ao avaliar os efeitos do tipo de gramado na saúde esportiva.

O estudo de Robertson et al. (2022), com dados de 15 equipes profissionais de rúgbi na Inglaterra, analisou 3.351 lesões ao longo de seis temporadas, somando mais de 42 mil horas de exposição. Com uma abordagem observacional longitudinal, o estudo comparou lesões ocorridas em superfícies naturais, artificiais e híbridas. Os resultados indicaram que, embora a incidência geral de lesões fosse semelhante entre as superfícies, a gravidade média e a carga de lesão foram significativamente maiores em gramados artificiais. Regiões anatômicas como posterior da coxa, quadril/virilha e pés/dedos apresentaram maior comprometimento, sugerindo que a superfície sintética, ainda que não aumente a frequência de lesões, pode agravar seus efeitos.

Complementando essa perspectiva, Ngatuvai et al. (2022) realizaram um estudo descritivo baseado em vigilância epidemiológica nacional, com estimativa de 389.320 lesões de LCA (ligamento cruzado anterior) entre atletas do ensino médio dos Estados Unidos, abrangendo o período de 2007 a 2019. Utilizando o banco de dados High School RIO, os pesquisadores analisaram a ocorrência de lesões em gramados naturais e sintéticos, considerando o tipo de esporte (futebol e futebol americano), o sexo, o tipo de exposição (jogo ou treino), os mecanismos de lesão e a necessidade de cirurgia. Os achados revelaram que as lesões de LCA foram mais frequentes em superfícies sintéticas, com destaque para lesões sem contato. No futebol feminino, o risco foi 53% maior (IPR = 1,53), e no futebol americano, 23% maior (IPR = 1,23). A maioria das lesões resultou em afastamento prolongado (superior a 3 semanas) e necessidade de intervenção cirúrgica. Embora algumas diferenças não tenham sido estatisticamente significativas em todas as categorias, os resultados reforçam a associação entre o uso de gramado sintético e a gravidade das lesões.

Os estudos de Robertson et al. (2022) e Ngatuvai et al. (2022), embora realizados em contextos esportivos distintos — rúgbi profissional na Inglaterra e esportes escolares nos Estados Unidos —, apresentam resultados convergentes ao apontar que os gramados sintéticos estão associados a lesões de maior gravidade, ainda que a incidência total possa ser semelhante à de outras superfícies. Em ambos os casos, os dados sugerem que a qualidade da superfície artificial contribui não apenas para a ocorrência, mas principalmente para a intensificação dos impactos das lesões, com comprometimento mais severo de regiões anatômicas como quadril, virilha e joelho.

Enquanto Robertson et al. destacam o aumento da carga de lesão e severidade em áreas como posterior da coxa e pés/dedos em gramados artificiais, Ngatuvai et al. reforçam esses achados ao demonstrar que lesões de LCA em superfícies sintéticas resultam com maior frequência em afastamento prolongado e necessidade de cirurgia, principalmente em casos de lesões sem contato. Esse dado é particularmente relevante, pois reforça a hipótese de que o gramado sintético pode agravar o impacto das lesões mesmo na ausência de colisões externas, o que o caracteriza como um fator intrínseco de risco.

O estudo de Cousins et al. (2021), do tipo coorte prospectiva, acompanhou 89 jogadores de rúgbi profissional ao longo de duas temporadas, totalizando 44 partidas e 1014 horas de exposição em jogo. O objetivo foi comparar a incidência, tipo (lesões por contato e sem contato) e gravidade das lesões em três tipos de superfície: gramado natural, híbrido (com 3% de material sintético) e sintético completo. Os resultados revelaram que a incidência de lesões foi o dobro em superfícies sintéticas, em comparação aos gramados naturais. Lesões por contato foram mais frequentes em gramados híbridos (OR = 2,31) e sintéticos (OR = 2,19), enquanto as lesões sem contato apresentaram risco quatro vezes maior em gramados híbridos (OR = 4,18). Embora a gravidade das lesões tenha se mantido estável entre os tipos de solo, as lesões no joelho foram sete vezes mais comuns nos gramados artificiais, ressaltando o potencial impacto negativo dessas superfícies na integridade física dos atletas.

Complementarmente, o estudo de Mears et al. (2018), com 1129 jogadores de futebol de elite de 44 países e seis confederações da FIFA, utilizou um delineamento quantitativo descritivo, com aplicação de questionário estruturado e análise estatística multivariada. Os autores investigaram a percepção dos jogadores quanto ao risco de lesões associado aos diferentes tipos e condições de superfícies de jogo, incluindo gramado natural, sintético, cascalho e quadra. Os resultados indicaram que a maioria dos atletas associa os gramados sintéticos a um maior risco de lesões, especialmente do tipo ligamentar e articular. Essa percepção é atribuída, sobretudo, à rigidez e tração das superfícies artificiais, fatores considerados potencialmente lesivos. O estudo também aponta que as experiências prévias dos atletas com diferentes superfícies influenciam suas percepções, sugerindo a necessidade de considerar essas variáveis em futuras investigações e no planejamento de políticas esportivas.

Os estudos de Cousins et al. (2021) e Mears et al. (2018) oferecem uma análise complementar ao relacionar evidências objetivas de incidência de lesões com a percepção subjetiva dos atletas sobre os riscos associados às diferentes superfícies de jogo. Enquanto Cousins et al. quantificam a elevação significativa na taxa de lesões, sobretudo nos gramados híbridos e sintéticos — com destaque para lesões no joelho, que foram sete vezes mais frequentes nas superfícies artificiais —, Mears et al. demonstram que os próprios atletas identificam o gramado sintético como mais propenso a provocar lesões, especialmente ligamentares e articulares, devido à sua maior rigidez e tração.

Essa articulação entre dados empíricos e percepção esportiva reforça o entendimento de que os efeitos adversos do gramado sintético não são apenas estatisticamente identificáveis, mas também vivenciados na prática pelos jogadores, em diferentes níveis de competitividade. Além disso, os achados de Mears et al. sobre a influência da experiência prévia dos atletas com distintos tipos de solo indicam que a familiaridade com a superfície pode afetar tanto a percepção quanto o desempenho e a exposição ao risco.

O estudo de Sánchez-Sánchez et al. (2021), de delineamento experimental randomizado cross-over, avaliou 15 jogadores universitários (idade média de 21,2 anos) em dois tipos de gramado sintético: com e sem certificação FIFA Quality Pro. A intervenção consistiu na aplicação do protocolo BEAST90, um teste físico simulado de futebol, com posterior análise de variáveis como desempenho físico, fadiga, esforço percebido e danos musculares. Os resultados revelaram que os gramados sem certificação apresentaram maior desgaste muscular e maior esforço físico percebido pelos atletas. Em contrapartida, os campos certificados pela FIFA demonstraram melhores condições mecânicas, com menor impacto sobre o sistema musculoesquelético, sugerindo um potencial papel protetivo na prevenção de lesões.

Complementarmente, o estudo de Ponce-Bordón et al. (2024), de natureza longitudinal observacional, acompanhou 20 jogadores profissionais da terceira divisão espanhola durante 30 sessões de treino na pré-temporada, comparando três tipos de superfície: gramado natural de baixa e alta qualidade e gramado sintético de terceira geração. As variáveis analisadas incluíram carga externa (ex.: distância total percorrida, número de sprints), carga interna (esforço percebido – RPE) e carga mental. Os achados indicaram que, embora a carga mental tenha sido ligeiramente maior no gramado sintético, esse tipo de superfície também favoreceu um maior número de sprints e corridas intensas, características importantes para o desenvolvimento do desempenho atlético. Por outro lado, o gramado natural proporcionou maior distância percorrida e variações de ritmo, sugerindo um uso mais equilibrado do esforço físico.

Em síntese, os estudos analisados demonstram que o tipo e a qualidade do gramado são fatores determinantes na prevalência e gravidade das lesões entre jogadores de futebol. A rigidez, a tração e a falta de certificação de alguns gramados sintéticos se destacam como aspectos críticos, associados a um aumento no risco de lesões, principalmente nos membros inferiores. Tais achados reforçam a necessidade de monitoramento constante das condições dos campos e da adoção de critérios técnicos na escolha da superfície de jogo, visando à preservação da saúde dos atletas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a análise dos estudos desta revisão, que visou a prevalência de lesões em jogadores de futebol em gramado sintético, constatou-se que esse tipo de superfície está frequentemente associado a um maior número e severidade de lesões, em especial as ligamentares e articulares. Diversos fatores foram identificados como contribuintes para esse cenário, incluindo a rigidez da superfície, o nível de tração, a menor capacidade de absorção de impacto e a variabilidade na qualidade dos gramados sintéticos. Além disso, a percepção dos próprios atletas aponta o gramado artificial como mais propenso a provocar desconfortos e aumentar o risco de lesões, principalmente em contextos de alta exigência física como jogos competitivos.

Embora os gramados sintéticos ofereçam vantagens logísticas e de manutenção, os achados desta revisão reforçam a necessidade de uma avaliação criteriosa sobre sua utilização no esporte de alto rendimento. Recomenda-se que clubes, gestores esportivos e profissionais da área considerem não apenas os aspectos técnicos e econômicos, mas também os impactos na saúde dos atletas. Recomenda-se aprofundar essa temática em futuras pesquisas, contemplando variáveis como tempo de exposição, nível de treinamento, idade dos atletas e qualidade da superfície, a fim de aprofundar o entendimento sobre a relação entre tipo de gramado e incidência de lesões.

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1Artigo apresentado ao Curso de Bacharelado de Fisioterapia do Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão – IESMA/Unisulma.

2Acadêmico do curso de Bacharelado em Fisioterapia do Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão – IESMA/Unisulma. E-mail: joao_reboucas12@hotmail.com

3Fisioterapeuta. Especialista em Fisioterapia Esportiva. Docente do Curso de Bacharelado em Fisioterapia na Instituição de Ensino Superior do Sul do Maranhão – UNISULMA. Professor Orientador. E-mail: julianopbrito@gmail.com