PREVALÊNCIA DE INFECÇÃO POR HIV NA FAIXA ETÁRIA PEDIÁTRICA NUMA SÉRIE HISTÓRICA DE 30 ANOS (1991-2021)

PREVALENCE OF HIV INFECTION IN THE PEDIATRIC AGE GROUP IN A 30-YEAR HISTORICAL SERIES (1991-2021)

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7901106


Luciana Barretto Lima Gusmão¹
Ana Jovina Barreto Bispo²


RESUMO

Desde o início da epidemia de HIV/AIDS, houve um aumento importante no número de crianças e adolescentes infectados em todo o mundo. No entanto, nos últimos 30 anos, os avanços nas estratégias de prevenção, diagnóstico e tratamento melhoraram de forma significativa a transmissão, longevidade e qualidade de vida desses pacientes. O presente estudo, epidemiológico e descritivo, objetivou conhecer o perfil epidemiológico dos casos notificados de infecção por HIV em crianças e adolescentes no Brasil no período de 1991 a 2021 e comparar a notificação no Estado de Sergipe e na Região Nordeste. Foram analisados dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) publicados no DATASUS e tabulados online pelo TABNET em fevereiro de 2023. No período estudado, foram diagnosticados, no Brasil, 48.353 novos casos de infecção por HIV. Verificou-se uma distribuição bimodal em relação à faixa etária, entre crianças de 0 a 4 anos e adolescentes de 15 a 19 anos. Nas crianças menores prevaleceu a via de transmissão vertical e nos adolescentes, a via sexual. Além disso, foi possível perceber também, uma tendência de queda nas infecções em todo o país, a partir do ano de 2010, nas duas principais formas de transmissão (vertical e sexual). No entanto, ainda existem desafios significativos a serem enfrentados em relação ao HIV pediátrico em todo o país. O aumento de casos entre adolescentes acima de 15 anos é uma questão preocupante que requer ações imediatas para garantir a saúde e o bem-estar dessa população.

Palavras-chave: HIV/AIDS. Criança. Adolescente. Pediatria. Transmissão

ABSTRACT

Since the beginning of the HIV/AIDS epidemic, there has been a significant increase in the number of infected children and adolescents worldwide. However, in the last 30 years, advances in prevention, diagnosis and treatment strategies have significantly improved transmission, longevity and quality of life for these patients. This epidemiological and descriptive study aimed to understand the epidemiological profile of reported cases of HIV infection in children and adolescents in Brazil from 1991 to 2021 and compare notifications in the State of Sergipe and in the Northeast Region. Data from the Notifiable Diseases Information System (SINAN) published in DATASUS and tabulated online by TABNET in February 2023 were analyzed. In the registered period, 48,353 new cases of HIV infection were predicted in Brazil. There was a bimodal distribution in relation to age group, between children aged 0 to 4 years and adolescents aged 15 to 19 years. In younger children, the vertical route of transmission prevailed and in adolescents, the sexual route. In addition, it was also possible to perceive a downward trend in communities across the country, from the year 2010, in the two main forms of transmission (vertical and sexual). However, there are still challenges to be faced regarding pediatric HIV across the country. The increase in cases among adolescents over 15 years of age is a matter of concern that requires immediate action to ensure the health and well-being of this population.

Keywords: HIV/AIDS. Child. Adolescent. Pediatrics. Transmission

1 INTRODUÇÃO

O HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) é um vírus que ataca o sistema imunológico, e, se não tratado, provoca a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Em crianças e adolescentes, a infecção pode acontecer de várias maneiras, como transmissão vertical de mãe para filho durante a gravidez, parto ou amamentação, transfusão de sangue e uso compartilhado de agulhas e seringas.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a transmissão vertical é responsável pela maioria das novas infecções por HIV em crianças. Já entre os adolescentes, destaca-se ainda o risco de relações sexuais desprotegidas (OMS, 2023).

O primeiro caso de HIV registrado no Brasil foi em 1982, em São Paulo. Desde então, o vírus espalhou-se rapidamente pelo país, de início afetando principalmente populações tidas como mais vulneráveis, de homens que fazem sexo com homens, pessoas que usam drogas injetáveis e profissionais do sexo (BRASIL, 2021).

No início da pandemia, foram grandes os desafios para lidar com a doença, especialmente a falta de medicamentos e o estigma das pessoas que viviam com HIV. Entretanto, a partir da década de 1990, o Brasil começou a adotar medidas mais efetivas para combater a epidemia, como a oferta de tratamento gratuito e a distribuição de preservativos.

O primeiro tratamento a ser aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) foi a zidovudina (AZT), em 1987. Atualmente, existem diversos outros medicamentos antirretrovirais, que ajudam a controlar a replicação do vírus no organismo e a prevenir a progressão da doença. (BRASIL, 2018, 2021)

A terapia antirretroviral (TARV) é uma combinação de diferentes medicamentos que são adaptados ao perfil de cada paciente, e tem sido cada vez mais eficaz e tolerável ao longo dos anos. É considerado o tratamento padrão-ouro para a AIDS, e tem sido responsável por uma grande redução da morbimortalidade da doença, com impacto positivo na prevalência do HIV em crianças, por permitir a redução da transmissão vertical (BRASIL, 2021).

Antes da introdução da TARV, muitas crianças com HIV morriam antes de completar cinco anos de idade. Além disso, a TARV também tem um importante papel na prevenção da transmissão do HIV, uma vez que pacientes soropositivos em tratamento eficaz têm uma carga viral indetectável e, portanto, são menos propensos a transmitir o vírus (BRASIL, 2021).

Para prevenir a transmissão vertical do HIV, em 1994, o Ministério da Saúde instituiu na rede pública, as diretrizes para a realização do teste anti-HIV no pré-natal, o acompanhamento das gestantes soropositivas, a profilaxia com zidovudina e a assistência ao parto. Posteriormente, foram incorporadas outras medidas, como a oferta de aconselhamento pré e pós-teste, a promoção do aleitamento materno exclusivo para as mães soropositivas que fazem uso do TARV e o monitoramento dos bebês expostos ao vírus. Essas medidas contribuíram significativamente para a redução da transmissão vertical do HIV no Brasil, que passou de 20,9% em 1994 para 1,6% em 2015 (BRASIL, 2013, 2016).

Existem ainda outras medidas importantes, como a ampliação do acesso à informação, por meio de programas educacionais para maior conhecimento sobre o HIV e as práticas seguras; o acesso a serviços de saúde para testagem e tratamento do HIV. Há também a distribuição de preservativos, a oferta da profilaxia pré-exposição (PrEP), que consiste no uso diário de medicamentos antirretrovirais por pessoas soronegativas com maior risco de contrair o vírus, e a profilaxia pós-exposição (PEP), para pessoas que tiveram uma exposição potencial ao vírus (BRASIL, 2021, 2022; WHO, 2022).

Segundo a UNAIDS (2020), o número estimado de novas infecções por HIV em crianças menores de 15 anos em todo o mundo atingiu o pico de cerca de 570.000 em 1997 e desde então caiu para uma estimativa de 90.000 em 2020. Da mesma forma, o número de mortes relacionadas à AIDS entre crianças menores de 15 anos atingiu o pico de cerca de 510.000 em 2004 e desde então caiu para uma estimativa de 53.000 em 2020 (KAPLAN, 2022).

Nos Estados Unidos, o número de infecções por HIV em crianças também diminuiu significativamente desde a década de 1990. De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), o número de infecções perinatais pelo HIV, ou seja, infecções transmitidas da mãe para o filho durante a gravidez, parto ou amamentação caiu de 1.760 em 1991 para 46 em 2019 (CDC, 2023). No caso das pessoas que convivem com o HIV, é fundamental o tratamento antirretroviral (TARV), para garantir maior longevidade e qualidade de vida, e prevenir a transmissão do vírus a outras pessoas. O objetivo do tratamento é reduzir a carga viral a níveis indetectáveis (fase de indução) e manter indetectável, prevenindo o desenvolvimento de resistência aos medicamentos (fase de manutenção). Sua eficácia na supressão da carga viral e prevenção da progressão da doença foi comprovada em diversos estudos clínicos em todo o mundo, além de ser uma estratégia eficaz na prevenção de transmissão do HIV em casais soro discordantes, ou seja, em que um dos parceiros é soropositivo e o outro é soronegativo. (COHEN et al., 2011, 2016; RODGER et al., 2016; BRASIL, 2020).

Este artigo objetivou conhecer o perfil epidemiológico da infecção por HIV em crianças e adolescentes de 0 a 19 anos, no período de 1991 a 2021, e comparar os dados do Estado de Sergipe com os da Região Nordeste e do Brasil.

A importância desse estudo reside no fato de que a infecção pelo HIV em crianças e adolescentes é um problema de saúde pública que requer atenção e cuidado contínuos. Compreender o perfil epidemiológico desses casos ao longo de um período de 30 anos pode fornecer informações valiosas para a implementação de políticas públicas e programas de prevenção e tratamento adequados.

Além disso, comparar os dados do Estado de Sergipe com os da Região Nordeste e do Brasil pode permitir identificar possíveis disparidades geográficas e socioeconômicas na ocorrência da infecção pelo HIV pediátrico. Isso pode ajudar a direcionar recursos e esforços para regiões com maior necessidade e apoiar a implementação de estratégias específicas para reduzir a transmissão do HIV nessas áreas.

2 METODOLOGIA

Trata-se de um estudo epidemiológico, descritivo e comparativo. Os dados foram coletados no mês de fevereiro de 2023 no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) publicados no DATASUS e tabulados online pelo TABNET. Foram analisados os diagnósticos de infecção por HIV por sexo e categoria de exposição ao longo dos anos de 1991 a 2021, comparando a prevalência tanto em âmbito Estadual, como Regional e Nacional (Sergipe, Região Nordeste e Brasil). Em seguida, as tabelas foram projetadas em gráficos, para melhorar a visualização dos dados apresentados.

3 RESULTADOS

No período de 1991 a 2021, foram notificados um total de 48.353 casos de HIV/AIDS no Brasil na faixa etária de 0 a 19 anos, sendo 27.117 (56%) casos em menores de 15 anos e 21.236 (44%), na faixa de 15 a 19 anos. Na faixa de 0 a 14 anos, o ano de maior notificação foi 2002, com 1822 casos, caindo para 295 casos em 2021, representando uma diminuição de 83,8%. Entre os adolescentes, no entanto, considerando o mesmo período, houve um aumento de 11,22% nas notificações, passando de 677 casos em 2002 para 753 casos em 2021. Observa-se, entretanto, que o maior número de casos ocorreu nos anos de 2014 e 2015, com 1058 notificações em cada ano, seguindo uma tendência decrescente nos anos posteriores.

Gráfico 1 – Casos de HIV/AIDS de 1991 a 2021 no Brasil – 0 a 19 anos

Fonte: autoria própria

No Nordeste, no período estudado, observou-se 4.444 casos de HIV na faixa de 0 a 14 anos, tendo um pico de 290 notificações em 2005, e caindo para 107, em 2021, o que representa uma redução de 63,1%. Em contrapartida, na faixa de 15 a 19 anos, nesse mesmo período, o número de casos teve um aumento progressivo de 192%, passando de 91 casos em 2005 para 266 em 2015. A partir de então, as notificações foram gradativamente reduzindo ao longo dos anos, chegando a 153 casos em 2021, que corresponde a uma queda percentual de 42,5% (Gráfico 2).

Gráfico 2– Casos de HIV/AIDS de 1991 a 2021, Região Nordeste – 0 a 19 anos

Fonte: autoria própria

Em Sergipe, por sua vez, foram notificados um total de 178 casos ao longo desses 30 anos, com uma distribuição bastante variável. De uma forma geral, na faixa de 0 a 14 anos, houve uma tendência à queda nas notificações, ao passo que entre os 15 e 19 anos, tendeu ao aumento. Entre 0 e 14 anos, o maior número de casos foi em 2013, com 15 notificações, caindo para 6 casos em 2021 (redução percentual de 60%). Nos adolescentes, de 15 a 19 anos, nesse mesmo período, houve um aumento de 133% nas notificações, passando de 6 em 2013 para 14, em 2021 (Gráfico 3).

Gráfico 3– Casos de HIV/AIDS de 1991 a 2021, Sergipe – 0 a 19 anos

Fonte: autoria própria

Ao analisar os casos por sexo e faixa etária, no Brasil verificou-se maior acometimento no sexo masculino e uma concentração de 44% dos casos entre adolescentes de 15 a 19 anos. No entanto, nos menores de 15 anos, o predomínio do sexo masculino foi apenas entre 0 e 1 ano, passando a prevalecer o sexo feminino a partir de então, de 1 a 14 anos (Gráfico 4).

Gráfico 4 – HIV/AIDS. Distribuição por Sexo e Faixa Etária. 1991 a 2021. Brasil

Fonte: Elaboração própria

Na Região Nordeste, a distribuição de acometimento entre os sexos e faixa etária segue semelhante à do Brasil, com exceção da faixa entre 5 e 9 anos, na qual o predomínio das infecções foi ligeiramente maior no sexo feminino (Gráfico 5).

Gráfico 5 – HIV/AIDS. Distribuição por Sexo e Faixa Etária. 1991 a 2021. Nordeste.

Fonte: Elaboração própria

Em Sergipe, como se observa no gráfico 6, houve um maior número de acometimento feminino dos 0 aos 9 anos, invertendo essa tendência a partir dos 10 anos de idade. Porém, vale ressaltar que de uma forma geral, considerando toda a faixa etária pediátrica (0 a 19 anos), a distribuição entre os sexos é semelhante entre Brasil, Nordeste e Sergipe, com um predomínio de acometimento no sexo masculino (52%) em relação ao feminino (48%).

Gráfico 6 – HIV/AIDS. Distribuição por Sexo e Faixa Etária. 1991 a 2021. Sergipe.

Fonte: Elaboração própria

Com relação à categoria de exposição, foram consideradas a via sexual, usuários de drogas injetáveis (UDI), hemofílicos, transfusão, transmissão vertical e categoria ignorada. Ao longo desses 30 anos, foi possível observar, no Brasil, que dentre as categorias de exposição conhecidas, a transmissão vertical foi a responsável pelo maior número de casos na faixa etária pediátrica (0 a 19 anos), de 1992 a 2010, tendo seu pico de incidência em 1998 e seguindo uma tendência de queda desde então. Em seguida, a via de transmissão sexual foi a segunda mais importante, tendo um aumento progressivo de 1991 a 1998, quando se manteve relativamente estável até 2010, voltando a aumentar até 2013, e mantendo-se em queda até 2021 (Gráfico 8).

Gráfico 7 – Casos de HIV/AIDS por tipo de exposição, no período de 1991 a 2021, Brasil.

Fonte: Elaboração própria

Quando analisado o padrão de distribuição por categoria de exposição e faixa etária no Brasil, verifica-se um predomínio na transmissão vertical nos menores de 15 anos (56%), com pico de incidência entre 1 e 4 anos. Entretanto, dos 15 aos 19 anos, a via sexual passa a ser predominante, correspondendo a 58% dos casos nessa faixa etária, enquanto 9% ocorrem por uso de drogas injetáveis, 0,4% nos hemofílicos, 0,2% por transfusão e 3% por transmissão vertical (Gráfico 7)

Gráfico 8 – Distribuição por Categoria de Exposição e Faixa Etária, de 1991 a 2021, Brasil.

Fonte: Elaboração própria

Na região Nordeste e em Sergipe, a distribuição dos casos por categoria de exposição e faixa etária segue um comportamento semelhante ao do Brasil, com predomínio da transmissão vertical na faixa dos 0 aos 14 anos (55%) e da transmissão sexual, dos 15 aos 19 anos (45%). Vale ressaltar também o grande número de notificações com a categoria de exposição ignorada, correspondendo a 40% dos casos no Nordeste e 25% em Sergipe (Gráficos 9 e 10).

Gráfico 9 – Distribuição por Categoria de Exposição e Faixa Etária. 1991 a 2021. Região Nordeste.

Fonte: Elaboração própria

Gráfico 10 – Distribuição por Categoria de Exposição e Faixa Etária. 1991 a 2021. Sergipe.

Fonte: Elaboração própria

4 DISCUSSÃO 

O presente estudo encontrou um total de 48.353 notificações de HIV/AIDS em crianças e adolescentes no Brasil entre 1991 e 2021, prevalecendo as infecções em menores de 15 anos (56% dos casos). Verificou-se que ao longo do tempo, as notificações de HIV entre crianças de 0 a 14 anos teve uma queda significativa, tanto no Brasil, como na Região Nordeste e no Estado de Sergipe. Porém, houve um aumento global dos casos entre adolescentes de 15 a 19 anos.

Corroborando com os dados encontrados, o Ministério da Saúde divulgou que a taxa de detecção de AIDS vem caindo no Brasil desde o ano de 2012. Em 2010, essa taxa foi de 21,4 casos por 100 mil habitantes; em 2011, aumentou para 22,3; em 2012 houve queda para 22,0 e em 2019, chegou em 18,0. No ano de 2020, observa-se a maior redução anual da taxa, que chegou a 14,1 casos por 100 mil habitantes, o que está relacionado em parte aos efeitos da subnotificação de casos causada pela sobrecarga dos serviços de saúde durante a pandemia da covid-19. Essa redução da taxa de detecção de 2019 para 2020 também foi observada em todas as regiões e Unidades da Federação, exceto no estado de Sergipe. (BRASIL, 2021).

No estudo de Coelho, R. (2019), sobre a subnotificação do HIV/AIDS no Brasil de 2012 a 2016, verificou-se que a proporção de casos subnotificados sofreu um aumento ao longo dos anos de 58%, saindo de 26,7% em 2012 para 42,3% em 2016. Os maiores percentuais de subnotificação ocorreram no sexo feminino (41,9%) e na faixa etária de menores de 5 anos (93,4%), enquanto o menor percentual ficou na faixa de 13 a 19 anos de idade, com um percentual de 32,9%.

No presente estudo, observou-se também que no Brasil a prevalência de casos em crianças de 0 a 4 anos reduziu de 33% em 1991 para 18% em 2021. Em contrapartida, a prevalência em adolescentes de 15 a 19 anos, sofreu um aumento de 57% em 1991 para 71% em 2021. Tal achado difere do perfil encontrado por Araújo et al (2021), num estudo epidemiológico sobre Aids no Brasil entre 2009 e 2019, segundo o qual as notificações tanto em crianças (menor de 14 anos) como em adolescentes (15 a 19 anos) sofreram queda progressiva desde 2009. Porém corrobora com os dados do Ministério da Saúde, que apontam incremento na taxa de detecção de HIV em adolescentes de 15 a 19 anos, destacando um aumento de 62,2% nessa faixa etária entre 2008 e 2018 (BRASIL, 2019).

De uma forma global, no Brasil, ao longo desses 30 anos, foi encontrado um maior número de acometimento em crianças e adolescentes do sexo masculino, numa proporção de 52% de meninos e 48% de meninas. Na faixa etária de 0 a 14 anos, não houve diferença entre os sexos, porém dos 15 aos 19 anos, foi mais frequente no sexo masculino, aumentando para 55% de meninos e 45% de meninas. Considerando a região Nordeste, prevaleceu o sexo masculino nos dois grupos etários, passando de 51% de meninos entre 0 e 14 anos, para 56% de meninos entre 15 e 19 anos. Já no estado de Sergipe, entre 0 e 14 anos, o acometimento maior foi no sexo feminino, com 45% de meninos para 55% de meninas. E entre 15 e 19 anos, essa distribuição inverteu, passando prevalecer no sexo masculino, com 62% de meninos e 38% de meninas. Em contrapartida, um estudo no estado de Alagoas entre 2009 e 2018, apontou maior frequência de HIV no sexo feminino entre 15 e 19 anos. (MARIANO, 2020).

Dessa forma, é possível perceber que a distribuição por sexo pode variar de acordo com a realidade de cada região. De acordo com Idele (2014), em países epidêmicos, a prevalência de HIV entre adolescentes do sexo feminino tende a ser consideravelmente mais alta do que o masculino, sugerindo que o contexto aumenta os riscos e vulnerabilidade sexual das adolescentes. Em algumas localidades, a razão entre os sexos chega a ser 5:1.

A presente pesquisa revelou ainda que no Brasil, de forma global, ao longo do período estudado, dos casos de HIV em crianças de 0 a 4 anos, 70% foram decorrentes de transmissão vertical, enquanto na faixa de 15 a 19 anos, 91% dos casos foram devido à transmissão sexual. Tal fato foi igualmente observado no estudo de Araújo et al (2019), segundo o qual a transmissão vertical predomina em pessoas com idade de zero a 14 anos, enquanto na faixa etária de 15 a 19 anos prevalece a transmissão por via sexual. E no de Vieira et al (2021), cuja análise sobre o HIV na região Norte nos últimos 10 anos, encontrou que a transmissão perinatal é responsável pela maioria de infecções entre a população infantil, sendo responsável por aproximadamente 87,2% dos casos de AIDS notificados no Brasil entre menores de 13 anos.

A transmissão vertical ainda é a principal forma de infecção em crianças com menos de 13 anos de idade. A implementação de medidas preventivas, como o teste de HIV durante o pré-natal, o uso de terapia antirretroviral durante a gestação, o parto e o pós-parto, a cesárea eletiva em casos de carga viral elevada, e o uso de fórmula infantil em substituição ao leite materno, têm sido eficazes na redução desse tipo de transmissão (WHO, 2020).

Por sua vez, a forma de transmissão de maior relevância é a via sexual, que em 2020 foi responsável por cerca de 63% das novas infecções pelo HIV em todo o mundo. Em adolescentes, essa foi a forma de transmissão mais encontrada, como descrito em grande parte dos estudos (UNAIDS, 2020). Segundo o Ministério da Saúde, o início precoce da vida sexual pode ser considerado um agravante para o comportamento de risco frente ao HIV. A vulnerabilidade à infecção é influenciada por diversos fatores, como o número de parceiros sexuais, a prática de sexo desprotegido, o uso de drogas recreativas, a presença de outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), além da falta de conhecimento sobre o vírus e consumo excessivo de bebidas alcoólicas. (MATIDA, RAMOS JR e FONSECA, 2013; UNAIDS, 2020; SANTOS, PEREIRA e SILVA, 2021; WHO, 2022).

A transmissão sexual do HIV em crianças é uma situação rara, mas pode ocorrer em algumas circunstâncias, geralmente em casos de abuso, exploração e violência sexual. Da mesma forma, este fator também aumenta a vulnerabilidade frente ao HIV em adolescentes. Segundo o Ministério da Saúde, um grande número de adolescentes exploradas sexualmente foram vítimas de abuso sexual, na maioria das vezes praticados por parente próximo (WHO, 2015).

5 CONCLUSÃO

O HIV/AIDS em crianças e adolescentes é um problema mundial. A série histórica revela tendência de queda na quantidade de casos no Brasil, na região Nordeste e no Estado de Sergipe. De uma forma geral, houve uma significativa redução do número de infecções ao longo dos últimos 30 anos, especialmente da transmissão vertical do HIV. No entanto, apesar dessas melhorias, o HIV pediátrico ainda é um problema de saúde pública significativo, especialmente em países com recursos limitados, onde o acesso à prevenção, tratamento e cuidados pode ser escasso.

Apesar da importância da transmissão vertical em crianças menores de 13 anos, a via sexual é a forma predominante de infecção em adolescentes no Brasil.

As melhorias na prevalência do HIV pediátrico se devem em grande parte ao uso generalizado de TARV tanto para prevenir a transmissão vertical quanto para tratar precocemente as crianças infectadas pelo vírus. Além disso, a maior conscientização e disponibilidade de testes e aconselhamento sobre HIV também contribuíram para a diminuição da prevalência das infecções nessa faixa etária.

No entanto, o aumento de casos de HIV entre adolescentes acima de 15 anos tem sido preocupante. Os principais fatores associados ao aumento de casos nessa faixa etária são: início precoce de atividade sexual, falta de informação sobre prevenção do contágio, dificuldade de acesso a serviços de saúde e testes de detecção do HIV, falta de acesso a preservativos, além de questões sociais e culturais.

Dentre as limitações observadas para elaboração do presente estudo encontra-se a carência de análises epidemiológicas de outras regiões brasileiras, que sirva de comparação com os dados aqui apresentados. Adicionalmente, o preenchimento incompleto da ficha de notificação, com muitos campos marcados como ignorado, acaba por mascarar a realidade dos dados. Além disso, houve um aumento da subnotificação, especialmente a partir de 2020, quando eclodiu a pandemia de COVID-19 e os serviços de saúde concentraram seus esforços no enfrentamento da doença.

REFERÊNCIAS

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¹Graduanda em Medicina pela Universidade Tiradentes – UNIT/SE. Av. Murilo Dantas, 300, Farolândia. Email: lucianabarrettolima@gmail.com
²Professora orientadora do curso de Medicina da Universidade Tiradentes – UNIT/SE. Av. Murilo Dantas, 300, Farolândia. E-mail: anajovina70@gmail.com