PREVALÊNCIA DE ESTRABISMO EM CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL EM UNIDADE DE REFERÊNCIA EM BELÉM-PA EM 2017

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7510584


Octavio Vieira Kishi
Dr. João Amaury Francês Brito


Resumo:

A paralisia cerebral (PC) é a deficiência física que mais acomete crianças. Crianças com PC possuem taxas elevadas de disfunções das vias motoras e sensoriais da visão se comparadas a crianças com desenvolvimento neurológico normal. A frequência de estrabismo em pacientes com PC varia de 40 a 90 por cento na literatura. Foi realizado um estudo do tipo epidemiológico descritivo, transversal, prospectivo e observacional, com a finalidade de identificar a presença de estrabismo nos pacientes portadores de PC e obter um perfil epidemiológico destes. Foram avaliadas 41 crianças com PC do tipo espástica. Variáveis como peso ao nascer, idade gestacional e classificação da Função Motora Grossa foram avaliadas em associação com estrabismo. Outras variáveis como sexo, idade, subtipo clínico da PC também foram avaliadas. Foi realizado um exame clínico oftalmológico nos pacientes. Observou-se a presença de estrabismo em 46,34% das crianças avaliadas, com predomínio de esotropia (29,27%) seguidos de exotropia (12,19%) e hipertropia (2,44%). A associação entre o peso ao nascer a ocorrência de estrabismo apresentou significância estatística (p=0,012). Conclui-se que a prevalência de estrabismo é elevada nas crianças com PC espástica quando comparada a população geral, sugerindo que a avaliação oftalmológica precoce seja rotina para estes pacientes. 

Palavras chave: estrabismo, paralisia cerebral, descritivo, função motora, epidemiologia.

Cerebral palsy (CP) is the most common cause of disability in children. CP children have many visual disorders compared with general population. The prevalence of strabismus in PC children is described in the literature in ranges from 40 to 90 percent. This is a descriptive, cross sectional, prospective and observational study with the purpose of evaluate the strabismus prevalence in PC children with spastic subtype. An ophthalmic and orthopedic exam was performed to identify strabismus and CP pattern. A protocol with other variables like birth weight, gestational age and gross motor function scale was filled Strabismus was observed in 46,34% of the sample. Esotropia (29,27%) predominate over exotropia (12,19%) and hipertropia (2,44%). A statistically significance was found in association of birth weight and strabismus (p=0,012). In conclusion, the strabismus prevalence in spastic CP children was high in this study. A detailed ophthalmologic examination may be useful to these patients as early is possible.  

Introdução

A paralisia cerebral (PC) é a deficiência física que mais acomete crianças (MACLENNAN; THOMPSON; GECZ, 2015). Ela é descrita como um grupo permanente de distúrbios do movimento e da postura, com limitação das atividades, que são atribuídos a lesões não progressivas ocorridas durante o desenvolvimento cerebral fetal ou do lactente, no qual os distúrbios motores em geral são acompanhados de alterações sensoriais, perceptuais, cognitivas, comunicativas e comportamentais, como também epilepsia e problemas esqueléticos secundários (COLVER; FAIRHURST; PHAROAH, 2014). 

De acordo com suas manifestações clínicas, a PC é classificada em cinco grupos: atáxica, hipotônica, atetósica, mista e espástica nas formas de tetraplegia, diplegia, hemiplegia. A forma mais comum é a espástica, que pode ser descrita como uma resistência ao estiramento passivo de um músculo ou de um grupo muscular caracterizando a hipertonia devido ao acometimento do neurônio motor superior do Sistema Nervoso Central (SNC) dos pacientes (AZIZ; VASSALLO, 2013; COLLINS, 2014).  

Para estabelecer uma escala padronizada de acordo com a severidade do acometimento funcional em crianças com PC, foi proposto o Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (GMFCS). Nesse sistema, os pacientes podem ser classificados em cinco níveis (ANEXO C), variando do Nível I ao V. No nível I, mais suave, a criança pode andar e executar todas as atividades comuns a idade, porém com limitações na velocidade, equilíbrio e coordenação do movimento. No nível V, mais grave, a mobilidade da criança é severamente limitada, dependendo de cadeira de rodas com apoio cervical, necessitando de auxílio humano (PALISANO et al., 1997). 

Crianças com PC possuem taxas elevadas de disfunções das vias motoras e sensoriais da visão se comparadas a crianças com desenvolvimento neurológico normal. O comprometimento visual em crianças com PC difere entre os diferentes níveis motores. Crianças com alterações motoras mais severas (GMFCS IV e V) tendem a apresentar déficits mais severos, não observados em crianças de desenvolvimento típico e as mais leves (GMFCS I a III) tendem a apresentar déficits sensório-motores semelhantes aos de crianças com desenvolvimento neurológico típico (GHASIA et al., 2008). 

Por conseguinte, a deficiência visual é um dos prejuízos mais comum associados à PC (ALIMOVIĆ, 2012; EGO et al., 2015; FAZZI et al., 2012). Distúrbios como ambliopia, estrabismo, danos ao córtex visual, defeitos nos campos visuais e nas vias neurais da visão são observados com elevada frequência em crianças com PC (COLLINS, 2014). Estudos que relatam a frequência de estrabismo em pacientes com PC apresentam uma variação de 20 a 90 por cento na ocorrência desse distúrbio oftalmológico (DUFRESNE; DAGENAIS; SHEVELL, 2014; GHASIA et al., 2008). 

O substrato anatômico do tipo espástico de PC é mais amplo e difuso quando comparado aos tipos atáxico e atetóide, e é associado a hemorragia periventricular e subcortical. Os axônios das radiações óticas atravessam o espaço periventricular, portanto as funções visuais podem estar comprometidas na ocorrência de leucomalácia periventricular presente na paralisia cerebral espástica (PARK et al., 2016). 

O estrabismo é definido por uma condição na qual os eixos visuais dos olhos apresentam uma posição relativa entre si diferente da requerida funcionalmente para suas funções fisiológicas (BLAIR; SMITHERS-SHEEDY, 2016). O tipo de estrabismo mais comum ocorre com desvios no eixo horizontal, e é representado pelas exotropias e esotropias. Um olho cruzado em relação ao outro é denominado uma esotropia, ao passo que um desvio para o exterior de um olho é chamado um exotropia (CLARKE, 1999; DONAHUE, 2007). 

Se não for tratado a tempo, o estrabismo em crianças pode levar a ambliopia, que é a diminuição da acuidade visual em um olho estruturalmente normal. A ambliopia pode levar a perda total da visão no olho afetado e sua fisiopatologia envolve o encurtamento no tamanho dos neurônios e dos feixes de axônios presentes no córtex visual e corpo geniculado lateral do olho ambliopico (DONAHUE, 2007).  

Técnicas básicas de avaliação do estrabismo são excelentes recursos para triagem de pacientes. Dentre estas, pode-se citar as consagradas técnicas de Hirschberg, técnica Krimsky, e também o “cover-uncover test”, sendo esta última utilizada principalmente quando a criança já consegue fixar o olhar num objeto. Estas técnicas diferem entre si quanto ao uso ou não de aparelhos como prismas. Um conhecimento básico sobre os tipos de estrabismo é importante por permitir, além de uma melhor comunicação com o paciente ou seu responsável, um referencial para tratamento mais efetivo (GUNTON; WASSERMAN; DEBENEDICTIS, 2015).  

Assim, o diagnóstico precoce de estrabismo nas crianças portadoras de PC ainda é um desafio na prática clínica. Apesar da relação entre distúrbios motores e acometimento visual na PC estar descrita na literatura, a falta de estudos no Brasil acerca dessa relação não permite que se estabeleçam protocolos nos centros especializados no manejo de crianças com PC. Sabe-se que o acometimento visual, como o estrabismo, pode causar relevantes prejuízos na qualidade de vida. Todavia, um manejo precoce e adequado por levar a um impacto positivo na evolução prognóstica das crianças com PC no que diz respeito a visão.  

Portanto, o presente trabalho tem por objetivo avaliar as variações de estrabismo presentes nos pacientes portadores de PC que recebam acompanhamento médico no Instituto Paraense de Toxina Botulínica (IPAT) do Hospital Bettina Ferro de Souza (HUBFS), estabelecendo um perfil epidemiológico destes pacientes.  

MÉTODO 

Trata-se de um estudo transversal de caráter observacional e descritivo com objetivo primário de conhecer a prevalência de estrabismo em crianças, na faixa etária de dois a 13 anos de idade, previamente diagnosticadas com paralisia cerebral (PC) e que recebam atendimento multidisciplinar no Instituto Paraense de Toxina Botulínica (IPAT) do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza (HUBFS), no município de Belém do Pará, Brasil.  

Todos os sujeitos da presente pesquisa foram estudados segundo os preceitos da Declaração de Helsinque (ANEXO A) e do Código de Nuremberg (ANEXO B), respeitadas as Normas de Pesquisa envolvendo Seres Humanos do Conselho Nacional de Saúde (Rs. CNS 466/12), após aceite da instituição de ensino Universidade do Estado do Pará (APÊNDICE F) bem como aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob parecer de número 2.319.620 CAAE: 65672317.5.0000.5172 (APÊNDICE E), e do consentimento de coparticipação do HUBFS (APÊNDICE G), liberação do IPAT (APÊNDICE A) e aceite do orientador Dr. João Amaury Francês (APÊNDICE D). 

Todos os pacientes e responsáveis foram orientados e informados sobre os riscos e benefícios da pesquisa, tendo o responsável pelo menor assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE B) autorizando sua participação no estudo.  

Os participantes deste estudo são crianças, com idade variando dentro dos dois anos completos aos 13 anos completos, com diagnóstico estabelecido de paralisia cerebral do tipo espástica, cadastradas no Sistema Único de Saúde (SUS), que estejam em acompanhamento médico e multidisciplinar regular no Instituto Paraense de Toxina Botulínica (IPAT) do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza. 

A coleta de dados foi realizada no período de setembro a outubro de 2017, em momento único. Inicialmente, realizou-se um processo de triagem no registro de pacientes da instituição com intuito de identificar indivíduos potencialmente elegíveis segundo os critérios de inclusão e exclusão. 

Foram excluídos da pesquisa pacientes que não preenchiam todos os critérios de inclusão, pacientes que preencham pelo menos um dos critérios de exclusão e aqueles que recusaram a participação na pesquisa.  

Após a identificação dos pacientes elegíveis, cada paciente foi abordado por contato telefônico para explicação prévia do objetivo da pesquisa. Os responsáveis dos pacientes que concordaram com a participação da criança na pesquisa foram convidados a comparecer na instituição de atendimento para coleta de dados e avaliação clínica. 

A coleta de dados foi realizada por meio da aplicação de protocolo de pesquisa específico (APÊNDICE C). Uma avaliação ortopédica era realizada para identificar o tipo de acometimento motor de paralisia cerebral (hemiplegia, diplegia, tetraplegia) encontrado no sujeito da pesquisa além de definir o grau de acometimento motor através da Escala de Função Motora Grossa. Essa avaliação clínica não necessita de instrumentos auxiliares. Para este estudo, foi considerado apenas o padrão espástico de PC.  Em seguida, a criança passou por uma avaliação oftalmológica com intuito de identificar a presença e o tipo de estrabismo, variáveis de mensuração para o desfecho primário. Ao final, uma breve entrevista clínica foi realizada para coleta das variáveis de mensuração de desfecho para o perfil clínico e epidemiológico.  

Foram consideradas as seguintes variáveis: idade, sexo, idade gestacional ao nascimento, termo da gestação, peso ao nascer, idade da mãe à concepção do paciente, encefalopatia neonatal, icterícia neonatal, uso de medicamentos, cirurgias prévias, diagnóstico da PC (peri, pós, pré-natal), classificação da função motora grossa, subtipo clínico da PC espástica (hemiplegia, diplegia, quadriplegia) e tipo de estrabismo (esotropia, exotropia, hipertropia, hipotropia).  

O subtipo clínico de paralisia cerebral e a classificação da função motora grossa foram avaliados através de exame clínico, observando-se o padrão de comprometimento das funções motoras. O exame clínico oftalmológico foi realizado de forma não-invasiva utilizando técnicas Cover-uncover test, Krimsky test e Hirschberg test. A escolha de uma das técnicas baseia-se na capacidade de cooperação do paciente bem como da fixação ocular. 

Os resultados obtidos foram armazenados em forma de banco de dados por meio do software Microsoft Excel 2016. Cada protocolo (observação) foi designado como uma linha da base de dados, enquanto as colunas referentes as variáveis coletadas. 

RESULTADOS 

Um total de 41 crianças foram avaliadas na pesquisa. As características epidemiológicas e os achados clínicos referentes à paralisia cerebral encontram-se na TABELA 1. Parto a termo foi definido como maior que 37 semanas completas. O pré-natal foi adequado quando a gestante realizou pelo menos seis consultas. 

TABELA 1 – Características epidemiológicas da amostra de pacientes do Instituto Paraense de Toxina Botulínica (IPAT) do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza – Belém – PA 

CARACTERÍSTICA  
Sexo (M/F)  
Masculino 21 (51,22) 
Feminino 20 (48,78) 
Peso ao Nascer gramas, Média (dp) 2519,63 (934,63) 
Idade Gestacional, Media (dp) 34,17 (5,09) 
Idade Materna à Concepção, Média (dp) 27,25 (7,27) 
Pré-Natal Adequado 17 (41,46) 
Parto a Termo 21(51,22) 
Parto Normal 29 (70,73) 
Classificação Topográfica PC  
Diplegia 17 (41,46) 
Hemiplegia 5 (12,20) 
Tetraplegia 19 (46,34) 
Classificação de Função Motora Grossa  
2 (4,88) 
II 9 (21,95) 
III 6 (14,63) 
IV 10 (24,39) 
14 (34,15) 

FONTE: protocolo de pesquisa 

As características relacionadas às afecções dos indivíduos ao nascimento investigadas constam na tabela 2. É possível perceber a maior parte dos indivíduos apresentou intercorrências durante o parto (n=29; 70,73%) sendo a hipóxia a responsável pela maior parte dessas intercorrências (n=12; 41,38%). Além disso, a maior parte dos indivíduos não apresentava encefalopatia neonatal (n= 21; 52,50%) e icterícia (n=23; 56,10%).  

TABELA 2 – Características de afecções relacionadas ao nascimento de pacientes do IPAT do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza, Belém – PA 

Afecções ao nascer N % 
Intercorrências no parto   
Não 12 29,27 
Sim 29 70,73 
Causas das intercorrências   
Icterícia (hiperbilirrubinemia) 17,24 
Prematuridade 31,03 
Trabalho de Parto Prolongado 3,45 
Hipóxia/Isquemia 12 41,38 
Sífilis Congênita 3,45 
Não soube informar 3,45 
Presença de encefalopatia   
Não  21 52,50 
Sim 19 47,50 
Tipo de encefalopatia   
Não 9,52 
Hipóxia 17 80,95 
Não soube informar 9,52 
Presença de icterícia   
Não 23 56,10 
Sim 18 43,90 

FONTE: protocolo de pesquisa 

A avaliação de modificações oftalmológicas da amostra consta na TABELA 3. Entre os que apresentaram estrabismo (n=19; 46,34%) a maioria apresentou esotropia (n=12; 29,27%). A ocorrência de estrabismo de acordo com a topologia da paralisia cerebral está apresentada na TABELA 4. 

Tabela 3 – Avaliação clínica do estrabismo na amostra de pacientes do IPAT do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza, Belém -PA 

Avaliação estrabismo  N % 
Presença de estrabismo   
Não  22 53,66 
Sim 19 46,34 
Tipo de estrabismo   
Epicanto (pseudoestrabismo) 2,44 
Hipertropia 2,44 
Esotropia 12 29,27 
Exoforia 2,44 
Exotropia 12,19 

FONTE: protocolo de pesquisa 

Tabela 4 – Prevalência de estrabismo de acordo com a topologia de acometimento da paralisia cerebral. 

Topologia PC Estrabismo (N-%) 
Hemiplegia (n=5) 1 (20) 
Diplegia (n=17) 7 (41,18) 
Tetraplegia (n=19) 11 (57,89) 

FONTE: protocolo de pesquisa 

Na avaliação da associação entre o peso ao nascer (segundo classificação OMS), idade gestacional e GMFCS é possível avaliar que relacionado ao peso ao nascer os participantes da pesquisa que tiveram estrabismo a maioria apresentou baixo peso ao nascer (<2500g) (n=12; 63,16% – p=0,012). Para a idade as outras associações não apresentaram correlação estatisticamente significante conforme tabela 5.  

TABELA 5 – Associação entre peso ao nascer, idade gestacional, GMFCS e presença de estrabismo da amostra de pacientes do IPAT do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza, Belém -PA 

CaracterísticaCaracterísticap* 
Não (N-%)Sim (N-%)
Peso ao nascer
Abaixo do peso 5 (22,73)12 (63,16)0,012 
Normal17 (77,27)7 (36,84)
Idade gestacional 
Termo 8 (36,36)12 (63,16)0,121 
Pré termo14 (63,64)7(36,84)
GMFCS
11 (4,55)1 (5,26)
26 (27,27)3 (15,79)
35 (22,73)1 (5,26)0,391 
44 (18,18) 6 (31,58) 
56 (27,27)8 (42,11)

FONTE: protocolo de pesquisa * Teste exato de Fisher 

DISCUSSAO

A deficiência visual é um dos prejuízos mais comum associados à paralisia cerebral (ALIMOVIĆ, 2012; EGO et al., 2015). Distúrbios como ambliopia, estrabismo, danos ao córtex visual, defeitos nos campos visuais e nas vias neurais da visão são observados com elevada frequência em crianças com PC (COLLINS, 2014).  

No presente estudo a ocorrência de estrabismo foi observada em 19 dentre um total de 41 pacientes com PC do tipo espástica, correspondendo a uma prevalência de 46,34%. Este valor está em concordância com a literatura, na qual trabalhos prévios relatam que a frequência de estrabismo em portadores de PC apresentam uma variação de 32,8 a 66% (ALIMOVIĆ, 2012). Dois estudos que avaliaram alterações oculares em pacientes com PC do tipo espástica apresentaram uma prevalência de estrabismo de 55,2% (OZTURK; BERK; YAMAN, 2013) e 70.5% (PARK et al., 2016). 

Um trabalho avaliou distúrbios oftalmológicos em 129 pacientes pediátricos com PC e a presença de estrabismo foi relatada em 90% dos casos, consideravelmente acima da média observada no presente estudo e em outros similares. Em crianças com desenvolvimento neurológico normal, estudos recentes indicam que a prevalência de estrabismo não ultrapassa os 5% na população geral (MCKEAN-COWDIN et al., 2013). 

Uma possível explicação para os resultados obtidos no referido trabalho está na característica da casuística, composta em sua maioria por crianças com história de prematuridade (67%) e com acometimento motor severo (52%) (FAZZI et al., 2012).  

Houve predominância dos desvios horizontais, com uma relação da esotropia sobre exotropia de 2,4:1. Apenas um desvio vertical foi observado, representado pela hipertropia. Essa proporção está de acordo com outros autores que desenvolveram pesquisas semelhantes (ARIAS-CABELLO et al., 2016; OZTURK; BERK; YAMAN, 2013). No entanto, outros dois estudos divergem sobre este achado no presente estudo, Mathew et al (2015) observou uma relação exotropia:esotropia de 3,4:1. Park et al (2016) relata um discreto predomínio de 1,5 vezes de exotropia sobre esotropia. 

Ao analisar as características epidemiológicas da amostra estudada, foi observado um predomínio da classificação topográfica da PC pela tetraplegia, seguido pela diplegia e hemiplegia respectivamente (TABELA 1). Tal distribuição está de acordo com o observado por outro estudo um trabalho de Himpens, Oostra, Calders e Vanhaesebrouck (2008).  

Ao estratificar a presença de estrabismo de acordo com a classificação topográfica observa-se que a frequência de estrabismo se torna maior conforme o acometimento torna-se mais extenso, porém sem significância estatística (TABELA 4). Um estudo de Oztuk et al (2012) com 194 crianças portadoras de PC espástica também realizou estratificação semelhante e revelou, sem significância estatística, a prevalência a seguir: tetraplegia (60%), diplegia (56,5%) e hemiplegia (40,6%). Tais resultados são compatíveis com o descrito no presente estudo. Outro estudo com 105 participantes também verificou a prevalência de estrabismo e relacionou de acordo com o padrão topográfico de acometimento da PC, obtendo valores em torno de 75% e iguais para os três grupos, sem significância estatística (PARK et al., 2016). 

No presente estudo, a maior parte da amostra apresenta um acometimento motor severo (GFMCS= IV e V) totalizando 24 pacientes (58,54%). Uma possível explicação para este fato é que crianças com PC referidas para um centro de referência geralmente são mais severamente acometidas do que crianças que vivem na comunidade não encaminhadas para avaliação médica especializada.  

Observou-se no presente estudo que dentre os pacientes com estrabismo, houve uma tendência a maior prevalência do distúrbio no grupo com acometimento motor mais severo. Entretanto não houve significância estatística relacionadas a esta associação (p=0,391). Alguns trabalhos sugerem uma correlação direta entre a severidade do acometimento motor, avaliada pela GMFCS, com a existência e intensidade de acometimento visual (GHASIA et al., 2008; SHEVELL; DAGENAIS; HALL, 2009). 

Em uma coorte com 213 crianças com PC, os resultados divergem ligeiramente do presente estudo, apresentando uma prevalência de estrabismo similar entre os GFMCS II ao IV (II = 44,4%; III = 35,7%; IV = 35,9%) e inferiores nos GFMCS I e V (I = 18,9%; 17,9%), sem associação significativa. Ainda nesta coorte, ocorreram discrepâncias semelhantes com o trabalho de Fazzi et al (2012) que, segundo os autores, podem ser justificadas por um viés de seleção que podem ocorrer nos estudos em que a amostra é obtida em centros de referência, onde os pacientes tendem a apresentar um quadro clínico mais complexo quando comparados a amostras obtidas da população geral que limitam o viés de seleção (DUFRESNE; DAGENAIS; SHEVELL, 2014). 

Outro estudo realizado por Lew et al (2015) teve achados semelhantes aos nossos, revelando uma prevalência de estrabismo maior em crianças com acometimento mais severo (58,3%) porém não houve diferença significante estatisticamente entre os grupos (LEW et al., 2015). 

A frequência de estrabismo pode estar relacionada diretamente ao grau de acometimento do sistema motor, conforme sugeriu Ghasia, Brunstrom, Gordon e Tychsen (2008). As lesões no centro oculomotor subcortical ou lesões cerebelares tem provável relação com alta incidência de estrabismo (YEARGIN-ALLSOPP et al., 2008). 

Estudos que avaliaram fatores de risco associados ao desenvolvimento de estrabismo e concluíram que o peso ao nascer tem relação significativa com a presença de desvios oculares enquanto que a idade gestacional não mostrou associação (GULATI et al., 2014; MACONACHIE; GOTTLOB; MCLEAN, 2013). No presente estudo, a média da idade gestacional em semanas foi de 34,17 (dp=5,09) e aproximadamente metade da amostra estudada tem relato de prematuridade (TABELA 1), no entanto este grupo respondeu por apenas 36,84% dos casos de estrabismo (TABELA 5) não gerando correlação estatística significante (p=0,121). 

Em concordância com o presente estudo, Goudinho et al (2015) observou, em um trabalho com 80 crianças acometidas por PC, que a idade gestacional não manteve associação significativa com estrabismo, e, em seus resultados, 46,5% tinham histórico de prematuridade (MATHEW; JACOB; GOUDINHO, 2015). No entanto o autor utilizou como critério de corte 30 semanas de gestação, enquanto nosso trabalho considerou prematuridade os nascidos antes de completarem 37 semanas.  

Em outro estudo de Kozeis et al (2015), a prevalência de estrabismo foi maior em crianças com prematuridade, divergindo de nossos resultados, no entanto não houve diferença significativa quando comparada as crianças nascidas a termo e os autores concluíram que a prematuridade, isoladamente, não é um fator de risco para o desenvolvimento de estrabismo (KOZEIS et al., 2015). 

Foi observada uma associação significativa entre o peso ao nascer e estrabismo nos resultados do presente estudo (p=0,012). A média do peso ao nascimento observada foi de 2519,63 (dp=934,63) (TABELA 1). Ainda que apenas 41,46% tenham apresentado baixo peso ao nascimento, este grupo representou 63,16% da prevalência de estrabismo observada (TABELA 5). 

Na coorte longitudinal de Gulati et al (2014), o estudo concluiu que independente da idade gestacional, crianças com muito baixo peso ao nascer (<2000g.) tem grande elevação do risco de desenvolver estrabismo. Outro grande estudo envolvendo fatores de risco perinatais para o estrabismo revelou que crianças que nascem menos de 2500 gramas tem risco duas vezes maior desenvolver estrabismo quando comparadas as que nascem com peso acima de 2500 gramas (TORP-PEDERSEN et al., 2010).  

Crianças com estrabismo podem desenvolver ambliopia, que na maioria das vezes não é tratada por ser considerada um problema comum em crianças com PC (ERKKILÄ; LINDBERG; KALLIO, 1996). Mesmo assim, o tratamento e a prevenção da ambliopia é necessário com objetivo de preservar a visão binocular e a estereopsia (NYE, 2014). 

Blair e Sheedy (2016) avaliaram o impacto psicossocial do estrabismo e relataram que por mais que o estrabismo não gere prejuízo funcional na visão da criança com PC, a presença da condição gera repercussões negativas na autoestima do paciente e sua inclusão social, influenciando negativamente a qualidade de vida, principalmente em crianças maiores de 6 anos. O estudo conclui que se o estrabismo for tratado com sucesso numa fase precoce, além de reduzir o risco de ambliopia, pode promover aumento da autoestima favorecendo a inclusão social, fundamental principalmente nessa população (BLAIR; SMITHERS-SHEEDY, 2016). 

Classicamente, o tratamento do estrabismo pode ser realizado de maneira conservadora ou cirúrgica (COLLINS, 2014). Em um estudo não comparativo publicado em 2015, foi avaliada a eficácia da toxina botulínica no tratamento de crianças com PC e esotropias. Os resultados foram positivos em 68% dos pacientes após um ano da intervenção (AMERI et al., 2015). O IPAT é referência no uso da toxina botulínica e crianças com PC tipo espástica são público-alvo do Instituto. O HUBFS dispõe também de um serviço de residência médica em Oftalmologia, único no Estado do Pará, com ambulatório especializado em estrabismo. Tais condições são propícias para que novos estudos sejam conduzidos utilizando a toxina botulínica na terapêutica do estrabismo. 

Uma possível limitação encontrada no presente trabalho foi a casuística reduzida. Ainda que o número de participantes tenha sido estimado para atender um intervalo de confiança de 95%, um espaço amostral reduzido pode gerar resultados que pode não ter poder suficiente para detectar diferenças entre os grupos (NAYAK, 2010). 

Crianças portadoras de PC estão mais expostas a distúrbios visuais variados. Nosso estudo encontrou uma prevalência de estrabismo 10 vezes maior do que a encontrada na população geral. A visão é um sentido fundamental no processo de aprendizagem e interação com o ambiente. Portanto, crianças com PC devem ser encaminhadas para avaliação oftalmológica, em especial aquelas com histórico de baixo peso ao nascer. 

6. CONCLUSÃO 

A prevalência de estrabismo em pacientes com paralisia cerebral é elevada se comparada à população geral de mesma faixa etária. Avaliações oftalmológicas periódicas devem ser incluídas na conduta multidisciplinar de acompanhamento das crianças portadoras de paralisia cerebral, pois o rastreamento precoce de distúrbios visuais propicia um prognóstico mais favorável na manutenção de uma visão funcional. 

REFERÊNCIAS 

ALIMOVIĆ, S. Visual impairments in children with cerebral palsy. Hrvatska revija za rehabilitacijska istraživanja, v. 48, n. 1, p. 96–103, 2012.  

AMERI, A. et al. Clinical outcomes of botulinum toxin injection in patients with cerebral palsy and esotropia. Strabismus, v. 23, n. 1, p. 8–13, 2015.  

ARIAS-CABELLO, B. et al. Clinical features of strabismus in psychomotor retardation. Cirugia y Cirujanos, v. 84, n. 1, p. 9–14, 2016.  

AZIZ, M.; VASSALLO, G. Cerebral palsy: An overview and the role of a paediatric neurologist in the evaluation of children with complex needs for cochlear implant. Cochlear Implants International, v. 14, n. sup3, p. S4–S7, 15 set. 2013.  

BLAIR, E.; SMITHERS-SHEEDY, H. Strabismus, a preventable barrier to social participation: a short report. Developmental Medicine & Child Neurology, v. 58, p. 57–59, fev. 2016.  

CLARKE, W. N. Common types of strabismus. Paediatrics & child health, v. 4, n. 8, p. 533–5, 1999.  

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