REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202503171324
Manuella Barbosa Mácola
Resumo:
A Mutação Constitucional é tema que importa ao processo republicano e democrático de um país, sem falar da necessidade que a Constituição tem de acompanhar as mudanças sociais, políticas, comportamentais etc. da nação. Tratar de uma mudança na legislação e no entendimento constitucional é compreender a história em que foi tratada a corte de contas e suas peculiaridades.
Levando em consideração a opinião dos Ministros do STF e seus votos, principalmente o voto vogal do Ministro Gilmar Mendes para que tal entendimento fosse modificado de forma tão profunda. A ponto de que fosse questionada a Justiça em relação à persecução do agente público. Tínhamos até então o entendimento acerca dos processos administrativos de tomada de contas especial que eram imprescritíveis, passou-se então ao entendimento de que seriam prescritíveis tornando limitada a ação dos Tribunais de Contas do País, começando pelo Tribunal de Contas da União. Como definir se houve ou não Mutação Constitucional?
INTRODUÇÃO
A prescritibilidade dos processos de fiscalização dos Tribunais de Contas é um assunto polêmico tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal proferiu acórdão acerca do assunto de forma a polemizar a questão que sugeriu uma mudança comportamental das Cortes de Contas.
A grande dúvida é se tal mudança refere-se a uma mutação constitucional. Sua análise compreende vários aspectos que se desdobram na compreensão do alcance das mutações constitucionais e na análise do acórdão RE 636886 / AL que deu origem ao tema 899 do STF, onde os Ministros mudam o entendimento da prescritibilidade dos processos fiscalizatórios.
Oportuno destacar que a análise dos institutos da prescrição e da decadência também são de crucial importância aqui, visto que a natureza de tais conceitos faz toda a diferença na compreensão do acórdão em comento.
Todavia o que se observa na prática é a mudança de paradigma do entendimento do que seria prescritível, passou-se algumas décadas com o pensamento sobre a prescritibilidade, enquanto que o julgamento que leva ao entendimento do tema 899 mudou à imprescritibilidade dos processos de contas.
O objetivo deste trabalho não é analisar se houve a mudança, esta etapa está ultrapassada, há a prescritibilidade dos referidos processos, mas sim analisar se essa mudança é uma mutação constitucional.
MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL SOB O ENFOQUE DE UADI LAMÊGO BULOS
Importante a definição do significado de Mutação constitucional, para este trabalho adotaremos a definição do Alemão Wandlugen der Deustchen Reichswerfassung LABAND que definiu o termo alemão vefassungwandlugen que em sua assepsia da palavra significa o termo Mutação constitucional no sentido daquelas mudanças, no caso do Brasil em constituições semi-rígidas, ou rígidas, a fim de que haja alteração, substituição, volubilidade, mudança no sentido da interpretação constitucional.
Entre tantas acepções da palavra mutação, esta será aceita para fins didáticos deste trabalho em busca do significado das mudanças constitucionais que não ocorrem decorrentes de uma reforma, mas sim apenas da mutação do entendimento do texto material da constituição, importante salientar que elas vêm ocorrendo em órbitas mais rasas em suas diversas formas de interpretação das constituições.
Essas transformações por vezes se processam lentamente mudanças que acontecem nos Tribunais na maior parte das vezes e que passam despercebidas no decorrer do tempo, visto serem mudanças informais, muito embora causarem um impacto enorme na prática da vida acadêmica e jurídica.
Em termos da matéria a que se predispõe a Mutação constitucional não é possível o esgotamento visto que são inúmeros os métodos de transformação o texto constitucional originário: usos e costumes constitucionais, complementação legislativa, construção judiciária, consenso costumeiro, práticas judiciais, parlamentares, administrativas-governamentais, bem como pelo desuso das faculdades estatais.
Processam-se lentamente, através da interpretação dos tribunais, dos usos e costumes, da construção judicial, da influência dos grupos de pressão e de tantos outros meios que provocam ou podem provocar alterações na realidade constitucional, embora a letra da Carta Magna permaneça imodificada. ( Da reforma a Mutação constitucional UADI LAMÊGO BULOS, Brasília a. 33n 129 jan/mar 1996)
Essa mudança de paradigma existe porque as constituições derivam de um conjunto de interesses históricos, políticos e sociais heterogêneos que se vão aperfeiçoando através dos tempos, de acordo com cada sociedade aprimoram-se e organizam-se de forma a mudar tais conceitos e princípios iniciais.
Importante salientar que UADI em seu artigo “Da reforma a Mutação Constitucional” assevera que não há consenso sobre o lapso temporal que será usado em relação ao controle difuso de constitucionalidade, bem como que a mutação será usada como complementação legislativa no caso em apreço seriam as leis ordinárias que complementariam o sentido constitucional das normas em aberto.
Pondera que tanto os usos e costumes quanto a interpretação constitucional podem estabelecer mutação não estabelecendo consenso sobre as formas, não existindo um rol de todas as hipóteses, em decorrência da forma imperfeita que as constituições são editadas visto a infinidade de casos concretos que podem acontecer.
Não deixa UADI de comentar sobre os grupos de pressão e seus interesses, eles não seriam estranhos à ordem constitucional:
…partidos políticos, das categorias profissionais, de trabalhadores ou de servidores públicos, das organizações econômicas, privadas e públicas, das instituições de classes liberais, militantes da defesa do meio ambiente, enfim,dos patronos de diferentes interesses, que agem, fortemente, em favor de teses e reivindicações. (IDEM)
Aliados em defesa de determinado posicionamento a fim de que algum órgão jurisdicionado tome partido em conflitos de interesses, também mudando o sentido constitucional originário, assumindo novos significados. Complementa, citando a suprema corte e seu papel de intérprete da constituição, que modifica em seus julgados o sentido originário da carta constitucional, sem que uma palavra do texto original seja alterada.
Mutabilidade é a qualidade daquilo que é mutável. O termo logra dois sentidos completamente distintos: um formal e outro informal. A mutabilidade formal delineia-se através da reforma constitucional, seja por revisão, seja por emenda. Já a mutabilidade informal concerne ao processo difuso de modificação da Constituição. Interessa-nos perscrutar o princípio da rigidez em consonância com a mutabilidade informal, retirando daí possíveis previsões.
Trata-se de mudanças ligadas a avanços sociais de uma realidade em constante mudança, a constituição é um organismo vivo, conforme diz UADI, em uma comunidade que se transforma constantemente através de forças reais de poder e os textos constitucionais devem acompanhar tais mudanças:
Por achar-se interligada à realidade social cambiante, aos avanços da ciência, da tecnologia, da economia, da religião, da moral etc., a Constituição, conforme dissemos anteriormente, é um organismo vivo, em consonância com as forças reais do poder (Lassalle) , que funcionam como verdadeiras forças atuantes na comunidade. Ora, se as Constituições, para serem socialmente eficazes, observadas e cumpridas na prática, devem corresponder, ao menos em sua essência, a esses fatores reais do poder – os quais sempre variam, evoluem, modificam-se através das transformações e do progresso – é evidente que os textos supremos devem seguir o ritmo das mudanças sociais.
Explica o autor que o texto magno se torna ilegítimo em caso destas normas maiores não estarem de acordo com as raízes históricas, ele torna-se mero arcabouço formal, sem utilidade prática de fato:
Se, ao invés, a base constitucional assentar- se em poderes fictícios, sem raiz histórica precisa, procurando impor idéias e interesses minoritários, a Constituição torna-se mero arcabouço formal, sem qualquer utilidade prática.
E em nome da Segurança jurídica que tais transformações devem ocorrer. No sentido de que não obstante a constituição deva ser um documento que tenha estabilidade de uma certa forma, porém a mutação do seu conteúdo deve acompanhar os anseios e as mudanças sociais que transformam a sociedade em um mecanismo dinâmico. Em virtude dessa velocidade de transformações é importante classificarmos as constituições em constituição rígida e flexível. Tais definições vão acentuar o grau de dificuldade de transformação que uma carta magna tem ao impor modificações.
Porém mesmo aquelas constituições mais rígidas em seu mecanismo de transformações sofrem mutações, pois o excesso de rigidez gera instabilidade de acordo com o supra mencionado autor:
Como acentua Carl Friedrich, o excesso gera a instabilidade, pois o uso exagerado do vetor da rigidez pode causar movimentos revolucionários, quando as disposições do Documento Supremo não conseguirem se ajustar aos novos reclamos sociais, algo admissível em todo o mundo
Ademais, é da essência da rigidez a supremacia formal da Constituição. É nesse sentido que se diz que o Texto Constitucional é a Lei das Leis, a Lei Máxima, o Código Supremo de um povo, a base de todo o Direito estatal, o limite de toda a atividade infraconstitucional, o fundamento último de todas as instituições.
Não obstante toda a rigidez que as constituições podem ter, não há de se confundir a forma com a matéria, o conteúdo das constituições no sentido de que por mais difícil que seja alterar um texto constitucional, quanto a sua forma, porém a matéria estará suscetível das mais diversas transformações políticas, sociais, morais, religiosas, dentre outras já mencionadas
Não se confunda, todavia, a supremacia formal com a supremacia material. A diferença é de notória importância, pois as constituições flexíveis também são supremas, mas do ponto de vista substancial, sociológico.
O Controle de constitucionalidade é matéria de suma importância, pois os vícios são encontrados nos mais diversos atos administrativos ou jurisdicionados. O controle é aplicado no caso de existir uma contradição entre qualquer ato que coloque em choque as normas do Estado e suas funções:
Ocorrendo contradição entre um ato normativo ou um ato administrativo com a Carta Maior, ter-se-á a hipótese de inconstitucionalidade – o vício mais grave que pode sofrer uma norma ou ato do poder público, porque “coloca em choque uma manifestação derivada, secundária, do exercício do poder público, com as normas fundamentais do Estado, ameaçando-lhe, portanto, a própria estrutura e funcionamento, tal como nelas previstos”.63
Considerado vício irremediável, a inconstitucionalidade é algo que pode violar o princípio da legalidade, em detrimento a algo que é de fundamental importância nos Estados que possuem um Texto Maior rígido: a limitação da atividade legiferante ordinária pelos preceptivos constitucionais.
O Princípio da rigidez está presente em constituições rígidas como a do Brasil, França ou EUA estes países tentam exaurir em seu texto constitucional matérias ligadas a direitos fundamentais, como por exemplo. Porém, por outro, lado outras necessidades se fazem presentes nestas sociedades, portanto impossível o exaurimento, pois a evolução no sentido, significado e alcance das cartas magnas dependem de usos e costumes jurídicos que são estabelecidos de acordo com a necessidade de fatores sociais em constante mudança sociológica.
Como a doutrina das mutações constitucionais é o reflexo, teórico e prático, desses fatores sociais cambiantes, ela se produz quando a normatividade constitucional se modifica pelo influxo de acontecimentos que não afetam a sua forma, porém transmutam seu conteúdo.
No que tange ao controle dessas mudanças é impossível, pois depende de cada necessidade, de acordo com o autor, apenas o controle não organizado é possível, aquele acionado por grupos de pressão, opinião pública ou partidos políticos, o que na verdade significam parcelas da sociedade que tem voz no que tange a mudanças sociais.
BREVE ANÁLISE DO ACÓRDÃO RE 636886 / AL DE ACORDO COM O VOTO VOGAL DO MINISTRO GILMAR MENDES.
Para análise do tema 899 do STF sobre Prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas, imprescindível compreender o acórdão que deu origem a seu nascimento. Tal decisum aborda temas importantes que vão desde a segurança jurídica, passando pela ampla defesa e o contraditório até a paz social. Tema de extrema relevância jurídica, a sentença do Supremo traz questões que decidiram efeitos práticos acerca dos institutos da decadência e prescrição envolvendo as Cortes de Contas.
Importante para o entendimento deste estudo compreender o acórdão que deu origem ao tema 899 do STF. Vejamos um trecho do voto vogal do Ministro Gilmar Mendes:
“Primeiro, há prazo decadencial (prescricional punitivo, nos termos da lei) quinquenal entre a data da prestação de contas e o início da fase preliminar de tomada de contas especial (citação ou notificação do interessado ou responsável pela prestação de contas na fase preliminar de tomada de contas pelos órgãos internos ou externos), com a observância de causas de interrupção (retificação da prestação de contas pelo responsável) e de suspensão (enquanto durar a fiscalização preliminar realizada pelo controle interno do Ente Público, diante da inexistência de inércia estatal na averiguação do fato). Pela obviedade, em se tratando de ato de fiscalização prévia (controle externo preventivo), sequer existe a inércia estatal a justificar o início de qualquer decurso de tempo. Secundariamente, uma vez iniciada a tomada de contas pelo órgão de controle interno ou externo, de forma preliminar, em decorrência de ser causa interruptiva legal, reinicia-se novo prazo decadencial (prescricional punitivo) até a decisão condenatória recorrível pelo Tribunal de Contas. Terceiro, a contar da decisão final do Tribunal de Contas, inicia-se prazo prescricional (próprio) para ajuizamento da correspondente ação de execução. Explico”. (RE 636886 / AL).
Este trabalho traz o entendimento do Supremo que trata exatamente, no voto do Ministro Gilmar Mendes dentro do acórdão, dos efeitos práticos da decisão no sentido da análise das fases administrativas fiscalizatórias do processo de contas e os efeitos do tempo em cada uma delas. Sendo a 1ª fase um prazo decadencial de 5 anos, entre a Prestação de contas e a notificação do interessado (§ 1º do art. 10 da lei 8.443/92). A 2ª fase Prazo decadencial em 5 anos entre a tomada de contas especial e a Decisão condenatória (Art. 2º, I e II da lei 9873/99). E por último a 3ª fase Prazo prescricional de 5 anos entre a Decisão condenatória e a execução da decisão que condena ao ressarcimento ao erário (Lei de execução fiscal).
É válido supor, portanto, que o assunto relacionado a questões prescricionais e decadenciais são de cunho constitucional, visto que a imprescritibilidade é aceita apenas em alguns casos expressos no Art. 5º da Constituição Federal no inciso XLII em crime de racismo, no inciso XLIV de Grupos armados contra o Estado Democrático de Direito, e, em ato doloso de improbidade administrativa.
São muitos os julgados que vem trazer a imprescritibilidade como regra nas cortes de contas, nestes termos:
ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. APELAÇÃO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. TCU. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. 1. A Constituição Federal, no § 3º do artigo 71, dispõe que as decisões do TCU que resultam em imputação de débito ou multa têm eficácia de título executivo. A hipótese dos autos trata de título executivo extrajudicial em decorrência do acórdão nº 1878/2007 – TCU – Plenário, oriundo de processo de tomada de contas especial. 2. Essa pretensão de ressarcimento por prejuízos ao erário público não se sujeita a prazo prescricional, razão pela qual o procedimento de Tomada de Contas Especial com a finalidade de identificar os responsáveis pelos prejuízos, e impor a obrigação de reparação, também não se submete a prazo, conforme expressa ressalva constitucional prevista no art. 37, § 5º da CF/88. Firme a jurisprudência do E. STJ e do Excelso Pretório nesse sentido, bem como deste TRF. 3. Isso porque o art. 23 da Lei nº 8.429/92 (Improbidade Administrativa) faz, implicitamente, ressalvas sobre as ações de ressarcimento oriundas da não correta prestação de contas, salvo na hipótese de entidades que recebam subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual. 4. Nesse sentido, se a pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao erário é imprescritível, por decorrência lógica, tampouco prescrevem os juros moratórios respectivos. 5. Apelação desprovida. (TRF-3 – Ap: 00186136220124036100 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, Data de Julgamento: 06/12/2017, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/12/2017)
O decisum inovador vem como paradigma histórico à regra de perpetuação persecutória através do tempo. Primeiramente, o referido acórdão, vem para que a segurança jurídica seja o principal objetivo, tendo em vista o contraditório e a ampla defesa não serem eternos. Para logo em seguida, dentro de um lapso temporal aceitável haver o ressarcimento ao erário como a regra maior.
Pela leitura do acórdão que as fases do processo de fiscalização foram divididas em decadenciais e prescricionais, acredita-se que para fins acadêmicos alguns conceitos dos referidos institutos, para o eminente professor Humberto Teodoro Jr em sua obra Prescrição e decadência aponta a diferença entre ambos os institutos, alertando a natureza das ações como ações condenatórias seriam aquelas cuja aplicabilidade recairiam ante os prazos prescricionais, enquanto que as constitutivas recairiam ante os prazos decadenciais.
“Cotejando o direito subjetivo do titular de um direito potestativo com o sistema processual, ver-se-á que, na classificação das ações pela eficácia da sentença, a prescrição é aplicável às ações condenatórias, e a decadência, às ações constitutivas”. ( Pg 335. Prescrição e decadência 3ª edição editora forense)
No caso dos prazos relacionados às fases do processo fiscalizatório, tem-se as duas primeiras decadenciais, ou seja, elas versam sobre o perecimento de um direito potestativo, ou seja, nas palavras de Cáio Mário da Silva, do não exercício em um prazo predeterminado:
Efeito do tempo na relação jurídica é, também, a decadência ou caducidade, que muito se aproxima da prescrição, diferindo, entretanto, nos seus fundamentos e no modo peculiar de operar. Decadência é o perecimento do direito potestativo, em razão do seu não exercício em um prazo predeterminado. Com a prescrição tem estes pontos de contato: é um efeito do tempo, aliado à falta de atuação do titular. PG 581 (INSTITUIÇÕES DE DIREITO CIVIL – VOL. I – INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL – TEORIA GERAL DE DIREITO CIVIL PEREIRA, CAIO MÁRIO DA SILVA 33ª EDIÇÃO)
É válido supor que no caso do lapso temporal entre a apresentação da prestação de contas e a notificação do responsável interessado temos o perecimento do direito em que a administração deveria instaurar a Tomada de Contas, termo utilizado no processo fiscalizatório para apurar a infração ao Erário Público. Portanto, na primeira fase do processo, a decisão pode ser preliminar ou terminativa. A decisão preliminar, que é o caso em que nos interessa aqui neste trabalho, é quando o relator das contas resolve ordenar a citação dos responsáveis de acordo com o art. 10, § 1º da lei 8.443/92 para apresentar a ampla defesa ou o contraditório.
Art. 10. A decisão em processo de tomada ou prestação de contas pode ser preliminar, definitiva ou terminativa.
§ 1° Preliminar é a decisão pela qual o Relator ou o Tribunal, antes de pronunciar-se quanto ao mérito das contas, resolve sobrestar o julgamento, ordenar a citação ou a audiência dos responsáveis ou, ainda, determinar outras diligências necessárias ao saneamento do processo.
A citação interrompe o prazo decadencial, restando o perecimento do direito caso seja um lapso temporal quinquenal. De acordo com a fundamentação constante no acórdão do tema 899 a fundamentação está no Art. 2º, I e II da lei 9873/99:
“Art. 2º. Interrompe-se a prescrição da ação punitiva:
I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital
II – por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;
III – pela decisão condenatória recorrível.
IV – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal”. (grifo nosso)
Na segunda fase há o prazo decadencial no lapso temporal entre a instauração da tomada de contas e a sentença condenatória, portanto, o perecimento do direito de a administração condenar o responsável pelas contas. Para tanto observamos o que dispõe a lei orgânica do Tribunal de Contas da União, lei nº 8.443 de 16 de julho de 1992.
Art. 19. Quando julgar as contas irregulares, havendo débito, o Tribunal condenará o responsável ao pagamento da dívida atualizada monetariamente, acrescida dos juros de mora devidos, podendo, ainda, aplicar-lhe a multa prevista no art. 57 desta Lei, sendo o instrumento da decisão considerado título executivo para fundamentar a respectiva ação de execução.
Parágrafo único. Não havendo débito, mas comprovada qualquer das ocorrências previstas nas alíneas a, b e c do inciso III, do art. 16, o Tribunal aplicará ao responsável a multa prevista no inciso I do art. 58, desta Lei.
Art. 23. A decisão definitiva será formalizada nos termos estabelecidos no Regimento Interno, por acórdão, cuja publicação no Diário Oficial da União constituirá:
III – no caso de contas irregulares:
b) título executivo bastante para cobrança judicial da dívida decorrente do débito ou da multa, se não recolhida no prazo pelo responsável;
Art. 24. A decisão do Tribunal, de que resulte imputação de débito ou cominação de multa, torna a dívida líquida e certa e tem eficácia de título executivo, nos termos da alínea b do inciso III do art. 23 desta Lei.
Com a consolidação da decisão definitiva, por meio de acórdão, no caso das contas serem irregulares torna a imputação do débito dívida líquida e certa, e tem eficácia de título executivo. O lapso temporal entre ambos os eventos, instauração de tomada de contas e a decisão condenatória tem o condão de perecimento do direito. Portanto é um lapso decadencial.
Na terceira fase do processo fiscalizatório trata-se de prazo prescricional, tendo em vista a extinção do direito de a administração exigir a imputação do débito inscrito em dívida pública pelo TCU. Nada mais se dá que uma prestação, uma ação de execução. In Casu, de acordo com o Professor Humberto Theodoro Jr, a omissão quando não exercida no prazo definido na lei provoca a extinção da prestação.
“A prescrição faz extinguir o direito de uma pessoa a exigir de outra uma prestação (ação ou omissão), ou seja, provoca a extinção da pretensão, quando não exercida no prazo definido na lei”.( Pg 4 obra Prescrição e decadência)
Tais conceitos prescricionais e decadenciais se dão em termos da litigiosidade perpétua acerca dos processos de contas. E em busca da segurança jurídica, por mais justo que fosse a necessidade de Ressarcimento ao Erário e à Coisa Pública, não haveria de ser eterno o questionamento de sua existência ou a solução do seu inadimplemento. Ainda na mesma obra o professor Humberto Theodoro Jr:
“Muitos são os argumentos que a doutrina usa para justificar o instituto da prescrição. Acima de tudo, no entanto, há unanimidade quanto à inconveniência social que representa a litigiosidade perpétua em torno das relações jurídicas. Há, sem dúvida, um anseio geral de segurança no tráfico jurídico, que não seria alcançado se, por mais remota que fosse a causa de uma obrigação, pudesse sempre questionar-se sua existência, sua solução ou seu inadimplemento30.
Pondo fim à controvérsia sobre uma situação jurídica antiga e já consolidada pelo tempo, é opinião tranquila que a prescrição atende à satisfação de superior e geral interesse à certeza e à segurança no meio social e, assim, se coloca entre os institutos de ordem pública. Essa circunstância é confirmada pelas disposições legais que consideram inderrogáveis os prazos prescricionais por acordo entre as partes (art. 192) e proíbem a renúncia aos efeitos da prescrição enquanto não consumada (art. 191)”.(IDEM Pg 15)
A ação de execução de título extrajudicial tem por objetivo executar o título extrajudicial que por sua vez, tem a liquidez e a certeza na medida de sua consolidação e inscrição em dívida pública. Portanto o tribunal não fica impedido em exercer sua competência do controle externo conferido pela Constituição Federal em seu art. 70 com o reconhecimento de tais institutos trazidos pelo venerável acórdão que deu origem a tema 899 do TCU ,qual seja, a Prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas.
DA RESOLUÇÃO DO TCU Nº 344, DE 11 DE OUTUBRO DE 2022
O lapso temporal entre a decisão do Recurso Extraordinário (RE) 636.886, 20 de abril de 2020, e a resolução do Tribunal de Contas da União (TCU) nº 344, de 11 de outubro de 2022, que ocorreu dois anos após o início do processo, pode suscitar a reflexão sobre a questão do cumprimento das ordens judiciais pelo Tribunal de contas da União. O período gerou momentos de incerteza aos processos de tomada de contas, até a publicação da resolução, o tribunal passou por cima da decisão do Supremo e contribuiu para a injustiça no processo de defesa de jurisdicionados, levando assim a incerteza jurídica, bem como o ajuizamento de ações diante do judiciário para que o direito de Prescrição fosse reconhecido.
A Resolução, dois anos depois do julgamento do tema 899 do STF, observou o disposto na lei 9.873, de 23 de novembro de 1999 que estabelecia prazo de prescrição para o exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal e determinou o termo inicial da prescrição quinquenal, bem como da prescrição intercorrente no processo de tomada de contas. Em seus artigos determinam as causas interruptivas da prescrição, assunto controverso até os dias atuais pelas defesas da corte de contas por serem cláusulas draconianas, bem como as causas que impedem ou suspendem a prescrição. Conta a resolução com os efeitos da prescrição que determinam o arquivamento do processo, porém conta com dispositivo que permite que envie cópia da tomada de contas ao Ministério Público da União para ajuizamento das ações cabíveis se houver crime ou prática de ato administrativo doloso.
O disposto nesta resolução aplica-se somente aos processos nos quais não tenha ocorrido o trânsito em julgado no TCU.
CONCLUSÃO
A mutação está associada à maleabilidade de que são dotadas normas constitucionais. Tal mudança infere-se de nova percepção do direito em termos éticos, morais, sociais, justos.
O Objetivo deste trabalho foi de verificar que o argumento a ser superado pela jurisprudência do STF trata-se de imprescritibilidade dos processos fiscalizatórios perante as cortes de contas, que permaneceu em movimento por décadas, utilizando-se para tanto o art. 37, § 5 que estimulava o comportamento acerca da imprescritibilidade dos processos no referido órgão de contas.
De acordo com o acórdão RE 636886 / AL o que se verificou foi a mudança de comportamento de uma determinada norma que lastreava o entendimento da imprescritibilidade para a prescritibilidade quinquenal do processo fiscalizatório nas cortes de contas.
O que fica claro é a mudança de entendimento pelo Supremo Tribunal Federal acerca de tema controvertido que trata da garantia constitucional de defesa do responsável pelas contas de não ter uma persecução eterna, sem a garantia do devido Processo legal.
Inegavelmente as contas públicas precisam ser fiscalizadas, porém as garantias do processo devem ser asseguradas, o que se percebeu neste trabalho, nada mais foi que o Supremo Tribunal mudando o entendimento do direito nas cortes de contas a respeito da prescritibilidade.
Ou seja, aplicou-se então a mutação constitucional à tema 899, mudando o entendimento a respeito do tempo de duração do Cotejo do direito subjetivo do titular do direito potestativo e prescricional da tomada de contas especial, bom como dos outros processos de contas das cortes de contas do País sem que tenha havido qualquer modificação de seu texto. Por meio da Jurisprudência Pátria.
BIBLIOGRAFIA
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