REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202507071820
Davi Ferreira de Souza
Luciano Henrique Gonçalves Silva
Orientador e Coautor: Prof. Me. Luciano Henrique Gonçalves Silva
RESUMO
O presente artigo analisa o ciclo de vida do crédito tributário, desde sua constituição até a fase de execução fiscal, com especial atenção ao instituto da prescrição intercorrente e ao entendimento jurisprudencial consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O objetivo principal é desvendar as nuances e os requisitos para a aplicação desses institutos, bem como seus impactos na relação jurídico-tributária, partindo da hipótese de que a efetividade e a segurança jurídica dependem crucialmente da interpretação e da uniformização jurisprudencial. A metodologia adotada é qualitativa, de natureza descritiva e analítica, baseada em levantamento bibliográfico e análise documental de doutrina especializada e decisões do STJ, com destaque para o Recurso Especial 1.340.553/RS. A pesquisa aborda a distinção entre obrigação e crédito tributário, o papel do lançamento e da Certidão de Dívida Ativa (CDA), o processo de instauração da execução fiscal e, detalhadamente, a prescrição intercorrente, suas causas e efeitos. Conclui-se que a prescrição intercorrente atua como um mecanismo essencial de segurança jurídica, evitando a perpetuação indefinida das execuções fiscais, e que a uniformização do entendimento pelo STJ, ao estabelecer critérios claros e objetivos, contribui significativamente para a racionalização das execuções e para o equilíbrio entre o interesse arrecadatório do Estado e os direitos dos contribuintes.
Palavras-chave: Crédito tributário; Execução fiscal; Prescrição intercorrente; Superior Tribunal de Justiça; Direito tributário.
ABSTRACT
This article analyzes the life cycle of tax credit, from its constitution to the fiscal enforcement phase, with special attention to the institute of intercurrent prescription and the consolidated jurisprudential understanding of the Superior Court of Justice (STJ). The main objective is to unravel the nuances and requirements for the application of these institutes, as well as their impacts on the legal-tax relationship, based on the hypothesis that effectiveness and legal certainty crucially depend on jurisprudential interpretation and standardization. The adopted methodology is qualitative, descriptive, and analytical, based on bibliographic research and documentary analysis of specialized doctrine and STJ decisions, with emphasis on Special Appeal 1.340.553/RS. The research addresses the distinction between tax obligation and tax credit, the role of tax assessment and the Certificate of Tax Debt (CDA), the process of initiating fiscal enforcement, and, in detail, the intercurrent prescription, its causes, and effects. It is concluded that intercurrent prescription acts as an essential mechanism of legal certainty, preventing the indefinite perpetuation of fiscal enforcements, and that the standardization of understanding by the STJ, by establishing clear and objective criteria, significantly contributes to the rationalization of enforcements and to the balance between the State’s collection interest and taxpayers’ rights.
Keywords: Tax credit; Fiscal enforcement; Intercurrent prescription; Superior Court of Justice; Tax law.
Introdução
A complexidade inerente ao sistema tributário brasileiro, marcada por uma vasta legislação e pela dinâmica das relações entre o Fisco e o contribuinte, impõe a necessidade de constante aprofundamento e clareza sobre seus institutos fundamentais. Dentre eles, a formação do crédito tributário, o processo de execução fiscal e o fenômeno da prescrição intercorrente destacam-se como pilares essenciais para a compreensão da efetividade da cobrança dos tributos e da segurança jurídica dos cidadãos. A arrecadação tributária, afinal, é o motor que impulsiona a máquina estatal, viabilizando a prestação de serviços públicos e a concretização de políticas sociais. Contudo, essa prerrogativa estatal não é ilimitada, sendo balizada por princípios constitucionais e normas infraconstitucionais que visam a garantir a razoabilidade, a proporcionalidade e, sobretudo, a previsibilidade nas relações jurídico-tributárias.
Nesse cenário, a distinção entre obrigação tributária e crédito tributário, embora sutil, é de suma importância. A obrigação surge com a ocorrência do fato gerador, um evento abstrato que, por si só, não confere exigibilidade imediata ao Estado. É o lançamento tributário, ato administrativo formal, que transforma essa obrigação em um crédito exigível, conferindo-lhe robustez para a cobrança. A partir desse momento, o Fisco adquire o direito de buscar a satisfação de seu crédito. No entanto, a mera exigibilidade não se confunde com a exequibilidade plena, que se concretiza apenas quando o crédito, inadimplido, avança para a fase de inscrição em Dívida Ativa e emissão da Certidão de Dívida Ativa, um título executivo extrajudicial que habilita a Fazenda Pública a iniciar a cobrança judicial.
A execução fiscal, por sua vez, representa o ápice da atuação estatal na busca pela satisfação do crédito tributário. Trata-se de um processo autônomo, com rito próprio, que se inicia com o ajuizamento da ação pela Fazenda Pública, munida da CDA. A relevância desse processo reside não apenas na recuperação de valores devidos ao erário, mas também na manutenção da integridade do sistema tributário e na garantia da isonomia entre os contribuintes. Contudo, a inércia do credor durante o curso da execução pode levar à ocorrência da prescrição intercorrente, um instituto jurídico que visa a evitar a perpetuação indefinida dos processos e a promover a segurança jurídica.
A prescrição intercorrente, portanto, atua como um contraponto à morosidade processual, sancionando a inação da Fazenda Pública e garantindo que a cobrança não se estenda por tempo indeterminado, o que seria prejudicial à estabilidade das relações jurídicas e à previsibilidade para o contribuinte.
Diante desse panorama, o presente estudo tem como objetivo principal analisar de forma aprofundada o ciclo de vida do crédito tributário, desde sua constituição até a fase de execução fiscal, com especial atenção ao instituto da prescrição intercorrente e ao entendimento jurisprudencial consolidado pelo STJ. Busca-se, com isso, desvendar as nuances e os requisitos para a aplicação desses institutos, bem como seus impactos na relação jurídico-tributária.
As hipóteses que norteiam esta pesquisa partem do pressuposto de que, embora o arcabouço legal brasileiro seja robusto na disciplina do crédito e da execução tributária, a efetividade e a segurança jurídica dependem crucialmente da interpretação e da uniformização jurisprudencial. Acredita-se que a consolidação do entendimento do STJ sobre a prescrição intercorrente, notadamente a partir do julgamento do Recurso Especial 1.340.553/RS, representa um marco fundamental para a racionalização das execuções fiscais e para o equilíbrio entre o interesse arrecadatório do Estado e os direitos dos contribuintes.
Para alcançar os objetivos propostos, a metodologia adotada neste artigo caracteriza-se por uma abordagem qualitativa, de natureza descritiva e analítica. A pesquisa foi desenvolvida por meio de levantamento bibliográfico, com foco na doutrina especializada em Direito Tributário e em decisões jurisprudenciais, especialmente as proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça.
1. A formação do Crédito Tributário
Primordialmente, faz-se necessário arguir sobre a distinção entre obrigação tributária e crédito tributário, sendo essencial para entender a relação jurídico-tributária. A obrigação surge com o fato gerador, enquanto o crédito se constitui através do lançamento, tornando-se exigível. Segundo o artigo 139 do CTN, o crédito tributário decorre da obrigação principal, refletindo sua natureza jurídica e a continuidade da relação obrigacional. Essa transição é crucial, pois transforma um dever abstrato em um direito concreto da Fazenda Pública (Arakaki, 2023, p. 12).
Por sua vez, o lançamento tributário é o ato administrativo que formaliza a existência do crédito, conferindo-lhe exigibilidade. Definido no artigo 142 do CTN, ele possui uma natureza jurídica mista, sendo declaratório da obrigação e constitutivo do crédito. A eficácia do lançamento está ligada à notificação do sujeito passivo, momento em que o crédito adquire plena exigibilidade. Embora a obrigação exista previamente, é o lançamento que lhe confere robustez para a cobrança, assegurando ao contribuinte o conhecimento de sua dívida (Sabbag, 2020, p.310).
Por conseguinte, as modalidades de lançamento variam pela participação do contribuinte e pela iniciativa fiscal. O lançamento de ofício é realizado unilateralmente pela administração, enquanto o lançamento por declaração depende das informações do contribuinte. Já o lançamento por homologação envolve a antecipação do pagamento pelo aludido, com posterior homologação fiscal. O lançamento por arbitramento é usado em casos de omissão ou inverossimilhança, visando à determinação da base de cálculo. Cada modalidade reflete a complexidade das relações fiscais entre o Estado e o contribuinte (Paulsen, 2022, p. 442).
Além das modalidades tradicionais, a declaração do contribuinte pode constituir o crédito tributário, conforme a Súmula 436 do STJ:
Súmula 436 – A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.
Mesmo após a constituição do crédito tributário, seja por lançamento ou por declaração, a exigibilidade inerente a essa obrigação pode não ser plena, apresentando-se, em certos contextos, como uma prerrogativa ainda incipiente. Embora atos como o lançamento revelem a existência de uma obrigação, eles por si só não garantem a propositura imediata de uma execução, indicando que a exigibilidade plena se concretiza apenas quando o crédito, inadimplido, avança para o plano da exequibilidade, geralmente por meio da inscrição em Dívida Ativa e a emissão da CDA. Essa transição da exigibilidade para a exequibilidade é um passo crucial que prepara o terreno para a fase de cobrança judicial, marcando o ponto em que o Fisco pode efetivamente buscar a satisfação do crédito por meios coercitivos (Conrado, 2020, p.105).
Ainda que a obrigação tributária seja considerada exigível desde o momento de seu lançamento, a plena capacidade de execução, ou exequibilidade, somente se concretiza quando o crédito, uma vez inadimplido, avança para o plano da Dívida Ativa. Conrado (2020) esclarece que, embora o Fisco, ao notificar o contribuinte, o convoque ao pagamento, a exigibilidade inerente a essa obrigação não é plena por si só. Ela se torna robusta e apta à execução judicial apenas com a produção da correspondente CDA, que é o documento que confere ao crédito a força executória necessária para a propositura da ação.
A Dívida Ativa, nesse contexto, é definida como o crédito tributário que não foi pago dentro do prazo legal ou judicial e que foi regularmente inscrito na repartição administrativa competente, conforme o artigo 201 do CTN:
Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular.
Essa inscrição é o passo formal que permite à Fazenda Pública dar início à cobrança judicial do tributo. Sabbag (2020) enfatiza que, uma vez inscrito o crédito tributário em dívida ativa, o caminho para a execução fiscal, regida pela Lei nº 6.830/1980, está aberto, sendo o termo de inscrição o documento que habilita o ajuizamento da ação de cobrança.
A Certidão de Dívida Ativa é o instrumento que materializa a inscrição do crédito em dívida ativa, funcionando como um título executivo extrajudicial. Paulsen (2022) destaca que a CDA, extraída da inscrição em dívida ativa, deve conter os mesmos dados do Termo de Inscrição, conforme dita o CTN:
Art. 202. O termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade competente, indicará obrigatoriamente:
I – o nome do devedor e, sendo caso, o dos co-responsáveis, bem como, sempre que possível, o domicílio ou a residência de um e de outros;
II – a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos;
III – a origem e natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da lei em que seja fundado;
IV – a data em que foi inscrita;
V – sendo caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito.
Parágrafo único. A certidão conterá, além dos requisitos deste artigo, a indicação do livro e da folha da inscrição.
Desta feita, goza de presunção de certeza e liquidez, além de ter o efeito de prova pré-constituída. Essa presunção, embora relativa (juris tantum), inverte o ônus da prova, cabendo ao executado ilidi-la por meio de prova inequívoca.
Portanto, a inscrição em Dívida Ativa e a subsequente emissão da CDA são etapas indispensáveis para que o crédito tributário, já constituído e exigível, adquira a condição de exequibilidade. É a CDA que confere ao crédito a força de título executivo, permitindo que a Fazenda Pública promova a execução judicial para a satisfação de seu direito. Essa formalização é a ponte entre a fase administrativa de constituição e a fase judicial de cobrança, garantindo a legalidade e a eficácia do processo executório (Conrado, 2020).
Por fim, ainda sobre a constituição do crédito, é imperativo ressaltar que, para que o lançamento tributário produza seus efeitos jurídicos e o crédito tributário seja efetivamente constituído, a regular notificação do contribuinte ou responsável é condição sine qua non. É nesse exato momento da notificação que o lançamento se efetiva, e o crédito tributário adquire sua existência formal e legal, tornando-se passível de exigência pelo Fisco (Arakaki, 2023).
2. O início da Execução Fiscal
A instauração da execução fiscal representa um marco crucial no ciclo de vida do crédito tributário, sinalizando a transição da esfera administrativa para a judicial na busca pela sua satisfação integral. Este processo complexo é invariavelmente desencadeado quando o crédito tributário, devidamente constituído em sua plenitude e não adimplido no prazo legal estabelecido, necessita da aplicação de medidas coercitivas para assegurar sua efetiva cobrança. No cerne de toda execução fiscal reside a dívida ativa, que se configura como o objeto primordial e emerge de um crédito tributário que, após o vencimento, permanece impago e é regularmente inscrito nos registros públicos, conforme as diretrizes meticulosamente delineadas pela legislação pertinente (Sabbag, 2020, p. 424; Conrado, 2020, p. 85).
A formalização desse crédito, indispensável para sua ulterior execução judicial, materializa-se de forma concreta por meio da emissão da Certidão de Dívida Ativa (CDA). Este documento crucial é o resultado de um processo administrativo prévio: a inscrição do crédito em dívida ativa ocorre precisamente quando a obrigação tributária não foi suspensa, extinta ou excluída por qualquer meio legal, gerando, assim, uma imperiosa necessidade de cobrança administrativa. Caso essas tentativas iniciais de exigibilidade do tributo por via administrativa se mostrem infrutíferas, a inscrição formal em dívida ativa pavimenta, então, o caminho para a cobrança judicial. A CDA, meticulosamente extraída do Termo de Inscrição em Dívida Ativa, cumpre uma dupla função: não apenas formaliza a inclusão da dívida no cadastro público, mas, de maneira mais significativa, constitui-se como o título executivo extrajudicial que servirá de lastro para toda a ação de execução fiscal, seguindo o rito especial estabelecido pela Lei nº 6.830/80 (Sabbag, 2020, p. 424; Paulsen, 2022, p. 542; Conrado, 2020, p. 86).
Por sua própria natureza, a execução fiscal configura-se como um processo autônomo, o que implica a necessidade de instauração de um canal processual específico para sua adequada condução. Essa autonomia processual exige o cumprimento de pressupostos fundamentais para sua constituição: a petição inicial formal, o exercício da jurisdição competente e o ato indispensável da citação. Esses três elementos são considerados pilares para a própria existência do processo executivo. (Conrado, 2020, p. 169).
É notável que a CDA, além de sua função como título executivo, está intrinsecamente integrada à petição inicial, servindo para delinear de forma inequívoca os contornos objetivos da lide. A partir do ajuizamento da ação, o objetivo primordial da Fazenda Pública é a busca pela constrição patrimonial do devedor, uma medida que é rigorosamente perseguida caso a dívida permaneça impaga ou não seja devidamente garantida por mecanismos como depósito, fiança ou seguro-garantia. Este momento crucial marca o início efetivo da fase judicial de cobrança, evidenciando a determinação do Estado em reaver seus créditos devidos (Paulsen, 2022, p. 576; Conrado, 2020, p. 19, 34, 203).
É de suma importância ressaltar que o termo inicial para a contagem do prazo prescricional, no que tange à cobrança judicial do crédito tributário, tem seu início precisamente no dia subsequente à data estipulada para o vencimento da exação. Este momento é de crucial relevância, pois é quando o crédito adquire sua plena exigibilidade, tornando-se, por conseguinte, apto tanto para a inscrição em dívida ativa quanto para a formal propositura da execução fiscal. (Arakaki, 2023, p. 38)
O arcabouço legal estabelece um prazo prescricional quinquenal (de cinco anos) para essa finalidade. Assim, caso as autoridades fiscais permaneçam inertes por todo esse período de cinco anos após a constituição definitiva do crédito, sem que a ação executiva seja proposta dentro desse lapso temporal, tal inação culminará inevitavelmente na extinção da própria relação jurídica tributária em virtude da prescrição. Este mecanismo atua como uma salvaguarda essencial, promovendo a segurança jurídica e impedindo a perseguição indefinida de débitos fiscais (Arakaki, 2023)
A despeito da salvaguarda que a prescrição representa para o contribuinte, impedindo a perseguição indefinida de débitos e promovendo a segurança jurídica, o sistema jurídico-tributário confere à Fazenda Pública os instrumentos necessários para a efetivação de seus créditos dentro dos prazos legais estabelecidos. Nesse contexto, a CDA emerge como o documento hábil e indispensável para o ajuizamento da execução fiscal. Ela transcende a mera função de um registro administrativo; a CDA é, em sua essência, o título executivo que materializa a dívida ativa, conferindo-lhe a força e a legitimidade necessárias para impulsionar o processo judicial. (Conrado, 2020, p. 16, 97)
Ao ser meticulosamente extraída do Termo de Inscrição em Dívida Ativa, a CDA atesta a regularidade da constituição do crédito e a sua plena exigibilidade, permitindo que a Fazenda Pública, por meio de seus procuradores legalmente constituídos, inicie a cobrança judicial. Este documento é, portanto, o passaporte para a jurisdição executória, sem o qual a pretensão estatal de cobrança judicial restaria inviabilizada, dada a exigência de um título executivo como pressuposto para o exercício da tutela executiva (Sabbag, 2020, p. 425; Paulsen, 2022, p. 543).
A operacionalização da inscrição em dívida ativa e, consequentemente, o início da execução fiscal, são atribuições específicas e altamente especializadas de órgãos estatais. No âmbito federal, por exemplo, essa incumbência recai sobre a Procuradoria da Fazenda Nacional, cujos procuradores são os responsáveis por apurar e inscrever os créditos da União em dívida ativa. (Paulsen, 2022, p. 542)
Essa atuação não se limita a um mero registro; ela envolve um rigoroso controle de legalidade sobre a constituição do crédito antes de sua formalização, garantindo que o processo de cobrança judicial seja precedido de uma análise minuciosa e conferindo maior legitimidade à pretensão executória. A execução fiscal, portanto, não se configura como um mero desdobramento automático da inadimplência, mas sim como um procedimento formalizado, dotado de rito próprio e com atores designados, que se inicia com a apresentação da CDA ao Poder Judiciário. Este ato marca a transição definitiva da cobrança do plano administrativo para o judicial, com todas as suas implicações e garantias processuais, caracterizando-se como uma execução processualmente autônoma, voltada à produção da tutela correlata e tendo como sujeito ativo a Fazenda Pública e como objeto a dívida ativa (Conrado, 2020, p. 91).
3. A prescrição intercorrente
A prescrição intercorrente, fenômeno jurídico de crucial relevância no âmbito do Direito Tributário, representa um mecanismo de extinção do crédito tributário que se manifesta de forma peculiar no curso do processo de execução fiscal. Conforme delineado por Rodrigo Dalla Pria (2020), este instituto opera quando, mesmo após a instauração da demanda executiva, a Fazenda Pública, credora do débito, permanece inerte por um período superior ao legalmente previsto, sem promover os atos processuais necessários para a efetiva satisfação do crédito.
Seu propósito fundamental é evitar a perpetuação indefinida das execuções fiscais, conferindo segurança jurídica ao contribuinte e promovendo a celeridade processual, ao passo que a inação do exequente é sancionada com a extinção da pretensão executória (Dalla Pria, 2020, p. 493).
Complementando essa perspectiva, Roberto Caparroz (2019) aprofunda a compreensão da prescrição intercorrente ao distingui-la da prescrição ordinária, que impede o próprio ajuizamento da ação. Para ele, a intercorrente se configura especificamente nos casos em que o credor, a Fazenda Pública, já tendo iniciado a ação executiva de cobrança, demonstra inércia prolongada, excedendo o tempo previsto em lei para a prática dos atos processuais. Essa figura jurídica visa a coibir a morosidade e a ineficiência na condução dos processos de execução fiscal, garantindo que a cobrança não se estenda indefinidamente no tempo, o que seria prejudicial à estabilidade das relações jurídicas e à previsibilidade para o contribuinte (Caparroz, 2019, p. 735).
O arcabouço normativo que disciplina a prescrição intercorrente na execução fiscal encontra seu pilar fundamental no Artigo 40 da Lei de Execuções Fiscais (LEF). Conforme detalhado por Ricardo Alexandre (2016), este dispositivo estabelece um rito específico para a gestão da inércia processual: o juiz suspenderá o curso da execução quando o devedor não for localizado ou quando não forem encontrados bens passíveis de penhora. Durante esse período de suspensão, que visa a permitir que a Fazenda Pública realize diligências para localizar o devedor ou seus bens, o prazo prescricional permanece inerte, ou seja, não corre. (Alexandre, 2016, p. 437).
No entanto, essa suspensão não é perpétua; após o decurso de um prazo máximo de um ano, caso a situação de localização do devedor ou de ausência de bens penhoráveis persista, o juiz, então, ordenará o arquivamento dos autos. É precisamente a partir desse ato de arquivamento que se inicia a contagem do prazo para a prescrição intercorrente, marcando o ponto de partida para a extinção da pretensão executória por inércia do credor (Alexandre, 2016).
Em consonância com essa previsão legal, Roberto Caparroz (2019) reitera a importância do Artigo 40 da LEF como o principal dispositivo a tratar da prescrição intercorrente. Ele enfatiza que a suspensão da execução, motivada pela não localização do devedor ou de bens penhoráveis, é uma etapa crucial. Durante essa suspensão, o prazo de prescrição é paralisado, mas não de forma ilimitada.
Caparroz (2019) destaca que, após o período de um ano de suspensão, se a situação que a motivou persistir, o juiz deve ordenar o arquivamento dos autos. Esse arquivamento não significa o fim da execução, mas sim o início de uma nova fase, onde o prazo prescricional intercorrente começa a fluir, culminando na possibilidade de extinção do processo por inércia da Fazenda Pública.
A compreensão e aplicação da prescrição intercorrente foram solidificadas de forma contundente pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Ricardo Alexandre (2016, p. 437) destaca que o aludido, em sua coerência com a matéria prescricional, afastou a tese de que o Art. 40 da LEF criaria um caso de imprescritibilidade, o que seria repugnante aos princípios informadores do sistema tributário.
Nesse sentido, o Tribunal pacificou o entendimento por meio da Súmula 314, que estabelece um marco interpretativo essencial:
“Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente.”
Ademais, a Lei 11.051/2004, ao acrescentar o § 4º ao Artigo 40 da LEF, permitiu que, após a decisão que ordena o arquivamento e decorrido o prazo prescricional, o juiz possa, de ofício, reconhecer e decretar a prescrição intercorrente, desde que ouvida previamente a Fazenda Pública (Alexandre, 2016).
Por sua vez, a jurisprudência do STJ já reconhecia a possibilidade da prescrição intercorrente e cristalizou esse entendimento, pois o Artigo 40 da Lei de Execuções Fiscais não pode colidir com o disposto no CTN, que é o instrumento hábil para tratar de prescrição. Destaca-se que o STJ pacificou a interpretação de que o Artigo 40 da LEF deve ser lido em harmonia com o Artigo 174 do CTN, prevalecendo este último em caso de colidência, uma vez que a prescrição e a decadência tributárias são matérias reservadas à lei complementar, conforme o Artigo 146, III, “b” da Constituição Federal. (Caparroz, 2019, p. 737).
Assim, a suspensão decretada com base no Artigo 40 da LEF não pode se estender por mais de cinco anos, pois a ação para cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data de sua constituição definitiva. Após o transcurso desse quinquênio de inércia fazendária, impõe-se a decretação da prescrição intercorrente, consoante o entendimento sumulado (Caparroz, 2019, p. 737).
Na interrupção, o prazo é integralmente zerado, recomeçando a contagem do zero a partir do evento interruptivo. Por outro lado, a suspensão apenas paralisa a fluência do prazo durante a existência da causa suspensiva, retomando-o do ponto em que parou assim que essa causa cessa. Essa diferença conceitual é crucial, pois impacta diretamente a contagem do tempo e a possibilidade de consumação da prescrição (Alexandre, 2016).
Por conseguinte, a citação, independentemente de sua modalidade – inclusive a ficta, realizada por edital –, possui o condão de obstar as providências previstas no Artigo 40 da LEF, que levariam à suspensão do processo e, consequentemente, ao desencadeamento do prazo da prescrição intercorrente. Este efeito é de vital importância para a Fazenda Pública, pois a efetivação da citação impede que o processo seja suspenso por ausência de localização do devedor ou de bens, evitando assim o início da contagem do prazo prescricional intercorrente (Pria, 2020).
Além da citação, outras causas de interrupção do prazo prescricional são taxativamente enumeradas no Artigo 174, parágrafo único, do CTN. Entre elas, destacam-se o protesto judicial, que, diferentemente do extrajudicial, tem o poder de interromper a prescrição, e qualquer ato judicial que constitua o devedor em mora. Adicionalmente, qualquer ato inequívoco, mesmo que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor, como um pedido de parcelamento ou compensação, também reinicia a contagem do prazo prescricional. Essas hipóteses são cruciais para a Fazenda Pública, pois permitem que a inércia seja quebrada e o prazo seja reiniciado, garantindo a possibilidade de cobrança do crédito (Alexandre, 2016).
No que concerne às causas de suspensão do prazo prescricional, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, conforme previsto no Artigo 151 do CTN, possui um impacto direto na contagem do prazo. ele explica que essa suspensão pode ter um efeito impeditivo, impedindo o início da contagem do prazo prescricional, ou um efeito suspensivo, paralisando a fluência do prazo caso ele já tenha sido iniciado. Isso ocorre porque, durante o período em que a exigibilidade está suspensa, a Fazenda Pública está temporariamente impedida de cobrar o tributo, e não seria justo que o prazo prescricional corresse contra ela nesse ínterim. Exemplos incluem a moratória, o depósito do montante integral, reclamações e recursos administrativos, e a concessão de liminar ou tutela antecipada em ações judiciais (Caparroz, 2019, p. 689).
O reconhecimento da prescrição intercorrente, quando devidamente configurada, culmina na extinção do processo executivo fiscal por meio de uma sentença de mérito. Essa decisão judicial, ao declarar a ocorrência da prescrição, é um exemplo típico de sentença de mérito proferida em processo executivo fiscal, e sua relevância reside no fato de que ela permite a formação de coisa julgada material. Isso significa que a questão da prescrição não poderá ser rediscutida em um novo processo, conferindo segurança jurídica e estabilidade à decisão judicial (Pria, 2020, p. 575).
A declaração da prescrição, inclusive a intercorrente, pode ocorrer de ofício pelo juiz, um mecanismo que visa a dar celeridade e efetividade ao processo. a Lei 11.051/2004, ao acrescentar o § 4º ao Artigo 40 da LEF, permitiu que, após a decisão que ordena o arquivamento e decorrido o prazo prescricional, o juiz possa, de ofício, reconhecer e decretar a prescrição intercorrente. Contudo, para que isso ocorra, é imperativo que a Fazenda Pública seja previamente ouvida, em observância aos comandos dos artigos 9º e 10º do Código de Processo Civil, que garantem o contraditório e a ampla defesa (Alexandre, 2016, p. 438).
Por fim, para o executado, a prescrição intercorrente, assim como a prescrição ordinária e a decadência, pode ser alegada como uma forma de defesa no processo de execução fiscal. Tais matérias podem ser suscitadas por meio da exceção de pré-executividade, um instrumento processual que se destaca por dispensar a garantia do juízo e ser admissível para matérias de ordem pública que não demandem dilação probatória. (Caparroz, 2019, p. 792).
A Súmula 393 do STJ corrobora essa possibilidade, permitindo que o devedor alegue a prescrição sem a necessidade de prévia penhora ou depósito. Essa ferramenta processual é de grande valia para o contribuinte, pois oferece um meio célere e menos oneroso para extinguir execuções fiscais que já se encontram prescritas, garantindo o direito de defesa e a observância dos prazos legais (Caparroz, 2019, p. 792).
4. O entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça
Nesse contexto, a prescrição intercorrente emerge como um instituto de fundamental importância, atuando como um balizador temporal para as pretensões de cobrança da Fazenda Pública. A sua aplicação, contudo, gerou debates e a necessidade de uniformização interpretativa, culminando em um julgamento paradigmático pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 1.340.553/RS.
Em suma, retomando o que já foi exposto anteriormente, a pretensão de cobrança não é ilimitada no tempo. O Código Tributário Nacional, em seu art. 174, estabelece que a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data de sua constituição definitiva. A prescrição, nesse sentido, difere da decadência: enquanto esta se refere à perda do direito de constituir o crédito tributário (o direito de lançar), aquela extingue o direito à cobrança do crédito já existente. A inércia do credor em exercer sua pretensão dentro do prazo legal acarreta a perda do direito de ação, embora o direito material possa, em tese, subsistir sem proteção judicial.
A complexidade e o volume das execuções fiscais, muitas vezes infrutíferas e com duração indeterminada, motivaram a busca por soluções que pusessem fim a esses processos. Nesse cenário, a prescrição intercorrente surge como um mecanismo para evitar que as execuções fiscais permaneçam “eternamente nos escaninhos do Poder Judiciário”. Diferentemente da prescrição original, que ocorre antes do ajuizamento da ação, a prescrição intercorrente se manifesta quando o processo já está em curso, em razão da inércia do credor durante um lapso temporal equivalente ao da prescrição do direito material.
Os requisitos para a caracterização da prescrição intercorrente são, portanto, duplos: um elemento objetivo, que é o decurso do tempo (o prazo de suspensão de um ano seguido do prazo prescricional de cinco anos), e um elemento subjetivo, que é o comportamento desidioso do exequente, ou seja, a sua inércia em promover os atos necessários para o andamento da execução.
Apesar da previsão legal e da súmula do STJ, a aplicação da prescrição intercorrente ainda gerava dúvidas e inconsistências. Para pacificar o entendimento e estabelecer uma sistemática clara, o Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos repetitivos, proferiu o julgamento do REsp 1.340.553/RS, com relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques. Essa decisão é de suma importância, pois definiu marcos temporais e procedimentos que impactam diretamente a tramitação das execuções fiscais em todo o país.
O Superior Tribunal de Justiça estabeleceu, no julgamento do REsp 1.340.553/RS, que o prazo de um ano de suspensão do processo e do respectivo prazo prescricional, previsto no artigo 40, §§ 1º e 2º da Lei de Execuções Fiscais, inicia-se automaticamente a partir do momento em que a Fazenda Pública toma ciência da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido. A decisão ressalta que a declaração judicial da suspensão é um dever do magistrado, mas não constitui condição para o início da contagem do prazo.
Para dívidas tributárias cujo despacho de citação foi proferido antes da Lei Complementar nº 118/2005, a suspensão ocorre após a citação válida e a primeira tentativa infrutífera de localização de bens. Já para dívidas tributárias com despacho de citação posterior à referida lei e para dívidas não tributárias, a suspensão se dá após a primeira tentativa frustrada de citação do devedor ou de localização de bens penhoráveis. (BRASIL, STJ, REsp 1.340.553/RS)
Superado o período de um ano de suspensão, inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável, geralmente de cinco anos, independentemente de petição da Fazenda Pública ou de pronunciamento judicial específico. Durante esse período, o processo deve permanecer arquivado, sem baixa na distribuição. Findo o prazo prescricional, o juiz poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la imediatamente, desde que a Fazenda Pública seja previamente ouvida. Essa sistemática reforça que a fluência do tempo passa a ser um fator determinante para o devedor, não dependendo de manifestações processuais para que a prescrição intercorrente se concretize. (BRASIL, STJ, REsp 1.340.553/RS)
No tocante à interrupção da prescrição intercorrente, o STJ definiu que apenas a efetiva constrição patrimonial (penhora) e a efetiva citação, ainda que por edital, são aptas a interromper o curso da prescrição. O simples peticionamento em juízo, como o requerimento de penhora de ativos financeiros, não é suficiente para tal finalidade. Entretanto, os requerimentos formulados pelo exequente dentro do período total (um ano de suspensão mais o prazo prescricional) devem ser processados; caso resultem em citação ou penhora, a interrupção da prescrição intercorrente retroagirá à data do protocolo da petição que originou a providência exitosa. (BRASIL, STJ, REsp 1.340.553/RS)
Quanto ao ônus da prova do prejuízo, restou definido que a Fazenda Pública, ao alegar nulidade por falta de intimação no procedimento do artigo 40 da Lei de Execuções Fiscais, deverá demonstrar o prejuízo efetivamente sofrido, exceto na hipótese de ausência de intimação que constitui o termo inicial da contagem do prazo de suspensão, situação em que o prejuízo é presumido. Assim, cabe à Fazenda comprovar que a falta de intimação a impediu de praticar ato que poderia evitar a prescrição. (BRASIL, STJ, REsp 1.340.553/RS)
Por fim, o STJ determinou que o reconhecimento da prescrição intercorrente deve ser devidamente fundamentado pelo magistrado, explicitando os marcos legais utilizados na contagem do prazo, inclusive o período em que a execução ficou suspensa. Essa exigência busca garantir a transparência e a segurança jurídica na aplicação do instituto, conferindo clareza às decisões judiciais e permitindo o controle pelas partes envolvidas. (BRASIL, STJ, REsp 1.340.553/RS)
O “espírito” do artigo 40 da LEF, conforme destacado pelo próprio STJ, é impedir que execuções fiscais já ajuizadas permaneçam ativas por tempo indeterminado. Ao impor um limite temporal à inércia do credor, o instituto fomenta a eficiência na cobrança e a racionalização dos recursos públicos e judiciais.
Dessa forma, ao detalhar os termos e condições para sua ocorrência, o STJ não apenas uniformizou o entendimento jurídico, mas também reforçou o compromisso do sistema judicial com a razoável duração do processo e a proteção dos direitos dos contribuintes, impulsionando a Fazenda Pública a repensar suas estratégias de cobrança e a atuar de forma mais diligente.
Conclusão
Chegando ao final desta jornada analítica, percebe-se que a compreensão do ciclo de vida do crédito tributário, desde sua gênese até a fase de execução fiscal e o desfecho pela prescrição intercorrente, é fundamental para desvendar as complexas interações entre o Estado e o contribuinte no cenário jurídico-tributário brasileiro. Ao longo deste estudo, foi possível traçar o percurso que transforma uma obrigação tributária abstrata em um crédito exigível e, posteriormente, em um título executivo, a Certidão de Dívida Ativa, que pavimenta o caminho para a cobrança judicial. A distinção entre a mera exigibilidade e a plena exequibilidade do crédito, condicionada à inscrição em Dívida Ativa e à emissão da CDA.
A execução fiscal, como processo autônomo e dotado de rito próprio, foi analisada como o instrumento derradeiro do Estado para a satisfação de seus créditos. Contudo, a inércia da Fazenda Pública, mesmo após o ajuizamento da ação, não pode perpetuar indefinidamente a situação de incerteza para o contribuinte. É nesse ponto que a prescrição intercorrente emerge como um mecanismo essencial de segurança jurídica, atuando como um limite temporal à perseguição do débito. Este instituto, ao sancionar a morosidade processual, promove a celeridade e a eficiência, impedindo que execuções fiscais se arrastem por anos a fio, em detrimento da estabilidade das relações jurídicas e da previsibilidade para os cidadãos.
A consolidação do entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, especialmente a partir do julgamento do Recurso Especial 1.340.553/RS, representou um marco divisor na aplicação da prescrição intercorrente. Ao estabelecer critérios claros e objetivos para sua configuração, o STJ não apenas pacificou a matéria, mas também conferiu maior previsibilidade e segurança jurídica tanto à atuação da Fazenda Pública quanto à defesa dos contribuintes.
A análise demonstrou a fundamental distinção entre a obrigação tributária e o crédito tributário, ressaltando o papel do lançamento como ato constitutivo que confere exigibilidade ao débito. Em seguida, aprofundamo-nos na execução fiscal, compreendendo-a como o instrumento judicial por excelência para a cobrança dos valores devidos, sempre pautada pela Certidão de Dívida Ativa (CDA) como título executivo.
O cerne da discussão, contudo, residiu na prescrição intercorrente, um mecanismo que, conforme detalhado, atua como um freio à inércia da Fazenda Pública. Ficou evidente que o Artigo 40 da Lei de Execuções Fiscais (LEF) é o pilar normativo desse instituto, estabelecendo um rito claro: suspensão de um ano da execução por não localização do devedor ou de bens penhoráveis, seguida do arquivamento dos autos e, a partir daí, o início da contagem do prazo quinquenal para a prescrição intercorrente. Essa sistemática, como vimos, não se confunde com a prescrição ordinária, que ocorre antes do ajuizamento da ação, e se distingue da suspensão pela sua natureza de paralisação temporária, em contraste com a interrupção, que zera o prazo.
Ademais, a possibilidade de o juiz reconhecer a prescrição intercorrente de ofício, desde que ouvida previamente a Fazenda Pública, e a admissibilidade da exceção de pré-executividade como meio de defesa para o executado, mesmo sem garantia do juízo, reforçam o compromisso do sistema jurídico com a eficiência e a proteção dos direitos fundamentais.
Em suma, este estudo buscou não apenas descrever os contornos legais e doutrinários da prescrição intercorrente, mas também iluminar a forma como a jurisprudência, em especial a do STJ, moldou sua aplicação prática, conferindo-lhe a previsibilidade e a segurança jurídica necessárias. A compreensão aprofundada desse instituto é fundamental para todos os atores envolvidos no cenário tributário – Fazenda Pública, contribuintes e operadores do Direito – pois ele representa um balizador temporal que harmoniza o legítimo interesse arrecadatório do Estado com o direito do cidadão a não ser indefinidamente perseguido por dívidas que, pela inação do credor, perderam sua força executória. Assim, a prescrição intercorrente emerge não como um obstáculo à cobrança, mas como um elemento essencial para a racionalização e a efetividade do sistema de execução fiscal brasileiro.
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