REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202503082226
Jeremias Lemos Pastana1; Maria Paloma Silva Nunes2; Marluce de Oliveira Nunes3; Orientador: Prof. Me. Tiêgo Ramon dos Santos Alencar
Resumo:
O trabalho aqui apresentado aborda o tema “Preconceito linguístico nas aulas de língua portuguesa em uma escola pública de Vitória do Jari-AP”. Este trabalho tem como objetivo investigar se o tema é trabalhado dentro da sala de aula, como os alunos se comportam diante das diferenças relacionadas à forma de falar, bem como mostrar a importância da valorização das diferentes formas de comunicação. Além disso, pretende-se provocar reflexões que promovam estratégias para combater o preconceito linguístico. Para a realização da pesquisa, optou-se por uma abordagem qualitativa e exploratória, baseada em pesquisas bibliográficas e de campo. Em análise, foi possível observar que cinquenta e nove por cento (59 %) das pessoas pesquisadas possui algum conhecimento sobre o tema, no entanto a pesquisa também aponta que não há uma discussão mais aprofundada que mostre aos alunos a importância de respeitar e compreender que as variações linguísticas fazem parte da diversidade regional, cultural e social do país. Diante deste cenário, é de fundamental importância a adoção de estratégias pedagógicas que promovam a conscientização sobre diversidade linguística.
Palavras-chave: preconceito linguístico; variação linguística; aula de português.
1. INTRODUÇÃO
O preconceito linguístico se apresenta na sociedade como um mecanismo de desvalorização de determinadas formas de falar, seja de grupos específicos, classe social ou regional. Ao fazer uma reflexão sobre as experiencias vividas é provável que em algum momento, todos já tenham presenciado, praticado ou sido vítima de algum tipo de discriminação relacionado a linguagem. Esse tipo de preconceito se manifesta, por exemplo, quando alguém faz uma crítica ou comentários pejorativos, sobre o modo de falar de alguma pessoa. Essa situação evidencia questões mais profundas, como a valorização de certos padrões de fala em detrimento de outras, frequentemente baseado em estereótipos e preconceitos culturais. A preferência linguística não se limita a uma forma específica de expressão, mas reflete amplas estruturas sociais que hierarquizam variedades linguísticas com base no status social, econômico ou regional. Segundo Bagno (1999), esse tipo de preconceito é enraizado na sociedade e se externaliza principalmente no âmbito escolar onde a norma-padrão é imposta como a única forma legítima de comunicação. Diante disso, é fundamental que o tema seja debatido principalmente dentro do contexto escolar, pois este, além de ser um ambiente formador, é um espaço onde encontra-se alunos, professores, entre outros profissionais de diferentes origens regionais, culturais e sociais.
Considerando esse contexto, este trabalho buscou investigar as manifestações do preconceito linguístico em uma escola pública em Vitória do Jari-AP, analisando de que forma esse fenômeno se faz presente nas interações entre alunos e professores, nas metodologias de ensino e até mesmo em parâmetros utilizados para avaliação, visando refletir sobre a importância de criar estratégias que promovam uma abordagem pedagógica mais inclusiva e que valorize as diversas formas de expressão do estudante.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Embora a existência de preconceito linguístico seja frequentemente ignorada pela sociedade em geral (ao contrário do que acontece com outras formas de preconceito: racial, sexual etc.), academicamente, há um vasto referencial bibliográfico sobre o tema, abordando suas manifestações e origens. Por tanto, é fundamental enriquecer o estudo com uma base sólida de conhecimento pré-existente que destaque a importância do ensino da diversidade linguística.
Nos próximos subtópicos, serão apresentados estudos que analisam como o preconceito linguístico se manifesta na sociedade como um mecanismo de desvalorização de determinadas formas de falar, seja de grupos específicos, classe social ou regional. Isso porque, segundo Bagno (1999), esse tipo de preconceito está enraizado na sociedade e se expressa, sobretudo, no ambiente escolar, onde a norma-padrão é imposta como a única forma legítima de comunicação.
Além disso, compreendemos que no Brasil, o português é a língua oficial, mas apresenta ampla variação em suas formas de uso, refletindo a diversidade dos povos que compõem o país, bem como fatores sociais, culturais e regionais. Diante desta grande diversidade, a educação desempenha um papel vital no combate ao preconceito linguístico e na preservação cultural dos falantes.
2.1 Estudos acerca do preconceito linguístico
A língua é um fenômeno dinâmico e sujeito a constantes variações, que ocorrem devido a diversos fatores. Esses fatores podem ser internos, o que ocasiona variação em todos os seus níveis, como o fonético-fonológico, o sintático, o morfológico, o semântico, o lexical e o estilístico-pragmático; como também podem ser externos, como o espaço geográfico, o grau de escolaridade, a faixa etária, o sexo e o status socioeconômico, os quais acarretam variações em seu uso. A partir desses fenômenos a sociolinguística surge como uma ciência que estuda os fatores extralinguísticos e suas influências na linguagem. Labov (2008) sintetiza o objeto da Sociolinguística como o estudo da língua falada em relação ao contexto social, partindo da comunidade linguística, entendida como o conjunto de indivíduos que, além de interagirem verbalmente, também compartilham um conjunto de normas relativas aos usos.
No entanto, essas variações nem sempre são vistas com naturalidade. O preconceito linguístico recai sobre variedades consideradas não padrão ou de menor prestígio social. Este é um tema rico e multifacetado, amplamente explorado por diversos autores em diferentes formatos, como livros, artigos acadêmicos e legislações, os quais são ferramentas essenciais para analisar as variações da língua, entender sua importância e combater o preconceito.
No Brasil, Marcos Bagno (1999), foi um dos principais responsáveis por popularizar o debate sobre preconceito linguístico. Em sua obra, Preconceito Linguístico: O Que É, Como Se Faz, o autor faz uma análise das origens, manifestações e impactos desse tipo de discriminação. Bagno argumenta contra a ideia de que algumas formas de falar são superiores a outras, destacando como o preconceito linguístico impacta negativamente diferentes grupos sociais. Além disso, ele oferece sugestões práticas para combater esse tipo de discriminação, tornando sua obra essencial para a compreensão das dinâmicas sociais e culturais relacionadas ao preconceito linguístico.
Segundo Bagno (1999), o preconceito linguístico deriva da construção de um padrão imposto por uma elite econômica e intelectual que considera como “erro” e, consequentemente, reprovável tudo que se diferencie desse modelo. Além disso, está intimamente ligado a outros preconceitos também muito presentes na sociedade. Segundo Jordana Silva (2022), a principal consequência do preconceito linguístico é a acentuação dos demais preconceitos relacionados a ele. Isso significa que o indivíduo excluído em uma entrevista de emprego, por se utilizar de uma variedade informal da língua, não terá condições financeiras de romper a barreira do analfabetismo e, provavelmente, continuará excluído. O cidadão segregado por apresentar sotaque de uma determinada região continuará sendo visto de forma estereotipada, sendo motivo de riso ou de chacota e assim por diante.
A partir dessas implicações, infere-se que este preconceito não se limita à correção gramatical ou ao ensino da norma padrão. Ele está diretamente relacionado a desigualdades sociais, discriminação no mercado de trabalho, marginalização cultural e exclusão educacional.
Diante desse abismo social, não surpreende que muitos estudos empreendidos por diversos pesquisadores venham mostrando que os falantes das variedades linguísticas estigmatizadas têm sérias dificuldades em compreender as mensagens enviadas para eles pelo poder público, que serve exclusivamente da norma padrão. (Bagno, 1999, p. 30).
Considerando os impactos negativos apontados por especialistas e vivenciados pela sociedade, promover ações que mudem este cenário é essencial. O primeiro passo para combater o preconceito é ensinar a importância de valorizar e compreender a diversidade linguística. No entanto trabalhar este tema nas escolas tem seus percalços, pois apesar de alguns graduandos estarem saindo da universidade com uma visão mais ampla de como ensinar seus alunos sem utilizar metodologias ultrapassadas, o sistema educacional e seus métodos ainda caminham a passos lentos, principalmente em áreas mais remotas e periféricas.
No contexto pedagógico a escola pode mediar o ensino da norma padrão sem desvalorizar as variedades linguísticas dos estudantes. Stella Mariz Bortoni-Ricardo (1999), em sua obra Nós Cheguemu na Escola, e Agora? de maneira lúdica e educativa, aborda a diversidade linguística ecultural do Brasil. A autora evidencia como as diversidades linguísticas refletem aspectos culturais e sociais das diversas regiões do país, destacando a riqueza da língua portuguesa em suas manifestações orais e escritas. A obra ganha ainda mais relevância, quando aplicada em escolas públicas situadas em regiões de grande diversidade sociocultural, como o norte do Brasil, onde há forte presença de influências ribeirinhas, indígenas e urbanas.
Contudo, mesmo quando há ações no sistema educacional, que tenham a finalidade de promover o combate ao preconceito linguístico, essas ações acabam esbarrando em um entrave ainda maior, a resistência daqueles que se acham donos da língua, responsáveis por ditar o que é certo ou errado. Esses ditadores, por assim dizer, influenciam também nas opiniões daqueles considerados leigos no assunto. A exemplo, é válido citar o livro de língua portuguesa “Por uma vida melhor”, da coleção “Viver, aprender”, adotado pelo Ministério da Educação (MEC). Diz um trecho do livro, publicado pela editora Global:
Você pode estar se perguntando: “Mas eu posso falar “os livro”? Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas.
Corroborando com o que foi dito acima, o livro virou notícia na mídia e recebeu duras críticas. Uriano Mota (2011), destacou em sua coluna uma fala do apresentador do telejornal “Bom dia Brasil” Antônio Garcia que afirmou:
Pois, ironicamente, esse livro se chama “Por uma vida melhor”. Se fosse apenas uma polêmica linguística, tudo bem, mas faz parte do currículo de quase meio milhão de alunos. E é abonado pelo Ministério da Educação. Na moda do politicamente correto, defende o endosso ao falar errado para evitar o preconceito linguístico.
Diferente de outras manifestações de preconceito, no que se refere às legislações, no Brasil o preconceito linguístico não é tratado de forma específica por uma única lei, mas existem dispositivos legais que podem ser usados para combatê-lo. Um exemplo significativo é a Lei nº 12.288, conhecida como Estatuto da Igualdade Racial, promulgada em 2010. Embora essa legislação não aborde explicitamente o preconceito linguístico, ela estabelece medidas para combater a discriminação racial em diversos contextos, incluindo o educacional, o que indiretamente afeta questões relacionadas à linguagem. Além disso, a Constituição Federal do Brasil, em seu Artigo 3º, inciso IV, estabelece como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, o que inclui a discriminação linguística.
Embora não haja uma legislação específica que trate exclusivamente do preconceito linguístico, essas leis mais amplas são fundamentais para criar um ambiente que promova a igualdade e combata todas as formas de discriminação, incluindo aquelas relacionadas à linguagem.
Em resumo, apesar dos avanços no reconhecimento da diversidade linguística, a sociedade ainda enfrenta resistências que reforçam padrões elitistas de comunicação. E a escola, assim como a implementação de políticas públicas, tem papel fundamental na conscientização e valorização da pluralidade linguística.
2.2 O ensino da diversidade linguística como ferramenta para a inclusão e valorização cultural
O ensino da diversidade linguística nas escolas é essencial para a promoção de uma educação inclusiva e equitativa, que reconhece e valoriza as múltiplas variações da língua portuguesa no Brasil. Comunidades que falam línguas minoritárias frequentemente enfrentam marginalização e preconceito. No Norte e Nordeste, por exemplo, muitas línguas indígenas e afro-brasileiras carregam tradições, histórias e saberes transmitidos de geração em geração, mas sofrem com a desvalorização de suas linguagens. Duarte (2016) ressalta que o território brasileiro abriga centenas de línguas indígenas, faladas por diferentes povos e grupos étnicos, que representam modos únicos de comunicação, além de culturas, conhecimentos e histórias diversas. Nessas regiões, onde muitas crianças crescem falando línguas indígenas ou crioulas, valorizar a diversidade linguística é crucial para a preservação cultural, inclusão social e melhoria educacional.
Nesse contexto, a educação desempenha um papel vital no combate ao preconceito linguístico e na preservação cultural dos povos. Para enriquecer o estudo com uma base sólida de conhecimento pré-existente, apresentamos um referencial teórico que aborda a importância do ensino da diversidade linguística, fundamentado em citações de livros, artigos, teses e dissertações acadêmicas.
O estudo da variação linguística tem avançado significativamente nos últimos anos, impulsionado pelas mudanças no uso da língua e pelas transformações em seu processo de formação. A Sociolinguística, área responsável por investigar esses fenômenos, surgiu nos Estados Unidos na década de 1960, quando estudiosos perceberam que era impossível desvincular o estudo da língua de seu contexto social (Bagno, 2007). Um dos principais responsáveis por esse desenvolvimento foi William Labov, pioneiro na análise da variação e mudança linguística. Assim, a Sociolinguística busca compreender como as línguas evoluem ao longo do tempo, explorando suas múltiplas possibilidades de uso.
Apesar disso, a falta de compreensão sobre a heterogeneidade da língua perpetua o preconceito linguístico, uma forma de discriminação baseada na maneira como uma pessoa fala ou escreve. Esse preconceito manifesta-se em julgamentos negativos e estereótipos sobre variedades linguísticas diferentes das consideradas “padrões” ou “prestigiadas”. “O preconceito linguístico é uma forma de discriminação social fundamentada na crença errônea de que há maneiras corretas e incorretas de falar, e que algumas variedades de língua são superiores a outras” (Bagno, 1999).
As práticas docentes podem, inadvertidamente, perpetuar o preconceito linguístico, impactando negativamente os alunos que falam variedades não padrão. Solto (2021) observa que, muitas vezes, as escolas enfatizam apenas a norma-padrão da língua, ignorando o dinamismo natural da linguagem, que reflete a identidade dos alunos em aspectos como classe social, idade e localidade de origem. Em ambientes heterogêneos, as diferenças linguísticas podem gerar comentários jocosos ou discriminatórios, prejudicando o convívio escolar.
Nesse sentido, Gusmão (2020) argumenta que a valorização excessiva da norma-padrão em detrimento das variantes linguísticas regionais e sociais reforça a ideia de que apenas uma forma de falar é correta, desvalorizando outras expressões. Essa abordagem tradicional perpetua uma mentalidade excludente e ignora o rico patrimônio cultural e linguístico do Brasil.
Para superar esse cenário, é necessária uma mudança na prática pedagógica, como apontam Chaibe e Ferreira (2019). A introdução de textos que representem diversas variantes da língua, discussões sobre a importância da variação linguística e a criação de um ambiente escolar inclusivo são estratégias fundamentais para combater o preconceito linguístico.
Lima (2019) propõe a implementação de atividades de conscientização linguística, como a reflexão sobre as diversas formas de falar presentes nas famílias e comunidades dos alunos, além de capacitações para professores e a produção de materiais didáticos que valorizem a diversidade linguística. Essas práticas promovem a aceitação da pluralidade linguística e reduzem estigmas.
Por fim, combater o preconceito linguístico nas aulas de Língua Portuguesa exige um esforço coletivo para transformar a educação em uma ferramenta de inclusão. A valorização das variantes linguísticas, aliada a práticas pedagógicas que respeitem a heterogeneidade dos alunos, contribui para a formação de uma sociedade mais justa e igualitária. Dessa maneira, Podemos concordar com Bagno ao considerar que a transformação das práticas educativas não apenas contribui para o aprimoramento do desempenho acadêmico dos alunos, mas também favorece a construção de uma sociedade mais justa e igualitária (Bagno, 1999).
3. METODOLOGIA
A presente pesquisa teve como objetivo investigar como a temática do preconceito linguístico está sendo abordada em classes de língua portuguesa do ensino médio em uma escola pública no Município de Vitória do Jari, Estado do Amapá. A pesquisa foi realizada com professores e alunos do 1º ano de uma escola pública. A metodologia foi estruturada em etapas, permitindo uma implementação clara e objetiva do projeto. Um dos aspectos centrais ao realizar uma pesquisa é a escolha da metodologia a ser utilizada, pois ela influencia diretamente nos objetivos, coleta de dados e análise dos resultados. Para Marconi e Lakatos (2017), a metodologia é o conjunto de técnicas e métodos que permitem ao pesquisador realizar uma investigação científica de forma rigorosa e sistemática.
Para pautar a discussão dos resultados, o trabalho teve início com pesquisas bibliográficas de autores como Mollica, Marcos Bagno e Stella Mariz Bortoni – Ricardo. De acordo com Gil (2008), a pesquisa bibliográfica é imprescindível para estabelecer um quadro teórico consistente que oriente o desenvolvimento da pesquisa, proporcionando ampla visão sobre o problema investigado.
Os dados da pesquisa foram obtidos através da aplicação de questionário online (plataforma Google Forms) estruturados com perguntas objetivas e subjetivas. Optou-se pela utilização da plataforma por ser uma ferramenta que possui acessibilidade e facilidade de uso, características que, de acordo com Costa et al. (2020), promove um maior alcance e engajamento dos usuários. O questionário foi elaborado com perguntas gerais (que atendia aos dois públicos) e perguntas específicas para alunos e docentes.
Para uma análise mais concisa das informações obtidas, foram considerados tanto os dados qualitativos quanto os quantitativos. Segundo Creswell (2014), a abordagem qualitativa é uma metodologia de pesquisa que visa explorar o contexto e a perspectiva dos participantes de um estudo, já a abordagem quantitativa é um método de pesquisa que visa quantificar um problema e entender a sua dimensão, ambas são essenciais na pesquisa científica e, quando utilizadas de forma complementar, permitem uma análise mais abrangente e detalhada.
A coleta de dados ocorreu entre 20 de dezembro de 2024 e 28 de janeiro de 2025, quando o questionário foi enviado a 26 alunos e 06 professores. O primeiro contato com pesquisadores e docentes que participaram da pesquisa se deu através de visita realizada em sala de aula. Posteriormente o link de acesso ao questionário foi encaminhado através de whatsapp para uma professora que encaminhou aos alunos e professores. A participação foi voluntária, e todos as pessoas que responderam foram informados, através de um texto apresentado no próprio questionário, sobre a natureza da pesquisa e assegurados quanto à confidencialidade das respostas.
Após o período de coleta, os dados foram organizados e analisados com o auxílio das ferramentas Word e Excel. Os resultados foram apresentados em forma de gráficos e tabelas, facilitando a visualização e a interpretação das informações. A inquirição das respostas abertas foi realizada por meio de análise temática e de conteúdo. A análise temática é uma metodologia de pesquisa utilizada para identificar, personalizar, interpretar, registrar e apresentar padrões e temas, a partir de um conjunto de dados, fornecendo uma interpretação mais rica e fundamentada. Para Braun e Clarke (2006) a Análise Temática é uma técnica de análise qualitativa caracterizada pela flexibilidade por ser essencialmente independente de uma teoria ou epistemologia específica e que pode ser aplicada com uma variedade de abordagens teóricas e epistemológicas. Assim como a Análise Temática, a de Conteúdo também é um instrumento extremamente útil em pesquisas, pois utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos para descrever conteúdos apresentados pelas mensagens analisadas. Segundo Bardin (2016), a análise do conteúdo é um conjunto de instrumentos de cunho metodológico em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a discursos extremamente diversificados. Esta modalidade de análise permite compreender mais profundamente as mensagens, identificando temas, padrões e tendências.
A efetividade da pesquisa foi avaliada por meio de uma análise detalhada das respostas obtidas com o intuito de identificar padrões e divergências nas percepções tanto dos alunos quanto dos professores em relação ao preconceito linguístico.
A metodologia aplicada buscou não apenas coletar dados, mas também promover uma reflexão crítica sobre as práticas educacionais. Os resultados obtidos servirão como base para a elaboração de propostas pedagógicas, sugestões de melhorias nas estratégias de ensino e o desenvolvimento de projetos voltados à valorização da diversidade linguística. Dessa forma, contribuirão para o aprimoramento das experiências de ensino-aprendizagem na escola, promovendo um ambiente mais inclusivo e respeitoso em relação às variações linguísticas.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Esta etapa consiste na análise e discussão dos dados obtidos através da pesquisa realizada com alunos do 1º ano do ensino médio e professores de uma escola pública no Município de Vitória do Jari-AP. A análise dos dados permitiu uma reflexão sobre a realidade educacional e ambiental da escola, subsidiando propostas para intervenções e ações que possam contribuir para a conscientização e aprimoramento das práticas pedagógicas.
O perfil dos participantes foi analisado com intuito de identificar origem geográfica, gênero e faixa etária, visando compreender a influência das características sociais e demográficas em relação à linguagem. Também foram analisados aspectos como experiência profissional, familiaridade com o tema abordado, opiniões e percepções sobre a fala e sua influência social, experiências pessoais, valorização das variações linguísticas regionais, associação entre fala e inteligência e concepções sobre o papel da língua.
Em relação à faixa etária, os alunos declararam ter entre 15 e 19 anos, e os docentes entre 37 e 56 anos. Quanto ao gênero, 81% dos alunos entrevistados informaram ser do gênero feminino e 19% masculino; 81% dos professores informaram ser do gênero feminino e 17% masculino. No que se refere a experiência profissional, 83% dos docentes declararam ter mais de 10 anos, e 17% menos de 10 anos.
Cabe aqui destacar que todas as pessoas que responderam ao questionário declararam ser de cidades que estão situadas ao Norte do Brasil, região em que a influência da origem populacional é marcada por traços indígenas, africanos, ribeirinhos e migrantes de diversas regiões do país, o que torna a região com uma grande diversidade cultural e linguística. Bortoni Ricardo (2005), enfatiza que as variações linguísticas frequentemente entram em conflitos com a norma-padrão, podendo levar a uma estigmatização das formas populares e regionais de linguagem, contribuindo para o preconceito linguístico.
Quando questionados se já tinham ouvido falar sobre preconceito linguístico, 50% dos alunos afirmaram que sim, 19% afirmaram não ter certeza e 31% afirmaram que nunca tinham ouvido falar. Em relação aos docentes, 100% responderam que já tinham ouvido falar.
Gráfico 1 – Respostas dos alunos sobre já terem ouvido falar em Preconceito Linguístico.
Gráfico 2 – Respostas dos docentes sobre já terem ouvido falar em Preconceito Linguístico.
No que se refere ao grau de conhecimento a respeito do tema pesquisado, os resultados revelam dados preocupantes sobre a falta de conhecimento dos alunos em relação ao preconceito linguístico. O fato de 31% desconhecer totalmente o tema discutido e 19% não terem certeza, revela que apesar de ser um tema reconhecido pela sociedade, o preconceito linguístico ainda não é amplamente discutido. Outro ponto que chama atenção é a contraposição entre conhecimento dos professores em relação ao dos alunos, o que aponta para uma possível falha de transmissão desse conhecimento. O cenário apresentado pode ser um reflexo de que a abordagem educacional, de modo geral, privilegia a norma-padrão sem levar em consideração a diversidade linguística presente no contexto escolar. Para Bagno (2007), o preconceito linguístico está relacionado, de certa forma, a uma confusão criada no decorrer da história entre língua e gramática normativa. Dessa forma, os dados obtidos parecem reforçar a perspectiva de Bagno (2007), que aponta a confusão histórica entre língua e gramática normativa como uma das origens centrais do preconceito linguístico. O mesmo autor destaca que a escola desempenha um papel central na disseminação do preconceito linguístico, uma vez que desconsidera a diversidade linguística dos alunos, impondo que eles têm dificuldade de assimilar (Bagno, 1999) A fala do autor contribui para a ideia de que a contraposição entre conhecimento dos professores em relação ao dos alunos pode ser uma consequência da imposição da gramática normativa, sem considerar as diversidades e variações linguísticas, o que pode tornar o ensino menos acessível e inclusivo.
4.1 Perguntas direcionadas aos alunos.
Os alunos foram questionados se já tinham sido tratados de forma diferente por causa de sua maneira de falar, como respostas, 58% dos alunos afirmaram que sim e 42% disseram que não.
Gráfico 3 – Você já se sentiu tratado(a) de forma diferente por causa da maneira como fala?
O resultado da pesquisa mostrou que 58%, ou seja, a maioria dos alunos declararam já ter sofrido algum tipo de preconceito relacionado à forma de falar, o que indica a existência do preconceito linguístico no ambiente em que estão inseridos. No entanto, mesmo estando inseridos no mesmo contexto social, 42% dos alunos responderam não ter se sentido tratado de forma diferente em relação a maneira de falar, isto pode estar relacionado a utilização de uma variante linguística mais próxima da norma-padrão ou que, mesmo sofrendo preconceito linguístico, estes alunos não conseguem perceber ou identificar como tal. Nesse sentido, recorremos a Bagno (1999) e assim constatamos que os resultados da pesquisa estão em estreita consonância com as reflexões do autor. Bagno (1999), em sua obra “Preconceito Linguístico: O que é, como se faz”, analisa como o preconceito linguístico é profundamente enraizado na sociedade, e como ele é internalizado pelos falantes de linguagem que são estigmatizadas.
Quando questionados se alguém já tinha feito comentários ou brincadeiras sobre seus sotaques, gírias ou forma de falar, 65% dos alunos entrevistados responderam que sim e 35% responderam que não. Do total de alunos que responderam que sim, 76% declaram ser do gênero feminino e 24% masculino.
Destaca-se o relato de alguns dos alunos que responderam afirmativamente, e compartilharam como se sentiram diante da situação.
Me sentir4 diferente dos demais por isso. Mariana5, 16 anos.
Me senti a pessoa mais horrível do mundo. Lurdes, 15 anos.
Muito triste, por ser diferente dos outros. Maria, 16 anos.
Me senti muito envergonhado. Pedro, 15 anos.
O fato de a maioria dos alunos já ter sofrido com algum tipo de comentário relacionado à fala, que, de acordo com seus relatos, trouxe sentimentos de diferença, tristeza, vergonha, evidenciando impactos emocionais negativos, mostra o quanto o preconceito linguístico afeta profundamente uma sociedade. Para Gritti, Melo e Oliveira (2023), o preconceito linguístico se apresenta como uma forma de discriminação que ocorre quando uma pessoa é julgada e tratada de maneira inferior por causa de suas características linguísticas, como sotaque, vocabulário ou gramática. Essa discriminação, portanto, não apenas marginaliza indivíduos, mas também reforça desigualdades sociais, perpetua um ciclo de exclusão e intensifica o sofrimento daqueles que são alvo de tal preconceito.
Outro ponto que chama atenção é a disparidade em relação ao gênero, onde 76% dos alunos que sofreram algum tipo de comentários em relação ao modo de falar, declararam ser do gênero feminino e apenas 24% masculino. Seria apenas uma coincidência, ou o fato de serem mulheres contribui para que o preconceito seja mais frequente?
Lakoff (1975), argumenta que a linguagem feminina é frequentemente monitorada e associada a padrões de polidez, suavidade e emoção, podendo levar a uma maior fiscalização e julgamento sobre a forma como as mulheres falam. Bourdieu (1991), em uma abordagem perspectiva sociológica, aponta que o preconceito linguístico está intrinsecamente ligado às relações de poder e à manutenção das hierarquias sociais. Historicamente as mulheres foram posicionadas em situação de menor poder nas estruturas sociais, nesse sentido, a pressão social para que as mulheres atendam a padrões linguísticos considerados “apropriados” pode torná-las mais vulneráveis a críticas e estigmatizações. Os dados obtidos com a pesquisa, aliados às reflexões de Lakoff (1975) e Bourdieu (1991), apontam que o preconceito linguístico não apenas marginaliza os indivíduos, mas também reflete e reforça as desigualdades sociais e de gênero, em especial as mulheres, que estão mais sujeitas a julgamentos e críticas. Esses resultados corroboram para a necessidade de combater, entre outras formas de discriminação, a do preconceito linguístico.
Gráfico 4 – Alguém já fez comentários ou brincadeiras sobre o seu sotaque, gírias ou forma de falar?
Quando perguntado aos alunos se eles achavam que a forma de falar de uma pessoa influencia como ela é percebida pelos outros, 81% responderam que sim e apenas 19% responderam que não.
Gráfico 5 – Você acha que a forma de falar de uma pessoa influencia como ela é percebida pelos outros?
O alto percentual de alunos que responderam afirmativamente à pergunta demonstra que eles reconhecem a importância da comunicação verbal. Esta percepção pode estar associada a fatores diversos como tom, sotaque, clareza, origem, nível de escolaridade ou até mesmo a competência de uma pessoa. Isso reforça a ideia de que a linguagem não é apenas um meio de comunicação, mas sim, um fator determinante de como o indivíduo é percebido pela sociedade. William Labov (1966), afirma que a linguagem não é apenas um instrumento de comunicação, mas também um marcador social. Dessa forma, este marcador pode pender tanto para uma perspectiva “negativa” quanto para uma perspectiva “positiva” do indivíduo, a depender do contexto e dos valores atribuídos às variedades linguísticas utilizadas.
Outro ponto a ser considerado, é a percepção dos alunos sobre o que é socialmente aceitável ou esperado em relação ao modo de falar, bem como o grau de desejabilidade social em relação a fala/comunicação. Pierre Bourdieu (1982), em sua teoria sobre capital cultural e capital linguístico, argumenta que a sociedade atribui valor desigual a diferentes formas de falar, enquanto umas são valorizadas, outras são marginalizadas. Segundo ele, a aceitação de determinada forma de comunicação depende de normas e expectativas estabelecidas socialmente. Nesse sentido, é essencial reconhecer que a forma como o aluno se expressa, não é apenas uma questão individual, mas está diretamente associada às estruturas sociais e culturais que moldam suas percepções. Ao compreender essa relação, consideramos essencial a adoção de uma abordagem mais inclusiva no ensino, que respeite a diversidade linguística e promova a equidade na comunicação.
Ao serem questionados sobre suas percepções em relação as diferentes formas de expressão, e se já tinham tido a impressão de que apenas um “jeito de falar” é considerado o correto, o resultado revelou que 69% dos alunos já tiveram esta percepção enquanto apenas 31% responderam que não.
Gráfico 6 – Na escola, você já teve a impressão de que apenas um “jeito de falar” foi considerado o correto?
A ideia de existir “jeito correto” de falar está relacionada com a noção de prestígio linguístico e pode variar de acordo com o contexto social. William Labov (1966), em seus estudos sobre variação linguística, evidenciou que o grau de prestígio de determinadas formas de falar, depende da escolaridade, classe social e contexto de uso. Enquanto algumas variedades são vistas como cultas e corretas, outras são estigmatizadas, independentemente de sua funcionalidade na comunicação.
A percepção dos alunos pode ser um reflexo de como a língua é ensinada nas escolas, onde a norma culta é constantemente apresentada como superior, em relação as formas naturais de linguagem. Essa abordagem pode reforçar a ideia de que apenas um “jeito de falar” é válido, marginalizando outras variedades linguísticas. Por outro lado, esta conscientização pode ser um ponto de partida para discussões críticas sobre as variações que a língua possui, contribuindo de forma significativa para a valorização dessa diversidade e a desconstrução do preconceito linguística.
4.2 Perguntas direcionadas aos docentes.
A pesquisa buscou compreender as percepções dos docentes em relação a diversidade linguística e como essa questão impacta suas práticas pedagógicas.
Quando questionados sobre a importância de abordar o tema do preconceito linguístico nas salas de aula, 100% dos entrevistados declararam ser importante. Estão destacadas abaixo, respostas de alguns docentes.
Seria importante, pois assim os alunos saberiam que a linguagem também faz parte da cultura de cada região. Marta6, Professora.
É importante abordar esse tema porque ajuda aos alunos entenderem que não há uma forma específica do falar, embora trabalhemos as formas corretas, mas nem todos tem conhecimento das regras e por isso ajuda a criar um ambiente de respeito à diversidade. Além disso, ajuda a valorizar a riqueza cultural do país e a combater a exclusão social. Luiza, Professora.
Seria de grande relevância expor esse tema nas escolas, pós a uma grande barreira em aceitar e entender as formas de comunicação que os alunos têm uns com outros. Ressaltando que nesse contexto levemos em consideração suas especificidades de dialeto, região onde nasceu, morou e mora para que se possa socializar os conhecimentos de uma forma objetiva e satisfatória para todos no processo de ensino aprendizagem. Sérgio, Professor.
O estudo mostra a percepção dos docentes sobre a importância da valorização da diversidade linguística no contexto escolar. O consenso entre os docentes sobre a necessidade de abordar esse tema em sala de aula, evidencia a urgência de práticas pedagógica inclusiva que respeitem e valorizem a diversidade linguística.
A fala da professora Marta, destaca a relação entre linguagem e fatores como os culturais e regionais e mostra a importância de abordar a temática na escola, reforçando a ideia de que a língua não é apenas um meio de comunicação, mas também um elemento fundamental da construção social e cultural dos indivíduos.
A fala da professora Luíza, mostra que embora haja normas gramaticais, nem todos os alunos possui conhecimento sobre elas, e a valorização da diversidade linguística contribui para criar ambiente mais respeitoso além de contribuir para a valorização das riquezas culturais e combater a exclusão social.
A resposta do professor Sergio reforça a importância de abordar o tema nas escolas, levando em considerando fatores como dialeto, região de origem e experiências de vida, visando facilitar a compreensão e aceitação das variações das diferentes formas de comunicação. A abordagem dos professores comunica-se com a reflexão de Bagno (1999), que destaca que a imposição da norma culta como única forma legítima de pode gerar exclusão social. A escola, portanto, tem o papel fundamental de promover a acessibilidade das diferentes formas de comunicação, garantindo que a linguagem seja um fator de inclusão.
Essas reflexões mostram que a escola desempenha um papel crucial na valorização da diversidade linguística, e ao incorporar esse tema nas práticas pedagógicas, promove um espaço mais acolhedor, além de reconhecer as variadas formas de expressão dos alunos. Mollica (2003), argumenta que o ensino da língua deve contemplar a diversidade dos falares para evitar a marginalização dos estudantes. Desse modo, uma abordagem inclusiva por parte das escolas, não apenas pode combater o preconceito linguístico, mas também pode contribuir para a formação de cidadãos mais conscientes e respeitosos, capazes de valorizar as diferenças e construir uma sociedade mais justa e igualitária.
Gráfico 7 – Você acredita ser importante abordar o tema do preconceito linguístico nas salas de aula? Justifique.
Quando questionados se já haviam presenciado casos de preconceito linguístico entre seus alunos, 17% disseram que não e 83% responderam que já tinham presenciado.
Aos docentes que responderam afirmativamente, foi solicitado que descrevessem brevemente como esses episódios aconteceram. Abaixo estão elencadas algumas respostas.
Existe muito exemplos de preconceitos em sala de aula, e o que vemos muito é quando o alunos escreve ou fala errado, as concordâncias de palavras. Flora7, Professora.
Quando um aluno frequentemente fala a palavra “caramba” outro aluno se sentir ofendido, pois no seu conceito é considerado um palavrão. Marta, Professora
Às vezes só de errarem algumas palavras já se torna um motivo para descriminação, mas com orientação e adequação, esses problemas são amenizados. Luíza, Professora.
Certa vez um aluno veio transferido de uma escola do Ceará, e usava algumas palavras e os outros alunos começaram a zoar dele. Marinalva, Professora.
As respostas dos docentes mostram forte presença do preconceito linguístico em sala de aula, e que ele se manifesta das mais variadas formas, desde a ridicularização de erros gramaticais até a discriminação por diferenças regionais ou culturais. Isso reforça a importância de promover discussões sobre o tema, para poder combater esse tipo de preconceito. Freire (1987), afirma que a educação deve partir da realidade do educar para que haja uma aprendizagem significativa. Isso significa que os professores devem considerar a linguagem dos alunos como ponto de partida para o ensino da norma culta, sem desvalorizar suas formas de expressão. Dessa forma, o ensino não se torna um processo de imposição, mas de diálogo e construção coletiva do conhecimento.
Gráfico 8 – Você já presenciou casos de preconceito linguístico entre seus alunos?
Quando questionados se acreditavam que o preconceito linguístico pode afetar o desempenho acadêmico dos alunos, 17% responderam que não sabiam, 33% acreditam que não afeta e 50% acreditam que sim, que o preconceito linguístico pode afetar tal desempenho.
Não sei. Porque se o aluno ou até mesmo o professor não souber lidar com determinadas situações, a mesma não vai conseguir ter um bom rendimento e as vezes se senti excluído da própria sala de aula. Flora8, Professora.
Sim. Se os estudantes não se sentirem aceitos por suas diferenças, isso poderá ocasionar abandono por vergonha de falar e se acontecer de fato será um retrocesso na educação como forma de equidade. Luíza, Professora.
Sim. Eles ficam triste e passam a não querer frequentar à escola. Marinalva, Professora.
As respostas dos docentes apontam uma divisão de opinião, refletindo percepções diferentes sobre o impacto do preconceito linguístico no desempenho acadêmico dos alunos. Enquanto alguns professores reconhecem que o preconceito linguístico pode levar a exclusão, diminuição da autoestima, até mesmo o abandono escolar, outros não percebem uma relação direta entre esses fatores. Essa divisão de opiniões pode indicar falta de entendimento ou conscientização sobre o preconceito linguístico, principalmente, sobre suas implicações em relação aos prejuízos que essa forma de preconceito pode causar nos alunos. Autores como Bagno, Silva e Ferreira destacam os efeitos negativos do preconceito linguístico na autoestima dos alunos. (Bagno (2002) argumenta que estudantes que utilizam variedades linguísticas diferente da norma culta, costumam ser percebidos de forma negativa, o que impacta diretamente sua autoestima e desempenho. Silva e Ferreira (2019), também reforçam a ideia de que a discriminação em relação a forma de comunicação pode levar à redução da autoestima, afetar a participação dos alunos nas atividades escolares e prejudicar seu desempenho acadêmico. A escola deve ensinar não apenas as normas padrão da língua, mas também a importância da valorização de todas as formas de comunicação. Segundo Bagno (2001), a língua é um fenômeno social e suas variantes linguísticas devem ser tratadas com a mesma legitimidade que as normas-padrão. Para que haja valorização das variações linguísticas a escola deve ser um ambiente que promova a consciência crítica sobre as desigualdades linguísticas e as formas de discriminação que ocorrem no ambiente escolar.
Gráfico 9 – Você acredita que o preconceito linguístico pode afetar o desempenho acadêmico dos alunos?
Visando explorar aspectos que expressasse opiniões, experiências ou insights, foi investigado se os docentes gostariam de adicionar alguma observação ou comentário sobre o tema.
As vezes alguns professores não buscam trabalhar de forma adequada esse tema, é notório que sempre temos que trabalhar e buscando a realidade dos alunos. Muitas vezes o próprio docente faz zomba do aluno usando certos preconceitos sobre o aluno. Flora9, Professora.
Gostei muito do tema, durante minha vida profissional na educação, ainda não vi nas escolas que trabalhei abordarem sobre o assunto. Marta, Professora.
Os depoimentos das professoras evidenciam desafios na abordagem do tema nas escolas. Flora enfatiza o papel do docente na perpetuação de preconceitos dentro do ambiente escolar, enquanto Marta chama atenção para a ausência do tema nas instituições que trabalhou. Esses fatos levantam alguns questionamentos relevantes: o que impede a abordagem desse tema nas escolas? Seria a falta de materiais adequados, resistência por parte da comunidade escolar ou mesmo a ausência de uma política institucional que valorize tais discussões?
Os resultados dialogam com as reflexões de Bagno (1999), que denunciam a normatização da língua como forma de opressão. Isso porque a ausência de determinados temas na prática escolar pode ser reflexo de um ensino tradicional que prioriza conteúdos formais em detrimento de reflexões sobre a realidade dos alunos.
A percepção de que apenas a norma-padrão é legitimada no ambiente escolar reflete um desafio ainda presente na prática pedagógica: a desconstrução de estereótipos e preconceitos enraizados. Paulo Freire (1996), destaca a importância da prática docente crítica e emancipatória, onde o professor deve atuar como mediador do conhecimento e não como reprodutor das desigualdades. Além disso a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) enfatiza a necessidade de um ensino que respeite a pluralidade e a diversidade, tornando essencial a capacitação docente para lidar com temas sensíveis de forma ética e pedagógica.
Em resumo, os dados indicam que o preconceito linguístico afeta tanto as vivências dos estudantes quanto as práticas pedagógicas. A inclusão do tema no currículo escolar é essencial para promover a diversidade linguística como riqueza cultural e desconstruir os estigmas associados às variações da língua. Estratégias pedagógicas que estimulem debates, atividades e reflexões sobre a pluralidade linguística podem contribuir para a formação de um ambiente escolar mais inclusivo e respeitoso.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo realizado evidenciou a complexidade e a relevância do preconceito linguístico no contexto educacional. A pesquisa demonstrou que os docentes reconhecem a importância das variações da linguagem, no entanto é perceptível que ainda há uma lacuna entre o discurso e a prática. A predominância de um ensino pautado na norma-padrão sem as devidas valorizações das diversidades linguísticas, fortalece estereótipos e contribui para a marginalização de estudantes cuja maneira de se expressar diverge do modelo considerado padrão.
Os dados também revelam que o preconceito linguístico é uma realidade presente no contexto escolar, essa estigmatização relacionada às variações linguísticas afeta diretamente a autoestima dos estudantes e produz sentimentos de inferioridade e exclusão, podendo dificultar no processo de aprendizagem. O preconceito linguístico é agravado quando não há uma abordagem pedagógica que valorize as diversas formas de linguagem. Bagno (1999) e Bortoni-Ricardo (2005), apontam que a imposição de um modelo de ensino que desconsidera as múltiplas formas de linguagem, perpetua a desigualdade e limita o desenvolvimento pleno dos alunos.
Considerando essa realidade, é imprescindível repensar as práticas de ensino da língua portuguesa. A escola como espaço formador e de socialização, deve assumir o papel ativo na desconstrução do preconceito linguístico, promovendo um ensino mais inclusivo. Investir na capacitação dos docentes é fundamental, pois é necessário que os professores estejam preparados para acolher e trabalhar com as variações linguísticas de forma respeitosa, sem desvalorizar as formas de expressão dos estudantes. Além disso, é necessário incorporar a grade curricular, atividades que valorizem a diversidade linguística e promovam o diálogo entre os falantes das múltiplas formas de linguagem.
Em suma, combater o preconceito linguístico exige mudanças de paradigmas em relação ao ensino da língua portuguesa, que deve reconhecer e valorizar a linguagem como elemento essencial da identidade cultural dos alunos, pois somente através de uma educação linguística inclusiva será possível garantir a valorização das diferentes formas de expressão, o respeito às várias formas de comunicação e a construção de uma sociedade mais democrática, onde todos tenham todos tenham a oportunidade de se manifestar e serem reconhecidos em sua pluralidade cultural.
4Optou-se por manter a escrita fiel dos participantes, mesmo que contenha alguns equívocos.
5Os participantes da pesquisa foram anonimizados com pseudônimos.
6Os participantes da pesquisa foram anonimizados com pseudônimos.
7Os participantes da pesquisa foram anonimizados com pseudônimos.
8Os participantes da pesquisa foram anonimizados com pseudônimos.
9Os participantes da pesquisa foram anonimizados com pseudônimos.
REFERÊNCIAS
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APÊNDICE A – Questionário utilizado para a realização da pesquisa.
1Acadêmico do Curso de Licenciatura em Letras Português, da Universidade Federal do Amapá. E-mail: jerecolemos@gmail.com.
2Acadêmica do Curso de Licenciatura em Letras Português, da Universidade Federal do Amapá. paloman255@mail.com.
3Acadêmica do Curso de Licenciatura em Letras Português, da Universidade Federal do Amapá. marlucenunes2017@gmail.com.