REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202503141115
Luciana Moraes dos Santos1
Jailma Bulhões Campos2
Resumo
O presente artigo apresenta um recorte do trabalho de pesquisa de mestrado “A gamificação no ensino e aprendizagem de leitura nos anos iniciais do ensino fundamental”, que aborda as potencialidades do uso de gamificação para a aprendizagem de leitura nos anos iniciais do ensino fundamental. A partir do desenvolvimento de uma atividade gamificada para alunos do 3º ano do ensino fundamental, foram investigadas as contribuições da motivação e do engajamento para a aprendizagem da prática de leitura. Quanto à metodologia, desenvolveu-se uma investigação de natureza aplicada, com abordagem qualitativa e fins descritivos e explicativos sob o paradigma sociocrítico. Como procedimento metodológico, utilizou-se a pesquisa-ação com quatro etapas: Diagnóstico (aplicação da técnica de grupo focal com o público-alvo), Planejamento (criação de uma trilha de aprendizagem gamificada), Implementação (Desenvolvimento da trilha de aprendizagem gamificada) e, por fim, Avaliação (realização de entrevista final para recolher feedback dos alunos e análise dos dados coletados).Em todas as etapas da pesquisa-ação foram usados instrumentos para coleta e análise dos dados, como observação direta, notas de campo, grupo focal e entrevista. Os resultados obtidos demonstraram que as mecânicas de jogo colaboração, imersão na narrativa e o cumprimento de missões e desafios contribuíram para a aprendizagem da leitura como aspectos motivadores e engajadores.
Palavras-chave: Gamificação. Motivação e engajamento. Aprendizagem de leitura nos anos iniciais.
1. INTRODUÇÃO
A partir de março de 2020, devido à pandemia da covid-19, a mudança no contexto educacional transformou abruptamente o modo de ensinar e de aprender. Tanto para os profissionais da educação quanto para aprendizes e seus familiares, a implantação emergencial do ensino remoto, como consequência da obrigatoriedade do isolamento social, trouxe um novo cenário constituído pela utilização de aplicativos de mensagens e plataformas digitais, em sua maioria.
Durante esse período, a sala de aula, antes majoritariamente presencial, tornou-se virtual e a turma configurou-se enquanto comunidade virtual de aprendizagem, na qual foram dispensados esforços pedagógicos para a atualização intensiva, visando o uso de ferramentas digitais. Por isso, lecionar fora do espaço físico escolar, em home office, ressaltou os desafios da carreira docente, dentre os quais se destacou a ressignificação da práxis perante a atualização de metodologias que contemplassem estratégias didáticas para alcançar os educandos e promovessem a aprendizagem significativa.
Perante um cenário educacional desafiador, o professor se reinventou, pois foi impulsionado a refletir sobre sua prática em sala de aula para responder à demanda de educandos, que após o período de ensino remoto emergencial apresentaram um alto índice de defasagem na aprendizagem da leitura e da escrita, prejudicando o desempenho escolar em língua materna e nas demais áreas do currículo escolar. Tal realidade é recorrente nas salas de aula de turmas do primeiro ciclo dos anos iniciais (1º ao 3º ano), pois as crianças tiveram as primeiras experiências de leitura de forma remota ou on-line e foram prejudicadas, refletindo nas dificuldades atuais em relação à leitura, compreensão e produção de textos.
Acerca dessa ideia, verificou-se nas metodologias ativas um horizonte de possibilidades para a profícua aprendizagem da leitura, visto que um dos pilares dessas metodologias é colocar o educando no centro do processo educativo. Dentre tais metodologias, foi escolhida a gamificação, uma estratégia ativa, que ao utilizar mecânicas de jogo fomenta a motivação e o engajamento para incentivar e manter os aprendentes imersos nas tarefas propostas.
Nesse contexto, investigou-se o ensino-aprendizagem da prática de leitura a partir da gamificação como estratégia didático-pedagógica do gênero discursivo Fábula. Para tanto, foi estabelecida a seguinte questão norteadora de pesquisa: como a gamificação pode contribuir para a aprendizagem da leitura dialógica nos anos iniciais do ensino fundamental?Nessa perspectiva, a presente investigação objetivou averiguar quais as potencialidades da articulação entre o ensino-aprendizagem da leitura e a gamificação nos anos iniciais do ensino fundamental.
Para o alcance de tal objetivo, esta pesquisa se baseia em Kleiman (1997), Koch e Elias (2014), Soares (2022), e nas pesquisas de Angelo e Menegassi (2022), Menegassi et al.(2020), além de Ritter e Ohuschi (2022) para abordar os pressupostos da leitura dialógica. No que diz respeito à gamificação, a base teórica utilizada foi Bartle (1996), Alves (2015), Burke (2015), Oliveira e Pimentel (2020), Busarello (2018), dentre outros.
Quanto à metodologia, trata-se de uma investigação de natureza aplicada com abordagem qualitativa, com objetivos descritivos e explicativos, sob o paradigma sociocrítico. Como procedimento metodológico, utilizou-se a pesquisa-ação em uma turma composta por 11 crianças de 9 anos de idade que cursavam, em 2024, o 3º ano do ensino fundamental de uma escola pública localizada no município de Ananindeua (PA), dividida em quatro etapas: diagnóstico, planejamento, implementação e avaliação. Na primeira etapa, foi realizado o diagnóstico do público-alvo por meio da técnica de grupo focal, a fim de estabelecer uma interação com os sujeitos participantes para conhecer as interações familiares e escolares, a relação do aluno com a leitura e os games/jogos, bem como os perfis de jogadores. De posse das informações coletadas, foi feita a etapa de planejamento, focando na criação da situação de aprendizagem de leitura de fábula articulada à gamificação. A proposta de intervenção foi uma trilha de aprendizagem de leitura baseada na gamificação analógica. Essa proposta de intervenção efetivou-se com aulas em formato de trilha de aprendizagem gamificada, com atividades de leitura de texto do gênero fábula. Na etapa de avaliação, foi feita a análise das informações recolhidas na entrevista final com os participantes e dos dados coletados em todo o processo da trilha de aprendizagem gamificada.
Portanto, a seguir, apresentar-se-á um enquadramento teórico, com destaque aos conceitos de leitura nos anos iniciais e gamificação como metodologia ativa; discorrendo sobre a metodologia desenvolvida nesta investigação, bem como sobre os resultados alcançados quanto às contribuições da motivação e do engajamento como elementos fomentadores da aprendizagem de leitura.
2. ABORDAGENS TEÓRICAS PARA O ENSINO DA LEITURA NOS ANOS INICIAIS
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), como documento oficial para o ensino de competências e habilidades, a partir dos conteúdos mínimos, particularmente no componente curricular Língua Portuguesa no ensino fundamental/anos iniciais, aborda as seguintes orientações aos profissionais da educação, em relação ao ensino-aprendizagem das práticas de linguagem:
[…] no eixo Análise Linguística/Semiótica, sistematiza-se a alfabetização, particularmente nos dois primeiros anos, e desenvolvem-se, ao longo dos três anos seguintes, a observação das regularidades e a análise do funcionamento da língua e de outras linguagens e seus efeitos nos discursos; no eixo Leitura/Escuta, amplia-se o letramento, por meio da progressiva incorporação de estratégias de leitura em textos de nível de complexidade crescente […]. (Brasil, 2018, p. 89).
Ou seja, a aprendizagem de leitura requer o desenvolvimento de estratégias leitoras que são usadas automática e autonomamente durante o ato de ler, caracterizando assim o ato de ler de leitores proficientes, isto é, de leitores letrados, que consigam usar leitura/escrita conforme as demandas sociais. Para Soares (2022, p. 203), a partir da etapa em que as crianças adquirem a língua escrita, à alfabetização se acrescenta o letramento, destacando que “antes mesmo de saber ler, a criança já convive com textos”, porque mesmo no cotidiano fora do ambiente escolar, dependendo da situação comunicativa, há uma relação entre autor e leitor através do texto para estabelecer e produzir sentidos e ressignificações condizentes com o posicionamento de sujeitos-leitores ativos, para o alcance dos propósitos de leitura, pois são “os objetivos do leitor que nortearão o modo de leitura” (Koch; Elias, 2014, p. 19).
Ainda no que diz respeito à aprendizagem leitora, compreende-se, sob à luz da perspectiva da língua/linguagens como prática interacional, que “a leitura é um ato social entre dois sujeitos – leitor e autor – que interagem entre si, obedecendo a objetivos e necessidades socialmente determinados” (Kleiman, 1997, p.10). Portanto, sendo um ato individual que se constrói a partir de significações contextuais, ele será diferente para cada leitor a depender de seus repertórios de saberes, objetivos de leitura e interesses. Nesse sentido, é preciso se ater a um trabalho pedagógico que considere as individualidades dos alunos para ação leitora nos diversos contextos sociais em que venham a interagir.
Para Soares (2022, p. 205) cabe, então, à Escola, como o ambiente propício às aprendizagens, o planejamento sistemático para o pleno desenvolvimento da prática de leitura e de compreensão textual, seja para educandos alfabetizados ou em processo de alfabetização. Nesse sentido, é na Escola que o professor exerce o papel de agente mediador na relação texto-leitor, almejando o desenvolvimento e/ou aprimoramento das competências e habilidades de leitura/escuta e visando ao protagonismo do aprendente diante dos diversos campos de atuação para que possa participar com autonomia dos eventos de letramento. Na educação básica, especificamente nos anos iniciais do ensino fundamental, as experiências com a língua oral e escrita são aprofundadas, por isso é necessário que o professor de língua materna – agente de letramento –, proporcione aos educandos a oportunidade de contato constante com os mais variados gêneros discursivos.
2.1 Leitura em perspectiva dialógica
Segundo Angelo e Menegassi (2022, p. 62), na perspectiva dialógica, “a leitura é considerada como uma atividade de produção de sentidos que implica um diálogo vivo e valorativo entre sujeitos sócio e historicamente situados”, ou seja, a leitura é uma atividade em que os diálogos enunciativo-discursivos são impregnados pelas formas de agir, pensar e estar no mundo dos sujeitos envolvidos na situação de comunicação, pois a produção discursiva é anterior ao enunciado, o qual é entretecido pelas relações dialógicas e que requerem posicionamentos axiológicos para a produção de sentidos.
Baseados nessa perspectiva, Menegassi et al. (2020) desenvolvem uma reflexão em torno do gênero discursivo fábula, em perspectiva dialógica de trabalho com a linguagem. Nessa discussão, os autores apontam “os princípios dialógicos de leitura gerais e os princípios dialógicos específicos ao gênero fábula” (Menegassi et al., 2020, p. 190), os quais podem orientar o fazer pedagógico. Os autores enfatizam que “uma aula em perspectiva dialógica é o lugar mais profícuo à produção de sentidos” (Menegassi et al., 2020, p. 192), ou seja, é a partir da análise dos aspectos axiológicos e valorativos presentes nas relações dialógicas dos textos-enunciados e nos contextos imediatos e mais amplos que o educando pode se tornar um leitor competente, isso porque ele compreende e opina sobre o que lê/escuta, promovendo uma dinamicidade intelectual que pode contribuir para sua efetiva participação social e cidadã. Ademais, expõem que “em termos teóricos e pedagógicos, no entanto, ainda são parcas as discussões que envolvem o eixo leitura em perspectiva dialógica” (Menegassi et al., 2020, p. 188).
As práticas de linguagem, leitura e análise linguística de forma integrada também são abordadas por Ritter e Ohuschi (2022, p. 419), enfatizando que a “análise linguística só se constitui no interior das práticas de leitura e produção textual”. Fundamentadas na concepção dialógica da linguagem, apresentam uma proposta teórico-metodológica com a integração entre as práticas de leitura e de análise linguística, especificamente no gênero discursivo parábola moderna. Para as autoras,
Desse modo, a análise linguística em perspectiva dialógica possibilita ao sujeito-aluno tecer avaliações valorativas sobre o enunciado em estudo, primeiramente, a partir da reflexão sobre as relações sócio-históricas e ideológicas, a qual contribui para a ampliação da sua consciência socioideológica e para a produção de respostas ativas (Ritter; Ohuschi, 2022, p. 423).
Por isso, ao abordar atividades linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas na sequência de atividades de análise linguística, o professor cria oportunidades para o aprimoramento da leitura com o desenvolvimento da consciência ideológica do educando, mediante a compreensão dos aspectos sociais do contexto imediato ao contexto mais amplo, permitindo que ele seja sujeito da leitura ao agir de forma valorada e responsiva (Ritter; Ohuschi, 2022).
Tendo em vista essa perspectiva de trabalho, esta pesquisa, à luz da Linguística Aplicada, debruça-se sobre a elaboração de uma sequência de atividades gamificadas amparada pela concepção dialógica da linguagem, nas práticas de leitura e análise linguística, pois ela contribui para “a abordagem de aspectos linguísticos-enunciativos e discursivos próprios à fábula e ao posicionamento temático, como parte percebida de uma realidade presumida” (Menegassi et al., 2020, p. 190).
3. METODOLOGIAS ATIVAS: GAMIFICAÇÃO
As metodologias ativas de ensino são um contraponto à educação tradicional e se “caracterizam pela relação entre a educação, sociedade, cultura, política e a escola, desenvolvida através de métodos ativos e criativos que são centrados na atividade do educando, e que tem como objetivo propiciar a aprendizagem” (Almeida, 2018, p. 20). Ou seja, o aluno, que na educação tradicional era passivo, objeto do processo e depósito de informações e ideologias, na educação ativa, tem incentivo e espaço para ser questionador, sujeito e centro do processo de aprendizagem, possibilitando o desenvolvimento de capacidades inerentes à sua formação.
Na abordagem ativa de ensino-aprendizagem, o educando é o centro do processo que se dá desde o planejamento didático, por meio do diagnóstico inicial, isto é, do levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos, até a escolha do tipo ou tipos de metodologias ativas que serão elencadas para proceder à articulação entre os interesses e necessidades do aprendente e o conteúdo escolar. Nas palavras de Moran e Bacich (2018, p. 28), as metodologias ativas consideram “a participação efetiva dos alunos na construção da sua aprendizagem, valorizando as diferentes formas pelas quais eles podem ser envolvidos nesse processo para que aprendam melhor, em seu próprio ritmo, tempo e estilo”, o que significa dizer que se busca propiciar uma aprendizagem mais personalizada e orientada.
Ademais, a metodologia ativa escolhida pelo professor-mediador deve atender à demanda da necessidade educacional, ou seja, não deve representar uma escolha aquém da realidade discente, porque os estudantes da sociedade contemporânea, orientada por artefatos e mídias digitais, “são agora globais, vivem conectados e imersos em uma quantidade significativa de informações que se transformam continuamente, onde grande parte delas, relaciona-se à forma de como eles estão no mundo” (Diesel;Baldez;Martins, 2017, p. 273), assumindo, assim, um ethos com práticas e hábitos de aprendizagem digital.
3.1 Gamificação
Gamificação trata-se de uma metodologia ativa definida como o uso de elementos de jogos em contexto de não-jogo para promover motivação, engajamento e aprendizagem (Busarello, 2016; Kapp, 2013). Saída do ambiente corporativo, a gamificação ganhou espaço significativo nas práticas educacionais, particularmente, desde 2020, ano de práticas digitais escolares devido ao isolamento social por conta da pandemia da covid-19.
Elementos de games como pontos, medalhas/prêmios e rankings vêm sendo utilizados de forma intuitiva pela Escola, porém, a gamificação no contexto educacional vai bem além desses incentivos externos. Segundo Oliveira e Pimentel (2020, p. 239), essa abordagem na educação deve priorizar “a aprendizagem a partir de elementos mais complexos que levem em conta a interação com o meio, com as tecnologias e com as pessoas”, com o intuito de “levar a um nível maior de engajamento e motivação nas atividades pedagógicas” (Oliveira; Pimentel, 2020, p. 237). Nesse sentido, o uso da metodologia ativa Gamificação, no contexto educacional, se propõe a aumentar o interesse e o foco dos educandos nas atividades propostas pelos docentes, os quais utilizam as mecânicas de jogos no planejamento didático, para promover um ambiente de interação a fim de estimular a aprendizagem ativa.
Os princípios de motivação para a promoção do engajamento são essenciais em gamificação e podem contribuir para a imersão e o envolvimento de aprendentes nas práticas pedagógicas, particularmente de leitura. Entende-se por motivação o impulso que leva o indivíduo a agir sobre determinada situação (Alves, 2015). Pode ser representado pela busca por algo concreto, como uma medalha; ou abstrato, como a emoção pela conquista. A motivação é uma condição que se manifesta em dois domínios: extrínseco e intrínseco. A motivação extrínseca se refere a algo que está fora do indivíduo, ou seja, depende de fatores externos, por exemplo, acumular pontos para receber uma premiação; já a motivação intrínseca é o impulso que reverbera de dentro do sujeito, ou seja, é algo relacionado a fatores internos, razões próprias do ser que impulsionam as suas ações.
Nesse viés, motivação intrínseca leva o indivíduo a realizar determinada tarefa independentemente de recompensas, ou seja, é um ato incondicional. A motivação extrínseca, diferentemente da intrínseca, acontece por imposição do meio, seja pela necessidade ou por recebimento de recompensas materiais ou não. Ryan e Deci (2000b apud Domingues, 2018, p. 12) exemplificam a diferença entre os dois tipos de motivação, destacando que a motivação intrínseca acontece “quando o que leva uma pessoa a cozinhar é o próprio prazer de cozinhar, não a necessidade de comer algo. Por outro lado, se a pessoa cozinha porque precisa comer, a motivação é extrínseca” (Domingues, 2018, p. 12). Por isso, a diferença entre ambas as motivações deixa pistas para o trabalho na sala de aula, pois a motivação extrínseca de adotar pontos, medalhas e quadro de líderes na Escola tradicional já é uma forma de incentivo; porém o aprendizado nem sempre é efetivo e significativo para a promoção da ação do discente enquanto sujeito do processo de ensino-aprendizagem.
Concorda-se com Bzuneck e Boruchovitch (2016, p. 73) quando afirmam que a “motivação é um construto-chave na Psicologia Escolar e Educacional”, porque através da motivação, ou seja, dos estímulos direcionados aos objetivos de aprendizagem, a depender da demanda educacional, o aprendente pode alcançar o aprendizado dos conteúdos de classe e extraclasse. Nesse contexto, diante de uma situação gamificada, o aprendente deve se sentir motivado a participar da tarefa de maneira voluntária, pelo contrário, se a participação for impositiva, a atividade com elementos de games perde o seu objetivo, porque a motivação extrínseca se sobrepõe à satisfação e ao prazer da diversão desencadeados pela motivação intrínseca. Portanto, o educando estará em busca apenas da recompensa e não da atividade em si e da consequente aprendizagem.
Assim, entender as motivações que levam o aluno a ingressar e continuar no desenvolvimento de uma atividade gamificada é um aspecto importante a se considerar no contexto da gamificação como metodologia de aprendizagem, porque se o interesse do educando estiver apenas em conquistar pontos, emblemas e status no ranking, a sua motivação é extrínseca, o que pode prejudicar seu processo de aprendizagem, pois direcionará seus esforços para a obter artefatos. No entanto, se o educando, além de almejar a premiação ainda interage com o jogo, com os demais colegas e com o conteúdo, a motivação que o impulsiona a agir é intrínseca e vai contribuir para a sua aprendizagem pelo fato de estar aprendendo junto com os pares.
O engajamento, por sua vez, tem relação com o envolvimento do sujeito em alguma atividade na qual se mantenha focado por tempo determinado. Conforme apontam Campos e Oliveira (2022, p. 35), o engajamento “é consequência da motivação, visto que representa os níveis de interesse e atenção (engajamento cognitivo) e sentimentos, como ansiedade ou animação (engajamento emocional)”, ou seja, pode ser definido como parte da participação ativa em determinada tarefa de tal forma que o indivíduo mantém o foco, independentemente das distrações que possam surgir no momento da interação.
A motivação e o engajamento nas atividades gamificadas são conceitos importantes para ajudar o aluno a manter o interesse no processo de ensino-aprendizagem, pois, como exposto anteriormente, a motivação intrínseca desencadeia o interesse voluntário do educando pela tarefa, enquanto o engajamento o mantém envolvido durante um certo período. Os dois construtos em tela podem ser desencadeados pelo uso de game design, com inclusão de mecanismos característicos dos jogos, em atividades escolares que demandem mais concentração ou nas quais o educando se distraia com facilidade. Assim, os elementos de jogo podem contribuir para a elevação da motivação e para a manutenção do engajamento, objetivos gerados pela estratégia da gamificação.
4. PERCURSO METODOLÓGICO
Esta investigação é de natureza aplicada com abordagem qualitativa, com objetivos descritivos e explicativos, sob o paradigma sociocrítico. Como procedimento para a aplicação deste estudo, utilizou-se a pesquisa-ação, a qual se configura como “[…] um tipo de pesquisa com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo” (Thiollent, 1986, p. 14). Visando à promoção de um ambiente de aprendizagem colaborativo, promoveu-se uma trilha de aprendizagem para a aplicação de atividade de leitura gamificada, propiciando a ludicidade, a motivação, o engajamento e a aprendizagem, porque a “pesquisa-ação promove a participação dos usuários do sistema escolar na busca de soluções aos seus problemas” (Thiollent, 1986, p. 75).
O local de desenvolvimento da proposta foi escolhido porque a pesquisadora principal atua como professora de educação geral há cinco anos na escola-lócus, contexto que possibilitou a realização da investigação como pesquisa-ação. A escola pertence à rede pública de ensino e fica localizada no município de Ananindeua (PA), oferta vagas do 1º ao 5º ano dos anos iniciais do ensino fundamental (EF) nos turnos matutino e vespertino; e atende à demanda de alunos da comunidade no entorno do espaço educacional.
Os participantes da pesquisa foram 11 alunos, sendo sete do gênero feminino e quatro do gênero masculino, com nove anos de idade, que cursavam o primeiro ciclo de alfabetização, especificamente o 3º ano do EF, no ano de 2024, no período matutino. Todos os participantes estudam na instituição desde o 1º ano do EF, porém a maioria deles se conhece desde a educação infantil, por isso apresentam uma relação de proximidade.
Como primeira etapa da pesquisa-ação, foi realizado o diagnóstico do público-alvo por meio da técnica de grupo focal, com o objetivo de estabelecer uma interação com os sujeitos participantes, verificando a interação social no ambiente familiar e educacional, a relação do participante com a leitura e com os games/jogos e definir os perfis de jogadores. As técnicas de coleta utilizadas nessa etapa foram a observação direta e notas de campo por meio de gravações de voz e filmagens. Após a diagnose, houve a transcrição verbal dos registros.
Referente aos perfis de jogadores, seguiu-se a taxonomia de Bartle (1996), ou seja, foi avaliado qual o estilo de jogador dos participantes: predador (competitivos e intensos, o foco é derrotar o oponente), conquistador (são competitivos e almejam a liderança. O foco é ter status de vencedor), explorador (exploram ambientes/cenários do jogo e gostam de solucionar desafios. O foco é descobrir os mecanismos do jogo) ou socializador (por intermédio do jogo interagem com os demais jogadores. O foco é a comunicação).
Com a análise do grupo focal, houve a definição dos perfis “conquistador” e “explorador” dos participantes. Após essa definição, procedeu-se à elaboração da trilha de aprendizagem gamificada. As técnicas de coleta de dados utilizadas durante a trilha de aprendizagem foram a observação direta e notas de campo por meio de gravações de voz e filmagens.
A trilha de aprendizagem gamificada contemplou uma sequência de atividades de língua portuguesa, com foco na prática de leitura da fábula “Os Guardiões da Amazônia”, de Silva e Barbosa (2013), e em conteúdos do tema transversal Meio Ambiente, com a resolução de uma problemática presente na realidade dos educandos como proposta de intervenção. A atividade foi desenvolvida de forma analógica, visto não ter sido necessário o uso de aparelhos tecnológicos digitais/eletrônicos (computadores, smartphones ou tablets) nem internet. Essa proposta de intervenção foi organizada no formato de trilha de aprendizagem com o objetivo de promover a prática de leitura de forma divertida e prazerosa por intermédio do uso da estratégia Gamificação como potencializadora da aprendizagem, focando no domínio emocional – motivação e engajamento; e no domínio cognitivo – para sanar eventuais dificuldades dos educandos relacionadas à manutenção do foco e da concentração requeridas nas aulas para o êxito do aprendizado. A estrutura gamificada da trilha foi dividida em três níveis (Nível 1, Nível 2 e Nível 3), que continham missões, desafios de desbloqueio de nível e recompensas, como insígnias, crachá leitores/jogadores (no nível 1), distintivo Amigos do Parque (no nível 2) e a medalha Protetores do Meio Ambiente (no nível 3). A estrutura gamificada atendia aos perfis conquistador e explorador apresentados pelos alunos na etapa de realização do grupo focal. E, a partir do trabalho em equipe com atividades competitivas e colaborativas, houve o exercício com oralidade, leitura, análise linguística e produção textual.
Na fase de implementação, foi realizada a trilha de aprendizagem gamificada. Com o objetivo de coletar dados, foram utilizadas observações diretas e notas de campo com registros audiovisuais (gravação de vídeos e fotografias). Após a implementação, foram feitas as transcrições verbal e não verbal dos registros.
Para a etapa de avaliação, procedeu-se à análise dos materiais produzidos durante a intervenção pedagógica e da realização de grupo focal para recolher o feedback dos educandos sobre as percepções da avaliação da aprendizagem, e à análise de todo o processo da trilha de aprendizagem gamificada.
A análise dos dados foi inspirada na técnica Análise de Conteúdo, a qual confere à pesquisa qualitativa o rigor requerido pela ciência e, de acordo com Severino (2013, p. 105), é “uma metodologia de tratamento e análise de informações constantes de um documento, sob forma de discursos pronunciados em diferentes linguagens”. Por isso, ela foi a técnica utilizada para analisar os registros verbais – orais e escritos –, bem como os registros não verbais – gestuais e imagéticos – coletados durante a implementação da pesquisa para compreensão dos aspectos que passam despercebidos durante a observação direta ou não são perceptíveis na transcrição dos registros da linguagem verbal.
5. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Este trabalho tem como perspectiva de leitura as concepções sob o viés da interação, a saber, as concepções interacionista e dialógica, com ênfase para a leitura dialógica, a qual “é considerada como uma atividade de produção de sentidos que implica um diálogo vivo e valorativo entre sujeitos sócio e historicamente situados” (Angelo; Menegassi; Fuza, 2022, p. 62). Nessa perspectiva, a leitura é uma atividade em que os diálogos enunciativos discursivos são impregnados pelas formas de agir, pensar e estar no mundo dos sujeitos envolvidos na situação de comunicação.
Tendo em vista o trabalho realizado aportado na concepção de leitura dialógica foram verificadas as contribuições da motivação e do engajamento para aprendizagem dos participantes. No contexto educacional, ambos os construtos podem direcionar a intenção do aprendente para receber recompensas ou para além das recompensas adquiridas, propiciar a consciência do êxito na aprendizagem. A partir das análises dos dados coletados durante a fase de implementação da proposta de intervenção, verificaram-se os elementos de jogo que contribuíram para o aumento da motivação e do engajamento nas tarefas propostas, os quais otimizaram o interesse e a atenção para a as atividades de leitura e compreensão de texto, a saber: a) trabalho em equipe e colaboração; e b) imersão na narrativa e o cumprimento de missões e desafios. A seguir, discorre-se sobre as contribuições de tais mecanismos para a motivação e engajamento dos participantes:
5.1 Trabalho em equipe e colaboração
Segundo Diesel, Baldez e Martins (2017), o trabalho em equipe é um dos pilares que sustentam as metodologias ativas. E nesta pesquisa, voltada para a estratégia Gamificação, foi possível observar que esse elemento, associado à dinâmica de colaboração, acionou a motivação e manteve o engajamento dos participantes ao longo da trilha de aprendizagem gamificada. Especificamente no quiz e nas tarefas do nível 2, momentos de maior envolvimento na narrativa gamificada, foram ressaltadas a colaboração entre os colegas de equipe e entre as equipes.
No quiz de perguntas de compreensão das dimensões sociais e verbais sobre a fábula “Os guardiões da Amazônia”, verificou-se momentos de motivação gerados pela colaboração entre os colegas de equipe, por exemplo, entre as integrantes da equipe Arcoíris, em que a colega J, através das verbalizações “fala logo!” e “responde!”, incentivava a participação da colega K para responder à pergunta sobre a finalidade social da fábula trabalhada. Outro momento de motivação, a partir da colaboração no quiz, diz respeito à interação em equipe para formular a resposta à pergunta do card: “Qual seria a intenção discursiva da autora ao escrever essa fábula?”, a qual pode ser notada na elaboração da resposta da equipe Sol, em que os participantes A, B e E colaboraram com o entendimento que tinham sobre a possível resposta, conforme o excerto 1 a seguir:
Excerto 1:
B: Várias pessoas sentem algumas coisas diferentes quando lê… Se sente… é…
E: Como posso dizer…
P: Quando fala do meio ambiente o que a pessoa sente?
B: Algumas pessoas sentem [sic] que querem ajudar.
A: Ela sente que a gente parou um pouquinho de maltratar a natureza também que não é pra jogar lixo.
E: Nos rios.
B: Que mata.
E: Os peixes…
B: Os peixes… Os animais. E: Aquáticos.
O aspecto motivador da mediação pedagógica na aprendizagem da leitura foi evidenciado durante a execução das atividades ao longo do processo nos momentos de interação entre a pesquisadora e os alunos: ao instigá-los para a ativação de conhecimentos; para incentivo à participação dos alunos; para o controle de tempo da atividade; e para o cumprimento de regras estipuladas para a tarefa. Para efeito de exemplificação, o excerto 2, a seguir, a pesquisadora media a ativação de conhecimentos dos participantes para relembrar dos valores humanos atribuídos à personagem Iguana:
Excerto 2:
P: Lembra os valores… Quais são os valores que aparecem… Da iguana… O valor pode ser bom ou ruim… Qual o valor que aparece da iguana, o que que ela fez.
A: A iguana queria chatear…
E: A arara-azul falando coisas mal dela.
P: Mas era verdade ou era mentira.
E: Era mentira.
P: Então qual o valor atribuído à iguana… Se ela fala mentira.
B: Qual valor… É que ela era mentirosa e quando você é mentirosa faz as pessoas não acreditarem mais em você… Foi isso que botaram lá no texto.
Nesse contexto, a gamificação utilizada como estratégia na aplicação do Quiz proporcionou a interação discursiva entre a pesquisadora e os participantes, permitindo à pesquisadora ocupar o papel de mediadora. E com o diálogo relembrando aspectos da fábula
“Os guardiões da Amazônia”, citados na etapa de pré-leitura, os alunos protagonizaram a atividade, pois responderam conforme visto na fábula e acrescentaram suas interpretações, ocupando o centro do processo educativo. Desta feita, o protagonismo dos participantes, um dos pilares da gamificação como estratégia ativa, contribuiu para o entendimento do texto ao dar voz às percepções dos alunos sobre o tema em questão, a saber, os valores humanos presentes na fábula.
A respeito do engajamento, foi observado que o elemento colaboração também gerou os engajamentos cognitivo e emocional, identificados na aplicação do quiz. Como indicadores de engajamento cognitivo foram observados o investimento na compreensão de informações, o interesse na participação da tarefa e a imersão na atividade. Quanto ao engajamento emocional, verificou-se o entusiasmo na participação e o investimento em interação. As recorrências dos indicadores foram quantificadas e estão dispostas no quadro 1 a seguir:
Quadro 1 – Indicadores de engajamento cognitivo e emocional no quiz
Subcategorias | Indicadores | Ocorrências |
Engajamento cognitivo | Investimento na compreensão de informações | 27 |
Interesse na participação da tarefa | 5 | |
Imersão na atividade | 2 | |
Engajamento emocional | Entusiasmo na participação | 2 |
Investimento em interação | 11 |
Elaborado pela autora baseada em Campos e Lopes (2022)
Em relação aos aspectos colaborativos para o engajamento cognitivo, aponta-se o investimento na compreensão da tarefa, que se refere ao interesse e esforço mental do aluno em acertar a resposta, por exemplo, quando os participantes leram o card: “Qual é a finalidade social da fábula Os guardiões da Amazônia? ((participantes da equipe Sol lendo a pergunta do card))”, ou quando recorreram ao texto para reformular, complementar ou confirmar a resposta dada: “eu acho que… Olha eu acho que pra influenciar que mentiras também tem consequências e também que… Peraí deixa eu ler de novo ((participante relendo o texto))” (Participante B).
O interesse na participação da tarefa foi demonstrado na disposição da equipe em responder à pergunta, mesmo não sendo o seu turno de perguntas/respostas; por exemplo, ao perguntar para a equipe Arco-íris sobre “qual a finalidade da escolha dos personagens da fábula?”, os participantes B e E da equipe Sol ameaçaram responder, conforme o excerto 3:
Excerto 3:
E: Eu sei… ((participante da equipe Sol querendo responder)).
P: Não pode falar… E outros estão com risco de desaparecer… Tem uma palavra aí… Como é o nome dessa palavra…
E: Eu sei… Eu sei ((participante da equipe Sol inquieto querendo responder))
B: Eu sei também ((participante da equipe Sol querendo responder)).
P: Que é o ponto principal e a iguana tem outro motivo porque ela aparece.
B: Eles estão com risco de extinção(cochichando para o colega de equipe)).
No excerto acima, os participantes B e E, da equipe adversária, demonstraram o engajamento cognitivo quando manifestaram saber a resposta, inferindo que fosse a resposta correta. Uma das regras do quiz era no estilo passa ou repassa, ou seja, se a equipe que estava com o turno não soubesse a resposta, o grupo oponente teria a chance de responder; portanto, a intenção em responder também estava relacionada tanto ao fato de demonstrar que sabia quanto ao de receber recompensa pela tarefa e assim aumentar as chances de vitória do time.
Quanto à imersão na atividade, ela foi notada quando o participante A, sem perceber que o turno não estava com a sua equipe, inicia a resposta: “Pra…” ((participante da equipe Sol queria responder)), apresentando interesse na atividade. Em outro momento, a imersão na tarefa também foi observada quando, ao responder à questão: “Em relação às atitudes, quais características humanas podem ser atribuídas à Iguana?”, a participante B, após a resposta “porque às vezes o ser humano se arrepende e também eles também mentem…”, dá exemplos da sua vivência: “É um exemplo… Uma pessoa pergunta se você fez o cartão da loja, mas você não fez… Aí a pessoa vai falar eu já fiz… A pessoa não fez”, ou seja, a aluna demonstrou a compreensão da pergunta e reforçou a resposta com algo relacionado a sua experiência, que deve ter acontecido na companhia de um adulto, geralmente quando ocorrem as abordagens de funcionários oferecendo a abertura de crédito na loja.
Quanto aos aspectos colaborativos para o engajamento emocional, o indicador entusiasmo na participação apareceu em dois momentos protagonizados pela participante B. No primeiro momento, a aluna demonstrou satisfação ao responder à pergunta do card: “Qual foi o objetivo da autora ao escrever as fábulas e apólogos?” verbalizando “eu já sei ((sorriso de satisfação))”. O outro momento, foi ao responder ao último card: “Qual foi a consequência da atitude tomada pela Iguana?” Com confiança e empolgação, conforme observado no excerto 4 a seguir, a participante B age com entusiasmo, acreditando na sua capacidade de compreensão do texto e segura de que sua resposta está correta.
Excerto 4:
B: JÁ SEI ((participante responde em tom alto e animada))… A consequência é porque ela ficou arrependida… Que arrependimento é uma consequência porque a pessoa se sente mal… E também porque vai fazer as pessoas não acreditarem nela mais.
No excerto 4, o engajamento é emocional porque, diferentemente do excerto 3, referente ao engajamento cognitivo do indicador interesse na participação da tarefa, a aluna está com o turno de fala, ou seja, é a vez do time do qual ela é integrante responder, não há competição entre eles. Ao agir com satisfação e entusiasmo, a participante B reflete a alegria de saber a resposta por meio da entonação da sua voz “JÁ SEI!”, com a animação de quem está convicta de que vai contribuir com os colegas com o objetivo de alcançar a pontuação e a consequente vitória, visto que a questão se refere ao último card do quiz e a equipe dela foi a vencedora.
Por sua vez, o indicador investimento em interação acontece quando o aluno interage com os membros da equipe, tecendo comentários como forma de manter a comunicação com o grupo, como se pode notar nas verbalizações do participante E no momento de resposta à pergunta do card “Qual é o público leitor dessa fábula e do livro em que foi publicada?”: “é feito pra…”; “é… pode ser ((falando para os colegas A e B))”; “É… uma boa resposta ((concordando com a resposta dada pela colega B))”; “Olha… É menina (inaudível) ((participante admirado com a boa resposta da colega))”. Com esses comentários, observa-se que o aluno, inicialmente, parece estar procurando a resposta para contribuir com o time, porém está exprimindo sua opinião diante da resposta dos colegas de equipe, sinalizando concordância e admiração, ou seja, contribuindo ou não para a formulação da resposta, ele se esforça para marcar a sua participação a partir da interação.
5.2 Imersão na narrativa e o cumprimento de missões e desafios
Em gamificação, para Busarello (2018), a narrativa possibilita que o indivíduo possa viver e ter domínio da história e dos elementos interativos, destacando que a partir da narrativa é possível promover a imersão em um sistema gamificado de aprendizagem. A narrativa da trilha de aprendizagem gamificada proposta nesta pesquisa foi elaborada com o tema sobre a preservação da natureza, em especial a preservação de uma área verde que faz parte do cotidiano dos alunos e é um espaço público de lazer e bem-estar da comunidade. Na implementação da proposta de intervenção, foi observado que a atuação dos alunos na tarefa gamificada provocou neles a sensação de imersão na narrativa pela associação da história às missões e aos desafios.
Diante de tal perspectiva, destaca-se o nível 2 da estrutura gamificada (conforme explicado na metodologia, a trilha gamificada apresenta uma mecânica de três níveis), o qual representou o momento de maior colaboração entre os alunos, durante a aula-passeio no parque Seringal com o estímulo à interação entre as equipes. Essa fase da estrutura gamificada objetivou o protagonismo dos participantes a partir da problematização e reflexão da realidade imediata, com a missão de observar sobre os aspectos positivos e negativos do local e o desafio de produzir uma lista sobre tais aspectos, e culminava na entrega de lista ao técnico do parque.
Conforme Busarello (2016) aponta, além de engajadores, os elementos da narrativa são guias que direcionam as ações do aluno no ambiente gamificado e que o auxiliam no alcance dos objetivos. Nesse contexto, a observação e exploração do ambiente direcionaram as ações dos aprendentes, engajando-os na tarefa de produção da lista para então chegar o momento de entregá-la ao responsável pelo parque. Com os registros audiovisuais da entrega da lista, foi possível verificar o engajamento dos estudantes na tarefa a partir da interação com o técnico ambiental, porque estavam preocupados com os pontos averiguados e demonstraram interesse legítimo em saber sobre possíveis soluções para os problemas observados, conforme verificado no excerto 5 a seguir:
Excerto 5:
B: As casinhas as escadas estão todas com cupim agora se tiver uma casa de aranha e se uma aranha venenosa picar a pessoa aí como é que vai ficar…
Técnico: Ah… Nesses casos a gente leva pro hospital… leva pra UPA que tem o soro antiofídico.
B: E se não resolver.
Técnico: Ah…Mas aí já tem que haver com a prefeitura.
B: Aí você paga o caixão.
Técnico :É um processo bem mais complicado do que você imagina né…Aí existe todo um aparato e aqui a gente normalmente faz toda a vistoria, a gente não pode eliminar as aranhas daqui porque aqui é o meio ambiente delas nós como humanos acabamos sendo intrusos aqui né?E elas têm um papel fundamental para manter todo o equilíbrio aqui…Então a gente não pode eliminar todas elas, a gente faz o controle…A gente não deixa ter muitas e não pode ter nenhuma.
O excerto 5, em que a participante B dialoga com o técnico ambiental sobre a observação de que havia cupins nas construções do interior do parque, demonstra o envolvimento da aluna, pois ela insistiu na interação até ouvir a argumentação que sanou a sua dúvida. Esse fato se relaciona à imersão na narrativa da atividade gamificada porque a aluna assumiu o papel de protagonista diante da situação, conforme abordam Busarello,
Ulbricht e Fadel (2014, p. 20), que a “experiência narrativa leva a uma experiência cognitiva, que se traduz em um constructo emocional e sensorial do indivíduo quando este se envolve em uma vida estruturada e articulada”. Isso posto, com os registros audiovisuais da entrega da lista, foi possível verificar o engajamento dos alunos na tarefa a partir da interação com o técnico ambiental – o qual foi muito atencioso, porque os participantes estavam preocupados com os pontos observados e demonstraram interesse legítimo em saber sobre possíveis soluções para os problemas levantados.
Nesse sentido, o cumprimento das missões e desafios do nível 2 foi impulsionado tanto pelo envolvimento dos participantes na tarefa,por estarem investigando sobre algo tão próximo da realidade deles, quanto pelo engajamento relacionado às características proeminentes dos perfis conquistador e explorador verificadas na análise do grupo focal, as quais contribuíram para o desenho da proposta de intervenção com atividades que estimulavam o estado de vitória e a conquistas de recompensas, atendendo às demandas dos participantes com perfil conquistador e as perspectivas do caráter explorador de superar desafios, saber informações sobre o cenário e formas de progresso na atividade, bem como o compartilhamento dessas informações que ressaltam aspectos colaborativos deste perfil. Por isso, os participantes se engajaram no processo de exploração de cenário com ambientação da narrativa, e mesmo não se tratando de uma etapa competitiva, mas colaborativa, a obtenção de insígnia e distintivo Amigos do Parque representou o êxito dos participantes como um símbolo de status no progresso da atividade.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
À medida que o tema gamificação e leitura é aprofundado, percebe-se a importância na iniciativa docente em buscar estratégias pedagógicas que possibilitem a efetiva aprendizagem dos alunos. Nessa linha de pensamento, para esta investigação de caráter interventivo, criou-se uma proposta pedagógica para o ensino de leitura de fábula articulada aos elementos de gamificação, com a intencionalidade pedagógica de promover motivação e engajamento para a aprendizagem de leitura.
Em se tratando de uma pesquisa, para este trabalho, formulou-se a seguinte questão norteadora: como a gamificação pode contribuir para a aprendizagem da leitura dialógica nos anos iniciais do ensino fundamental? Para responder a esse questionamento, objetivou-se averiguar quais as potencialidades da articulação entre o ensino-aprendizagem da leitura e a gamificação nos anos iniciais do ensino fundamental. Nesse contexto, e diante da análise dos dados, verificou-se que o alcance dos objetivos quanto à aprendizagem dos alunos se deu de forma efetiva com a contribuição da motivação e engajamento propiciados pela estratégia gamificação.
A partir dos dados analisados, destaca-se que as mecânicas de jogo, quais sejam: trabalho em equipe, colaboração, imersão na narrativa e o cumprimento de missões e desafios contribuíram para a aprendizagem da leitura como aspectos motivadores e engajadores que possibilitaram o êxito na execução das tarefas da trilha de aprendizagem gamificada, pois os alunos foram estimulados a agir para obter as recompensas e formular as respostas do quiz. Os participantes também demonstraram estar atentos e focados na atividade, pois houve investimento na compreensão de informações, interesse e entusiasmo na participação, evidenciando o engajamento cognitivo e emocional durante o desenvolvimento da trilha de aprendizagem gamificada para leitura.
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1Discente do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Pará (PPGL/ILC/UFPA). E-mail: lucianamoraesprof@gmail.com
2Docente do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Pará (PPGL/ILC/UFPA). E-mail: jailma@ufpa.br