POTENCIAL DO USO DE BAMBUS NA CONSTRUÇÃO DE HABITAÇÕES DE INTERESSE SOCIAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7812360


Ismael Vanio Agostinho Santana
Paulo Roberto Ramos


RESUMO 

Acreditando-se que o desenvolvimento sustentável não é apenas um referencial teórico abstrato, mas também uma estratégia norteadora para impulsionar ações locais, este trabalho concentra-se em avaliar a possibilidade de cultivo de bambu da espécie guadua angustifolia na região do semiárido brasileiro, mais especificamente, na cidade de Petrolina/PE com fins de desenvolvimento de construções sustentáveis. O artigo em questão visa demonstrar os experimentos com o cultivo do bambu como planta e como insumo da construção civil, evidenciando desde processos de plantio, colheita, cura, tratamento, resistência à tração, compressão, flexão e cisalhamento tendo como objetivo comprovar ou não a eficácia deste vegetal abundante no Brasil, como alternativa de material sustentável para a construção de moradias de interesse social. A pesquisa foi realizada com o cultivo no viveiro do Programa Escola Verde e os experimentos das propriedades físicas e mecânicas do bambu no laboratório de engenharia mecânica da Universidade Federal do Vale do São Francisco, no município de Juazeiro, na Bahia. Os ensaios realizados no laboratório para análise das propriedades mecânicas do bambu da espécie bambusa vulgaris apontaram resistência à tração de 99 Mpa, média de resistência a compressão de 31,80 Mpa, resistência ao cisalhamento 5,90 Mpa e resistência a flexão de 150,68 MPa. Neste contexto, a pesquisa revelou um grande potencial para o ecodesenvolvimento no uso do bambu como uma alternativa para a construção sustentável, demonstrando viabilidade técnica, social, econômica e cultural. Portanto, cumpre um importante papel de potencial para a construção sustentável da região. 

Palavras-chave: Guadua Angustifófia; Bambusa vulgaris; Insumo da construção civil.  

ABSTRACT 

Believing that sustainable development is not just an abstract theoretical framework, but also a guiding strategy to drive local actions, this work focuses on evaluating the possibility of growing bamboo of the guadua angustifolia species in the Brazilian semiarid region, more specifically, in the city of Petrolina/PE for the purpose of developing sustainable buildings. The article in question aims to demonstrate the experiments with the cultivation of bamboo as a plant and as an input for civil construction, showing everything from planting, harvesting, curing, treatment, tensile strength, compression, bending and shearing processes, with the objective of proving or not the effectiveness of this abundant vegetable in Brazil, as an alternative sustainable material for the construction of social housing. The research was carried out with the cultivation in the Escola Verde Program nursery and the experiments of the physical and mechanical properties of bamboo in the civil engineering laboratory of the Federal University of Vale do São Francisco, in the municipality of Juazeiro, in Bahia. Tests carried out in the laboratory to analyze the mechanical properties of bamboo of the species bambusa vulgaris indicated a tensile strength of 99 Mpa, average compressive strength of 31.80 Mpa, shear strength of 5.90 Mpa and flexural strength of 150.68 MPa. In this context, the research revealed a great potential for eco-development in the use of bamboo as an alternative for sustainable construction, demonstrating technical, social, economic and cultural viability. Therefore, it fulfills an important potential role for the sustainable construction of the region. 

Keywords: Guadua Angustifófia; Bambusa vulgaris. Construction imput  

1. INTRODUÇÃO 

O Século XXI se apresenta desafiador às sociedades. Vivemos a era da informação, da interconectividade e do mundo sem fronteiras. O capitalismo industrial cede lugar ao capitalismo de mercado, embasado no avanço das tecnologias modernas, onde as necessidades das sociedades desenvolvidas se tornam cada vez mais diversificadas e dependentes de insumos e matérias primas. 

Em busca de soluções alternativas às convencionais técnicas construtivas que a atual sociedade de consumo global e imediatista apresenta como principais e invariáveis é que o bambu surge como solução para o futuro, amigável para o homem e para a natureza. 

O fato de ser um material renovável, que absorve dióxido de carbônico e utiliza energia solar, se reintegrar facilmente à natureza após seu ciclo de vida, crescer com facilidade e rapidez e possuir espécies que apresentam excelentes propriedades de engenharia, o bambu, planta milenar, pode ser chamado, nessa época de preocupações com a sustentabilidade, de um material para o século XXI. (GHAVAMI; BARBOSA; MOREIRA, 2017) 

De uma ponta é necessário fomentar o crescimento tecnológico com a geração de novos métodos e tecnologias, a disseminação e aprofundamento das atividades de pesquisa e inovação e, tudo isso aliados a nova perspectiva de desenvolvimento sustentável, tornando-se este o grande desafio do século da informação. 

No mundo, a utilização do bambu data de milênios. A China, maior produtor e exportador de bambu entre as nações, somente no ano de 2013 movimentou 70% de todo o valor econômico da produção mundial de bambu estimado em mais de 18 bilhões de dólares em toda a cadeia produtiva. No Brasil, tanto a utilização quanto a cadeia produtiva de bambu ainda estão em fase de implantação, estando em estágio de plantação das culturas de bambu, com inúmeras iniciativas no Sudeste, Sul e Centro-oeste do país. 

Acreditando-se que o desenvolvimento sustentável não é apenas um referencial teórico intelectual, mas também uma estratégia norteadora para impulsionar ações locais, econômicas e culturais, é que no Brasil, desde 1979, na PUC-Rio é investigado o uso do bambu, e seu potencial como material alternativo de construção. 

A conjunção dos esforços aqui retratados em forma de proposta de trabalho, partindo do pressuposto que o bambu se torna uma vertente e vertedouro de atividades explícitas das instituições parceiras, tende a fortalecer as ações intrínsecas para o desenvolvimento regional sustentável.  

O artigo em questão visa experimentar o bambu como planta e como insumo da construção civil estudando desde processos de plantio, colheita, cura, tratamento, resistência à tração, compressão, flexão e cisalhamento tendo como objetivo comprovar ou não a eficácia deste vegetal abundante no Brasil, como alternativa de material sustentável para a construção de moradias de interesse social. 

É sob a perspectiva do eco desenvolvimento que se propõe investigar o uso do bambu como uma alternativa para o desenvolvimento sustentável contextualizando-o num processo tecnológico, social, econômico e cultural. Portanto, este marco teórico tem por objetivo nortear as ações de pesquisa deste trabalho dentro da dinâmica social e de engenharia em que se dará. 

2. OBJETIVOS 

2.1. OBJETIVO GERAL 

Analisar touceiras de bambus existentes no Vale do São Francisco e experimentar o cultivo e adaptação do bambu colombiano (guadua angustifolia) com foco em obtenção de matéria prima de qualidade para construção de habitações de interesse social 

2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS 

Verificar o desenvolvimento e adaptação no cultivo de bambu da espécie Guadua angustifolia (bambu colombiano) no Vale do São Francisco, tais como resistência a intempéries, predadores naturais, rítimo de crescimento. 

Experimentar em laboratório a resistência mecânica do bambu da espécie bambusa vulgaris colhido da região do Vale do São Francisco e comparar com os dados dispostos na literatura 

3. DESENVOLVIMENTO 

3.1. CONTEXTO HISTÓRICO 

A partir da segunda metade do século XX com o surgimento do fenômeno da metropolização, a falta de materiais de construção em consequência da guerra provocou uma escassez generalizada e, assim, o declínio imobiliário e a crise de habitação (SOUZA, 2002). 

Com a implementação da agricultura no Brasil os imigrantes foram chegando para estabelecerem a força de trabalho na zona rural. Como não havia emprego para todos, eles foram se acomodando na cidade. Com um poder aquisitivo baixo, não davam conta da despesa com o aluguel; assim deram início as edificações de moradias ilegais. Em fins do século XIX e começo do século XX surgiram os cortiços nas periferias, sem nenhuma infraestrutura, gerando uma urbanização desordenada, sem uma lógica de arrumação espacial. Segundo Milton Santos, essa desorganização contribuiu muito para a ascendência da pobreza, pois a mesma não é exclusivamente a consequência de um modelo socioeconômico vigente, mas também um modelo espacial. As empresas e indústrias foram surgindo e visando lucros, fixação da mão-de-obra e salários baixos em troca de moradia, as vilas operárias foram sendo construídas e uma urbanização aglomerada (aumento de núcleos) foi florescendo (SOUZA, 2002). 

Após a década de 70, com a crise energética, “a consciência ecológica começa a entrar pela porta da frente das casas” (Sergio Pamplona). O conceito da arquitetura ecológica é simples: a habitação deve ser construída com materiais naturais renováveis e, acima de tudo, não poluentes (SOUZA, 2004). 

No Brasil, um país com déficit habitacional absurdo, ausência de programas habitacionais com financiamento e falta de recursos, a população pobre constrói sua moradia por conta própria, caminhando lado a lado com a desqualificação e o desperdício de material. Esta poderia estar sendo orientada, usufruindo dos conceitos da arquitetura ecológica (SOUZA, 2004). 

No Brasil, os primeiros estudos científicos e sistemáticos relativos ao bambu e fibras vegetais tiveram início em 1979, na PUC-Rio. Desde então, foram desenvolvidos vários programas de investigação do uso do bambu nas obras de Engenharia. Sendo a indústria da construção uma das 6 mais contaminantes, o uso dos materiais não convencionais e renováveis como bambu tem um papel extraordinariamente importante na sustentabilidade e ecologia do mundo atual, pois esses materiais apresentam baixo custo, alta produtividade, boa resistência mecânica (especificamente resistência à tração), e atenuação do consumo de energia na sua produção quando comparados com materiais convencionais, como aço. Para elucidar, o consumo de energia na produção de bambu é cinquenta vezes menor do que o consumo de energia na produção de aço (Ghavami, 1992; Ghavami & Marinho, 2001 – 2002). 

Segundo Ripper (1994), 

O bambu – material sem muito valor econômico, social ou cultural em nossa sociedade – é em outros países motivo de orgulho e pesquisas por seu potencial em diversas e comprovadas áreas de atuação. Material como o bambu não é poluente, não requer grande consumo de energia e oxigênio em seu processo de preparo; sua fonte é renovável e de baixo custo (RIPPER, 1994). 

As técnicas tradicionais de construção, algumas milenares, como a utilização de terra crua, bambu e fibras vegetais representam uma excelente alternativa aos materiais industrializados. Não são poluentes, não requerem grande consumo de energia e oxigênio em seu processo de preparo, são renováveis e de baixo dispêndio, não deixando de lado a beleza estética (SOUZA, 2004). 

De todos os materiais renováveis utilizados na construção ecológica, o bambu se destaca por ser de baixo custo, pouco poluente, resistência comparada a do aço, de fácil plantio e de crescimento rápido, além de atender diferentes características bioclimáticas e ser encontrado em todo o território nacional (SOUZA, 2004). 

Jaramillo (1992) afirma que o bambu é o recurso natural que se renova em menor intervalo de tempo, não havendo nenhuma outra espécie florestal que possa competir em termos de velocidade de crescimento e de aproveitamento por área.  

“Os bambus são as plantas estruturais com crescimento mais rápido do globo, o recorde de crescimento diário, medido em Kyoto, no ano de 1956, foi de 121 cm em 24 horas, obtido para o Phyllostachys bambusoides” (UEDA, 1981). 

O bambu, uma planta predominantemente tropical e que cresce mais velozmente do que qualquer outra planta do planeta, necessitando, em média, de 3 a 6 meses para que um broto atinja sua altura máxima, de até 30 metros, para espécies denominadas de gigantes, apresenta uma excelente vitalidade, grande versatilidade, leveza, resistência e facilidade em ser trabalhado com ferramentas simples, admirável beleza do colmo ao natural ou após ser processado, qualidades que lhe tem proporcionado o mais longo e variado papel na evolução da cultura humana, quando comparado com qualquer outro tipo de vegetal (FARRELY,1984). 

3.2. ESTADO DA ARTE 

Segundo PEREIRA (2001), o bambu é uma planta de múltiplas utilidades para o homem, é um material ao mesmo tempo novo e antigo. Novo por conta do crescente interesse que sua utilização e pesquisa tem despertado no mundo ocidental e antigo porque trata-se de uma planta que surgiu em nosso planeta há milhões de anos, e que tem participado da história do ser humano desde o princípio, fornecendo alimento, abrigo, utensílios domésticos, ferramentas, papel, tecido cordas jangadas e uma infinidade de outros objetos do cotidiano.  

O acelerado crescimento demográfico vislumbra 9 bilhões de pessoas nos próximos anos, o que corresponde à duplicação da população em menos de cinquenta anos. Considerando que 95% desse crescimento ocorre nos países de terceiro mundo, onde um sétimo da população mundial vive em abrigos ou campos de refugiados, em condições que não podemos considerar casas. Estes valores agravam-se quando constatamos que mais de 3 bilhões não têm água potável ou saneamento básico. Tendo estas premissas como referência é inegável que os governos, as organizações nacionais e internacionais, os voluntários, os arquitetos, os engenheiros têm um papel preponderante numa intervenção humana desta dimensão. A criação de Engenharias Sociais que apresentem soluções rápidas e eficientes é uma iminência necessária. 

Vivemos um período pós industrial e cabe-nos analisar as soluções e vertentes consumistas/utópicas de um futuro projetado como se a energia fosse inesgotável. Criaram-se empreendimentos de habitação para as classes operárias de tipologia “comunitária” com galerias e pátios, habitações sociais a par do planeamento urbano, por iniciativa estatal ou privada; encontramo-nos hoje num momento de repensar os valores impostos por esta lógica capitalista pura que incide no crescimento económico sem referências a valores consistentes com uma intervenção social focada no desenvolvimento harmonioso de adequada utilização de recursos da natureza a bem do Homem e dos demais seres vivos. 

Nos últimos anos o planeta tem sido severo com a humanidade confrontandoa com situações de grandes calamidades naturais, colocando milhares de pessoas em situações precárias que necessitam de rápidas intervenções e cooperação à escala global. 

No Brasil, apesar do bambu ser um vegetal relativamente comum na flora de todas as regiões, é pouco utilizado, seja pelo desconhecimento de suas centenas de espécies características e aplicações, seja devido à falta de pesquisa e informações acessíveis à população que poderiam se beneficiar com os seus usos. 

Na América, a Colômbia tem se destacado pelo alto aproveitamento do bambu, onde o mesmo aparece nestas temáticas como uma alternativa viável aos problemas ecológicos, económicos, habitacionais e, naturalmente, sociais dos últimos anos.  

O colombiano Oscar Hidalgo, que dedicou a sua investigação ao desenvolvimento de uniões de bambu e à recuperação e catalogação das artes tradicionais do uso deste material. C.H. Duff que já em 1941 testou asnas e resistências em estruturas de bambu. Mais recentemente Clavijo-Trujillo, dois estudantes de engenharia civil da Universidade da Colômbia, que através das uniões de bambu exploram a espacialidade deste material. O conceituado arquiteto Simón Vélez, que constrói edifícios por todo o mundo, vencendo vãos de 80m sem pilares, como a ponte do Pereira ou o pavilhão ZERI com 8 metros de altura.  

Hoje e através destes autores a Colômbia surge-nos como uma potência em pensamento e ação deste material emergente. Nos últimos trinta anos construíram estruturas de grandes dimensões, experimentaram uniões e resistências. Outro autor a referir é Carlos Vergara. Já o alemão Jorg Stamm, mudou-se para este país para estudar e realizar estruturas de pontes em bambu. Através da Universidade Nacional e da Faculdade do Meio ambiente da cidade de Pereira, tem efetuado investigações voltadas para a aplicação do bambu na arquitetura que tem contribuído para o desenvolvimento do setor no país, despertando o interesse de produtores e construtores, resultando em uma produção de grande expressão arquitetônica, tanto pela sua qualidade, quanto pelo porte das edificações produzidas. Dentre eles destacam-se o prédio do Ministério do Meio Ambiente a Faculdade Nacional de Engenharia e o Pavilhão Nacional de Tecnologias, construções com áreas superiores a 3.000 m², além de uma ponte urbana com vão de 52 m construída na cidade de Bogotá, todas utilizando o bambú como material predominante na sua edificação. 

A Fundação Viviendas Hogar de Cristo, em Guaiaquil no Equador e na Costa Rica realiza um trabalho admirável sob a coordenação do arquiteto Dr. Jorge Morán. Constrói e financia casas populares pré-fabricadas de bambu para uso emergencial com um custo de 385 dólares americanos por unidade. As casas são rapidamente pré-fabricadas e montadas, são muito leves e resistentes a inundações e terremotos, como comprovado na prática diversas vezes. Desde 1978 já abrigaram mais de 270.000 pessoas, alcançando em 2000 a produção de 8.782 casas. (MORÁN, 2002) Segundo (NUNES, 2005) a Costa Rica mantém através do Proyecto Nacional de Bambú um programa institucional de pesquisa e aplicação para a construção de habitação de interesse social naquele país desde 1998 tendo construído 3.800 unidades em uma parceria entre governo e a Universidade Nacional da Costa Rica. 

No Japão, Shoei Yoh estuda e desenvolve uniões de bambu reforçadas com aço. Osamu Suzuki y isao Yoshikara, buscam a jardinaria e paisagismos com bambu construído e implantado. 

A Ásia é sem dúvida a origem do uso massivo do bambu, inclusive em áreas fora do âmbito da construção, como gastronomia, medicina, mobiliário, decoração, música, filosofia, sendo só no século XIX que desperta o interesse Ocidental. 

Cerca de um bilhão de pessoas moram em casas de bambu no mundo. No Nepal e nas Filipinas existem grandes projetos de reflorestamento de bambu, para estimular a economia local e produzir papel, comida e habitações.  

A Europa e os Estados Unidos levam poucos anos de utilização deste material que demorou a convencer investidores e academias na utilização. Em 1999, Simon Velez construiu um exemplo de casa de baixo custo no Centro Georges Pompidou no âmbito de um workshop sobre o tema construção em bambu. Um ano depois é convidado a realizar o Pavilhão ZERI na Expo de Hannover, na Alemanha. Recentemente foi a cobertura do novo aeroporto de Madrid, que levou o bambu aos pódios europeus. O mercado está em vertiginoso crescimento, desde derivados e indústrias a desenvolver o uso direto do material natural, em colmos. 

No Brasil, o uso do bambu ainda é incipiente em comparação ao seu potencial. Grande parte dos usos mais comuns no país, na afirmação de Pimentel (1997), decorre da tradição do meio rural, onde são empregados em cercas e em pequenas construções, como galinheiros currais, pequenos abrigos rústicos, taperas, gaiolas, etc. Este é um uso que se caracteriza como padrão para a população rural em relação aos bambus, por sua enorme disponibilidade e que resulta ser mais casual do que estratégico. 

Nesse sentido, fica claro que os materiais ecológicos atendem a alguns requisitos básicos para o futuro da humanidade como minimizar o consumo de energia em sua produção, conservar os recursos naturais, reduzir a poluição e manter um ambiente saudável (Ghavami, 2001). Em boa parte dos países europeus, materiais sustentáveis são estudados em todos os aspectos do comportamento mecânico. Materiais como: fibras vegetais, bambu, resíduos industriais, minerais e agrícolas são temas de pesquisas científicas e sistemáticas sobre alternativas do uso como materiais ecológicos e livres de poluição.  

O bambu é um material que permite uma abordagem de projeto diferente e justa nos vários campos da arquitetura e da construção. Sejam eles museus ou modestos abrigos auto construídos, o bambu pode estar lá com segurança e estética. 

Só o negócio de alguns será menos florescente. 

3.3. MORFOLOGIA E PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO BAMBU 

O bambu é uma gramínea gigante, herbácea e lenhosa que cresce rapidamente e é classificada como Bambuseae (MORÉ, 2003). Segundo Azzini e Beraldo (2001) citados por Moré (2003), os colmos de bambu saem do solo com diâmetro e número de nós definidos. Em menos de um ano, o bambu atinge sua altura máxima e os colmos tornam-se resistentes após esse período. O bambu tem uma parte aérea composta por caules, folhas e galhos, e uma parte subterrânea composta por rizomas e raízes (). conforme a figura 1. 

Figura 1 – Morfologia do bambu 

Fonte: Padovan, 2010 

“O colmo é a parte aérea que possui forma de tronco de cone e contém uma série de entrenós (ocos) separados de forma transversal por diafragmas (nós), dos quais saem os ramos e destes as folhas.” (MORÉ, 2003). O colmo possui tecido composto por células parênquimas, feixes vasculares e fibras. Este último é responsável pela resistência mecânica da haste. Segundo Sobrinho Júnior (2010), as células parenquimáticas são caracterizadas pela presença de amido, e isso depende da espécie, estação do ano e idade do caule. Segundo Caeiro (2010), 

As características ambientais favoráveis ao crescimento de bambu: 

temperatura entre 7°C e 40°C; sendo que as temperaturas altas aceleram o seu crescimento. As principais espécies utilizadas na construção desenvolvem-se em zonas húmidas e quentes com temperaturas superiores a 20°C, abaixo dos 600 metros de altitude (CAEIRO, 2010). 

Os bambus apresentam características peculiares, o que os distingue de outras plantas lenhosas. Uma das grandes diferenças é a forma de crescimento. Enquanto as árvores crescem em sentido radial em sua seção, desenvolvendo a estrutura de caule, galhos e folhas simultaneamente, os bambus brotam com o seu diâmetro definitivo e crescem verticalmente sem nenhuma ramificação horizontal.  

O crescimento do bambu distingue-se das madeiras convencionais, pois seu crescimento se dá no sentido do solo para o topo e as partes mais próximas do terreno são as mais antigas, possuindo propriedades mais vantajosas quanto à resistência e durabilidade. A arrumação das fibras de sustentação do bambu constituído por feixes dispostos na mesma direção longitudinal, quase que paralelos, contudo a disposição das fibras sofre uma alteração junto ao nó. As fibras que vinham paralelas se misturam e fazem do nó um local de maior aglomeração de fibras em diversos sentidos, acrescentando ao mesmo uma maior resistência a compressão e impedindo que haja desagregação das fibras longitudinais nos entrenos. Os nós exercem uma amarração transversal e proporcionam maior rigidez ao colmo de bambu (LOPEZ, 1974). 

Quando o broto desponta fora da terra, já contém em si todos os diafragmas que terá no seu tempo de vida e crescimento. O número de inter nós e diafragmas varia em cada espécie, sendo as espécies mais pequenas compostas de 15 a 20 segmentos, e as maiores entre 55 e 60. O comprimento varia de forma crescente da base até metade da vara e depois decrescente para o ponto mais alto, 35cm é a medida média dos gomos de bambu, que na sua maioria, como já referido, é oca entre diafragmas. (CAEIRO, 2010) 

A maturação do colmo ocorre logo após a estação de crescimento e dura cerca de 3 anos até que a força máxima seja atingida. A altura, diâmetro, espessura e crescimento do colmo são diferentes para cada tipo de bambu. As propriedades mecânicas do bambu dependem do teor de fibras e são afetadas pela umidade do caule, considerando também a idade e a densidade. O bambu é mais resistente quando está seco do que quando está verde. (MORÉ, 2003). 

Cerca de 50 gêneros de bambu e 1.300 espécies são encontrados em regiões tropicais a temperadas, sendo mais comuns em regiões temperadas e úmidas de regiões tropicais e subtropicais da Ásia, África e América do Sul. Espécies do gênero Guadua são encontradas na Amazônia (Acre e Pará), Pantanal e Foz do Iguaçu. Há espinhos no tronco e nos galhos (PEREIRA; BERALDO, 2008 apud SOUZA, 2014). 

O bambu é a planta de crescimento mais rápido, atingindo o tamanho máximo em 40 dias, mas pode ser utilizado como material de construção após 3 anos, quando se inicia o processo de silicificação e lignificação. Segue um ciclo de vida entre a germinação das sementes e a floração (ocorrendo em grandes intervalos de 10 a 50 anos, ou mais de 100 anos), após o qual a planta morre, como no milho e no trigo. Prefere uma temperatura de 35 °C e prefere solos soltos, profundos, bem drenados, com alto teor de matéria orgânica, pH de 5,0-6,5 e alta fertilidade natural (SOUZA, 2004). 

O colmo está dividido por diafragmas, segmentando o bambu em gomos, no seu exterior surgem os nós e pequenos ramos secundários de onde derivam as folhas. A espessura é recorrentemente chamada parede. 

A largura não muda desde o nascimento até atingir sua altura final. A estrutura do bambu consiste em um sistema subterrâneo de rizomas, caules e galhos. Todas essas partes são formadas no mesmo princípio. Série alternada entre nós e nós. À medida que o bambu cresce, cada novo entrenó é cercado por uma folha protetora do tronco presa ao nó anterior do anel do tronco. Um nó consiste em um anel de nós, um anel de bainhas e, geralmente, botões dormentes. Esses brotos são onde surgem novos crescimentos segmentados (rizoma, colmo ou ramo). A maioria dos colmos é oca e consiste em fibras de um centímetro de lignina e sílica. O silício dá ao bambu sua resistência mecânica. A matriz de lignina dá flexibilidade. A distribuição da fibra é visivelmente mais densa para o exterior. O bambu tem alta resistência ao longo do tronco e baixa resistência ao longo da fibra. 

Seu baixo peso específico, alta resistência à tração, baixo custo e fácil usinagem eliminam a necessidade de trabalhadores especializados. O bambu é uma planta muito resistente e pode se recuperar de um ano ou de uma estação ruim. Depois que Hiroshima foi destruída por armas nucleares, o bambu resistiu e foi a primeira planta a aparecer na paisagem árida do pós-guerra. 

Conforme Migliari (2000 citado por KAMEGASAWA, 2004), o bambu apresenta uma inigualável relação com benefícios em todos os aspectos estudados de dispêndio de plantio, crescimento e rendimento pelo período, quando comparado com outras madeiras, conforme a tabela 1. Construir com o bambu retirado de 1 acre, equivale a não desmatar 12 acres de madeira da floresta e que essas mesmas árvores levam 20 anos para atingir sua maioridade contra os 2 a 3 anos do bambu (KAMEGASAWA, 2004).  

Tabela 1 – Relação custo-benefício do bambu em relação ao eucalipto 

Fonte: Kamegasawa (2004) 

Souza (2014) afirma que o INBAR (1998) priorizou 20 espécies com base em suas características de cultivo, processamento, produção, germoplasma e mudanças climáticas. Estes incluem Bambusa vulgaris (B. surinamensis), Dendrocalamus asper (Bambusa áspera, Gigantochloa aspera, Dendrocalamus flagellifera, Dendrocalamus merrilianus), Dendrocalamus giganteus (Bambu gigante), Guadua angustifolia e Phyllostachys pubescens. De acordo com Marçal (2018), as espécies de Guadua angustifolia possuem características ótimas para uso como estruturas de construção devido ao seu tamanho e pequenos desvios dimensionais entre colmos. As espécies Dendrocalamus asper também apresentam excelente qualidade e resistência mecânica. 

Todavia, neste trabalho nos resumimos a três destas espécies citadas no parágrafo anterior e veremos parte da experiência de cultivo, propriedades físicas, químicas, mecânicas e alternativas de uso do Bambusa vulgaris, dendrocalamus giganteus e guadua angustifólia para o uso como insumo para geração de renda e construção de casas. 

3.4. PROPRIEDADES FÍSICAS, QUÍMICAS E MECÂNICAS 

O bambu tem alta resistência mecânica dois anos e meio após a germinação, tem baixa densidade e forma circular oca, portanto a produtividade é alta. Entre as vantagens do bambu está a leveza das estruturas feitas com este material. Segundo Teixeira (2003) apud Murad (2007), a umidade natural do bambu varia entre 13% dependendo do clima e da espécie. Além disso, as mudanças dimensionais relacionadas à umidade tendem a ocorrer na direção diametral, ou seja, radial. 

As hastes de bambu são compostas de celulose, hemicelulose, lignina e pequenas quantidades de resinas, taninos, ceras e sais orgânicos. No entanto, essa composição varia entre as regiões do caule, com nós com baixo teor de solúveis, pentosanos, cinzas e lignina e alto teor de celulose (LIESE, 1985 apud ESPELHO, 2007). 

A estrutura externa do bambu é formada por um sistema subterrâneo de rizomas, colmos, galhos e folhas. Uma planta pode produzir duas flores ou dois frutos ao mesmo tempo ou ao mesmo tempo. O colmo é formado por nós e entre nós alternados. À medida que o bambu cresce, cada novo nó interno é cercado por folhas protetoras do caule (vagens). O colmo é formado por fibras, vasos sanguíneos e ductos de seiva distribuídos desigualmente em seção transversal e circundados por um tipo de matriz chamada parênquima. Dependendo da espécie, esses colmos variam em comprimento, espessura de parede, diâmetro, espaçamento e resistência dos ramos. A maioria é oca, e algumas espécies têm entre nós duros e água em seu interior. 

Liese (1980) afirmou que, do ponto de vista anatômico, o bambu é geralmente composto por fibras (40%), células parenquimatosas (50%) e vasos sanguíneos (10%). Assim, de acordo com Ghavami & Rodrigues (2000), a estrutura do bambu pode ser vista como um compósito frouxamente composto por fibras de celulose longas alinhadas embebidas em uma matriz de lignina. As fibras ficam mais concentradas à medida que o ponto de espessura se aproxima da casca, permitindo que o material suporte as cargas do vento, a demanda mais consistente ao longo da vida útil do material na natureza. A Figura 2 mostra a variação da fração volumétrica das fibras na espessura do tronco do bambu Guadua angustifolia estudado na PUC Rio (GHAVAMI, 2005). 

Figura 2- Variação da fração volumétrica das fibras na espessura do colmo do bambu Guadua Angustifolia 

Fonte: GHAVAMI; MARINHO (2005, p. 108) 

Os feixes vasculares são ‘embebidos’ em uma matriz de lignina (parênquima), integrando tecido e fibras que transportam seiva que proporcionam resistência mecânica. A função do vaso é transportar nutrientes das raízes para o resto da planta e, como os caules do bambu são tão finos, o vaso é reforçado com tecido resistente (tecido esclerosante). O conjunto do feixe vascular é o elemento estrutural mais diverso do colmo de bambu. Sua forma, tamanho e distribuição variam ao longo dos entrenos e comprimento do colmo (altura). A base do colmo tem uma estrutura completamente diferente do meio e da ponta do colmo (LIESE, 1998). A Figura 3 mostra uma imagem de um recipiente de bambu feita por Liese (1980) com um microscópio eletrônico de varredura (SEM).(GHAVAMI, 2005) 

Figura 3 – Detalhe dos conjuntos vasculares do bambu 

Fonte: GHAVAMI; MARINHO (2005, p. 108) 

A estrutura de fibra empacotada do bambu é adequada para tensão de tração axial, mas como as fibras estão imersas em uma matriz de lignina, a ruptura por cisalhamento ocorre sob tensão axial (Culzoni, 1986). Outra razão para este fato está na torção e alteração da seção transversal do feixe, onde as fibras são interrompidas, geralmente nos nós, reduzindo áreas de resistência e permitindo tensões secundárias nas peças devido à compressão normal, cisalhamento ou cisão. Ao seu redor, o material tem menos resistência. 

Ghavami e Hombeeck (1981) observaram que as falhas ocorreram principalmente nos nós e confirmaram as concentrações de tensão neste ponto. Também foi possível observar que a resistência na base ao longo da haste foi maior na carga de ruptura devido à maior área da seção transversal. 

Uma das propriedades que tornam este material atrativo para uso na construção civil é o fato de sua alta resistência à tração, comparável ao aço. Segundo Murad (2007), a resistência à tração do bambu, quando relacionada à sua gravidade específica, é 2,77% maior que a do aço. Também vale a pena notar que, ao contrário do aço, o bambu usa muito pouca energia em sua produção.  

3.4.1. Propriedades físicas e mecânicas obtidas em ensaios de resistência à tração, compressão, cisalhamento do bambu guadua angustifolia 

GHAVAMI & MARINHO (2005) observaram outros fatores interessantes que são de grande valia para o conhecimento do bambu Guadua angustifolia como material botânico e estrutural. Destes, quanto maior o teor de água, menor a resistência ao cisalhamento, que é cerca de 32 MPa no cisalhamento transversal e cerca de 8 MPa no cisalhamento longitudinal. 

A parte externa do caule é mais elástica devido à concentração da substância ligante lignina, e a parte interna é menos elástica devido à concentração de amido. O diafragma (nó) torna a cana mais resistente à flexão e quebra. Observou-se também que existem espessuras variadas ao longo da cana, sendo as mais grossas mais próximas à base. 

O bambu é um excelente isolante acústico, parece um produto acabado, tem excelente resistência ao fogo e esta resistência é mais evidente quando usado na vertical do que na horizontal e devido ao seu teor de sílica, alta densidade e direção das fibras. 

Além disso, as paredes de bambu apresentam boa resistência à compressão, principalmente no bambu maduro, e possuem um composto de cera de sílica na parte externa para proteger contra a retenção interna de água e aumentar a proteção físico mecânica da estrutura (OLIVEIRA, 2013). 

3.4.1.1. Ensaios de resistência à tração do bambu guadua angustifolia 

Os pesquisadores Ghavami e Marinho (2005) realizaram um estudo das propriedades mecânicas da espécie Guadua angustifolia. A resistência média à tração do bambu aferida em laboratório chega a 86,96 MPa, com maior resistência na parte central, correspondendo a 95,80 MPa para a amostra sem nó e 82,92 MPa para a amostra com nó. Segundo os autores, a resistência reduzida dos espécimes com nós é devido à descontinuidade da fibra neste ponto, pois as fibras são críticas para a resistência do bambu. Além disso, vale a pena notar que alguns testes tiveram quebras nos nós ou perto deles. Segundo Ghavami e Marinho (2001) e Apud Ghavami e Marinho (2005), a resistência à tração do bambu Guadua angustifolia é 34% menor que a do Dendrocalamus giganteus sp. O módulo de Young médio na direção longitudinal da fibra foi de 15,11 GPa e o índice de Poisson foi de 0,26. 

3.4.1.2. Ensaios de resistência à compressão do bambu guadua angustifolia 

Citando novamente os estudos de GHAVAMI e MARINHO (2005), com os resultados obtidos com experimentos fez-se possível verificar que os nós tiveram pouco efeito nos resultados em termos de resistência à compressão. O valor médio corresponde a 29,48 MPa, com valores máximos de 29,62 MPa com nó e 34,52 MPa sem nó. O módulo médio foi de 12,58 GPa. De acordo com os resultados de resistência ao cisalhamento interlaminar, o bambu da espécie Guadua angustifolia é menor que a espécie Dendrocalamus giganteus, e a diferença a diferença gira em torno de 60% quando comparado aos achados da PUC-Rio. Além disso, quando o estudo compara os resultados de resistência à compressão dos dois tipos, há uma diferença de 41,6% entre os valores (GHAVAMI; MARINHO, 2005).  

3.4.1.3. Ensaios de resistência ao cisalhamento do bambu guadua angustifólia 

Tendo como base a média de três ensaios realizados pelos pesquisadores Ghavami & Marinho (2005), foram obtidos resultados médios da resistência ao cisalhamento interlaminar para os corpos-de-prova localizados na base, centro e topo do bambu Guadua angustifólia. Foi observado que os valores aumentam da base para o topo do nó, sendo que no topo a resistência ao cisalhamento é maior e o valor obtido foi de 2,42 MPa para o corpo-de-prova sem nó e 2,11 MPa para o corpo-de-prova com nó. Na base, esses valores foram 2,20 MPa sem nó e 1,67 MPa com nó, respectivamente. Pode-se observar, ainda, que, nos corpos-de-prova sem nó, a resistência é maior e se mantém quase uniforme nas três partes do comprimento do colmo; já nas partes com nó, a resistência é menor e os valores variam muito. Foi verificado ainda que a resistência ao cisalhamento do bambu Guadua angustifolia é inferior à do bambu Dendrocalamus giganteus. Ghavami & Marinho (2001) obtiveram valores médios de 3,56 MPa e 3,37 MPa para corpos-de-prova com e sem nó, respectivamente. Moreira (1991) obteve uma tensão de cisalhamento média de 7,0 MPa para o bambu Dendrocalamus giganteus, enquanto Ghavami & Souza (2000) obtiveram valores de tensão de cisalhamento de 3,08 e 3,12 MPa para corpos-de prova com dois e três cortes, respectivamente, e para o mesmo bambu estudado (GHAVAMI; MARINHO, 2005). 

3.4.2. Propriedades física e mecânicas obtidas em ensaios de resistência à tração, compressão, cisalhamento e flexão do bambu da espécie bambusa vulgaris 

Estudos realizados por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) composto pelo professor e idealizador do grupo, o Dr. Nelson Cárdenas Olivier, do colegiado de engenharia mecânica; o Msc. Carlos Gomes, egresso do programa de mestrado em ciência dos materiais; Ismael Vanio Agostinho Santana (o autor deste artigo), mestrando em dinâmicas de desenvolvimento do semiárido; Jainy Carneiro da Silva Santos discente na graduação de engenharia mecânica desenvolveram pesquisas relacionadas às propriedades físicas e mecânicas do bambu da espécie bambusa vulgaris retirados de diferentes touceiras localizadas no entorno da cidade de Petrolina/PE. 

Vale salientar que, para os ensaios de compressão e cisalhamento optou-se por utilizar a porção do colmo para produção do corpo de prova sem a presença de nós, e para os ensaios de tração e flexão, segmentos com nós. 

3.4.2.1. Ensaios de resistência à tração do bambu da espécie bambusa vulgaris 

Para elaboração dos corpos de prova para o ensaio de tração, foram seguidas as recomendações da NBR 16828-2. Para o ensaio, foram produzidos 12 corpos de provas com 13,29 mm de largura por 8 mm de espessura. A figura apresenta os corpos de prova utilizados no ensaio. 

Figura 4 – Corpos de prova para ensaio de tração 

Fonte: Pesquisadora Jainy Carneiro 

A massa específica média dos corpos de prova foi de 0,6757 g/cm3 e a área aferida da seção transversal destes foi de 106,32 mm2. A figura a seguir apresenta o corpo de prova posicionado. 

Figura 5 – Posicionamento do corpo de prova antes do ensaio de tração 

Fonte: Pesquisadora Jainy Carneiro 

Durante a execução do ensaio de tração, assim como também observado por Ghavami e Marinho (2005), os corpos de prova tenderam a romper-se no nó ou próximo dele. A tabela a seguir compila os resultados obtidos com o ensaio de resistência à tração do bambus vulgaris. 

Tabela 2 – Resultado dos ensaios de resistência à tração do bambusa vulgaris 

Fonte: Pesquisadora Jainy Carneiro 

Com os dados obtidos no ensaio, fez-se possível traçar o diagrama de tensão/deformação a seguir. 

Figura 6 – Diagrama tensão/deformação do ensaio de tração do bambu da espécie bambusa vulgaris 

Fonte: Pesquisadora Jainy Carneiro 

Analisando os dados gerados através da tabela e do diagrama de tensão/deformação, pode-se concluir que, como a força máxima aplicada foi de 10492 N e a área de aplicação da mesma na seção transversal do corpo de prova foi de 106,32 mm², o limite de resistência à tração média foi de 99 Mpa, valor este que supera a resistência à tração do bambu da espécie guadua angustifolia verificado nos ensaios realizados por Ghavami e Marinho (2005), que foram de 86,96 Mpa. 

Figura 7 – Corpos de prova após o ensaio de tração 

Fonte: Pesquisadora Jainy Carneiro 

3.4.2.2. Ensaios de resistência à compressão do bambu da espécie bambusa vulgaris 

Para o ensaio de resistência à compressão do bambu da espécie bambusa vulgaris, realizado em meados do ano de 2022, na UNIVASF em Petrolina, foram produzidos 12 corpos de prova. Oriundos da parte inferior da haste do bambu, com massa específica de 0,6015 g/cm³, a força foi aplicada a uma velocidade de 0,01 mm/s. Por sua vez, os corpos de prova possuíam diâmetro externo médio de 54,94 mm, diâmetro interno médio de 26,595 mm e altura média de 56,865 mm, resultando em 2370,64 mm² de área de seção transversal. 

Figura 8 – Posicionamento do corpo de prova antes do ensaio de compressão 

Fonte: Pesquisadora Jainy Carneiro 

Com o rompimento dos 12 corpos de prova, fez-se possível avaliar por meio de dados fornecidos pelo equipamento, valores de força máxima aplicada, limite de resistência à compressão, deformação máxima e deformação específica. A tabela a seguir apresenta um compilado de dados. 

Tabela 3 – Resultado do ensaio de resistência à compressão do bambusa vulgaris 

Fonte: Pesquisadora Jainy Carneiro 

Em posse dos dados da tabela 2, apresentada acima e utilizando da boa engenharia, faz-se possível calcular o módulo de elasticidade (E) do bambus vulgaris experimentado. Para tal, foi utilizado a equação a seguir: 

 

Figura 9 – Corpos de prova antes e depois do ensaio de resistência à compressão, respectivamente 

Fonte: Pesquisadora Jainy Carneiro 

3.4.2.3. Ensaios de resistência à cisalhamento do bambu da espécie bambusa vulgaris 

Para a realização do ensaio de resistência ao cisalhamento, teve-se como premissa as recomendações da NBR 16828-2 e para que o ensaio pudesse acontecer, fez-se necessário desenvolver um dispositivo que a carga aplicada ao corpo de prova exigisse do mesmo, esforços de cisalhamento longitudinal às fibras. 

Figura 10 – Dispositivo elaborado para ensaio de resistência à cisalhamento em corpos de prova de bambusa vulgaris 

Fonte: Pesquisadora Jainy Carneiro 

O dispositivo possui diâmetro de 100,04 mm e altura de 128,44 mm. Sua geometria propicia a aplicação de tensão em 4 áreas diferentes garantindo a geração de esforços de cisalhamento no sentido longitudinal às fibras dos corpos de prova. 

Foram realizados 12 corpos de prova com altura média de 76,170 mm, diâmetro externo médio de 76,585 mm e diâmetro interno médio de 57,105 mm, o que resultou em uma área de seção transversal de 1.606,56 mm². 

Figura 11 – Corpos de prova antes de ensaio de cisalhamento 

Fonte: Pesquisadora Jainy Carneiro 

Para a realização do ensaio, o corpo de prova foi posicionado entre o dispositivo criado para este fim (imagem 10) e foi aplicado uma carga utilizando uma célula com capacidade de 5 kN, a uma velocidade de 0,5 mm/min. 

Figura 12 – Corpo de prova posicionado para ensaio de resistência à cisalhamento longitudinal 

Fonte: Pesquisadora Jainy Carneiro 

Com a realização do ensaio obteve-se os seguintes dados que serão apresentados na tabela à seguir: 

Tabela 4 – Valores de deformação em função da carga aplicada 

Fonte: Pesquisadora Jainy Carneiro 

Com base nestes dados e utilizando da boa engenharia, torna-se possível calcular a resistência ao cisalhamento e para tal, a equação a seguir é de grande valia. 

Como o diâmetro externo médio foi de 76,585mm e o diâmetro interno, 57,105mm, foi adotado a espessura média da parede do corpo de prova como 19,48mm. Substituindo os dados na equação 2, tem-se um módulo de resistência ao cisalhamento de 5,90 Mpa. 

Figura 13 – Corpos de prova após o ensaio de resistência ao cisalhamento 

Fonte: Pesquisadora Jainy Carneiro 

3.4.2.4.  Ensaios de resistência à flexão do bambu da espécie bambusa vulgaris 

O ensaio de resistência à flexão também foi embasado na NBR 16828-2, que pontua a necessidade de inserir quatro pontos de madeira no segmento ensaiado, a fim de evitar que o colmo seja esmagado. A NBR 16828-2 fornece um esquema de como posicionar estes pontos de madeira e como a carga deve ser aplicada para que o ensaio forneça dados fidedignos.  

Figura 14 – Localização das peças de reforço em madeira para ensaio de flexão com bambus 

Fonte: Associação Brasileira de Normas Técnicas (NBR 16828-2) 

Para a realização dos ensaios foram utilizados seis corpos de prova com dimensões de 1,5 m de comprimento. As medidas a, c e L/2 recomendadas pela NBR 16828-2 foram respectivamente 42 cm, 42 cm e 75 cm. 

Figura 15 – Posicionamento do corpo de prova e reforços de madeira conforme recomendação da NBR 16828-2 

Fonte: Pesquisadora Jainy Carneir

Os dados obtidos com o ensaio estão compilados na tabela a seguir: 

Tabela 5 – Dados obtidos com ensaio de resistência à flexão do bambusa vulgaris 

Fonte: Pesquisadora Jainy Carneiro 

O momento de inércia para esta forma é dado por: 

Obteve-se uma espessura média (t) de 7,115 mm e diâmetro externo médio (D) de 47,92 mm, e portanto, tem-se que as amostras analisadas possuem um momento de inércia médio de 19.5606,05 mm4. O momento último é dado pela equação a seguir: 

A partir da tabela 5, observou-se que a força máxima obtida no ensaio foi de 5.857,87 N e, portanto, o Mult alcançado foi de 1230152.70 Nmm. Por fim, a resistência à flexão de 150,68 MPa, calculada pela equação a seguir: 

Após o ensaio de resistência à flexão, foi observado no corpo de prova um ponto de tensão entre nós, mas não ocasionou o rompimento do mesmo. 

Figura 16 – Corpo de prova após o ensaio de resistência à flexão 

Fonte: Pesquisadora Jainy Carneiro 

3.5. O CULTIVO DO BAMBU GUADUA ANGUSTIFOLIA 

Segundo Caeiro (2010), a espécie Guadua Angustifolia é considerada a melhor espécie do planeta para construção e com maior resistência. É também o bambu mais estudado e experimentado. Atinge a sua máxima altura num curto período de 6 meses, tardando 3 a 4 anos para atingir a maioridade ideal de corte. Funciona bem na recuperação de solos e aumento do nível freático de rios e ribeiras. O bosque que cria alberga várias espécies de aves, primatas e insetos criando ecossistemas próprios. Distribui-se por países como Colômbia, Equador, Costa Rica, Panamá, México e no Brasil no estado do Mato Grosso. Segundo Caeiro (2010) esta espécie é amplamente utilizada em construções de casas e infra estruturas, reforço de paredes de terra e concreto (CAEIRO, 2010) 

Com o intuito de estudar o desenvolvimento e adaptação da espécie no Vale do São Francisco, foram adquiridas 20 mudas da espécie para estudo. A princípio, as mudas impressionaram por sua resiliência, pois o transporte durou 11 dias e as mesmas estavam reclusas em uma caixa de papelão, fechadas, sem acesso a luz solar ou ventilação. Todavia, vale salientar a técnica utilizada para manter parte das plantas vivas por tanto tempo durante o transporte: as mudas tiveram as raízes envoltas em uma estopa umedecida e na sequência, para minimizar a evaporação da água nas estopas, as mesmas foram envoltas em plástico filme. A figura a seguir mostra as mudas momentos após a retirada na transportadora. 

Figura 17 – Mudas de bambu guadua angustifólia com e sem o plástico filme envolvendo as estopas que envolvem as raízes das mudas 

Fonte: O autor 

Na sequência, no período noturno para evitar a exposição das raízes à luzes ultravioleta, com muito cuidado foram retirados todos os plásticos filme, as estopas e as mudas foram plantadas em sacos de mudas e deixadas em quarentena, com pouca exposição à luz solar e sendo irrigadas todas às noites por um período de 40 dias. As imagens a seguir mostram as mudas após a retirada das estopas e posterior plantio em sacos de mudas. 

Figura 18 – Cultivo de bambu Guadua Angustifolia 

Fonte: O Autor 

Após o período de quarentena, as mudas foram levadas para lugares distintos e iniciaram os experimentos do cultivo em diferentes terrenos e condições. 5 mudas foram levadas para o viveiro do Projeto Escola Verde (PEV), no Centro de Ciências Agrárias da UNIVASF e por lá ficaram durante 20 dias, sendo irrigadas diariamente por sistema de irrigação automatizado e proteção por telas. Após este período, três das cinco mudas que estavam no viveiro do PEV foram plantadas do lado de fora do viveiro e irrigadas manualmente em dias intercalados. As imagens a seguir mostram a condição das plantas dentro do viveiro e após o plantio na área externa ao mesmo. 

Figura 19 – Primeiro plantio em área com contato livre com a natureza da região 

Fonte: O autor 

Infelizmente, 12 dias após o cultivo, as plantas foram devoradas e a origem do ataque, até então, era desconhecida. 

Pensando em acompanhar melhor o desenvolvimento da planta e se possível, desvendar o causador de danos às mudas cultivadas na parte externa do viveiro do PEV, cinco mudas foram cultivadas em uma propriedade particular e um sistema de irrigação por gotejamento foi desenvolvido exclusivamente para estas mudas. A observação em campo foi intensificada visando avaliar a adaptação, desenvolvimento da planta na região e possíveis causadores de danos às mesmas. 

Após 8 dias do novo cultivo, infelizmente mais uma muda foi devorada e não conseguiu se recuperar. Porém, 2 dias após este ataque foi possível identificar o causador dos danos. Era um preá.  

O preá é um roedor de pequeno porte que pesa entre 500 e 800 g na idade adulta. Possuem cauda atrofiada e densa pelagem de tons castanho-escuro a cinza claro a amarelado no dorso e no ventre tons branco-amarelados à laranja. A alimentação dos preás é composta por grãos e folhas. O preá mostrou-se um problema para as mudas de bambu guadua angustifolia na região. 

Figura 20 – Preá (cavia aperea) 

Fonte: Elisa Ilha, UFRGS 

Apesar das perdas das mudas, a solução tem sido relativamente simples. Foram colocados pneus velhos em torno das mudas e as remanescentes que foram plantadas em propriedade privada, apesar de não estarem tão desenvolvidas como o esperado, estão saudáveis e bem nutridas. A sequência de  imagens a seguir mostram a condição destas mudas em janeiro do ano de 2023. 

Figura 21 – Cultivo de bambu guadua angustifolia 

Fonte: O autor 

Apesar das dificuldades no plantio da espécie, as mudas mostraram que suportam a incidência de raios solares e o calor da região desde que estejam sempre com abundância de água. 

3.6. O CORTE 

Em meados do ano de 2022, os pesquisadores Dr. Nelson Cárdenas Olivier, Msc. Carlos Gomes e Ismael V. A. Santana, em expedição pela UNIVASF no interior da cidade de Ibicora, na chapada diamantina baiana, estiveram acompanhando e participando do corte e transporte de varas de bambu da espécie bambusa vulgaris. Na ocasião, Juliano, que é morador do sítio monte alegre e profissional altamente entendido da arte da bambuzeria esteve ministrando curso de manejo de touceiras, colheita e utilização de diferentes espécies e em diferentes tipos de utilizações dos mesmos. Na ocasião, a recomendação é que o corte ocorresse preferencialmente na lua minguante, pois o conhecimento empírico dos cultivadores de bambu do sítio monte alegre afirmava que este é o período em que a planta retém menos líquido. Além desta observação, também foi recomendado que, preferencialmente, o corte ocorresse nos meses mais secos do ano, meses de inverno e que também é o período de hibernação de grande parte dos insetos que podem causar danos às varas de bambu. 

Apesar do bambu ser a planta que cresce mais rápido no planeta, também é necessário cuidado na escolha da vara de bambu a se colher, pois, não necessariamente a maior e mais verde, é mais madura. Uma forma de observar a idade da planta em processo de amadurecimento, é quando a mesma apresenta a palha caulinar. A imagem a seguir mostra um bambu Guadua Angustifolia e a palha caulinar envolvendo o colmo. 

Figura 22 – Bambu guadua angustifolia envolto em palha caulinar 

Fonte: O autor 

A idade ideal para corte desta espécie é de 3 a 6 anos. Caso o corte seja prematuro, há uma redução da vida útil do material. 

A altura do corte deve ocorrer a cerca de 30cm do solo, fazendo uso, preferencialmente, de serra. É recomendável que o corte seja próximo ao nó para evitar acúmulo de água e insetos no toco. O corte não destrói o bambuzal, pelo contrário. Com manejo adequado, uma touceira pode durar até 100 anos produzindo bons colmos. 

Figura 23 – Manejo de touceira de bambu da espécie bambusa vulgaris na Chapada Diamantina baiana 

Fonte: O autor 

3.7. PROCEDIMENTOS PÓS-CORTE 

A grande quantidade de amido que circulam pelas fibras do bambu fazem dele uma planta vulnerável a ataques de fungos e carunchos. (CAEIRO, 2010). Geralmente as várias espécies de bambus são de durabilidade muito limitada quando não tratados corretamente. O fato de não possuir elementos tóxicos na sua composição o torna um alimento perfeito para uma grande gama de organismos. A sua casca externa é praticamente uma armadura, porém, esta capa perde a capacidade de defesa da planta quanto cortada e o interior do bambu fica suscetível a ataques e consequente avaria da peça. 

3.7.1. Diferentes formas de cura do bambu 

A cura é um processo que pode prolongar a vida útil do bambu em até 25 anos, reduzir rachaduras e prevenir rachaduras causadas por estiramento e encolhimento. O processo de endurecimento inicia-se imediatamente após o corte e pode ser feito na própria massa por imersão e aquecimento. 

A Cura a quente é feita girando o bambu sobre fogo para matar insetos e extrair água e amido. Isso vai endurecer as paredes e acelerar o processo de secagem. É preciso cuidado para não se queimar. Este procedimento é recomendado para bambus de até 0,5 cm de espessura. 

Cura na própria touceira é realizada após o corte, as folhas e galhos são erguidos sobre pedras para evitar o contato com o solo, e o bambu é colocado na vertical e assim permanece por 4-8 semanas. Neste método bambus colocados na vertical resultam numa cura mais rápida do que se deixado na horizontal. Isso se dá pelo fato de a aceleração da gravidade contribuir para acelerar o processo de escorrimento de amido do interior das varas de bambu.  

No processo de cura por imersão em água, o bambu é mergulhado em água por 3-90 dias (dependendo da maturação da planta). Não é um procedimento muito eficaz, pois causa rachaduras e manchas (SOUZA, 2004). 

Há ainda a cura com elementos químicos. Uma destas alternativas consiste em uma solução de pentaclorofenato de sódio, ácido bórico e bórax na proporção de 0,5 : 1 : 1, a 2,5 %, o bambu é submergido durante um tempo médio que pode variar entre 15 e 24h. Há que considerar ainda que, caso não seja colocado algo que faça com que o bambu fique submerso, o mesmo tenderá a boiar. Caso isso aconteça, o tratamento com as soluções químicas citadas pode não ter o resultado esperado. (CAEIRO, 2010) 

As análises realizadas por CAEIRO (2010) afirmam que o processo funciona com maior eficácia quando realizado antes do armazenamento. Os métodos químicos podem aumentar o tempo de vida do bambu em até 30%, sem que a toxicidade dos elementos empregados no tratamento afete a sua resistência. (CAEIRO, 2010) 

3.7.2. Secagem 

A secagem é o processo de remoção da umidade do bambu. Após a secagem, o peso é reduzido, as propriedades físicas e mecânicas são melhoradas e a umidade atinge 15%. A secagem provoca grandes mudanças anatómicas e que podem diminuir os resultados de outros tratamentos. Segundo Caeiro (2010), ao contrário da madeira o bambu começa a se deformar a partir do momento em que começa a perder água, e por conta da capacidade protoplasmática das células parenquimais, resulta na diminuição da permeabilidade dos líquidos. A secagem pode ser feita no fogo, ao ar ou fazendo uso de uma estufa. 

Semelhante ao processo de cura por calor, para secar o bambu ao fogo o mesmo deve ser girado 50 cm em fogo até aparentar uma cor clara de café. 

Para o processo de secagem ao ar, as hastes precisam ficar na horizontal para evitar flacidez, proteger as varas de bambu dos raios solares, chuva e intempéries e permitir ventilação lateral. Este processo dura em torno de 60 dias e as varas de bambu devem estar ao menos 50 cm acima do solo. 

A secagem em estufa é um processo rápido, preciso e eficiente, onde podem ser controladas a umidade relativa, a temperatura e a velocidade do ar. Por conta deste controle acurado, os resultados obtidos costumam ser bastante satisfatórios 

3.8. OUTRAS FORMAS DE TRATAMENTO 

Como citado anteriormente, o bambu é um material suscetível ao ataque de insetos e fungos. Por apresentar amido nas células parenquimáticas, torna-se alvo de ataques do caruncho ou broca-do-bambu (Dinoderus minutus).  

Figura 24 – Dinoderus minutus (caruncho ou broca-do-bambu) 

Fonte: forestryimages.org 

Os efeitos do clima e o contato com a umidade do solo também promovem a infestação por fungos. Para garantir que o tratamento funcione para o bambu, os seguintes fatores devem ser considerados: há espécies de bambu que são compostos por altos teores de amido, tornando-os menos resistentes ao ataque de organismos xilófagos; a época escolhida para a colheita afeta não apenas o tempo entre o corte do caule e o processamento, mas também a quantidade de amido existente, o que pode influenciar diretamente na eficiência e qualidade da vara de bambu (AZZINI; BERALDO, 2001). Diante disso, a eficácia dos diferentes tipos de tratamento do bambu depende de suas propriedades, do tipo de material preservativo, do momento escolhido para o corte e do método utilizado (ESPELHO, 2007 apud NUNES; SOBRINHO JÚNIOR; PASTOR, 2021). 

Para aumentar a durabilidade do material, a idade do bambu deve ser considerada. Isso ocorre porque os colmos mais maduros são mais resistentes à infestação de fungos e insetos e além disso, demoram mais para apodrecer, portanto, apenas até uma certa idade. Colmos maduros e totalmente lenhosos são os recomendados para utilização de estruturas (AZZINI; BERALDO, 2001). 

Em síntese, apesar dos tratamentos naturais apresentarem bons resultados quando a proteção e aumento da vida útil das hastes de bambus, os tratamentos químicos são mais eficazes do que os tratamentos tradicionais e usam substâncias que protegem o bambu de organismos xilófagos que atacam o bambu quando entra em contato com o solo. Vale salientar que o produto químico, quando utilizado em quantidades razoáveis, pode ser tóxico para organismos xilófagos sem afetar humanos ou animais (AZZINI; BERALDO, 2001). O tratamento químico pode incluir: imersão em sal e troca de seiva. Dentre outros exemplos estão a transpiração foliar, a aplicação externa e o método Boucherie. 

Os conservantes utilizados também são solúveis em água, sendo o mais eficaz o ácido bórico com bórax, por ser menos agressivo ao meio ambiente. Alternativamente, também podem ser oleosos, como o creosoto, e oleossolúveis, como o pentaclorofenol (pó da China).  

3.8.1. Tratamento por Imersão 

Este tratamento é recomendado para bambu em contato com umidade. O Bambu é imerso em solução oleosa ou hidrossolúvel e a eficiência do processo é proporcional ao tempo de imersão. 

3.8.2. O método Boucherie 

Criado pelo francês M.A. Boucherie, este método consiste na injeção de produto químico preservativo, como sulfato de cobre, na extremidade do colmo, expulsando a seiva a partir da pressão da gravidade ou fazendo uso de motobombas. A utilização de motobombas com pressões de 2kg/cm² permite acelerar o processo de dias para horas. O processo tem resultados muito eficazes, porém ainda é um método caro para se utilizar caso o objetivo não seja o lucro. 

3.8.3. Transpiração das folhas 

Para este tratamento é recomendado que logo após o corte o colmo seja colocado com as folhas em um recipiente com preservativo, que será absorvido pelo local do corte após o escorrimento da seiva. O processo dura de 2 a 4 dias devendo posteriormente ser armazenado por 40 dias para secar. 

3.8.4. Aplicação externa 

Recomenda-se aplicar, fazendo uso de pincel ou brocha em partes ou fatias para melhor absorção. Estes preservativos, no geral, são à base de sal ou óleo. O óleo deve ser usado em áreas que entram em contato com solo ou água; pode evitar pintura, cheiro forte, cor escura e inflamável. Exemplo: Neutrol, petróleo com pentaclorofenol, naftalato de cobre e creosoto. Já o sal é usado para proteger o bambu do mau tempo, diluindo-o em água. Os mesmos permitem pintura e não tem cheiro. 

Exemplo: Cromato de zinco, cromato de cobre e sais de boro. 

A impermeabilização é feita com produtos como tintas betuminosas, enxofre e óleos de combustão. 

3.9. PRINCIPAIS TIPOS DE LIGAÇÕES 

As ligações são os pontos chaves para construções que utilizem bambu como matéria prima. Portanto, é de suma importância entender e selecionar a melhor forma de ligação entre as peças e forma a alcançar a máxima eficiência para garantir a segurança da edificação e acomodar a mão de obra necessária para o desenvolvimento de estruturas. 

3.9.1. Ligações parafusadas 

Segundo Arranz, Braga e Caminhola (2011), ligações que utilizam parafusos são mais indicadas que as que utilizam pregos, pois, para implantação dos parafusos há um corte nas fibras de forma justa, sem ocorrer o afastamento, o que evita as rachaduras e cisalhamento. Neste sentido, Moré (2003) recomenda que evite nessa ligação, o contato direto entre o parafuso e o bambu, sendo recomendado o uso de borracha ou silicone para evitar rachaduras e esmagamentos, bem como, a entrada de insetos e de água no interior dos colmos. (NUNES; SOBRINHO JÚNIOR; PASTOR, 2021) 

Figura 255 – Ligações parafusadas, imagens ilustrativas. (1) Ligação parafusada simples. (2) Ligação Velez.  

Fonte: (1 e 2) Norma Técnica E.100, Peru (2012). (3) 24H Architecture (2009) 3.9.2. Ligações amarradas 

Uma ligação amarrada deve sempre vir associada a algum elemento que contribua com o travamento. Por exemplo: pinos, parafusos ou outras peças que possam evitar o afrouxamento e/ou a instabilidade da estrutura (MORÉ, 2003). Segundo Cardoso Júnior (2000), essa técnica é bastante difundida, mas pouco eficiente, pois deixa a desejar na rigidez que é necessária para garantir a eficiência da ligação. (NUNES; SOBRINHO JÚNIOR; PASTOR, 2021) 

Figura 266 – 2. Ligações com amarrações, imagens ilustrativas  

Fonte: Quintero, 2015. 

3.9.3. Ligações encaixadas 

As ligações por meio de entalhe devem estar associadas a elementos como amarras, pinos, parafusos, cola, entre outros (SOARES, 2011). Nesta forma de ligação, a montagem entre peças de bambu é mais complicada, devido aos diferentes diâmetros entre as hastes de bambu. Por ser fácil de girar, o encaixe pode se tornar instável. Porém, apesar desse problema, este tipo de ligação é necessário para todos os tipos de ligação (CARDOSO JÚNIOR, 2000).  

Figura 277 – Cortes para encaixes mais recorrentes no Bambu na construção (1) Corte reto. (2) Corte boca de peixe. (3) Corte bico de flauta. 

Fonte: Quintero, 2015. 

3.10. BAMBU COMO ALTERNATIVA DE COMBATE AO DÉFICIT HABITACIONAL 

O processo de industrialização iniciado após a Segunda Guerra Mundial provocou o esgotamento dos recursos naturais. Tal problema fez com que boa parte das civilizações mundiais passassem a observar com preocupação, o meio ambiente e a saúde dos indivíduos. Nesse sentido, em muitas áreas da atividade humana há uma busca por alternativas, e na arquitetura e na engenharia não é diferente.  

A casa é uma necessidade primária da humanidade, um habitat onde residir, proteger-se, crescer. Um lugar para conservar valores e necessidades, é fundamental para uma vida digna e sã. Tendo em conta que 1,5 bilhões de pessoas vivem atualmente em circunstâncias, que teríamos de ser excessivamente generosos ou cínicos para considerar uma casa onde possam desenvolver um recinto familiar adequado (CAEIRO, 2010). 

Segundo Marçal (2008) o uso do bambu na construção civil é modesto, mas seu potencial é imensurável ao se considerar a evolução de processos de tratamento, produção e estocagem para o bambu roliço (in natura) e a evolução da tecnologia para o processamento e produção do laminado colado de bambu- mais conhecido na China como LBL (Laminated Bamboo Lumber) e no Brasil como BLC (Bambu Laminado Colado). Esse material pode ser utilizado na fabricação de painéis divisórios, forros, pisos, molduras, esquadrias, móveis e revestimento. O uso do bambu pode reduzir de forma significativa o valor final de obras de interesse social. Facilita a implantação de edificações rurais já que o material pode ser plantado, colhido e tratado pelo próprio dono da propriedade. O uso do bambu em obras de grande porte já começa a ser comum. Devido ao seu baixo peso próprio, facilidade de transporte, fácil manuseio por parte da mão de obra no local da construção e extrema beleza arquitetônica, o bambu já pode ser visto em estruturas por todo o mundo (MARÇAL, 2008). 

No caso da utilização de bambu como elemento estrutural, e sua competitividade tecnológica em relação aos materiais industrializados, tem-se que ponderar que com relação à parcimônia, o bambu tem a seu favor o fato de que é produzido por processos fotossintéticos, ou seja, utiliza-se basicamente das reações químicas ativadas pela energia solar e não necessitando de reflorestamento. Possui forma acabada, estruturalmente estável e pronta para uso, além de apresentar baixo peso específico condigno à sua estrutura oca. Soma-se a estas características a constatação de que o bambu é altamente produtivo, adquirindo resistência mecânica apenas três anos após ter brotado do solo. O rizoma, uma vez amadurecido, torna-se uma fábrica natural de tubos de diâmetros definitivos, que lançará novos colmos a cada início de ano por 100 anos, ou mais, dependendo das espécies usadas (GHAVAMI, 2014). 

Na Colômbia a espécie Guadua Angustifolia surge aliada a um grupo de arquitetos e construtores como um renascimento deste material e têm vindo a desenvolver muitos estudos e encontros de disseminação e ensino do correto uso do bambu. A facilidade de corte, de transporte, os baixos recursos necessários para preservar matas, prevenção acessível e rapidez de operação, são elementos que não deixam dúvidas do seu futuro (CAEIRO, 2010). 

Segundo Sobrinho Júnior (2010), o bambu tem potencial para substituir o aço em elementos estruturais, como lajes de concreto de bambu, treliças, andaimes, etc. Entre outras possibilidades está a utilização em reforço de paredes. Vale salientar ainda que, conforme Tedeschi (2011), o bambu pode ser trabalhado na forma de pastas ou cavacos, combinados com outros insumos, como argamassa ou concreto, além do bambu laminado como revestimento. 

Com bambu podemos alcançar estruturas cómodas, baratas, funcionais e estéticas. E a melhor forma de o demonstrar é a construção de um protótipo. Ver para crer. Assim fica demonstrado a potencialidade e futuro benefício de plantar alguns bambus perto de casa, de modo a não só podermos ampliar futuramente a construção, como ter material para substituição de algum elemento que no decorrer do tempo possa ficar danificado (CAEIRO, 2010). 

Jorge Salido Cobo, em 1971, fundou a associação Hogar de Cristo no Equador, que construiu quase 140 mil casas pré-fabricadas no continente sul americano. Destinadas a populações pobres, dando prioridades a famílias com maior número de crianças, na sua maioria são mulheres que usufruem deste projeto. A construção reside na produção de painéis de madeira e ripado ou latas de bambu sem revestimento exterior e com cobertura de chapa metálica, sendo um tempo de montagem das casas aproximadamente de 6 a 7 horas.  

Figura 288 – Casa popular construída pela fundação viviendas Hogar de Cristo 

Fonte: Fundação viviendas Hogar de Cristo 

O Instituto do Bambu (INBAMBU), em Alagoas, possui um projeto de casas populares feitas de microconcreto de bambu e raspas de pneu, chamado de pré moldados, reduzindo em 40% o custo de uma casa convencional. O custo de uma casa com 38 m² fica em torno de R$ 4.300,00. Este projeto também foi implementado em Três Rios (RJ) juntamente com o SEBRAE. (SANTANA et al, 2016) 

Vale salientar que, pelo baixo peso específico do material, uma pessoa consegue carregar e transportar uma vara de 6 metros sem grande esforço, o que não acontece com nenhuma outra viga ou pilar de outro material (CAEIRO, 2010). 

Outra questão que causa impacto depois das explicações e manuseamento do material é a simplicidade de uniões que necessita a construção de uma casa. Este conhecimento rápido e acessível antecipa uma facilidade para o desenvolvimento de projetos de autoconstrução. Sendo exemplo fundos de desemprego que pagam a quem autoconstrói a sua casa, resulta num projeto em que simultaneamente se resolve emprego e casa; no caso de apoio a melhoramentos ou mesmo nas situações de emergência é fácil baixar o custo de construção através da capacitação. Uma só pessoa a coordenar poderá ajudar a realizar muitas casas em autoconstrução (CAEIRO, 2010). 

Simón Velez, uma vez mais como referência, realizou um bairro de habitação social na Colômbia onde podemos observar os princípios básicos de construção em bambu (CAEIRO, 2010). 

Caeiro (2010) relata em sua dissertação de mestrado a reconstrução da aldeia da Quebrada Negra na Colômbia, depois do terramoto de 1999, onde 95% das construções ficaram destruídas. Os moradores eram na sua maioria trabalhadores de produtores de café, que aceitaram a ajuda do governo alemão para a reconstrução da aldeia utilizando o Guadua como material principal de edificação. Em menos de 7 meses construíram 70 casas em sistema de autoconstrução, e os seus habitantes ficaram peritos na construção de bambu, na colheita e no tratamento dos colmos. Alguns habitantes mais hábeis aproveitaram os conhecimentos adquiridos para realizar, com sobras de bambu da construção, o mobiliário para as suas casas (CAEIRO, 2010). 

Auditório do Parque Flor do Bosque, Puebla, foi construído em 2005 pelo atelier Ojtat, que tem vindo a desenvolver estudos e vários projetos em bambu no estado de Puebla, liderados pelo jovem arquiteto Leyva. Sugere a forma de um gafanhoto, iguaria muito apreciada no estado. Apresenta uma estrutura completa de bambu onde a forma de arco reticulado transforma a cobertura em pilares, diminuindo a quantidade de bambu necessário e dando mais resistência estrutural ao edifício (CAEIRO, 2010). 

“Na Colômbia e no Equador, construir com bambu faz parte da cultura local, ao contrário do Brasil”, compara Eduardo de Aranha, arquiteto, urbanista e pesquisador da Unicamp. Segundo Aranha, na Colômbia existem programas de habitação popular com base no bambu. Na Colômbia, por exemplo, o arquiteto Simón Vélez projetou uma igreja toda de bambu. “Além de excelentes profissionais, a Colômbia tem a vantagem de ter matéria-prima abundante, da espécie Guadua angustifolia, mão-de-obra qualificada e equipamentos desenvolvidos especialmente para trabalhar com o material”, complementa A. Ludovico Beraldo. Conforme Kleinhenz e Midmore (2001), no continente asiático a taxa de consumo per capita é de 12 kg de bambu por ano, e autores como Sastry (1998), descreveram o consumo de 20 milhões de toneladas por ano de produtos advindos do bambu na China. Na Índia, tanto na zona rural quanto urbana, o bambu se faz presente em quase todas as atividades. A utilização de bambu na índia é de aproximadamente 9,5 milhões de toneladas por ano (VARMAH e PANT, 1980).  

Em Bangladesh, país com mais de 5 milhões de habitantes, 90% das habitações são feitas de bambu, de acordo com Boa (2002) e segundo a NMBA – National Mission on Bambu Application, Índia (2004), um bilhão de pessoas pelo mundo vivem em casas de bambu.  

De todos os materiais renováveis utilizados na construção ecológica, o bambu se destaca por ser de baixo custo, por ter resistência à tração comparada à do aço e quando comparado também os processos de produção, enquanto na produção do aço é gerado gases que agridem a camada de ozônio, na produção de bambu as touceiras absorvem CO2, combatendo o efeito estufa. O bambu é de fácil plantio e de crescimento rápido, além de atender diferentes características bioclimáticas, está alinhado com mais de 70% dos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU e por ser encontrado em todo o território nacional. 

Segundo Migliari (2000 citado por KAMEGASAWA, 2004), o bambu apresenta uma excelente relação com benefícios em todos os aspectos estudados de custo de plantio, crescimento e rendimento pelo período, quando comparado com outras madeiras, conforme a tabela 4. Construir com o bambu retirado de 1 acre, equivale a não desmatar 12 acres de madeira da floresta e que essas mesmas árvores levam 20 anos para atingir sua maioridade contra os 2 a 3 anos do bambu.  

Além disso, o bambu é um produto vegetal de grande importância ambiental porque seu cultivo ajuda na recuperação de terras degradadas, regula caudais hídricos, produz oxigênio e sequestra CO2. Segundo Riaño et al. (2002) o Guadua Angustifolia Kunth capta nos primeiros seis anos de crescimento 54 toneladas de CO2 por hectare (9 ton/ha/ano). 

Os estudos realizados pelos pesquisadores citados, somados aos estudos de inovações tecnológicas são inexoravelmente importantes quando observado o crescente aumento do déficit de moradias. Esta iniciativa não só introduz novos tipos de materiais como incentiva a pesquisa por novos métodos construtivos que proporcionem crescimento sustentável, diminuição no tempo de execução e custo da obra. 

Estamos em um momento histórico em que a construção do universo se dá em um crescente conteúdo de ciência, tecnologia e informação. Nesse ponto, a agenda de globalização 2030 (e com ela o acesso à informação) surge como uma possibilidade. 

Propõem-se, então, “novos” materiais e “novos” sistemas construtivos; na verdade seria novo uso para velhos materiais, onde o objeto arquitetônico passa a ser efeito de um comportamento que vai envolver reeducação, treinamento técnico e consequente execução das habitações (SOUZA, 2004). 

3.11. PRINCIPAIS NORMAS PARA O USO DO BAMBU NA CONSTRUÇÃO CIVIL 

Como o bambu faz parte da cultura de alguns países, visto que, nesses países o gênero Guadua é uma espécie nativa presente em diferentes regiões, fez-se necessário padronizar o seu uso e, dessa forma, grupos de especialistas organizaram uma série de normas, tendo como objetivo garantir a correta utilização do bambu na construção civil. A Índia, país que possui uma vasta gama de bambus nativos, e os utiliza para construções de moradias desde os primórdios das civilizações, foi pioneiro na padronização técnicas por meio da norma INDIAN STANDARD 6874, elaborada em 1973. Todavia, a ISO (International Organization for Standardization) é a mais utilizada e é tida como base para a elaboração de outras normas e padrões existentes, complementando informações sobre sistemas estruturais e questões relacionadas a terremotos e fortes ventos. A ISO é uma coleção de 3 normas técnicas: Structural design – ISO 22156: 2004; Determination of physical and mechanical properties – Part 1: Requirements – ISO 22157-1: 2004; Determination of physical and mechanical properties – Part 2: Laboratory manual – ISO 22157-2: 2004 (MARÇAL, 2018). Além de Índia, países como a Colômbia que também é referência na utilização do bambu como insumo da construção civil, visando padronizar o uso desenvolveu o regulamento Colombiano de Construcción Sismo Resistente: NSR-10. No Peru também não foi diferente, pois também desenvolveu o regulamento nacional de Edificaciones: Norma NTE E.100.  No  Equador a padronificicação recomendada é a Norma Ecuatoriana de la Construcción: NEC – Estructuras de Guadúa (GaK) e além desta, também possuem norma técnica para o uso do bambu na construção civil (MARÇAL, 2018). No Brasil, no ano de 2020, buscando também uma padronização do uso do bambu em estruturas, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), representada pelo Comitê Brasileiro da Construção Civil (CB-002), tornou pública duas normas técnicas que reúnem informações para o uso do bambu como insumo para estruturas, sendo a NBR 16828-1 como diretrizes para projetos e dimensionamento de estruturas de bambu e a NBR 16828-2 para diretrizes sobre métodos de ensaio para determinação das propriedades físicas (teor de umidade, massa por volume e retração) e mecânicas (resistência à compressão paralela às fibras, resistência à flexão do colmo, resistência ao cisalhamento paralelo às fibras e resistência à tração paralela às fibras) dos colmos de bambus.  

3.12. CONSTRUÇÕES COM BAMBU PELO MUNDO 

As imagens a seguir, mostram algumas construções no mundo onde foram utilizados bambus como matéria prima. Nestas, é possível observar que o bambu pode ser utilizado de diferentes formas, e quando manejado adequadamente, pode unir beleza, funcionalidade, durabilidade e resultar em belíssimas edificações. 

4. METODOLOGIA 

Este estudo representa uma análise abrangente do assunto, partindo de um estudo bibliográfico acurado sobre as principais espécies de bambu, técnicas de cultivo, corte, cura, tratamentos que possam aumentar a vida útil do bambu e tipos de junções.  

Ainda relacionado às técnicas de cultivo, a pesquisa também abrange experimento prático com pesquisa de campo cultivando mudas de bambu da espécie guadua angustifolia primeiramente em sacos de mudas, e posteriormente, avaliação de desenvolvimento de raízes e plantio destas mudas em solo natural. Foi captado dados referentes à adaptação da planta à região do semiárido brasileiro como: crescimento, resistência às intempéries como a alta incidência de raios solares, altitude, solo altamente denso, ataque de pragas e animais de pequeno porte. 

Concomitantemente, foram realizadas expedições em algumas touceiras na região do vale do São Francisco com intuito de coletar amostras de diferentes espécies presentes na região e também, foi realizado uma viagem à cidade de Ibicoara, localizada na chapada diamantina baiana para realização de colheita de bambus da espécie bambusa vulgaris, dendrocalamus asper e guadua angustifólia. As amostras foram selecionadas com base no apontado na literatura e experimentos foram realizados no laboratório de engenharia mecânica, no polo da Universidade Federal do Vale do São Francisco na cidade de Juazeiro. 

Foram experimentados utilizando equipamentos de ponta, a resistência à compressão, tração, cisalhamento e flexão de corpos de prova de bambus da espécie bambusa vulgaris colhidos em diferentes touceiras na cidade de Petrolina, no estado de Pernambuco e na cidade de Ibicora, cidade do sul do estado da Bahia.   

O ensaio de resistência à tração, compressão e cisalhamento do bambu da espécie, bambusa vulgaris foi conduzido na máquina universal de ensaios EMIC DL 10000. A capacidade das células de carga utilizadas, variaram entre 5 e 100kN.  

O estudo prosseguiu avaliando o bambu como possível material construtivo em edificações de interesse social e como auxiliar no combate ao déficit habitacional. Com foco em estudos teóricos sobre o uso do bambu na construção, são analisados aspectos construtivos, propriedades, potencialidades e limitações deste material para se obter uma análise final do objeto de pesquisa. Métodos qualitativos foram usados para representar aspectos da qualidade do bambu. As informações foram coletadas por meio de pesquisa exploratória, de laboratório e de campo, com o intuito de fornecer uma base sólida e coerente para o tema proposto pelo estudo. 

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO  

Os ensaios realizados no laboratório para análise das propriedades mecânicas do bambu da espécie bambusa vulgaris, colhidos em touceiras da região do Vale do São Francisco apontaram resistência à tração de 99 Mpa, média de resistência a compressão de 31,80 Mpa, resistência ao cisalhamento de 5,90 Mpa e resistência a flexão de 150,68 MPa. Valores estes que superam a resistência mecânica apontada na literatura para o bambu da espécie, guadua angustifolia, tido por diversos pesquisadores citados neste artigo, como o bambu ideal para uso em construções. 

Os bambus da espécie guadua angustifólia que estão plantados em uma propriedade particular estão se adaptando bem. Apesar do crescimento estar longe do esperado quando comparado ao crescimento da mesma espécie cultivada em outras regiões, dada as dificuldades por conta da aridez, solo compactado e baixo índice pluviométrico da região, as mudas que sobreviveram aos ataques dos preás conseguiram adaptar-se às intempéries e estão vigorosas. Apesar do lento desempenho no crescimento das varas na vertical, o bambu enraizou-se bem e está desenvolvendo seu sistema de rizomas.  

6. CONCLUSÃO 

É evidente que os materiais tradicionais precisam ser substituídos por aqueles de menor impacto ambiental, social e econômico. Da extração de materiais à construção, essas três áreas são notórias por altos níveis de desgaste. Sendo uma matéria-prima renovável e com propriedades comparáveis aos materiais convencionais, o bambu enquadra-se assim no grupo dos materiais de construção sustentáveis e eficientes por ser altamente produtivo e produzir menos resíduos. Como visto, o bambu tem uma resistência à tração comparável ao aço, no que diz respeito ao seu próprio peso, construindo estruturas leves e de boa resistência, com características estruturais que permitem seu uso em vigas, pisos, colunas de casas, entre outros elementos estruturais. As boas propriedades deste material foram confirmadas durante o estudo dos testes realizados para obtenção de suas propriedades mecânicas, conforme mencionado acima no texto.  

O uso do bambu não se limita a pequenas construções, como casas, mas também pode ser utilizado em construções maiores e estruturas geométricas mais complexas, como pontes e geodésia, isso pode ser comprovado por este estudo. Alternativamente, o bambu pode ser utilizado com outros materiais, como concreto, mas são necessários mais estudos para melhorar a adesão dos dois materiais. Para garantir a qualidade e a resistência da estrutura, é necessário executar os cortes de forma correta, tratamentos, ligações, entre outros aspectos, através da elaboração de um projeto detalhado e manejo adequado. No Brasil, devido a uma série de fatores que limitam o uso do bambu na construção civil, pode-se observar que é dado maior credibilidade aos insumos ditos convencionais. Entre estes, estão o fator cultural, a falta de uma cadeia produtiva e a carência de mão de obra especializada. No entanto, apesar da pouca utilização deste insumo no país, é possível identificar uma diversidade de uso, desde as estruturas mais simples, às estruturas mais elaboradas. 

Para aumentar o uso do bambu na construção civil, é extremamente importante estimular a legislação para o cultivo do bambu visando a organização de uma cadeia produtiva suficientemente forte e pronta para uso na construção. Além disso, é essencial aumentar a mão de obra qualificada. Ressalta-se também que a não existência de normas técnicas nacionais específicas até o ano anterior a este artigo, pode ter influenciado na não disseminação do uso do bambu em construções, pois a ausência de regulamentações precisas pode inferir no uso ineficiente do material, racionalizando e limitando sua utilização, e consequentemente, interferindo na resistência e durabilidade do material que por sua vez, pode fomentar a insegurança da utilização do mesmo para construção de habitações. 

Na busca de ações que possam contribuir positivamente com benefícios sociais e ambientais, o bambu é um material alternativo que pode reduzir a poluição, o desmatamento e criar formas de construção mais baratas, reais, confortáveis, bonitas e resistentes acessíveis a todas as classes sociais. 

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