POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA PSICOLOGIA EM ALAGAÇÕES NO MUNICÍPIO DE RIO BRANCO – AC

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12714099


Fabíola Melo da Silva1
Orientador: Prof. Dr. Gustavo Henrique Carretero2


Resumo: O objetivo geral do trabalho é descrever as possibilidades de atuação de profissionais da Psicologia em situações de emergências e desastres com foco nas enchentes do rio Acre. Para fins de pesquisa optou-se pela modalidade bibliográfica, exploratória e documental, com busca e levantamento de fontes que tratassem tangencial ou diretamente do tema proposto. Ao todo foram encontrados 123 artigos e descartados 119, permanecendo quatro artigos para análise. Este trabalho se propõe, ainda, a realizar uma reflexão acerca da visão tecnicista, geográfica e determinista dos desastres, bem como de que forma se pode expandir o entendimento sobre o tema e possibilitar a atuação de profissionais da psicologia em cada fase das crises, emergências e desastres.

Palavras-chave: psicologia das emergências e dos desastres, gerenciamento de risco e desastre, enchentes

Abstract: The general purpose of the work is to describe the possibilities of performance of psychology professionals in emergency and disaster situations, focusing on the floods of the Acre river. For research purposes, bibliographic, exploratory and documental modality was chosen, with search and survey of sources that dealt tangentially or directly with the proposed theme. Altogether, 123 articles were found and 119 were discarded, remaining four articles for analysis. This work also proposes to reflect on the technical, geographic and deterministic view of disasters, as well as how to expand the understanding of the subject and enable the performance of psychology professionals in each phase of crises, emergencies and disasters.

Keywords: psychology of emergencies and disasters, risk and disaster management, floods

Resumen: El objetivo general del trabajo es describir las posibilidades de actuación de los profesionales de la Psicología en situaciones de emergencia y desastre, centrándose en las crecidas del río Acre. Para fines de investigación se eligió la modalidad bibliográfica, exploratoria y documental, con la búsqueda y relevamiento de fuentes que trataran tangencial o directamente el tema propuesto. En total, se encontraron 123 artículos y 119 se descartaron, quedando cuatro artículos para su análisis. Este trabajo también propone reflexionar sobre la visión técnica, geográfica y determinista de los desastres, así como cómo ampliar la comprensión del tema y posibilitar la actuación de los profesionales de la psicología en cada fase de crisis, emergencias y desastres.

Palabras clave: psicología de emergencias y desastres, gestión de riesgos y desastres, inundaciones

1.        INTRODUÇÃO
1.1 Justificativa

Apesquisa versa sobre possibilidades de atuação de profissionais da Psicologia em alagações na cidade de Rio Branco – AC. Essa atuação pode ocorrer em três momentos: antes do transbordamento das águas (pré-desastre), durante o período de transbordamento com isolamento ou evacuação de pessoas atingidas e após as águas retornarem ao nível normal no leito do rio (pós-desastre).

Consideradas desastres naturais, as cheias do rio Acre são eventos sazonais relativamente previsíveis que, desde o início do povoamento do estado do Acre e das primeiras construções às margens dos rios, têm causado perdas e danos aos patrimônios públicos e privados, bem como grande mobilização de pessoas e instituições, tanto na capital do estado como no interior. 

As percepções sobre eventos de desastres e emergências são subjetivas, individuais e de difícil classificação, visto que envolvem questões de visão de mundo, conteúdos psíquicos, recursos pessoais de enfrentamento e ressignificação de perdas, dentre outros aspectos. Sendo assim, o presente estudo abordará, como seu objeto, de que forma profissionais de psicologia podem contribuir com a atuação e o olhar psicológico no processo de mitigação de prejuízos, preparação, fortalecimento e recuperação de comunidades e indivíduos em situação de desastre, neste caso específico, nas enchentes fluviais no município de Rio Branco – AC.

1.2 Fundamentação teórica

A conceituação e interpretação do termo desastre varia conforme o contexto e a situação em que é empregado. Desta forma, foi necessário, ao longo do trabalho, reunir fontes que tratassem do tema de maneira direta ou indireta, de modo a apresentar alguns conceitos concernentes aos desastres. Há estudos sobre o tema que apontam dezenas de definições diferentes para o termo desastre (Kover, 1987), o que torna desafiadora a elaboração de classificações, visto que não há consenso entre os estudiosos. 

Segundo o Glossário da Defesa Civil (Política Nacional de Defesa Civil, 2004), desastre é o “resultado de eventos adversos naturais ou provocados pelo homem sobre um ecossistema vulnerável, provocando danos humanos, materiais e/ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais”, ou seja, não diz respeito ao evento adverso em si mesmo, mas às consequências ocasionadas por ele. 

O fenômeno das cheias do rio Acre, estando diretamente ligado ao objeto da presente pesquisa e sendo considerado um desastre, demandou breve contextualização, com caracterização do rio e discussão sobre a ocupação do espaço urbano às suas margens. Foi necessário elucidar a correlação entre o que é considerado desastre natural e o que pode ser considerado desastre social. Para tanto, as bases teóricas escolhidas foram de estudiosas da Psicologia Comunitária e da Sociologia dos Desastres, respectivamente, Maritza Montero e Norma Valêncio. Além disso, foram utilizadas literatura impressa, pesquisas e artigos que tratam do trabalho de profissionais da Psicologia em situações de emergências, desastres, crises e calamidades.

1.2.1 O Rio Acre: questões de ocupação humana e configuração hidrográfica 

A ocupação das margens dos rios acreanos remonta à época dos ciclos da borracha e da migração de nordestinos para esta região. Ao longo de várias décadas o transporte de mercadorias e pessoas entre os núcleos de povoamento[2] foi realizado por via fluvial. Visto que a densa selva amazônica não permitia o deslocamento de pessoas e mercadorias por via terrestre, os rios se tornaram entrada e saída para as regiões mais isoladas no seio da floresta. Com o passar dos anos foram-se formando às margens dos rios diversos povoados, que, mais tarde, deram origem às primeiras cidades (Morais, 2000, p. 26). No caso de Rio Branco, os migrantes advindos dos povoados menores e dos seringais, buscavam melhores condições de vida. De acordo com Morais (2000):

Ao chegarem à cidade, em péssimas condições financeiras, vão engrossar os contingentes populacionais residentes em bairros periféricos. Já que não podem pagar pela moradia, buscam os terrenos onde o preço da casaterreno é mais baixo, ou onde, pelo processo de invasão-ocupação, encontram um lugar para viver (p. 96).

Observa-se que esta dinâmica de ocupação do espaço urbano ao longo das margens do rio Acre perdurou por décadas, sendo, inclusive, fator de origem de diversos bairros tradicionais da capital do estado, os quais foram formados por população proveniente do processo de êxodo rural dos anos 1970, que, segundo Varadouro (1981) apud Morais (2000, p. 100), não dispunham de recursos à aquisição de propriedades residenciais em regiões de terra firme. Valeram-se, então, de terrenos em áreas de várzea às margens alagadiças do rio.   O processo de inundação das regiões de várzea se dá pela própria configuração da bacia do rio Acre, que, por sua dimensão e constituição geológica, possui baixa capacidade de absorção do volume pluviométrico em breve espaço de tempo, o que ocasiona elevação do nível fluvial, transbordamentos e enchentes (Adamy, 2015).Segundo o diagnóstico preliminar do Estudo de Alternativas para Regularização das Cheias do Rio Acre:

[…] os terraços fluviais (várzeas) representam um papel fundamental no processo histórico de ocupação do rio Acre por ribeirinhos, por se constituírem nos terrenos preferenciais para sua fixação, embora possam ser atingidos por eventos extremos de inundação, como ocorrido recentemente[3]. Da mesma forma, núcleos urbanos importantes localizados ao longo do rio Acre também estão fixados parcialmente nos terraços fluviais e, mais grave ainda, em trechos das planícies de inundação […] (p.19).

Considerando todos os aspectos habitacionais, socioeconômicos e históricos que permeiam a questão da vulnerabilidade da população de mais baixa renda às cheias do rio Acre, e, considerando que a Classificação e Codificação Brasileira de Desastres – COBRADE classifica inundações e alagamentos como desastres naturais hidrológicos, será necessário elaborar uma distinção entre a questão natural e a social relacionadas às cheias. 

1.2.2  Desastres e sua definição complexa

Segundo Molina (2006) apud Sant’anna Filho & Lopes (2017):

O desastre precisa ser compreendido e vinculado ao contexto no qual ele ocorre, ou seja, é fundamental considerar as dimensões sócio políticoculturais de vulnerabilidade, capacidade, exposição de pessoas, de bens, características e percepções dos riscos e meio ambiente. Entender as emergências e os desastres como fenômenos sociais possibilita vislumbrar a psicologia como contribuinte diante do sofrimento humano (p. 24).

Acerca da correlação entre desastre natural e desastre social é interessante exercitar um pensamento ecológico, no sentido de compreender os ciclos da natureza como sendo normais e não desastrosos. Os eventos considerados catastróficos que têm sua origem em elementos e fenômenos da natureza, não passam de eventos naturais que encontram em seu caminho a presença do ser humano com seu modus vivendi, suas intervenções tecnológicas, sua ocupação de espaços, seus comportamentos em relação ao meio ambiente, etc. Licco (2013, p. 27) elucida:

Os desastres são melhor entendidos se vistos como resultado da complexa interação entre um evento físico potencialmente prejudicial (inundações, secas, incêndios, terremotos e tempestades) e a vulnerabilidade de uma sociedade a ele exposta, caracterizada por aspectos determinados pelo comportamento humano como infraestrutura, governança, educação e economia.

Mattedi (2001) apud Valencio (2014, p. 3632) corrobora essa ideia, quando afirma que “a dimensão social converte-se na pré-condição para que a dimensão natural se torne destrutiva”. Acerca do determinismo na conceituação e na análise dos desastres, é premente que se compreenda que há várias definições e teorias sobre a temática. Uma delas possibilita o despertar com relação à abordagem do desastre: a teoria dos hazards, que segundo Valencio (2014):

[…] enfatiza uma abordagem geográfica, na qual os mecanismos físicos, a distribuição temporal e espacial e dinâmica de eclosão dos eventos físicos têm maior peso, enquanto a teoria dos desastres, construída desde uma abordagem sociológica, enfatiza as considerações sobre a organização social complexa e o comportamento coletivo (p. 3632).

Ou seja, a teoria dos hazards aborda os riscos e as percepções de riscos sob um olhar de mensuração quantitativa e determinista. Por outro lado, a teoria sociológica dos desastres os enxerga como um “problema social que revela as singularidades dos modos de conflito e coesão social que afloram nesse contexto de crise.” (Valencio, 2014, p. 3633).

Com uma visão condizente com a teoria sociológica dos desastres de Norma Valêncio, Maritza Montero amplia o entendimento da questão com sua concepção de fortalecimento comunitário, no qual se preconiza a existência de diversos processos comunitários merecedores de validação:

La participación, sin la cual no puede fortalecerse una comunidad; la conciencia que permite superar las formas de entendimiento negativas y desmovilizadoras tales como la alienación, la ideologización y la pasividad; el ejercicio del control por parte de la comunidad; el poder, que acompaña al control; la politización considerada como la ocupación del espacio público y la conciencia de los derechos y deberes inherentes a la ciudadanía. (2004, p. 6)[4].

Este trabalho se propõe a realizar, ainda, uma reflexão acerca da visão tecnicista, geográfica e determinista dos desastres, bem como de que forma, da perspectiva psicológica, se pode expandir o entendimento sobre o tema e possibilitar a atuação de profissionais da psicologia em cada fase das crises, emergências e desastres, considerando os múltiplos aspectos desses eventos.

1.2.3 O fazer da Psicologia em desastres

 Acerca do trabalho de profissionais de psicologia em situações de crises, emergências e desastres, Sant’Anna Filho & Lopes (2017, p. 22) advogam que a presença da psicologia nas ações de Proteção e Defesa Civil é necessária, dado que os prejuízos decorrentes de desastres precisam ser minimizados e a presença de profissionais de psicologia produz sensação de segurança na população atingida. Tendo em vista a gestão integrada do risco e as cinco fases estabelecidas pela Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC – prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação – a nota técnica do Conselho Federal de Psicologia, de 13 de dezembro de 2016, julga que profissionais de psicologia devem estar inseridos e atuantes em todas elas (Sant’Anna Filho & Lopes, 2017, p. 20-21).

Nas duas primeiras fases, prevenção e mitigação, dentre outras atividades, profissionais de psicologia podem atuar na capacitação de profissionais de órgãos de primeira resposta às emergências e desastres, bem como na educação das comunidades para a percepção de riscos; podem atuar, também, na elaboração e execução de projetos de mapeamento de áreas de risco e redução de vulnerabilidade social. Na fase de preparação as atividades envolvem apoio às comunidades no desenvolvimento de planos de contingência.  Na fase de resposta o foco é o atendimento imediato aos atingidos pelo desastre, às equipes de saúde e aos profissionais de primeira resposta; outra atividade importante nessa fase é o apoio no gerenciamento dos abrigos temporários. Na fase de recuperação pós-desastre, profissionais de psicologia devem prosseguir no apoio aos profissionais de primeira resposta e aos indivíduos atingidos que ainda necessitem de atendimento; participam, ainda, da apuração das necessidades da comunidade a fim de criar planos de reconstrução (Sant’Anna Filho & Lopes, 2017, p. 73).

No período pré-desastre ou pré-impacto, dentre inúmeras atividades, é possível e essencial que profissionais de psicologia tenham sua contribuição na mobilização social das populações socioeconomicamente fragilizadas, na formação de redes de apoio, na articulação de instituições, na elaboração e execução de programas de percepção e comunicação de riscos, na sensibilização das comunidades para participação na gestão de riscos e desastres, na inclusão de indivíduos com condições e necessidades específicas (idosos, crianças, gestantes, deficientes, etc.) e no estímulo à participação de minorias (Furtado, 2015, in Sant’Anna Filho & Lopes, 2017, p. 134). A atuação de profissionais de psicologia no pré-impacto se configura, assim, como predominantemente social e comunitária.

O impacto é o momento em que o desastre se manifesta, em que o risco se concretiza. Durante esse período de tempo, que varia de acordo com o tipo de evento, os atingidos podem experimentar diversos sinais e sintomas físicos, emocionais e comportamentais característicos de estresse, que, segundo Lipp (2000) apud Sant’anna Filho & Lopes (2017, p. 35) é “um estado de tensão que causa uma ruptura no equilíbrio interno do organismo”. É a partir da fase de impacto que se desenha o cenário do pós-impacto; é nela, dependendo do tipo de desastre, que pode se iniciar o trabalho de profissionais de psicologia no apoio imediato aos atingidos e aos profissionais de primeira resposta. No pós-impacto ou pósdesastre, os efeitos deletérios do ocorrido se amainam paulatinamente. Nessa fase a atuação e os esforços de todos os profissionais, inclusive os da psicologia, deverão se concentrar em reabilitar e assistir a indivíduos e comunidades (Sant’Anna Filho & Lopes, 2017, p. 67).

2. OBJETIVOS
2.1. Objetivo geral

O objetivo geral do trabalho é descrever as possibilidades de atuação de profissionais da Psicologia em situações de emergências e desastres com foco nas enchentes do rio Acre.

2.2. Objetivo específico

Os objetivos específicos do presente estudo são:

  • Discriminar as possibilidades de atuação de profissionais de psicologia em pré, durante e pós-desastre nos períodos de alagação;
  • Descrever como tal atuação poderia ocorrer no município de Rio Branco.
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para fins de pesquisa optou-se pela modalidade bibliográfica, exploratória e documental, com busca e levantamento de fontes que tratassem tangencial ou diretamente do tema proposto e que contemplassem as palavras-chave e os objetivos da pesquisa. Foram coletadas informações em documentação oficial de instituição pública municipal, literatura impressa correlata ao tema, bem como e-books e artigos científicos, teses e dissertações publicadas em periódicos e reunidos em base de dados na internet

Com o objetivo de tornar a pesquisa fidedigna, foram estabelecidos critérios de inclusão e de exclusão de trabalhos científicos a serem coletados de base de dados e analisados. O primeiro critério de inclusão foi a presença das palavras-chave do presente estudo, quais sejam: psicologia das emergências e dos desastres, gerenciamento de risco e desastre, enchentes; para fins de refinamento, embora não sejam palavras-chave, foram incluídos na pesquisa: inundações, risco e desastre. O segundo critério foi a congruência entre as áreas temáticas dos artigos pesquisados e a área do presente estudo – ciências humanas e psicologia – e o diálogo com os objetivos da presente pesquisa. 

O terceiro critério adotado foi o período de produção e publicação dos trabalhos; visto que o fator atualidade é de suma importância em pesquisa científica, optou-se por pesquisar apenas artigos produzidos e/ou publicados entre 2015 e 2021. Outro critério de inclusão foi o idioma; a opção por artigos originalmente em língua portuguesa ou língua espanhola se deu em razão da necessidade de ampliar a busca para além do idioma nativo, porém, restringindo a pesquisa a apenas um idioma estrangeiro de modo a não a tornar demasiadamente ampla, sob risco de perda do foco inicial.

Como critério de exclusão foi adotado a não correlação de áreas temáticas – psicologia, ciências humanas – ou seja, foram descartados todos os artigos científicos que, após filtragem, foram identificados como da área das ciências do meio ambiente e ciências da saúde.

  Algumas dificuldades foram encontradas no tocante às plataformas de busca, quais sejam: indexadores com mais trabalhos em língua inglesa, maior quantidade de trabalhos com mais de 5 anos de publicação, plataformas com acesso restrito para acadêmicos das instituições às quais pertencem e bases de dados com exigência de pagamentos de taxas e/ou assinaturas para fins de acesso e pesquisa. Portanto, foi estabelecido que as buscas on-line seriam concentradas na plataforma SciELO

Na referida base de dados a pesquisa pelo termo enchentes resultou em 107 trabalhos. Porém, com a filtragem de idiomas os resultados caíram para 81. Ao limitar a busca às produções e publicações de 2015 a 2021, o resultado foi um número de 25 estudos. Ao afunilar a busca por área temática de ciências humanas, os artigos restantes foram 03 (três). Por meio da leitura do resumo e das palavras-chave foi constatado que um dos artigos concentra seu foco em Psicologia Comunitária, porém não dialogava com os objetivos desta pesquisa. 

O segundo artigo científico, trouxe como palavras-chave o termo inundações, sinônimo de enchentes, porém pela leitura do resumo constatou-se que o mesmo se tratava de um artigo da área das ciências exatas e da tecnologia sem correlação com o presente trabalho. O terceiro e último trabalho não apresentou entre suas palavras-chave nenhum dos termos correlacionados – enchentes ou inundações sendo excluído da seleção por também focar em ciências do meio ambiente sem relação com os objetivos da pesquisa em tela. Ao final constatou-se que a busca pelo termo enchentes em artigos científicos de ciências humanas e psicologia não resultou em nenhum artigo. 

Acerca do termo psicologia das emergências e dos desastres, a busca na plataforma SciELO entregou, sem filtragem, exatos 03 resultados: dois artigos em língua portuguesa e um em língua espanhola. Por meio da leitura das palavras-chave dos resumos, constatou-se que o artigo mais antigo, datado de junho de 2015 e publicado na revista Psicologia: ciência e profissão, trata do assunto de forma direta, realizando uma revisão de literatura.

O segundo artigo, datado de novembro de 2020 e também publicado na revista Psicologia: ciência e profissão, trata-se de uma pesquisa qualitativa de análise do discurso, que aborda o tema da vulnerabilidade social correlacionando-o com a questão dos desastres. Apresentou em suas palavras-chave os termosrisco e desastres, o que dialoga com os objetivos desta pesquisa. O terceiro artigo, de junho de 2020, com publicação em de fevereiro de 2021 na revista mexicana Sanidad Militar. É uma revisão de bibliografia da área da Psicologia Militar, que apresentou entre suas palavras-chave os termos primeros auxilios psicológicos e intervención en crisys y emergencias, estabelecendo conexão com esta pesquisa.

Ao pesquisar o termo gerenciamento de risco e desastre a base SciELO apresentou cinco resultados. Com a limitação de artigos em língua portuguesa ou língua espanhola e, após a delimitação do período de tempo entre 2015 e 2021, os resultados reduziram para apenas 01 artigo relacionado a tecnologia da comunicação. Pela leitura do resumo foi detectado que o artigo não contempla o tema nem os objetivos. A busca pelo termo risco e desastre apresentou 08 artigos. Por meio de leitura de resumos foi comprovado que apenas 01 concatena com o tema desta pesquisa e com seus objetivos.

Ao todo foram encontrados 123 artigos e descartados 119, permanecendo os quatro artigos que serão identificados no trabalho por numeração correspondente, conforme descrito na Tabela 1: 

Artigo nºTítuloAutores(as)Ano de publicação
1Psicologia nas Emergências: uma nova prática a ser discutida.Paranhos & Werlang2015
2Educação permanente sobre a atenção psicossocial emSantos,      Dias      & Alves2019
 situação de desastres para agentes comunitários de saúde: um relato de experiência.  
3Discursos (Sobre)Viver nos territórios de risco da região metropolitana do RecifeSilva & Menezes2020
4La psicología militar en la prevención de salud mental durante la pandemia por SARS-Cov-2 García-Real, García- Silgo,            Conejo- García et al2020

Tabela 1: Descrição dos artigos. 

3.1 Categorias de Análise

As categorias de análise representam a classificação das unidades significativas de um texto, isto é, o agrupamento de elementos que apresentam conceitos, ideias ou representações análogas entre si, e que dão sentido ao conteúdo dos escritos. (Bardin, 1977). A partir da leitura dos artigos selecionados para o presente trabalho, foram elaboradas três categorias de análise baseadas nas convergências entre eles, ou seja, em aspectos comuns aos quatro. As categorias foram definidas e ordenadas da seguinte forma: do conceito de desastres, das ações em desastres e dos recursos psicossociais de enfrentamento. 

  • Do conceito de desastres: Conforme já mencionado, estabelecer o que é um desastre é tarefa árdua, porém, essencial. Sendo assim, nesta primeira categoria foram agrupadas as definições, encontradas nos quatro artigos. Tais definições são dadas por meio de: conceituação direta, descrição de tipos de desastres, diferenciação entre desastre, emergência e risco, referência às consequências dos desastres e reflexões acerca de seus significados.   
  • Das ações em situação de desastres: A segunda categoria de análise trata das ações em situação de desastre. Estas, como já mencionado no presente trabalho, são empregadas em três momentos distintos: no pré-desastre, durante o desastre – momento do impacto – e no pós-desastre. Independentemente do tipo de evento, é possível afirmar que os desastres têm causas multifatoriais. Portanto, as ações em desastres tendem a lograr êxito quando executadas de forma multidisciplinar.
  • Dos recursos de enfrentamento: consoante já tratado nesta pesquisa, é sabido que em situações de crises os indivíduos e as comunidades se defrontam com adversidades próprias de cada fase. Em cada momento dos desastres são evocados recursos específicos para o enfrentamento. Nesta categoria são reunidas as referências aos processos e métodos de enfrentamento constantes nos artigos selecionados. 
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 
4.1 Do conceito de desastres

Apesar de uma heterogeneidade de representações que geram dificuldade para uma conceituação cabal do termo desastre, os quatro artigos científicos trazem elementos significativos para se compreender o conceito: perigo imediato, desorganização do funcionamento normal de comunidades e/ou indivíduos vulneráveis, ameaça à integridade emocional e física de indivíduos, resultado de eventos adversos, dentre outros.

No artigo nº 1 encontramos os desastres sendo classificados juntamente com catástrofes, emergências e acidentes:

Situações de desastres, catástrofes, emergências ou acidentes podem ser classificados como eventos desencadeadores de estresse, por seu caráter imprevisível e pelo perigo imediato que representam à integridade física e emocional das pessoas envolvidas, requerendo, desta forma, ações imediatas […]. Qualquer emergência e desastre é resultado de um risco não manejado, ou seja, a probabilidade de que um perigo impacte sobre um sistema socioeconômico com certo nível de vulnerabilidade. (p. 560 – 561).

            O artigo nº 2 define desastre como:

[…] a relação bilateral de risco e vulnerabilidade, isto é, trata-se de um evento que extrapassa o limite do risco, efetivando-se em um ambiente vulnerável, de modo a alterar o funcionamento e o modo de levar a vida da comunidade afetada. (p. 201).

No artigo nº 3 os autores delimitam o sentido do desastre por um viés sociológico e, apesar de o artigo não trazer definição fechada, classifica os desastres em intensivos e extensivos, sendo estes caracterizados por maior frequência em suas ocorrências e menores danos ocasionados, e aqueles os de menor frequência, porém mais localizados e com consequência mais graves (p. 3). Tal classificação, por si mesma, representa uma conceituação.

          O artigo nº 4 trata do desastre em termos de consequências para a saúde mental:

Con los años, la literatura científica va determinando con más exactitud cuál es el impacto de los desastres y las emergencias en la salud mental, destacando que por cada persona afectada por daño físico hay cuatro afectadas por daño psicológico. En estas situaciones, es común que la población general experimente síntomas de ansiedad, depresión, problemas para dormir o problemas psicosomáticos. (p. 118 – 119)[5].

 A ideia de conceituar o desastre a partir das representações dos indivíduos e comunidades, está em conformidade com o preconizado pela Comissão de Psicologia das

Emergências e Desastres do Conselho Federal de Psicologia, que considera que “a conceituação de um evento como desastre depende da perspectiva daquele que o nomeia e do lugar que ele ocupa nessa interação com o evento” (Sant’Anna Filho & Lopes, 2017, p. 23). Quanto às consequências psicológicas, o exposto pelo artigo nº 4 coaduna com a ponderação de Sant’Anna Filho & Lopes:

Os desastres podem provocar medo, horror, sensação de impotência, confrontação com a destruição, com o caos, com a própria morte e/ou de outrem, bem como perturbação aguda em crenças, valores e significados. Para haver um desastre é necessária a combinação de um conjunto de fatores como ameaças, exposição, condições de vulnerabilidade e insuficiente gestão integral de riscos. (2017, p. 24).

Independentemente das interpretações sobre o conceito de desastres, é premente lançar o olhar aos efeitos imediatos e ao significado desses acontecimentos para indivíduos e grupos, compreendendo que nem todo evento com efeitos deletérios é considerado desastre em todos os contextos culturais e em todos os momentos da vivência humana. 

4.2 Das ações em situação de desastre

Acerca das ações em situação de desastre é necessário considerar que seus três momentos são atravessados por questões socioeconômicas, psicológicas, individuais e comunitárias dentre outras. Analisando os quatro artigos é possível verificar a descrição de ações com características psicologizantes e ações focadas em aspectos sociocomunitários.

O artigo nº 1 traz como forma de intervenção o estímulo ao desenvolvimento de potencialidades de indivíduos e/ou comunidades afetadas. Para tanto, lança mão de pressupostos da Psicologia Positiva, de Martin Seligman, bem como da Teoria de Crise, de Gerald Caplan, definindo que:

[…] a resolução também receberá influência dos recursos pessoais do sujeito e dos recursos sociais que estão disponíveis. E aqui, nos dois últimos tópicos, o psicólogo deve se centrar, ou seja, no olhar para o que o sujeito tem de competências individuais para o manejo da situação e que recursos podem ser ativados para o contorno desta (p. 565).

[…] intervenção em crise é um procedimento para exercer influência no funcionamento psicológico do indivíduo durante o período de desequilíbrio, aliviando o impacto direto do evento traumático. O objetivo é ajudar a acionar a parte saudável preservada da pessoa, assim como seus recursos sociais, enfrentando de maneira adaptativa os efeitos do estresse (p. 566).

Ainda tratando de ações e intervenção em desastres, o artigo faz referência, aos protocolos de Primeiros Auxílios Psicológicos – PAP, caracterizados como sendo:

[…] uma resposta humanitária de apoio a seres humanos que se encontram em sofrimento e precisam de apoio, envolvendo os temas de prestação de cuidado prático sem ser intrusivo, de avaliação de preocupações atendendo as necessidades mais básicas, de conforto e conexão a fontes de informação seguras e apoio social disponível, e, sobretudo, proteção aos afetados no sentido de evitar maiores danos (p. 566).

 Levando em consideração o caráter biopsicossocial de indivíduos e comunidades, o artigo nº 2 cita, sem detalhar, a importância dos Primeiros Cuidados Psicológicos – PCP, e define o propósito dos primeiros cuidados psicossociais, qual seja:

[…] reduzir o estado de estresse, com o objetivo de prevenção de patologias. Também auxiliam sujeitos que apresentam dificuldade em elaborar e ressignificar a experiência do evento; contribuem para o enfrentamento das dificuldades atreladas à mudança de rotina; ajudam no alojamento temporário e as famílias a encontrarem momentos privativos (p. 201).

O artigo nº 3 não é específico acerca das intervenções, mas as problematiza a partir da garantia de direitos e da não patologização das vítimas de um desastre. Preconiza, ainda, que profissionais de psicologia devem desenvolver uma visão ampliada sobre o pós-desastre, a fim de compreender as relações no território, bem como as questões político-sociais (p. 4).

O 4º artigo, por sua vez, trata da intervenção em crises e desastres em termos psicológicos e sociais. Em vista disso, aborda o caráter psicossocial do atendimento em saúde nos desastres, citando quatro níveis de cuidado: serviços básicos e seguridade, apoio familiar e comunitário, apoio não especializado e serviços especializados de psicologia e psiquiatria. No sentido da intervenção imediata são descritos os Primeros Auxilios Psicológicos – PAP[6] como parte do nível de apoio não especializado que, segundo os autores:

[…] se centran, por tanto, en fomentar la resiliencia de las personas para afrontar la situación crítica y las consecuencias que de ella se puedan derivar. Estas intervenciones se realizan puntualmente, en una o contadas sesiones, teniendo en cuenta los principios establecidos por los PAP. Los PAP se diseñaron para promover elementos cruciales en las primeras fases de las crisis, como la percepción de seguridad, calma, eficacia propia y comunitaria, conexión y esperanza. Los PAP son una práctica basada en la información, ampliamente respaldada por el consenso de expertos, menos estigmatizante que las intervenciones psiquiátricas y completamente integrada en el apoyo psicosocial en desastres y emergencias […] (p.120)[7].

Observando o entendimento geral dos quatro artigos apresentados, pode-se conceber que as práticas mais fundamentais em situações de crises estão voltadas, em linhas gerais, ao cuidado humano. Pode-se perceber também, uma distinção entre primeiros cuidados psicossociais e primeiros cuidados ou socorros psicológicos, sendo estes parte integrante daqueles.

4.3 Dos recursos de enfrentamento

 Emergências, crises e desastres, por serem acontecimentos geradores de grande tensão, demandam, para seu combate, a associação de vários mecanismos de mitigação. A construção de tais mecanismos depende não somente das condições externas e sociais, no tocante ao apoio recebido, mas também das competências individuais dos atingidos. Nos quatro artigos selecionados para análise, foi observada a recorrência de determinadas noções que elucidam as capacidades de enfrentamento presentes no contexto de adversidades.

 O artigo nº 1 apresenta a potencialidade de superação de infortúnios como principal recurso de enfrentamento de pessoas afetadas por situações catastróficas. Lançando mão da Psicologia Positiva, afirma que mesmo a intervenção deve considerar que “a pessoa possui habilidades e condições de superação de forma positiva do estresse desencadeado e que a intervenção possui seu foco na prevenção para que o caminho já disponível ocorra da melhor forma possível” (p.565). 

 O artigo de nº 2 indica que o cuidado seja personalizado aos indivíduos em crise, enfatizando que, ainda que haja algum nível de sofrimento psíquico, “nem todas as pessoas afetadas por tal evento estarão traumatizadas” (p. 201). No 3º artigo um dos artifícios aludidos para resistência em situações de crises é o resgate da espiritualidade. Segundo o trabalho, a busca pelo divino surge “como tentativa de apelo diante da falta de assistência e descaso por parte daqueles que deveriam promover o cuidado” (p. 13). Aborda também a resistência da comunidade em contraposição à noção de resiliência, fazendo, assim, uma diferenciação entre os dois conceitos: resiliência e enfrentamento da crise como recurso dos mais adaptáveis e resistência e reivindicações como recurso dos que demonstram menor capacidade de adaptação na crise (p. 3). 

 Por fim, o 4º artigo traz a resiliência como um dos recursos principais para superação face aos desastres. Outro mecanismo mencionado para lidar com a crise é a capacidade de avaliação de riscos: 

[…] la evaluación es un proceso cognitivo que actúa en dos fases. En la primera, la persona analiza los riesgos o estresores y sus posibles consecuencias y, si el resultado indica que puede haber daño o malestar, en la evaluación secundaria, pasaría a identificar con qué recursos cuenta y qué acciones puede implementar para reducir o eliminar dicha gravedad[8] (p. 120).

 De modo geral, os recursos de enfrentamento expostos nos quatro artigos, fazem referência aos atributos individuais como capacidade de demonstrar resiliência e potencial psíquico para superação de consequências nocivas dos desastres.

 O apanhado de informações dos artigos e da literatura impressa consultada para a presente pesquisa, bem como sua explanação, amplia o olhar acerca da realidade do município de Rio Branco no que concerne às inundações provenientes das cheias sazonais do rio Acre e à presença de profissionais da Psicologia nos referidos eventos. Pelo exposto, é possível discorrer sobre como psicólogos podem ser inseridos de modo mais significativo no contexto desse desastre socionatural na capital do estado do Acre.

5. DAS POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO DE PROFISSIONAIS DE PSICOLOGIA NAS ALAGAÇÕES DE RIO BRANCO

Como já abordado neste trabalho, o município de Rio Branco se desenvolveu às margens do rio Acre e é afetado periodicamente por inundações fluviais de magnitudes variáveis, principalmente entre os meses de dezembro e abril. Podem ser citadas de 1971 a 2015, 18 enchentes de grande proporção. Dados do Plano de Contingência Operacional de Enchente (2019, p. 9), referem que no ano de 2015 foi registrada em Rio Branco a maior inundação na história do município, com o nível das águas atingindo a marca de 18,40 metros. De acordo com Santos (2015, p. 221; 224) a enchente de 2015 inundou por volta de 25% do território, gerando a necessidade de construção de 29 abrigos públicos que foram ocupados por famílias desabrigadas durante 43 dias. A situação de transbordamento do rio perdurou por 32 dias e a enchente atingiu, de forma direta e indireta, cerca de 100.000 pessoas na capital.

De acordo com o Plano de Contingência, o desastre hidrológico no estado do Acre se tornou “um problema histórico-social, que ao longo dos tempos, vem acarretando grandes prejuízos econômicos e sociais às pessoas atingidas, bem como, ao poder público que tem por força legal a atribuição de atender estes tipos de desastres”. (2019, p. 6 – 7). O Plano de Contingência destaca, ainda, que:

O processo de preparação para resposta a emergências de desastres extremos necessita de ação integrada, coordenada e de planejamento estratégico, que envolva e mobilize todos os órgãos da administração direta e indireta; bem como, os órgãos setoriais que compõem o Sistema Municipal de Defesa Civil, gerando comprometimento e responsabilidades, dentro de suas atribuições, com base no que preceitua o Decreto Municipal nº 4. 074 de 31 de outubro 2012. (p. 45).

 Com as atenções voltadas para uma ação integrada e uma mobilização da administração pública na preparação para os desastres e na mitigação de suas consequências, é interessante ponderar a multidisciplinaridade das atividades, visto que desastres são eventos multifatoriais. Nesse sentido, a presença e contribuição de profissionais de psicologia no manejo das enchentes no município de Rio Branco, se faz extremamente necessária em todas as fases de ação. O trabalho de profissionais de psicologia nesse tipo de evento deve coadunar com os princípios da gestão integrada em riscos e desastres e com uma gestão baseada na comunidade.

            De acordo com Sant’Anna Filho & Lopes (2017):

A gestão integrada de riscos e desastres diz respeito à identificação, ao mapeamento e à análise daqueles aos quais determinadas comunidades e pessoas estão expostas, de modo a elaborar programas, planos e medidas com a finalidade de prevenir e/ou mitigar os riscos relativos a essa exposição. (p. 68).

Com relação à gestão de risco de desastre baseada na comunidade, Furtado (2015) define que esta:

[…] se fundamenta na participação da população no processo de gestão. Refere-se a uma forma específica de criação de capacidades, em nível local, na qual se reconhece que os governos, sozinhos, não podem atingir a redução significativa de riscos de maneira sustentável (p. 128).

Assim, profissionais de psicologia, enquanto componentes essenciais em toda e qualquer equipe multidisciplinar, podem exercer suas atividades respeitando necessidades e organização da comunidade e o planejamento estratégico do Sistema Municipal de Defesa Civil. Tratando, ainda, da fase de gestão de risco, que corresponde ao pré-desastre, nas atividades de prevenção, Coêlho (2010) apud Sant’Anna Filho & Lopes (2017) afirma que:

O psicólogo pode cooperar com as Unidades Básicas de Saúde – UBS, nos Centros de Referência e Assistência Social – CRAS, realizando atividades nas escolas e nas comunidades, com o intuito de avaliar se os indivíduos têm consciência de que moram em áreas de risco, bem como estabelecer vínculo com a população, pois, caso haja um evento adverso, ele terá muito mais propriedade para trabalhar com os indivíduos (p. 74-75).

No caso do município de Rio Branco essa articulação com as UBS e os CRAS pode oportunizar o desenvolvimento de uma cultura de preparação e a formação de percepção de risco na comunidade vulnerável. Outro benefício de articulação desta natureza é a possibilidade de despertar a comunidade para a necessidade de mobilização junto ao poder público. Na fase de resposta ao desastre de enchente em Rio Branco, que se inicia no impacto e segue um continuum até o pós-impacto, as ações a serem desenvolvidas são descritas no Plano de Contingência Operacional de Enchente (2019, p. 46): 

  • Socorro à população em risco: estabelecimento de abrigos, retirada da população das áreas de risco e transporte para abrigos;
  • Assistência: assistência médica, assistência social, assistência alimentar, segurança nos abrigos e segurança nas residências;
  • Reabilitação do Cenário Afetado: saneamento básico, desinfecção de casas atingidas, desinfestação de casas atingidas, limpeza e desobstrução de ruas e avenidas, limpeza de parques e obras públicas.

No trabalho de socorro à população em risco, profissionais de psicologia são essenciais na organização e apoio nos abrigos, como já descrito nesta pesquisa. Nestes locais poder-seia implementar serviços de escuta e acolhimento psicológico em regime de plantões. Os profissionais devem ser igualmente inseridos na ação de retirada da população de áreas de risco, posto que a baixa percepção de risco de indivíduos, ocasionalmente, demandará um trabalho de convencimento quanto à remoção. Para tanto se exigirá competências para realização de rapport e escuta reflexiva, ações integrantes de protocolos de Primeiros Socorros Psicológicos. Entretanto, havendo carência de profissionais de psicologia para lidar com a circunstância, é recomendado o emprego do apoio não especializado, que pode ser executado por voluntários previamente treinados.

Dentre as atividades de assistência descritas no Plano de Contingência é notória a ausência de assistência psicológica, a qual se distingue da assistência social e da assistência médica, tanto em sua natureza quanto na forma de atuar. Levando em consideração os quatro artigos analisados no presente estudo, infere-se que seus princípios e noções sobre o delineamento, as ações e os recursos empregados nos desastres confluem, juntamente com as demais literaturas consultadas, para a compreensão geral de que a atuação de profissionais psicólogos nas enchentes riobranquenses deve ser pautada no senso de comunitarismo e centrada nas necessidades e potencialidades do ser humano.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relevância desta pesquisa se ancorou no fato de haver escassez de estudos sistematizados, com rigor acadêmico e específicos acerca do trabalho de profissionais de psicologia em situações de emergências e desastres socionaturais no estado do Acre. Com relação ao aspecto social, a pesquisa foi importante para dar destaque à contribuição da Psicologia em cenários de crises e desastres, visto que sua presença nestes eventos ainda tem sido incipiente, apesar de extremamente necessária, tendo em conta o contexto de aumento de situações-limite e catástrofes socionaturais, tecnológicas, sanitárias, etc. que o mundo tem enfrentado intensa e frequentemente. 

O processo de elaboração do presente trabalho, a exemplo da ocorrência de crises, foi permeado de adversidades de ordem individual e coletiva, em consequência do momento de calamidade sanitária causada pela pandemia viral que há mais de um ano assola a humanidade. Tal evento, além de impossibilitar o transcorrer normal de atividades diárias, tem ocasionado considerável estresse psicológico e insegurança geral pela perda da vida presumida. Estes aspectos influem significativamente no decurso da realização de quaisquer projetos.

Inicialmente a pretensão era a realização de uma pesquisa empírica, com trabalho de campo e relatos de casos de situações reais vivenciadas por moradores atingidos pela cheia de 2015 no município de Rio Branco, bem como de agentes públicos que atuaram no apoio às vítimas da cheia. Porém, a viabilidade de realização de pesquisa de campo foi descartada, dado o exíguo tempo para a conclusão do trabalho e outras contingências relacionadas ao processo de coleta de dados nesse período de pandemia de COVID -19. 

Tendo em vista que a Psicologia das Emergências e dos Desastres se encontra em ascensão no Brasil, convém a realização de mais estudos na área, especialmente sobre o trabalho de profissionais de psicologia em desastres socionaturais, como as enchentes em Rio Branco. Percebendo estas como eventos de efeitos deletérios não somente aos patrimônios públicos e privados, mas a indivíduos, vislumbra-se a demanda por estudos a respeito das representações biopsicossociais de pessoas afetadas por alagações.

No tocante aos objetivos do trabalho, foram todos contemplados a contento, porquanto a literatura consultada, tal como os artigos selecionados para análise, apresentou possibilidades de atuação de profissionais de psicologia em todas as fases dos desastres. Tomando os conteúdos como base foi possível considerar inúmeras alternativas viáveis de inserção da Psicologia e de seus profissionais no contexto dos desastres hidrológicos riobranquenses.

7. REFERÊNCIAS

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Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.

Brasil (2016). Estudo de alternativas para a regularização das cheias do Rio Acre – Diagnóstico preliminar. CPRM – Serviço Geológico do Brasil.

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Furtado, J. R. (Org). (2015). Mobilização comunitária para a redução de riscos de desastres. Florianópolis: Ceped UFSC.

Kover, A. J. H. (1987). What is a disaster? Prehospital and Disaster Medicine, 2. Licco E. A. (2013). Vulnerabilidade social e desastres naturais: uma análise preliminar sobre Petrópolis, Rio de Janeiro. Rev. de Saúde, Meio Ambiente e Sustentabilidade; 8 (1):25-41.

Montero, M. (2009). El fortalecimiento en la comunidad, sus dificultades y alcances. Universitas Psychologica, 8(3), 615-626. Retrieved January 14, 2021, from http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S165792672009000300003&lng=en&tlng=.

Morais, M. J. (2000). Rio Branco-AC, uma cidade de fronteira: O processo de urbanização e o mercado de trabalho, a partir dos planos governamentais dos militares aos dias atuais. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

Sant’Anna Filho, O.; Lopes, D. C. (2017). O psicólogo na redução dos riscos e desastres: teoria e prática. São Paulo: Hogrefe.

Santos, G. L. P. (2019). Plano de Contingência Operacional de Enchente. Coordenadoria Municipal de Defesa Civil.

_____________(2015). Vida por vidas–sem trégua! São Paulo: Scortecci.

Valencio, N. F. L. S. (2010). Desastres, ordem social e planejamento em defesa civil: o contexto brasileiro. Saúde e Sociedade, 19(4), 748-762. https://doi.org/10.1590/S010412902010000400003.

________________(2014). Desastres: tecnicismo e sofrimento social. Ciência & Saúde Coletiva, 19(9), 3631-3644. https://doi.org/10.1590/1413-81232014199.06792014


[1] O termo “alagações”, apesar de fazer parte do léxico da língua portuguesa, não é largamente empregado na linguagem formal e acadêmica. Porém, é empregado no presente trabalho para marcar e valorizar o regionalismo linguístico, por tratar-se do termo comumente utilizado pela população acreana em referência às enchentes do rio Acre.

[2] Os núcleos de povoamento eram as sedes dos seringais, localizados em áreas de várzea alta ou terra firme e onde ocorria produção e comercialização de borracha e outras mercadorias (Dias, 1977, apud Morais, 2000, p. 27 – 28).

[3] O fato recente a que se refere o autor da citação trata-se da maior inundação já registrada na história do Acre, ocorrida em 2015.

[4] A participação, sem a qual uma comunidade não pode se fortalecer; a consciência que permite superar as formas de compreensão negativas e desmobilizadoras como a alienação, a ideologização e a passividade; o exercício do controle por parte da comunidade; o poder, que acompanha o controle; a politização considerada como ocupação do espaço público e a consciência dos direitos e deveres inerentes à cidadania. (Tradução livre).

[5] Ao longo dos anos, a literatura científica tem determinado com mais exatidão o impacto dos desastres e das emergências na saúde mental, destacando que para cada pessoa afetada por dano físico há quatro afetadas por dano psicológico. Nestas situações, é comum que a população em geral experimente sintomas de ansiedade, depressão, problemas para dormir ou problemas psicossomáticos (Tradução livre).

[6] Primeiros Socorros Psicológicos – PSP ou Primeiros Cuidados Psicológicos (Tradução livre).

[7] […] se concentram, portanto, em fomentar a resiliência das pessoas para enfrentar a situação crítica e as consequências que dela podem advir. Estas intervenções são realizadas pontualmente, em uma ou algumas poucas sessões, levando em consideração os princípios estabelecidos pelos PAP. Os PAPs foram concebidos para promover elementos cruciais nas fases iniciais das crises, como a percepção de segurança, calma, eficácia própria e comunitária, conexão e esperança. Os PAPs são uma prática baseada na informação, amplamente apoiada por consenso de especialistas, menos estigmatizante do que as intervenções psiquiátricas e totalmente integrada ao apoio psicossocial em desastres e emergências[…] (Tradução livre).

[8] […] a avaliação é um processo cognitivo que funciona em duas fases. Na primeira, a pessoa analisa os riscos ou estressores e suas possíveis consequências e, caso o resultado indique que pode haver dano ou desconforto, na avaliação secundária passaria a identificar quais recursos possui e quais ações pode implementar para reduzir ou eliminar a referida gravidade.


1Universidade Federal do Acre – UFAC
Centro de Filosofia e Ciências Humanas – CFCH Curso de Bacharelado em Psicologia