REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202410121629
Viviana Mendes da Mata1;
Aline Manta da Silva2;
Ana Paula Cardoso Batista Paes Leme3
RESUMO
Introdução: O parto em decúbito dorsal centraliza intervenções invasivas ao invés da autonomia materna, fisiologia e biomecânica do trabalho de parto e parto que são facilitadas por posições não-supinas. Objetivo: Descrever quantitativamente a prevalência de escolha de posicionamento e posições não-supinas no parto mediante assistência conduzida pela equipe de fisioterapia em Saúde da Mulher. Métodos: Estudo seccional quantitativo e descritivo por coleta de dados secundários retrospectivos disponíveis no Banco de Dados Assistencial do serviço de Fisioterapia em Saúde da Mulher de uma maternidade pública de Salvador no período de 2015 a 2019. Resultados: Do total de pacientes atendidas pela equipe multidisciplinar com fisioterapeuta no parto de 2015 a 2019, 35,1% tiveram o parto em decúbito dorsal e 61% em posições não-supinas. 65,4% escolheram a posição que assumiram no parto e 34,3% não escolheram. Conclusão: A assistência ao parto por equipe multidisciplinar com fisioterapeuta promove partos em posições não-supinas e autonomia materna no momento do parto. Palavras-chave: Parto; Obstetrícia; Posição materna; Fisioterapia; Saúde da mulher.
ABSTRACT
Introduction: Childbirth in supine positions centralizes interventions instead of maternal autonomy, physiology and biomechanics of birth which are facilitated by non-supine positions. Objective: To quantitatively describe the prevalence of maternal positioning choice and non-supine positions in childbirth through assistance conducted by a Women’s health physiotherapy team. Methods: Quantitative and descriptive cross-sectional study through retrospective secondary data available on the Assistance Database of the Women’s health physiotherapy service of a public maternity hospital in Salvador from 2015 to 2019. initiated after approval by the Research Ethics Committee and waiver of the informed consent form. Results: Out of the total patients assisted by a multidisciplinary team with Women’s Health physiotherapists during childbirth from 2015 to 2019, 35.1% delivered in the supine position and 61% in non-supine positions. 65.4% chose the position they give birth in and 34.3% didn’t. Conclusion: Delivery assistance by a multidisciplinary team with a physical therapist promotes deliveries in non-supine positions and maternal autonomy during childbirth.
Key-words: Parturition; Obstetrics; Maternal position; Physiotherapy; Women’s health.
INTRODUÇÃO
O parto em decúbito dorsal (DD) ou em posição supina (PS) é um evento recente na história da humanidade e foi descrito no século XVIII caracterizado na posição deitada, supina, semi-deitada ou de litotomia (1). Em um estudo realizado em 1961, Naroll et al. relataram que entre 76 culturas tradicionais, apenas 14 optam espontaneamente por uma posição horizontal para o parto (2). Engelmann e Jarcho observaram que as mulheres, não influenciadas por convenções ocidentais, não adotam posições horizontais e se movimentam durante o trabalho de parto (TP) e parto (3,4).
Nas sociedades industrializadas, a grande maioria das maternidades utiliza protocolos que obrigam mulheres grávidas sem risco gestacional a adotar a posição horizontal ou ginecológica no parto com movimentos restritos (5). Essas condutas têm a referência ergonômica centralizada nas atividades de intervenção da equipe de atendimento, não na autonomia da parturiente e progressão fisiológica do parto (6). Porém, a limitação de movimento em DD se mostra desfavorável para adaptação biomecânica da pelve ao longo do TP e parto, que é facilitada por posições verticalizadas, pois permitem o movimento das articulações pélvicas e a ampliação do canal de parto (7,8).
Deambulação e variação de posições reduzem tensões, duração do trabalho de parto e necessidade de analgesia medicamentosa (9). Posições não-supinas favorecem a ação da gravidade sobre o trajeto e descida fetal e atuam em mecanismos fisiológicos como a descompressão dos grandes vasos maternos, o que consequentemente aumenta a oxigenação e aporte sanguíneo para o feto e placenta e a ventilação pulmonar, e estimula contrações uterinas eficazes (10). Além disso, a posição materna participa na prevenção de distócias, pois posições não-supinas possibilitam a ampliação do diâmetro do canal de parto e ângulo de encaixe (11, 12, 13, 14, 15).
Por isso, a OMS recomenda que as parturientes devem ser informadas dos benefícios das posições verticais e de se manter em movimento. Elas são encorajadas a assumir posições em que sentem mais conforto e respeitadas em suas possibilidades e liberdade de movimento, a menos que clinicamente indicado (16).
Fisioterapeutas em Saúde da Mulher são capacitados para realizar a avaliação e condutas fisioterapêuticas cinesiofuncionais, planejar e executar estratégias de intervenção utilizando recursos gerais e os específicos, como prescrição de exercícios e terapia manual, orientações de posicionamento facilitadores e aplicação de Métodos Não Farmacológicos (MNFs) para alívio da dor (17), sabendo disso, o presente estudo visa descrever quantitativamente a prevalência de escolha de posicionamento (EP) e posições não-supinas (PNS) no parto com assistência conduzida pela equipe de fisioterapia em Saúde da Mulher.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo seccional quantitativo, descritivo e documental, realizado numa maternidade pública de Salvador. Os dados foram coletados por meio de coleta de dados secundários retrospectivos disponíveis no Banco de Dados Assistencial do serviço de Fisioterapia em Saúde da Mulher baseado em informações contidas em prontuários desta maternidade, no período de 2015 a 2019 e organizado em planilha Excel®.
Para a análise desses dados, as pesquisadoras não tiveram contato com as parturientes e não fizeram consulta direta aos prontuários. Por se tratar de pacientes entre os anos de 2015 e 2019 que já perderam continuidade de vínculo com a instituição, foi solicitado ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) a dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apêndice A) e utilização do Termo de Compromisso de Utilização de Dados (TCUD) (Apêndice B). As informações coletadas do Banco de Dados Assistencial foram analisadas por meio de estatística descritiva, calculando-se frequências simples utilizando SPSS. Foram examinados dados das parturientes de risco habitual que evoluíram para parto normal em uma maternidade pública de Salvador e que foram atendidas pela equipe de Fisioterapia em Saúde da Mulher no período entre 2015 e 2019. A partir desses dados foram calculados os indicadores (A) Taxa de escolha de posicionamento; e (B) Taxa de uso de posições não-supinas. Para as variáveis, as estatísticas apresentadas foram as frequências absolutas (n) e as frequências relativas (%). Não foram incluídos dados com erro de registro, incompletos, ou que não se relacionem com os indicadores analisados.
Os dados foram analisados no software IBM SPSS 20, e feita uma análise descritiva quanto a frequência absoluta, mediana e quartis com a finalidade de identificar as características gerais e específicas da amostra estudada. O cálculo da Taxa de escolha de posicionamento por ano foi feito baseado no total de parturientes assistidas pela fisioterapia. O cálculo do indicador foi realizado da seguinte forma, para a taxa de escolha de posicionamento (baseado no total de parturientes assistidas pela fisioterapia) = Total de parturientes assistidas pela fisioterapia que fizeram escolha de posicionamento (ano) x 100 / Nº total de parturientes assistidas pela fisioterapia (ano). A Taxa de uso de posições não-supinas (baseado no total de parturientes assistidas pela fisioterapia) = Total de parturientes assistidas pela fisioterapia que fizeram uso de posições não-supinas (ano) x 100 / Nº total de parturientes assistidas pela fisioterapia (ano).
O projeto de pesquisa faz parte de uma pesquisa mãe intitulada: “Assistência ao parto por equipe de fisioterapia em saúde da mulher” e foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Maternidade Climério de Oliveira para apreciação e iniciada a coleta após sua aprovação. Os aspectos éticos foram devidamente respeitados com base na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, sob o CAEE: nº 58519022.9.0000.5543.
RESULTADOS
Entre o período de 2015 e 2019 um total de 5.641 mulheres que tiveram parto normal foram atendidas em uma Maternidade Pública na cidade de Salvador durante o trabalho de parto e parto (Tabela 1), sendo 2.221 (39,37%) delas acompanhadas pelo serviço de fisioterapia (Tabela 2) e 3.420 (60,63%) não foram acompanhadas pelo serviço. Das mulheres acompanhadas pelo serviço de fisioterapia, 882 (39,71%) tiveram assistência fisioterapêutica durante o parto, correspondendo a 15,64% do total de partos normais da instituição (Tabela 3).
Tabela 1. Total de trabalho de partos e partos normais ocorridos na Maternidade entre o período de 2015 a 2019.
Tabela 2. Acompanhamento anual da assistência obstétrica por equipe multidisciplinar com fisioterapeuta no hospital entre o período de 2015 a 2019.
Tabela 3. Percentual de mulheres que receberam assistência ao parto por equipe multidisciplinar com fisioterapeuta em comparação ao total de mulheres que realizaram parto normal no hospital entre o período de 2015 a 2019.
Das mulheres assistidas no parto por equipe multidisciplinar com fisioterapeuta, 310 (35,1%) tiveram o parto em decúbito dorsal (DD) e 560 (63,5%) tiveram o parto em posições não-supinas, como semissentada ou sentada, ajoelhada ou quatro apoios e agachada, ortostase, agachada ou decúbito lateral (Tabela 4). Das 882 mulheres assistidas no parto, 867 tiveram registros sobre escolha de posicionamento pela parturiente, onde 569 (65,6%) escolheram a posição que assumiram no parto e 298 (34,4%) não escolheram (Tabela 5).
Tabela 4. Posição das parturientes durante o parto assistidas por equipe multidisciplinar com Fisioterapeuta em Saúde da Mulher no período 2015 a 2019.
Tabela 5: Escolha do posicionamento das parturientes durante o parto assistidas por equipe multidisciplinar com Fisioterapeuta em Saúde da Mulher no período 2015 a 2019.
DISCUSSÃO
Através da análise dos dados, foi constatado que a partir da implantação do serviço de fisioterapia em saúde da mulher, houve uma redução nos partos realizados em DD atendidos pela equipe, cujo total foi de 51,5% dos partos em 2015 e, 11,5% em 2019 alcançando a menor taxa de 5,8% em 2018. No que diz respeito aos partos não-supinos, em 2015 totalizaram 55,1% dos partos assistidos e 85,3% em 2019 com uma prevalência total de 47,4% da posição semissentada. Nota-se que a autonomia materna também é evidenciada nos partos assistidos pela equipe de fisioterapia, pois em 2015, quando o serviço foi implantado, 60,8% das mulheres escolheram o posicionamento no momento do parto e em 2019, 94,1% das mulheres tiveram acesso à essa escolha.
Estudos de Nieuwenhuijze et al., 2013 e Nieuwenhuijze et al., 2014 revelam que a experiência de parto das mulheres está associada a implicações de curto e longo prazo na saúde e bem-estar delas (18, 19). Além disso, Nieuwenhuizen et al. demonstram que às mulheres que são dadas uma sensação de controle na escolha sobre a posição de nascimento, constroem autoestima e um sentimento de competência. Portanto, significa que as parturientes precisam ter a chance de se sentirem protagonistas e envolvidas na tomada de decisões, especialmente na posição de parto que elas gostariam de adotar. Há também experiências negativas de nascimento que podem afetar o bem-estar emocional. Algumas mulheres tendem a apresentar depressão, que pode afetar o vínculo entre a mãe e o bebê, levar a evitar futuras gestações e, até mesmo a optar por cesarianas eletivas no futuro (18).
Um estudo brasileiro de 2012 observou que 82,3% de 1.079 mulheres ficam em posições horizontais no trabalho de parto e parto (20). Este estudo também ofereceu um vislumbre da distribuição de outras posições de parto: 16% em decúbito lateral esquerdo, 0,8% agachada ou agachada, 0,7% em quatro apoios e 0,2% em pé. O que pode indicar uma lacuna no que tange a assistência especializada no aspecto biomecânico e cinesiofuncional do parto.
Outro estudo, também brasileiro, avaliou a prevalência de posições de parto supinas e não-supinas ao longo dos anos de 1996 a 2005, com uma variação de 5,5% a 52,23% de partos não-supinos. Em contrapartida, nos partos em posição supina, foi observada uma relação inversa no que se refere ao parto não-supino, que variou de 62,9% a 13,8% (21), refletindo a tendência das posições não-supinas gradativamente se tornando mais presentes a partir do estímulo adequado da equipe obstétrica, entretanto não trouxe dados sobre a autonomia na escolha das posições pelas parturientes.
Segundo Niy et. al, a liberdade de movimento fica condicionada à prescrição ou ordens médicas, tendendo a ser mais estimulada durante o trabalho de parto do que no parto, quando as parturientes geralmente são encaminhadas para a cama e colocadas em posição supina. Ainda segundo o mesmo estudo, a falta de informações claras sobre autonomia das parturientes na escolha de posições de parto faz com que essas entendam que devem ser submetidas às preferências dos profissionais assistentes (22). Nenhum dos estudos citados contou com fisioterapeutas inseridos na equipe (21, 22)
O conhecimento do cenário da assistência ao parto pela equipe de Fisioterapia em Saúde da Mulher de uma maternidade pública da cidade de Salvador, permitirá à sociedade científica e gestores um melhor entendimento para aplicação de condutas e recursos em benefício das usuárias do serviço. Ainda se fazem necessários estudos mais aprofundados em relação aos desfechos, associação entre variáveis e comparativos com grupo controle.
CONCLUSÃO
Este estudo evidencia que nos cenários em que a equipe multidisciplinar conta com assistência fisioterapêutica, as taxas de parto realizado em posição não-supina são superiores às taxas encontradas na literatura, assim como um crescimento na taxa de escolha de posicionamento materno a partir da implantação do serviço de Fisioterapia em saúde da Mulher, indicando que a inclusão da fisioterapia na equipe multidisciplinar de assistência ao parto acompanha a mudança da cultura obstétrica local para a promoção eficaz das condutas que fortaleçam a autonomia materna e a realização de partos em posições biomecanicamente favoráveis. Ainda se fazem necessários novos estudos sobre a correlação das posições de parto e autonomia materna, pois a análise dessa dinâmica não foi o objetivo deste trabalho.
REFERÊNCIAS
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1Especialista em Saúde da Mulher
2Especialista em Saúde da Mulher
3Mestre em Família na Sociedade Contemporânea