PONDERAÇÃO ENTRE O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DO DIREITO A VIDA PRIVADA

WEIGHING UP THE CONSTITUTIONAL PRINCIPLE OF FREEDOM OF EXPRESSION AND THE RIGHT TO PRIVACY.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10203937


ANDRESSA VANESSA CASTRO DA SILVA1
ORIENTADORA: PROFA. ADILZA RITA DE AMARAL2


RESUMO

O presente artigo visa fazer uma análise sobre como é feita a necessária ponderação dos princípios constitucionais da liberdade de expressão em detrimento do princípio da inviolabilidade da vida privada, analisando a forma como vem sendo tratado o tema pelos tribunais e doutrinadores. Há tempos a inviolabilidade da vida privada vem sendo posta à prova em suas limitações quando confrontada com a liberdade de expressão. Ocorre que por se tratarem de princípios de uma subjetividade sui generis, é complexo ponderá-los na aplicação prática, porém, a inafastabilidade da jurisdição faz com que os julgadores debrucem-se sobre o tema diariamente. Daí surge a importância de se tratar deste tema em artigos científicos. Pretende-se analisar julgados recentes e antigos sobre o tema, bem como, artigos científicos e doutrinadores especializados no tema afim de se compreender a aplicação dos princípios nos casos práticos e teóricos. O presente artigo utilizará do método bibliográfico, buscando a aplicação do tema em casos concretos na jurisprudência mais recente e relevante, bem como, será utilizada a doutrina e artigos científicos que abordem o tema, a fim de aclarar conceitos e casos teóricos exemplificativos, a fim de trazer uma melhor didática ao presente artigo.

PALAVRAS-CHAVE: direito constitucional; direito civil; liberdade de expressão; vida privada; ponderação de princípios.

ABSTRACT

The purpose of this article is to analyze how the constitutional principles of freedom of expression are weighed against the principle of the inviolability of private life, looking at how the issue has been dealt with by the courts and legal scholars. The inviolability of privacy has long been tested in its limitations when confronted with freedom of expression. The fact that these are principles with a sui generis subjectivity makes it complex to weigh them up in practical application, but the lack of jurisdiction means that judges have to deal with the issue on a daily basis. Hence the importance of addressing this issue in scientific articles. The aim is to analyze recent and old judgments on the subject, as well as scientific articles and scholars specializing in the subject in order to understand the application of the principles in practical and theoretical cases. This article will use the bibliographic method , looking for the application of the theme in concrete cases in the most recent and relevant case law, as well as doctrine and scientific articles that address the theme, in order to clarify concepts and exemplary theoretical cases, in order to bring a better didactic to this article.

KEYWORDS: constitutional law; civil law; freedom of expression; private life; weighing up principles.

INTRODUÇÃO

O ser humano é, sabidamente, um ser social, que necessita de construir uma “teia” social, com relacionamentos. Ocorre que, com uma vida em sociedade vem diversas regras sociais a serem seguidas, como o estudado contrato social, exposto por Rousseau. Neste contrato social, devem ser abordados, diversos temas sobre as várias hipóteses de situações que venham a ocorrer e, claramente, uma situação passível se se acontecer é a invasão das privacidades pessoais.

Para isso, as constituições, desde longo tempo preveem o direito à privacidade e intimidade como um princípio basilar das relações sociais, a fim de permitir aos cidadãos daquela localidade que tivessem suas privacidades resguardadas do conhecimento público.

Dentro de nossa constituição, o direito à privacidade esta abarcado dentro do artigo 5º inciso X, qual leciona: são invioláveis a intimidade,   a vida  privada , a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. (BRASIL. [Constituição (1988)]). (Grifo nosso)

Ou seja, há a previsão constitucional dizendo que é necessário que seja resguardada a intimidade e a vida privada. Sendo esta previsão encartada ao nosso texto constitucional, é necessária a rigorosa observação dela por todos os cidadãos que ali residem. Sobre o direito a intimidade, Guilherma Peña De Moraes leciona:

O direito à intimidade é referente ao modo de ser da pessoa, que consiste na exclusão do conhecimento, de outros, de tudo a que ele se refira. tradicionalmente, a primeira referência bibliográfica ao direito à intimidade corresponde ao trabalho subscrito por Samuel Dennis Warren e Louis Dembitz Brandies, no qual foi destacada a necessidade de se resguardar a esfera íntima das pessoas em face dos excessos da “imprensa amarela”,25 tendo sido a dissertação acolhida pela Corte de New York no caso Roberson v. Rochester Folding Box Company. (Moraes, Guilherme Peña De. 2022. P 161).

Noutro ponto de vista, Alexandre de Moraes aponta:

Os direitos à intimidade e à própria imagem formam a proteção constitucional à vida privada, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas A proteção constitucional consagrada no inciso X do art. 5º refere-se tanto a pessoas físicas quanto a pessoas jurídicas, abrangendo, inclusive, à necessária proteção à própria imagem frente aos meios de comunicação em massa (televisão, rádio, jornais, revistas etc.). (Moraes, Alexandre de. 2022. P. 71).

Sobre vida privada, Moraes leciona indicando que trata-se de um direito de menor proporção perante o direito a intimidade, sendo este residente dentro daquele. Ou seja, para ele a vida privada é uma espécie da qual intimidade é gênero. De qualquer sorte, ele define a intimidade como sendo referente a … relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc. (Moraes, 2022.)

Noutro vértice, sem deixar de lado a necessária observância ao direito da privacidade e da intimidade, há o de ser observado o princípio da liberdade de expressão, que é citado em nossa constituição como liberdade de pensamento, qual visa permitir aos cidadãos de uma nação expressar seus sentimentos, opiniões sem a necessidade de que estes tenham de passar por qualquer crivo prévio, como ocorrera em outrora. Tal princípio é basilar em qualquer sociedade que, pretensamente, adote o regime democrático e no Brasil é respeitado até mesmo em detrimento de outros princípios, como neste julgado:

CONSTITUCIONAL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. DETERMINAÇÃO DE SUSPENSÃO DA PUBLICAÇÃO, DIVULGAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE OBRA LITERÁRIA.

 CONFIGURAÇÃO  DE  CENSURA  PRÉVIA . VIOLAÇÃO À ADPF

130. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. RECURSO DE AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (Agravo Regimental na Reclamação 38.201 SP, Julgado em 03/02/2020, Relator Ministro Alexandre de Moraes.) (Grifo nosso)

Também sobre o tema, o Moraes aclara que:

A manifestação do pensamento é livre e garantida em nível constitucional, não aludindo à censura prévia em diversões e espetáculos públicos. Os abusos porventura ocorridos no exercício indevido da manifestação do pensamento são passíveis de exame e apreciação pelo Poder Judiciário com as consequentes responsabilidades civil e penal de seus autores,88 decorrentes inclusive de publicações injuriosas na imprensa, que deve exercer vigilância e controle da matéria que divulga. (Moraes, Alexandre de. 2022. P. 71).

1 PRINCÍPIOS – CONCEITO E APLICAÇÃO

Sobre o tema, a doutrinadora Ana Flavia Messa disserta sobre seu conceito de princípio:

É o mandamento nuclear do sistema, alicerce e base do ordenamento jurídico, que define a lógica e a racionalidade do sistema, dá a tônica e harmonia para o sistema, traçando rumos a serem seguidos pela sociedade e pelo Estado. (Messa, Ana Flavia

Com maior clareza, Guilherma Peña De Moraes, acertadamente nos leciona acerca dos princípios constitucionais:

Os princípios constitucionais são extraídos de enunciados normativos, com elevado grau de abstração e generalidade, que preveem os valores que influenciam a ordem jurídica, com a finalidade de informar as atividades produtiva, interpretativa e aplicativa das regras, de sorte que eventual colisão é removida na dimensão do peso, a teor do critério da ponderação, com a prevalência de algum princípio concorrente. (Moraes, Guilherme Peña D. 2022. P. 96).

Ou seja, fazendo uma analogia com sentido didático, princípios são as estradas por onde a legislação irá caminhar. Nesta mesma toada tendo Mello, qual muito bem leciona:

Ora, princípio jurídico é mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espirito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatament e por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico (MELLO, 1994, p450 – 451)

Os princípios, como o nome sugere, são basilares dentro da construção de um ordenamento jurídico. O direito jus naturalista já se utilizava, ainda que sem previsão escrita, de princíp ios para se organizarem as sociedades. Os princípios serviram e servem como basilares para a criação e aplicação do direito, suprindo lacunas inalcançáveis as leis.

Por se tratarem justamente de serem os balizadores, os princípios carecem de generalidade e abstração, não prevendo situações concretas, mas sim hipóteses de situações em abstrato, conforme exposto na dissertação de Walter Claudius Rotherburg

Se os princípios (constitucionais) têm sua peculiaridade, distinguindo -se por usa natureza (qualitativamente) dos demais preceitos jurídicos, a distinção está em que constituem eles expressão primeira dos valores fundamentais expressos pela ordem jurídica, informando sobretudo materialmente as demais normas (fornecendo -lhes a inspiração para o recheio) e nesse sentido são superiores a elas…(Rotherburg, Walter Claudius, 1996. P 28.)

Há no direito brasileiro o princípio da vedação ao non liquet que diz respeito a impossibilidade do juiz eximir-se de julgar. Tal princípio é expresso no Código Civil Brasile iro ao artigo 140. “O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.” Tal dispositivo deu, implicitamente, ao julgador a permissão de

aplicação de outras fontes do direito brasileiro, como doutrina, costumes e os aqui estudados, princípios.

Sendo assim, há importância especial nos princípios, quais podem resolver situações em casos concretos, muito embora planejados para a abstração.

2 PRINCÍPIO DA LIBERDADE INDIVIDUAL

De posse da conceituação de princípios, conceituaremos os princípios em concreto, quais são necessários a explanação do presente artigo.

A liberdade individual existe na extração que se faz do direito intimidade, vida privada, honra e imagem, qual tem a seguinte previsão constitucional:

Artigo 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:…

Inciso X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Importante ressaltar a posição estratégica do referido instituto, no rol de direitos e garantias individuais, aos quais, sabidamente é dado elevado valor jurídico, tendo o constitui nte, inclusive, indicando o rol de direitos ali expressos como sendo cláusulas pétreas, sendo vedado portanto qualquer proposta de emenda à constituição tendente a abolir qualquer das previsões ali elencadas.

A constituição de 1988 veio, como toda constituição, após um momento de ruptura política da sociedade. Vínhamos de um regime onde não eram bem aceitas opiniões contrárias, com o uso inclusive da censura por um departamento especial do governo destinado a este fim. Com a nova constituinte formada, esta contando com a participação popular em massa, um dos primeiros consensos foi o de abolir a censura e incluir em seu texto a inviolabilidade individual, o direito à privacidade, à vida íntima sendo então garantido o direito à liberdade individual.

Preciosas também as lições de Gilmar Mendes e João Trindade Cavalcante Filho acerca da distinção que existe entre direito à privacidade e a vida íntima:

Não se trata de conceitos sinônimos, uma vez que a lei não possui palavras inúteis. Dessa forma, podemos dizer que a intimidade diz respeito à esfera subjetiva da pessoa, seus pensamentos, sentimentos, desejos, manias, peculiaridades.

Já a privacidade, como respeito à vida privada, faz-se referência ao
“direito de ser deixado tranquilo, em paz, de estar só”, nas palavras do Juiz Cooly, proferidas em 1873. Cuida-se, portanto, do direito de opor aos outros um círculo do qual só participem as pessoas escolhidas.

(Mendes, Gilmar. Filho, João Trindade Cavalcante. 2021. P.110)

Devemos observar, portanto, a diferença existente entre os institutos. De um lado temos o direito a intimidade, ligado a ideia da subjetividade de cada ser, onde se funda-se o crime de injúria, pois este tutela o bem jurídico da subjetividade pessoal.

Noutro vértice há o direito à privacidade, este sendo explicitado como o direito a ter sua imagem pública resguardada de fatos indesejados, o qual por sua vez deu origem ao crime de difamação, que visa tutelar a imagem da pessoa perante a sociedade.

Ambos os institutos citados estão abarcados neste artigo quando citamos direito a vida privada, o qual entendemos necessário ao entendimento da matéria em estudo.

Como observado, há consenso entre os doutrinadores de que a previsão do direito a privacidade e intimidade expressa a mais absoluta vontade do constituinte em garantir ao cidadão conservação de sua imagem, tanto subjetivamente quanto objetivamente, garantindolhe o seu direito a manter sua vida em distanciamento dos holofotes públicos, a menos que não seja esta sua vontade.

Tal princípio sofre certa restrição em um tema que inclusive foi recentemente abordado pelo STJ que foi o direito a bibliografias não autorizadas, quando provocado, assim o tribuna l se manifestou:

RESPONSABILIDADE CIVIL. BIOGRAFIA. DIVULGAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO, DE FATOS E IMAGEM DA AUTORA EM BIOGRAFIA  DA  VIDA  DE  ASSIS  CHATEAUBRIAND.

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. (TJ SP.

Julgado em 29/04/2021)

Ou seja, como já é praxe em nosso ordenamento, o direito à privacidade não é absoluto, podendo sofrer restrições às quais caso seu possuidor sinta-se lesado, poderá buscar sua devida indenização.

Tocando no assunto da indenização, é reconhecimento jurisprudencial o caráter objetivo do uso indevido da imagem, sendo inclusive desnecessária a comprovação do dano efetivo para se condenar a indenizar. É o conhecido instituto do dano in ré ipsa, como o presente julgado:

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURS O ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. 1. VEICULAÇÃ O DA IMAGEM DA AUTORA, SEM AUTORIZAÇÃO, PARA FINS
COMERCIAIS.  DEVER  DE INDENIZAR.  DANO IN RE IPSA. 2. AGRA VO
INTERNO IMPROVIDO. (AgInt nos EDcl no REsp 1631429 / SC, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 13/03/2018)

Ou seja, o direito brasileiro dá liberdade aos cidadãos de expressarem seus sentime ntos e opiniões, no entanto, não afasta – muito pelo contrário – a necessidade da reparação civil em caso de mau uso ou de uso publicitário indevido de pessoas.

4 PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Em alguns aspectos sendo um contraponto ao princípio anterior, o constituinte instit uiu no Brasil, também elencado no rol de direitos e garantias individuais, o direito à liberdade de expressão. Como já citado, o Brasil à época da convocação constituinte vinha de um período por muitos considerado ditatorial, onde ocorreram diversos crimes de cunho político, pessoas contrárias ao regime que “desapareceram”, prisões sem motivos bem esclarecidos, censura na mídia, escolas e até nas ruas.

Não faltam notícias sobre a restrição da liberdade de expressão sofridas a época, como se vê em notícias da época:

Ocultar, dificultar e proibir a divulgação de informações sobre a epidemia de uma doença que se alastra pelo País já foi uma prática do governo brasileiro duran te a ditadura militar nos anos 70. Sob a alegação de risco à segurança nacional, a censura que já riscava forte nas páginas do noticiário político passou também a aplicar a caneta com mais rigor nas notícias sobre um surto de meningite no Brasil em 1974.(Leite, Edmundo, para a Revista estadão. Publicado em 08/06/2020).

Deste modo, uma das primeiras reinvindicações do povo à época era a liberdade de expressão. A liberdade para expor seus pensamentos e ideias, ainda que contrários aos ideais políticos do momento, sem medo de sofrer qualquer represália por isto. Tal direito em estados estrangeiros a muito já era reconhecido e no Brasil não poderia ser diferente, eis que estavase adotando o que se convenciona chamar de Estado Democrático de Direitos, onde cada sujeito possui seus direitos individuais, oponíveis a terceiros.

Acerca do direito à liberdade de expressão o doutrinador Flavio Motta:

Um dos mais amplos direitos fundamentais consagrados na Constituição, o direito à liberdade de manifestação do pensamento, respeitados os demais direitos fundamentais, não segue qualquer norma de forma ou de fundo. Qualquer um pode manifestar seu pensamento sobre qualquer coisa por qualquer meio de expressão, desde que se identifique ao manifestar-se, como precaução indispensável contra declarações levianas ou infundadas, as quais podem ensejar responsabilização, como reza a seguir o artigo quinto da Constituição. (Motta, Flavio. 2021. P.240)

Mesmo sendo tema de antiga discussão, a mudança na sociedade mantém o tema vivo (e fervente), sendo pauta para discussões na doutrina recente também. Mister ressaltar as palavras do professor Carlos Frederico Barbosa Bentivegna sobre o tema:

Sempre que mencionamos, a partir do título, e sempre que mencionarmos adiante Liberdade de Expressão, o fazemos no sentido lato (lato sensu), que compreende, de forma ampla, a liberdade de manifestação do pensamento e da opinião (aí incluídas as produções do espírito, quer de natureza científica, literária, artística etc.), bem como a liberdade de informação (Bentivegna, Carlos Frederico Barbosa, 2019. P 80)

O tema também é sempre levado aos tribunais superiores para aclaramentos, tendo recentemente o STJ se posicionado da seguinte maneira, expressando a não característica de não ser absoluto o referido princípio:

JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. CRIME DE DESACATO. AUTORIA E

MATERIALIDADE COMPROVADAS. ALEGADA NÃO RECEPÇÃO PELA

CONSTITUIÇÃO. NÃO RECONHECIDA. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO…

4. Afastada a tese recursal no sentido de que o crime de desacato não teria sido recepcionado pela atual ordem constitucional, não cabendo presumir a incompatibilidade com a Constituição Federal do dispositivo legal em questão.

 Impende  destacar  que o  direito  de liberdade  de expressão, insculpido  no art.   5º, IX,   da Constituição, não  autoriza   o manifesto  desprestígio aos agentes públicos no   exercício  de suas funções . (grifo nosso)

Desta feita, percebe-se a importância da previsão do direito à liberdade de expressão no país, como modo, inclusive, de combate a injustiças, corrupções e demais temas que “desagradem” o gestor que estiver com o controle no momento. A liberdade de expressão é um basilar mínimo a qualquer pais que pretensamente adote um regime democrático.

Não há democracia se uma única pessoa não puder expor o que pensa.

Ainda que passados 14 anos da promulgação da nossa atual constituição, o Código Civil de 2002 previu, de maneira aparentemente inconstitucional o seguinte:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. (Vide ADIN 4815).

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. (Código Civil 2002)

Tal previsão do Código Civil fora declarada inconstitucional pelo STF no julgamento da ADIN 4815 no que diz respeito a necessidade de autorização. No julgado, fora entendido que cobrar autorização antecipada à publicação de material caracterizaria censura prévia. Assim ficou ementado o julgamento:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 20 E 21 DA LEI N. 10.406/2002 (CÓDIGO CIVIL). PRELIMINAR DE ILEGITIM IDADE ATIVA REJEITADA. REQUISITOS LEGAIS OBSERVADOS. MÉRITO: APARENTE CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE INFORMAÇÃO,

                                                  ARTÍSTICA         E CULTURAL,         INDEPENDENTE         DE CENSURA          OU

AUTORIZAÇÃO PRÉVIA (ART. 5º INCS. IV, IX, XIV; 220, §§ 1º E 2º) E INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE, VIDA PRIVADA, HONRA E IMAGEM

DAS PESSOAS (ART. 5º, INC. X). ADOÇÃO DE CRITÉRIO DA PONDERAÇÃO PARA INTERPRETAÇÃO DE PRINCÍPIO

CONSTITUCIONAL. PROIBIÇÃO DE CENSURA (ESTATAL OU PARTICULAR). GARANTIA CONSTITUCIONAL DE INDENIZAÇÃO E DE DIREITO DE RESPOSTA. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE PARA DAR INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO AOS ARTS. 20 E 21 DO CÓDIGO CIVIL, SEM REDUÇÃO DE TEXTO.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme estudado no presente artigo, o direito à vida privada é um mister essencial em nosso ordenamento, protegendo a sociedade de mal uso de imagens privadas, garantindo a todos o direito de se exporem somente do tanto que lhes forem agradável.

Noutro vértice, percebemos que o direito à liberdade de expressão fora conquistado a duras peças, depois de muito tempo deste direito ter sido cerceado deliberadamente pela própria atividade estatal. O direito à liberdade de expressão, muito além de permitir aos cidadãos “comuns” exporem suas ideias, permite, por exemplo, ao jornalista que bem desempenhe sua função de investigar e trazer à tona assuntos sensíveis ao corpo político do momento, permite que seja difundido um pensamento, um modo de viver. Em resumo, sem liberdade de expressão não há como se falar em democracia plena.

No entanto, também observa-se que não há direito absoluto no ordenamento brasile iro, em que pese alguns autores trazerem poucos exemplos deste (direito de não ser escravizado, de não ser torturado). Sendo assim tanto o direito à liberdade de expressão quanto o da vida privada sofrem limitações em certos pontos, afim de adequarem-se ao convívio das normas jurídicas do Brasil.

Referente especificamente no conflito entre liberdade de expressão e a vida privada, é fácil perceber que a liberdade de expressão “larga na frente” daquele. Tal fato ocorre ante o interesse, muitas vezes, público na liberdade de expressão e por conta de uma sociedade democrática priorizar o interesse público face ao privado, neste sentido são os julgame ntos quando colocados os dois direitos frente a frente.

Conclui-se, portanto, que não há absolutez em nenhum dos direitos estudados, mas que o direito à liberdade de expressão, por ter um fundo de interesse social, tem valor especial quando posto a prova face ao direito a vida privada e intimidade. Tanto é verdade, que a própria corte suprema nacional reconhece que é possível a publicação de bibliografias não autorizadas, mediante justa e posterior indenização em caso de haver dano a imagem do bibliografado. Cumpre ressaltar que o STF debruçou-se sobre o tema ao discutir os artigos 20 e 21 do Código Civil, os quais, ipsis literis, vedam a publicação de escritos publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa. O STF julgando desta maneira mostra que é acertada a conclusão deste artigo no sentido de dar maior valor ao direito à liberdade de expressão.

Espera-se que em um futuro próximo, resolva o legislador adotar uma alteração no código civil, em seus artigos 20 e 21, que seja menos inconstitucional, com maior alinhame nto a interpretação dada pelo pretório excelso sobre o tema, a qual é mais compatível com a idéia de democracia e de estado democrático de direito vivido pelo Brasil.

REFERÊNCIAS

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(Agravo Regimental na Reclamação 38.201 SP, Julgado em 03/02/2020, Relator Ministro Alexandre de Moraes.) Mello, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 1995.

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LEITE, Edmundo. Ditadura militar censurou notícias sobre epidemia de meningite em 1974 : Censura proibiu divulgar número de casos, mortes e a demora na chegada da vacina. Estadão, São Paulo, p. 01-10, 8 jun. 2020.

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