FAMILIAL ADENOMATOUS POLYPOSIS: CASE SERIES AND LITERATURE REVIEW
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202502161925
João André Barbosa Meira¹
Leury Max Santos Ferreira²
Thaís Regina Moreira Printes³
Paulo Vítor de Amorim Silva4
Fernanda Lemos Magalhães4
RESUMO
A Polipose Adenomatosa Familiar (PAF) é uma síndrome hereditária autossômica dominante associada a mutações no gene APC, caracterizada pelo desenvolvimento de múltiplos pólipos adenomatosos no cólon e reto, com risco elevado de progressão para câncer colorretal (CCR). Este artigo apresenta um estudo de caso de dois irmãos com PAF e realiza uma revisão da literatura para discutir aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos da doença.
No primeiro caso, uma paciente de 28 anos foi diagnosticada com adenocarcinoma de cólon avançado e múltiplas manifestações extraintestinais, evoluindo com estabilidade após colectomia total e quimioterapia. O segundo caso envolve um homem de 31 anos com quadro atenuado de PAF, submetido a proctocolectomia total com evolução satisfatória. Ambos os casos evidenciam a importância do rastreamento precoce e da abordagem multidisciplinar.
A PAF apresenta-se frequentemente com manifestações clínicas antes dos 40 anos e requer vigilância rigorosa a partir da adolescência. Métodos diagnósticos incluem colonoscopia, exames de imagem e testes genéticos. A abordagem cirúrgica profilática é essencial para prevenir o CCR em pacientes com PAF. A revisão destaca os avanços no entendimento da fisiopatologia, incluindo o papel do gene APC na via de sinalização Wnt, e as opções terapêuticas baseadas no estágio da doença.
Os casos relatados reforçam a necessidade de triagem precoce e individualização do manejo clínico para reduzir a mortalidade associada à PAF, evidenciando a relevância de abordagens preventivas e tratamentos adequados.
Palavras-chave: Polipose Adenomatosa Familiar, câncer colorretal, gene APC, mutação genética, cirurgia profilática.
ABSTRACT
Familial adenomatous polyposis (FAP) is an autosomal dominant hereditary syndrome associated with mutations in the APC gene, characterized by the development of multiple adenomatous polyps in the colon and rectum, with a high risk of progression to colorectal cancer (CRC). This article presents a case study of two brothers with FAP and performs a literature review to discuss clinical, diagnostic and therapeutic aspects of the disease.
In the first case, a 28-year-old patient was diagnosed with advanced colon adenocarcinoma and multiple extraintestinal manifestations, evolving with stability after total colectomy and chemotherapy. The second case involves a 31-year-old man with attenuated FAP, who underwent total proctocolectomy with satisfactory evolution. Both cases highlight the importance of early screening and a multidisciplinary approach.
FAP often presents with clinical manifestations before the age of 40 and requires rigorous surveillance from adolescence onwards. Diagnostic methods include colonoscopy, imaging exams and genetic testing. Prophylactic surgical management is essential to prevent CRC in patients with FAP. This review highlights advances in the understanding of pathophysiology, including the role of the APC gene in the Wnt signaling pathway, and therapeutic options based on the stage of the disease.
The reported cases reinforce the need for early screening and individualized clinical management to reduce mortality associated with FAP, highlighting the relevance of preventive approaches and appropriate treatments.
Keywords: Familial adenomatous polyposis, colorectal cancer, APC gene, genetic mutation, prophylactic surgery.
INTRODUÇÃO
O câncer colorretal representa 10% de todos os tipos de câncer, segundo o levantamento Globocan, da Organização Mundial da Saúde. (STANICH, et al, 2022). O câncer colorretal é o terceiro mais frequente no Brasil. Segundo a estimativa do INCA, são esperados 45.630 casos anualmente no período de 2023 a 2025 no país. (INCA, 2022). Dentro das causas de CCR, os portadores de mutações germinativas herdadas representam 5%, subgrupo clínico que engloba a Polipose Adenomatosa Familiar (PAF). (IBRAHIM, et al, 2014).
PAF é uma doença genética rara, dominante, definida pela presença de inúmeros pólipos adenomatosos que requerem detecção e tratamento precoce. A PAF clássica é altamente agressiva, com acometimento difuso do cólon e CCR ocorrendo em quase 100% dos indivíduos não tratados (DINARVAND, et al, 2019; KIDAMBI, et al, 2019), o qual é diagnosticado na faixa etária de 35-45 anos (DINARVAND, et al, 2019). Além disso, a forma clássica é comumente associada a manifestações extra-colônicas, que estão presentes em cerca de 70% dos pacientes (KIDAMBI, et al, 2019). Os sítios extra-colônicos mais comuns são tireóide (câncer papilar da tireoide), intestino delgado (adenomas/carcinomas duodenais e ampulares), ossos (osteoma), anormalidades dentárias e pele/tecido conjuntivo (desmoides). (DINARVAND, et al, 2019).
Existe ainda uma outra forma da doença, chamada PAF atenuada (PAFA), com menor penetrância, portanto, apresenta um início mais tardio (por volta dos 30 anos) e menos adenomas colônicos (menos de 100 adenomas, embora esse número possa aumentar conforme a evolução da doença). (DINARVAND, et al, 2019; KIDAMBI, et al, 2019) Os pacientes portadores de PAFA são diagnosticados com CCR com mais de 40 anos e, dificilmente, apresentam manifestações extraintestinais (DINARVAND, et al, 2019).
A patogênese da doença é baseada em uma mutação no gene Adenomatous Polyposis Coli (APC), um gene supressor de tumor, que acarreta a sua perda de função. As mutações ocorrem, com maior frequência, na metade 5′ do gene e seguem um padrão mendeliano. Este gene, quando mutado, contribui para a progressão do adenoma colorretal para câncer. Quando mutações no gene APC ocorrem na região 3′ (códons 1581–2843) ou 5′ (códons 78–167), a PAFA é manifestada (DITONNO, et al, 2023).
Pacientes portadores de PAF apresentam risco bem definido de desenvolver CCR, sendo essa a principal causa de morte entre os portadores da doença, o que torna importante o rastreio e avaliação colônica nesses indivíduos (IBRAHIM, et al, 2014; FEITOSA, et al, 2013).
Nesse contexto, o presente trabalho expõe um estudo de casos de dois irmãos portadores de PAF, além de uma revisão de literatura com finalidade de descrever dados clínicos e as condutas adotadas.
SÉRIE DE CASOS
CASO 1
Paciente TFV, 28 anos, sexo feminino, apresentou mudanças do hábito intestinal com quadros de diarreia líquida, sangramento retal e dor abdominal leve e inespecífica. Após persistir por 6 meses, procurou atendimento médico e iniciou investigação para doenças inflamatórias intestinais e síndromes disabsortivas. Foi admitida em pronto-atendimento devido quadro de astenia, falta de apetite com perda ponderal (12 Kg em 45 dias) e palidez, apresentando anemia severa. Colonoscopia evidenciou múltiplas lesões polipoides, além de uma lesão estenosante em cólon descendente.
A ressonância magnética de abdome revelou espessamento da flexura esplênica do cólon e linfonodos mesentéricos, sendo referenciada ao Hospital Universitário Getúlio Vargas devido à suspeita de polipose adenomatosa familiar (PAF) ou neoplasia primária do cólon. A biópsia de cólon descendente revelou adenocarcinoma moderadamente diferenciado de cólon descendente e adenoma tubular com neoplasia intra-epitelial de baixo grau com margens comprometidas. O estadiamento evidenciou nódulos hepáticos com até 5 cm sugestivas de implante secundário, linfonodomegalias pericólicas e lesão osteolítica esternal. Dentre os marcadores tumorais solicitados, observou-se antígeno carcinoembrionário de 21,1 ng/ml. Submetida a colectomia total com ileorretoanastomose em outubro de 2022, evoluiu estável hemodinamicamente no pós-operatório em leito de terapia intensiva, recebendo alta após 7 dias, com seguimento ambulatorial. Histopatológico confirmou adenocarcinoma de cólon descendente com 6 linfonodos positivos. Foi encaminhada para oncologia clínica, tendo realizado 7 ciclos de quimioterapia até o momento e sem progressão das lesões secundárias. Em abril de 2024, quando estava em seguimento com a oncologia clínica, paciente foi a óbito por complicações da doença metastática avançada.
Figura 1: Colonoscopia demonstrando Polipose acentuada em todo cólon. Acervo pessoal.
Figura 2: Peça do produto de colectomia total. Acervo pessoal.
CASO 2
Paciente MFV, 31 anos, sexo masculino, iniciou acompanhamento no Hospital Universitário Getúlio Vargas devido à história familiar de pai e irmã com neoplasia de cólon aos 34 e 28 anos, respectivamente, acrescentando-se a irmã múltiplos pólipos adenomatosos em todo o cólon. A colonoscopia com biópsia revelou múltiplos pólipos adenomatosos, alguns maiores de 10mm, porém inferiores a 100, sendo levantado a hipótese de polipose adenomatosa familiar (PAF), sendo ainda quadro atenuado no paciente em questão. O paciente foi submetido a proctocolectomia total e ileostomia de proteção em alça e confecção de reservatório ileal com o reto, evoluindo estável hemodinamicamente no pós-operatório em leito de terapia intensiva e sem complicações até a alta. No seguimento ambulatorial até o momento, apresenta boa cicatrização de ferida operatória, aceitando dieta oral sem dificuldades, funções fisiológicas preservadas. Após 4 meses do primeiro ato cirúrgico, paciente foi submetido a reconstrução do trânsito intestinal, evoluindo sem intercorrências no pós-operatório. Histopatológico revelou polipose adenomatosa múltipla.
DISCUSSÃO E REVISÃO DE LITERATURA
A PAF consiste em uma síndrome polipóide de extrema importância clínica uma vez que representa risco relevante para câncer colorretal hereditário por meio da progressão de um ou mais adenomas para adenocarcinoma. (HERZIG, et al, 2017). Caso o cólon não seja retirado cirurgicamente, é inevitável o desenvolvimento de câncer. (SYNGAL, et al, 2015; RASHI, et al, 2024). E, ainda existe o risco de desenvolvimentos de malignidades em muitas outras topografias, como no duodeno, pâncreas, tireóide, estômago, cérebro, osso, entre outros. (HERZIG, et al, 2017).
FISIOPATOLOGIA E GENÉTICA
A PAF é uma patologia de caráter genético, com herança autossômica dominante e cerca de 100% de penetrância (RASHI, et al, 2024). A mutação no gene supressor de tumor APC da linha germinativa, localizado no cromossomo 5q21, é responsável pela proliferação descontrolada das células epiteliais do cólon e reto, levando a formação de inúmeros pólipos adenomatosos, geralmente no início da idade adulta. (SEPPÄLÄ, et al, 2023; RASHI, et al., 2024). Os pólipos são lesões pré-malignas de alto risco para o desenvolvimento de câncer colorretal. (RASHI, et al, 2024).
A mutação do gene APC intervém na via de sinalização Wnt, responsável pelo desenvolvimento da cripta da célula epitelial intestinal, onde ocorre a degradação da β-catenina. (DINARVAND, et al, 2019; SEPPÄLÄ, et al, 2023). Na PAF, ocorre o acúmulo de β-catenina no núcleo e consequente carcinogênese. (SEPPÄLÄ, et al, 2023; PLAWSKI, et al, 2013).
Todavia, a carcinogênese somente é iniciada quando ocorre a inativação do gene APC por perda da heterozigosidade ou quando o alelo não mutado desenvolve uma segunda mutação (“second hit”). (SEPPÄLÄ, et al, 2023; SYNGAL, et al, 2015).
As mutações no gene APC em sua maioria são do tipo Frameshift e Nonsense e a minoria corresponde a deleções. (DINARVAND, et al, 2019). Essas mutações ocorrem com mais frequência numa região do gene chamada MCR (“mutation cluster region”). (PLAWSKI, et al, 2013). Segundo Bisgaard et al (1994), a taxa de mutações da linha germinativa que levam a um novo alelo APC deletério é estimada em 5 a 9 mutações por milhão de gametas. Em decorrência disso, casos esporádicos de FAP sem história familiar prévia não são raros (DINARVAND, et al, 2019).
As diferentes localizações das mutações no gene APC estão relacionadas a diferentes apresentações fenotípicas e ao risco de desenvolvimento de manifestações extra-colônicas. (DINARVAND, et al, 2019; SYNGAL, et al, 2015).
Mesmo no câncer colorretal esporádico, mutações somáticas no gene APC foram evidenciadas, representando gatilho inicial para a carcinogênese, somadas a mutações e instabilidades em outros genes como KRAS, P53 e SMAD4 (DINARVAND, et al, 2019; SEPPÄLÄ, et al, 2023; SYNGAL, et al, 2015).
APRESENTAÇÃO CLÍNICA
Em relação ao trato gastrointestinal, aproximadamente metade dos pacientes já apresenta adenomas colorretais aos 15 anos de idade e esse número aumenta para 95% até os 35 anos (BROSENS, Lodewijk AA et al, 2007). O risco desses pacientes adquirirem câncer colorretal é praticamente 100%. Se os pólipos não forem tratados, a progressão para carcinoma invasivo é altamente provável, com o diagnóstico ocorrendo, em média, entre os 35 e 40 anos de idade (DINARVAND, Peyman et al, 2019; KIDAMBI, Trilokesh D. et al. 2019).
O segundo local mais comum para o desenvolvimento de pólipos adenomatosos em pacientes com PAF, ocorrendo em 30% a 70% dos casos, é o duodeno. Dentre as porções desse segmento do intestino delgado, a segunda e terceira porção são as mais afetadas pelo surgimento de adenomas duodenais. O risco de malignidade desses adenomas é aproximadamente 100% nesses pacientes sendo o carcinoma duodenal ou periampular a segunda maior causa de mortalidade dos portadores de PAF (SPIGELMAN, et al, 1989).
Quanto à sintomatologia desses pacientes, no início do desenvolvimento dos pólipos, a PAF geralmente é assintomática. O aumento do número de pólipos pode causar sintomas como dor abdominal, mudanças no hábito intestinal e sangramento (LEOZ, et al, 2015).
A tireoide é um dos sítios extra-intestinais mais comuns de manifestação da PAF (DINARVAND, et al, 2019). Cerca de 70 a 90% dos casos de câncer de tireoide associados a PAF são do tipo carcinoma papilar (variante cribiforme-morular). Nesses pacientes, o câncer de tireoide costuma ser bilateral e multifocal, diferente do esporádico que se apresenta como um tumor unifocal. Mesmo a tireoide sendo um sítio extra-colônico frequente, apenas aproximadamente 2% dos portadores de PAF desenvolvem câncer de tireoide ao longo dos anos de vida (CRIPPA, et al, 2012).
Os osteomas são uma manifestação relevante da PAF fora do trato gastrointestinal, acometendo de 65% a 80% dos pacientes e podem se manifestar como um pequeno espessamento ósseo ou até grandes massas de importante repercussão clínica. Afetam diversas partes do esqueleto como maxila, mandíbula e até ossos longos (DINARVAND, Peyman et al, 2019). As anormalidades dentárias também são comuns, presentes em 30 a 75% desses pacientes (CANKAYA, et al, 2012).
A pele e tecidos moles são importantes sítios de manifestação da doença em pacientes com mutações no gene APC (DINARVAND, et al, 2019). A fibromatose do tipo desmoide é a terceira causa de morte em pacientes com FAP e é um tumor fibroblástico de potencial maligno que possui um crescimento local extremamente destrutivo (RIGHETTI, et al, 2011; HUSS, et al, 2013). O principal subtipo associado a PAF é a fibromatose mesentérica (HUSS, et al, 2013).
DIAGNÓSTICO, TRIAGEM E VIGILÂNCIA
Em caso de suspeita de PAF, a investigação deve abranger, além do exame físico e histórico do paciente, também a história familiar com registro de quaisquer parentes de primeiro ou segundo grau com histórico de neoplasia ou pólipos gastrointestinais e possíveis manifestações extra-colônicas, a idade do diagnóstico e teste genético de importância para o caso. (DINARVAND, et al, 2019).
O alto risco de PAF é apresentado por indivíduos com parentes de primeiro grau portadores de PAF, pacientes com mais de 10 a 20 pólipos intestinais e/ou pacientes com adenomas colorretais em combinação com manifestações extraintestinais associadas a PAF. (DINARVAND, et al, 2019; SYNGAL, et al, 2015).
O diagnóstico clínico de PAF se dá pelo achado de mais de cem pólipos colorretais sésseis e pedunculados, evidenciados na colonoscopia, sendo esse o principal exame diagnóstico. (SYNGAL, et al, 2015).
Os testes genéticos estão indicados caso o paciente seja o primeiro de uma família a ser diagnosticado com PAF. (HERZIG, et al, 2017). Também devem ser usados para confirmar o diagnóstico de um indivíduo com fenótipo sugestivo, mas com apresentação clínica incerta e para testar parentes em risco de um paciente portador de uma mutação específica. (SYNGAL, et al, 2015).
Caso a mutação no gene APC não seja encontrada, deve-se considerar realizar o teste do gene MYH deve ser considerada, para excluir a MAP (polipose associada a MUTYH), diagnóstico diferencial PAF. (DINARVAND, et al, 2019; SYNGAL, et al, 2015). Vale ressaltar que em uma família com quadro clínico clássico sem qualquer mutação identificável no gene APC, a conduta não muda (HERZIG, et al, 2017).
Se o indivíduo tiver diagnóstico genético ou for um familiar em risco com testes genéticos não informativos ou não realizados deve ser efetuado o rastreio para os tumores da PAF, a partir dos 10 a 12 anos de idade, (DINARVAND, et al, 2019; HERZIG, et al, 2017) uma vez que o surgimento dos pólipos se dá frequentemente na segunda ou terceira década de vida (SYNGAL, et al, 2015).
Segundo a Sociedade Americana de Cirurgiões Colorretais, o rastreio recomendado se dá por sigmoidoscopia anual. (HERZIG, et al, 2017). Se forem encontrados pólipos, uma colonoscopia deve ser realizada. (DINARVAND, et al, 2019) No fim da adolescência, a colonoscopia deve passar a ser o exame de triagem e deve ser feita a cada dois anos até os 20 anos. Se até esse momento não forem identificados adenomas, os intervalos de vigilância podem ser gradualmente estendidos. (HERZIG, et al, 2017). Para o rastreio iniciado em idade mais avançada, é preferível que a colonoscopia seja o primeiro exame. (SYNGAL, et al, 2015).
Na colonoscopia, os pólipos devem ser biopsiados e avaliados quanto à quantidade, tamanho e distribuição. Geralmente, os pólipos distribuem-se uniformemente por toda a extensão do cólon e medem menos de 5 mm. (SYNGAL, et al, 2015).
Ao exame histopatológico, são evidenciados adenomas tubulares, indiferenciados dos adenomas típicos ou esporádicos, e, menos frequentemente, adenomas vilosos e tubulovilosos. Além disso, observam-se focos de criptas aberrantes, brotamento de epitélio displásico em criptas normais e microadenomas, que consistem em células displásicas ou adenomatosas em criptas únicas ou em partes de criptas. (SYNGAL, et al, 2015).
Os exames de imagem representam uma avaliação complementar na PAF. A tomografia computadorizada abdominal com contraste possibilita avaliar a gravidade e complicações da doença. Uma imagem sugestiva de PAF se dá pela presença de numerosos pólipos distribuídos em toda a extensão colorretal, simulando pequenas protrusões nodulares no lúmen intestinal com aparente espessamento do cólon. Ademais, os exames de imagem são importantes para investigar manifestações extra-colônicas, metástases e complicações como perfuração intestinal, infecção e aneurismas; além de ser essencial para o planejamento cirúrgico. (RASHI, et al, 2024).
MANEJO
O monitoramento da progressão dos pólipos colônicos deve ser realizado de forma precoce nos portadores de FAP devido ao alto risco de evolução para câncer colorretal. Na literatura, o recomendado é iniciar o monitoramento entre 10 e 14 anos de idade com a realização de colonoscopia/sigmoidoscopia em um intervalo de 1 a 3 anos (STANICH, et al, 2022; AELVOET, et al, 2022).
Outro aspecto crucial no manejo desses pacientes é a definição da abordagem cirúrgica. Existem dois principais cenários que justificam a necessidade de intervenção cirúrgica na PAF: o surgimento de câncer colorretal (CCR) e incapacidade de controlar a polipose por outros meios. Identificar o momento ideal para realizar uma cirurgia com finalidade profilática, visando prevenir o desenvolvimento do CCR, permanece um desafio, já que ainda é difícil prever quando os adenomas irão progredir para câncer. Diversos fatores devem ser considerados na decisão entre realizar a cirurgia ou manter o monitoramento endoscópico, como a preferência do paciente, o tamanho, a histopatologia, a quantidade e o aspecto endoscópico dos pólipos (AELVOET, et al, 2022; KIDAMBI, et al, 2019).
Os procedimentos cirúrgicos mais comuns nos pacientes com PAF incluem a colectomia subtotal ou total com anastomose ileorretal e a proctocolectomia com anastomose ileoanal. A remoção do reto é indicada, geralmente, quando há mais de 20 adenomas na região retal. Porém, também pode ser indicada quando o paciente manifesta uma polipose colônica grave (aproximadamente 500 a 1.000 adenomas) ou possui uma mutação germinativa no gene APC associada a um fenótipo mais agressivo. Esses pacientes apresentam um risco significativamente maior de desenvolver câncer retal, tornando necessária a antecipação da abordagem cirúrgica para evitar a necessidade de intervenções futuras (AELVOET, et al, 2022; KIDAMBI, et al, 2019).
POLIPOSE ADENOMATOSA FAMILIAR ATENUADA
A PAF atenuada representa um fenótipo com 10 a 99 pólipos síncronos. Na PAFA, as manifestações extraintestinais também são mais limitadas, geralmente estão ligadas a mutações na extremidade 3’ do gene APC (IBRAHIM, et al, 2014).
Essa forma atenuada é decorrente de mutações na extremidade proximal 5’ do gene APC, na extremidade distal do gene ou em algumas partes do éxon 9, além de deleções parciais ou totais do gene. (IBRAHIM, et al, 2014; SYNGAL, et al, 2015). Sugere-se que o fenótipo mais brando é gerado porque proteínas APC mutantes com mutação na extremidade 5’ ainda são capazes de degradar β-catenina, enquanto as com mutação na extremidade 3’ funcionam parcialmente, levando a um menor acúmulo de β-catenina no interior da célula, quando comparado a PAF clássica. (EIZUKA, et al, 2023).
Na PAFA, a distribuição dos pólipos concentra-se na região proximal do cólon. (IBRAHIM, et al, 2014; SYNGAL, et al, 2015). Devido a isso, a colonoscopia deve ser sempre o exame de escolha para a triagem, que pode iniciar mais tardiamente – do final da adolescência aos meados dos 20 anos, sendo realizada a cada 1 ou 2 anos. (SYNGAL, et al, 2015; HERZIG, et al, 2017).
O surgimento de adenomas e câncer colorretal na PAFA se dá cerca de 10 a 20 mais tardiamente em relação à PAF. O risco de desenvolvimento de malignidade colorretal na PAFA é de 70% aos 80 anos de idade, sendo o início do quadro aos 30 anos, aproximadamente. (SEPPÄLÄ, et al, 2023; SYNGAL, et al, 2015).
O tratamento da PAFA também é cirúrgico, com a remoção do cólon. Vale ressaltar que, em indivíduos que realizaram a triagem adequada, a remoção endoscópica de pólipos pode adiar ou eliminar a necessidade de cirurgia preventiva. (HERZIG, et al, 2017).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Polipose Adenomatosa Familiar (PAF) é uma condição genética rara, mas de significativa relevância clínica, devido ao elevado risco de progressão para câncer colorretal, além das manifestações extraintestinais. O diagnóstico precoce e o manejo adequado são essenciais para reduzir a morbimortalidade associada à doença.
Neste estudo, foram descritos dois casos clínicos que evidenciam a diversidade fenotípica da PAF, desde a forma clássica até a atenuada, demonstrando a importância de uma abordagem multidisciplinar para o diagnóstico, manejo cirúrgico e acompanhamento oncológico desses pacientes. Ambos os casos reforçam a necessidade de rastreio genético e monitoramento em familiares de primeiro grau, mesmo na ausência de sintomas, considerando a alta penetrância da mutação no gene APC.
O manejo cirúrgico profilático, embora desafiador, mostrou-se eficaz na prevenção da progressão para adenocarcinoma, destacando a importância de decisões individualizadas baseadas na extensão da doença e nas preferências do paciente. Além disso, o acompanhamento clínico e o monitoramento endoscópico permanecem pilares fundamentais na vigilância de complicações e no controle da doença ao longo da vida.
Por fim, a revisão da literatura evidenciou avanços na compreensão da genética, patogênese e manejo da PAF, permitindo uma abordagem mais direcionada e personalizada. No entanto, lacunas permanecem, como a identificação do momento ideal para intervenções cirúrgicas e estratégias para prevenir manifestações extraintestinais. Estudos futuros são necessários para aprimorar o cuidado desses pacientes, especialmente em relação a novas terapias e métodos de rastreio genético.
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1Médico Residente do programa de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Getúlio Vargas da Universidade Federal do Amazonas. Manaus-Amazonas, Brasil.
2Médico Coloproctologista do Hospital Universitário Getúlio Vargas da Universidade Federal do Amazonas. Manaus-Amazonas, Brasil.
3Médica Cirurgiã Geral do Hospital Universitário Getúlio Vargas da Universidade Federal do Amazonas. Manaus-Amazonas, Brasil.
4Acadêmico do curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas. Manaus-Amazonas, Brasil.