REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10249201412
Eric Abraão de Oliveira Silva Arestides¹
Willian da Silva Brandão¹
Bruna Martins Macedo Leite¹
RESUMO
A pneumonia aspirativa ocorre quando material estranho, como alimentos, líquidos, vômito ou saliva, é inalado para os pulmões. O presente estudo relata o caso clínico de um cão da raça Pug, com 1 ano de idade, encaminhado à clínica com histórico de vômitos, diarreia e alterações na frequência respiratória, incluindo dispneia recente. Com base na anamnese, no exame físico e nos exames complementares, foi diagnosticada pneumonia aspirativa. O paciente recebeu o tratamento adequado e encontra-se estável. A anamnese, o exame físico inicial e os exames de imagem, especialmente a radiografia, foram essenciais para o diagnóstico.
Palavras-chaves: Pneumonia aspirativa, braquicefálico, vômito.
ABSTRACT
Aspiration pneumonia occurs when foreign material, such as food, liquids, vomit, or saliva, is inhaled into the lungs. The present study reports the clinical case of a one-year-old Pug dog that was referred to the clinic with a history of vomiting, diarrhea, and changes in respiratory rate, including recent dyspnea. Based on the anamnesis, physical examination, and complementary tests, aspiration pneumonia was diagnosed. The patient received appropriate treatment and is currently stable. The anamnesis, initial physical examination, and imaging tests examination, specially the radiography, were essential for the diagnosis.
Keywords: Aspiration pneumonia, brachycephalic, vomiting
INTRODUÇÃO
O sistema respiratório está habitualmente em contato com o meio externo e com agentes provocadores de afecções pulmonares que representam uma considerável parte dos atendimentos na rotina clínica dos consultórios e hospitais veterinários (Reinero e Cohn, 2007). A resposta do sistema respiratório precisa ser ágil e eficaz, para evitar a passagem dos agentes patológicos e a invasão do tecido pulmonar, bem como modular uma resposta imune a fim de evitar lesões pulmonares (COHN; REINERO, 2007; LEMESSURIER et al., 2020). A lesão no epitélio pulmonar, além de facilitar a fixação e proliferação bacteriana, também expõe raízes nervosas levando ao broncoespasmo (JOHNSON, 2020).
A aspiração de corpos estranhos pode causar danos patológicos nas vias aéreas superiores e inferiores, podendo causar um quadro inflamatório e infeccioso no parênquima pulmonar, conhecido como pneumonia aspirativa (NAFE, et al. 2018). Entre as doenças pulmonares que podem acometer os cães, a pneumonia aspirativa é uma das mais prevalentes e ocorre quando um material externo, como alimentos, líquidos, vômito ou saliva, é inalado para os pulmões.
Os cães mais acometidos com essas enfermidades são os das raças braquicefálicas, como o Bulldog Inglês, o Bulldog Francês, o Pug, o Shih Tzu, o Boston Terrier, o Boxer, o Pequinês e o Lhasa Apso, por terem um encurtamento das vias aéreas, que é uma condição genética (JOHNSON, 2020).
A fisiopatologia da pneumonia aspirativa é complexa, de alta importância clínica e potencial risco à vida do paciente (JOHNSON, 2020).
Nos animais acometidos, o excesso de muco produzido pela inflamação e a proliferação bacteriana causa obstrução de vias respiratórias menores dificultando a respiração e provocando um quadro de hipoxemia (JOHNSON, 2020). Adicionalmente, os animais podem apresentar dispneia, tosse persistente, febre, cianose, corrimento nasal, perda do apetite e prostração (ADAMAMA-MORAITOU et al., 2002; SELLON & WILLARD, 2003).
O diagnóstico da doença deve ser baseado no histórico do paciente, na anamnese, nos sinais clínicos apresentados e em exames hematológicos e radiográficos do tórax (Nelson & Couto, 2015). O tratamento deve ser feito através da administração de fluidoterapia, fornecimento de oxigênio, antibióticos e tratamento de suporte (Sherman & Karagiannis, 2017).
Diante dos poucos relatos em português encontrados na literatura, o objetivo do trabalho foi relatar o caso clínico de um canino braquicefálico que foi diagnosticado com pneumonia aspirativa.
MATERIAL E MÉTODOS
Paciente canino da raça Pug, macho, com 1 ano de idade, pesando 10 kg foi atendido no serviço veterinário, em Feira de Santana, Bahia. Na anamnese, o tutor relatou que o animal comia muito rápido e em seguida, vomitava. Com o passar do tempo, o quadro foi se agravando e surgiram sinais clínicos como tosse fraca, dispneia, cianose, intolerância ao exercício e desmaios. No exame físico foram avaliadas as frequências cardíacas e respiratória e para auxiliar no diagnóstico, foram solicitados exames complementares como hemograma completo, pcr para hemoparasitoses (Ehrlichia spp., Babesia spp., Anaplasma spp.) e exame de imagem (raio-x).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No exame físico, o animal apresentou febre (39,5ºC) e crepitação na ausculta. As frequências cardíaca e respiratória estavam dentro do padrão de normalidade da espécie, sendo a frequência cardíaca de 100bpm e a frequência respiratória de 30mpm.
O hemograma revelou uma leve anemia e uma expressiva leucocitose, com neutrofilia caracterizada por aumento de segmentados e presença de bastonetes, indicando um processo inflamatório e infeccioso (tabela 1). Os achados bioquímicos apresentaram valores dentro do padrão da normalidade para a espécie (tabela 2). Na análise molecular não houve amplificação de nenhum dos genomas pesquisados (Ehrlichia spp., Babesia spp., Anaplasma spp.).
Tabela 1 – Resultado do hemograma de um cão com pneumonia aspirativa, atendido
no serviço veterinário da clínica Clameve, Feira de Santana, Bahia, 2024.
| Eritrograma | ||
| Valores encontrados | Valores de referência para espécie canina | |
| Hemácias | 4,8 milhões/mm³ | 5,5 a 7,0 milhões/mm³ |
| Hematócrito | 34 % | 34 a 40% |
| Hemoglobina | 10,8 g/dL | 11 a 15,5 g/dL |
| V.C.M | 70,83 fl | 65 a 78 fl |
| C.H.C.M | 31,8 % | 30 a 35 % |
| Proteína plasmática | 7,8 g/dL | 5,0 a 6,5 g/dL |
| Leucograma | ||
| Leucócitos | 27.500/mm3 | 8.000 – 16.000/mm3 |
| Mielócitos | 0 | 0 |
| Metamielócitos | 0 | 0 |
| Bastonetes | 275/mm3 | 0 a 100/mm3 |
| Segmentados | 25.025/mm3 | 3.300 a 9.700/mm3 |
| Linfócitos | 1.375/mm3 | 3.300 a 6.700/mm3 |
| Monócitos | 825/mm3 | 100 a 1.200/mm3 |
| Eosinofilos | 0 | 50 a 1.270/mm3 |
| Basófilos | 0 | 0 |
| Células atipicas | 0 | 0 |
| Plaquetas | 422.000/mm3 | 200.000 a 500.000/mm3 |
Tabela 2 – Resultado do bioquímico de um cão com pneumonia aspirativa, atendido
no serviço veterinário da clínica Clameve, Feira de Santana, Bahia, 2024.
| Valores encontrados | Valores de referência para espécie canina | |
| Creatinina | 0,6 mg/dL | 0,5 a 1,5 mg/dL |
| ALT | 48 U.I/L | 21 a 60 mg/dL |
| Fosfatase alcalina | 23 U.I/L | 20 a 156 U.I/L |
As imagens radiográficas do tórax revelaram maior abaulamento de bordo cardíaco dorso-caudal (topografia habitual de átrio esquerdo), aumento de seu eixo apicobasilar e desvio dorsal de trajeto traqueal torácico. Os vasos pulmonares apresentaram maior evidência e essa alteração pode estar relacionada a congestão pulmonar ou alargamento de mediastino cranial, sugerindo deposição gordurosa. O padrão radiográfico intersticial se apresentou difuso em campos pulmonares, tendendo a alveolar em região peri-hiliar e topografia de lobos pulmonares craniais, mais evidente em incidências latero-laterais, associado a espessamento de paredes brônquicas adjacentes, sugerindo edema pulmonar cardiogênico incipiente e/ou processo inflamatório/infeccioso (bronquite/broncopneumonia) (Fig 1, 2 e 3).
Em um estudo retrospectivo, Kogan e colaboradores avaliaram os achados radiográficos de 88 cães diagnosticados com pneumonia aspirativa e identificaram que 74% dos cães apresentavam um infiltrado predominantemente alveolar e 26% apresentavam um padrão intersticial.
Fig 1 – Radiografia do tórax (projeção lateral-lateral direito) de um cão com pneumonia aspirativa atendido no serviço veterinário da clínica Clameve, Feira de Santana, Bahia, 2024.
Fig 2 – Radiografia do tórax (projeção lateral-lateral esquerda) de um cão com pneumonia aspirativa atendido no serviço veterinário da clínica Clameve, Feira de Santana, Bahia, 2024.
Fig 3 – Radiografia do tórax (projeção ventro-dorsal) de um cão com pneumonia aspirativa atendido no serviço veterinário da clínica Clameve, Feira de Santana, Bahia, 2024.
Pereira (2019) também relatou leucocitose no hemograma de um felino com pneumonia aspirativa, além do padrão intersticial em região peri-hiliar na radiografia. Gomes e Souza (2019) relataram o caso de um cão com pneumonia por aspiração, associado a leucocitose no hemograma e alterações radiográficas, o que está de acordo com os achados do presente caso clínico. No entanto, a radiografia contrastada revelou a presença de megaesôfago, um achado adicional importante. O megaesôfago pode ser congênito ou adquirido, secundário a outras doenças, como no caso da esofagite, e é um dos principais fatores de risco para pneumonia aspirativa (Manning et al., 2016; Sherman e Karagiannis, 2017). No entanto, as radiografias sem contraste realizadas no presente estudo não foram suficientes para descartar completamente a presença de megaesofago.
Adicionalmente, Darcy e colaboradores (2018), em um estudo retrospectivo, identificaram maior risco de desenvolver pneumonia aspirativa nos animais braquicefálicos e esse risco era ainda maior nos animais que apresentavam histórico de alterações gastrointestinais, como no animal do caso relatado, que era braquicefálico e tinha histórico de vômito recorrente após a alimentação.
Para o tratamento do paciente, foram prescritas as seguintes medicações: Amoxicilina com Clavulanato de Potássio, na dose de 25,0 mg/kg a cada 12 horas, por 7 dias; Prednisolona, na dose de 1 mg/kg a cada 24 horas, por 5 dias; Eritrós tab dog, 1 comprimido por animal; e nebulização com 5 ml de solução fisiológica a cada 12 horas, por 7 dias. O animal completou todo o tratamento prescrito, apresentou estabilidade, bom escore corporal e retornou às atividades normais.
A escolha de um antibiótico de amplo espectro para o tratamento da pneumonia por aspiração foi fundamentada na literatura científica, uma vez que essa condição pode envolver múltiplas espécies bacterianas, o que frequentemente complica o isolamento do agente etiológico específico. Nesse contexto, as penicilinas são frequentemente recomendadas como terapia de primeira linha devido à sua eficácia em cobrir uma ampla gama de patógenos comuns associados a essa infecção (CAMARGO et al., 2020).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As informações obtidas durante a anamnese e os exames complementares foram essenciais para o diagnóstico deste caso de pneumonia aspirativa. A avaliação fisiológica indica que a infecção provavelmente resultou de alterações no sistema digestivo, que afetaram o sistema respiratório e causaram um desequilíbrio homeostático, levando ao desenvolvimento da pneumonia aspirativa. Embora a possibilidade de megaesôfago não tenha sido excluída, sublinha-se a importância de realizar exames diagnósticos mais detalhados para identificar a causa primária da pneumonia e prevenir recorrências. O cão respondeu favoravelmente ao tratamento e atualmente encontra-se em bom estado de saúde, demonstrando a eficácia da abordagem terapêutica e o adequado manejo do caso.
REFERÊNCIAS
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1 – Centro Universitário Anísio Teixeira
Autor correspondente: Eric Abraão de Oliveira Silva Arestides
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