PLURALISMO JURÍDICO E SUA MÚLTIPLAS FONTES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8415794


Joacil Freire da Silva Júnior


RESUMO

O Pluralismo Jurídico é uma abordagem que reconhece a existência de múltiplas fontes e sistemas de direito dentro de uma sociedade, em contraste com o monismo jurídico que atribui supremacia a uma única fonte de direito, geralmente o sistema jurídico estatal. No contexto do pluralismo jurídico, várias fontes de normas e sistemas de justiça coexistem e interagem, incluindo sistemas informais e tradicionais de resoluções de conflitos fazendo assim que existam um pluralismo jurídico, bem como suas múltiplas fontes.

PALAVRAS -CHAVE:PLURALISMO.JURÍDICO.RESOLUÇÕES.FONTES.

INTRODUÇÃO

Inicialmente se faz importante explicar de forma clara e objetiva o que é o pluralismo jurídico, podemos afirmar que se trata de uma abordagem que reconhece e valoriza a coexistência de múltiplas fontes e sistemas jurídicos em uma determinada sociedade ou comunidade, ou seja refere-se à diversidade de fontes e sistemas legais que podem existir em diferentes países e regiões do mundo. Isso ocorre porque o direito é uma disciplina complexa e variada, influenciada por fatores históricos, culturais, políticos e sociais, que levam à criação de diferentes sistemas jurídicos em todo o mundo.

Podemos mencionar algumas das principais características dessas múltiplas fontes e sistemas Jurídicos:

  1. – Fontes do Direito: As fontes do Direito são as origens formais das normas jurídicas que regem uma sociedade. Elas podem variar entre os sistemas jurídicos e podem incluir a legislação, a jurisprudência, a doutrina, os costumes e os princípios gerais do direito.
  2. – Sistemas Jurídicos: Existem vários sistemas jurídicos ao redor do mundo, e eles são classificados de acordo com suas características principais. Alguns dos sistemas jurídicos mais conhecidos são:

Sistema de Direito Civil: É baseado em códigos escritos que estabelecem regras detalhadas para diversas áreas do direito. É comum em países com influência romano-germânica, como França, Alemanha, Brasil e Japão.

Sistema de Common Law: É desenvolvido com base em decisões judiciais anteriores (precedentes) e em princípios legais gerais, ao invés de códigos codificados. É o sistema predominante em países de origem anglosaxônica, como Estados Unidos, Reino Unido e Canadá.

Sistema de Direito Consuetudinário: Baseia-se principalmente em costumes e tradições estabelecidos ao longo do tempo, em vez de leis codificadas ou decisões judiciais. É mais comum em sociedades tribais e comunidades tradicionais.

Sistema de Direito Islâmico (Sharia): É baseado nos ensinamentos do Alcorão e nas tradições do Profeta Maomé. É aplicado em alguns países de maioria muçulmana.

Sistema de Direito Socialista: Baseia-se nos princípios do marxismo-leninismo e é predominante em alguns países comunistas.

3 -Pluralismo Jurídico: Em algumas regiões, especialmente em países com diversidade étnica ou cultural, podem coexistir múltiplos sistemas jurídicos. Nesses casos, as comunidades podem recorrer a sistemas legais diferentes para resolver disputas e questões legais. O desafio é garantir a harmonização e o respeito aos direitos de todas as partes envolvidas

4 – Direito Internacional: Além dos sistemas jurídicos nacionais, também existe o direito internacional, que engloba acordos e convenções entre nações e organizações internacionais. O direito internacional regula questões transnacionais, como direitos humanos, comércio internacional e conflitos entre Estados

5 – Diversidade Cultural e Histórica: A existência de múltiplas fontes e sistemas jurídicos é muitas vezes resultado da diversidade cultural e histórica de diferentes sociedades. O desenvolvimento do direito está intimamente ligado à evolução das civilizações, tradições e valores ao longo do tempo. Cada sistema jurídico pode refletir a identidade e os costumes de um determinado povo.

6 – Colonização e Globalização: A colonização histórica teve um impacto significativo na disseminação de diferentes sistemas jurídicos ao redor do mundo. As potências coloniais frequentemente impunham suas próprias leis e sistemas jurídicos às colônias, deixando uma herança jurídica duradoura mesmo após a independência. Além disso, a globalização moderna também influencia a convergência e a interação entre sistemas de um povo específico.

7 – Conflitos de Jurisdição: Em algumas situações, os sistemas jurídicos podem entrar em conflito quando a lei de um país colide com a de outro. Isso geralmente acontece em casos de litígios internacionais, comércio transfronteiriço e questões relacionadas a direitos humanos. Os tratados internacionais e a diplomacia desempenham um papel importante na resolução desses conflitos.

8 – Harmonização e Unificação: Em certos contextos, esforços são feitos para harmonizar ou unificar sistemas jurídicos, especialmente em áreas específicas do direito, como o comércio internacional e o direito ambiental. Organizações internacionais, como a ONU e a União Europeia frequentemente trabalham nesse sentido para promover a cooperação e a estabilidade jurídica global.

9 – Pluralismo Jurídico nas Sociedades: Em muitas sociedades, especialmente em países com populações diversas, o pluralismo jurídico é uma realidade. Além do sistema legal nacional, podem existir sistemas jurídicos indígenas, religiosos ou costumeiros que têm autoridade para resolver questões dentro de suas comunidades. O desafio é encontrar maneiras de conciliar esses sistemas sem comprometer os direitos fundamentais e a igualdade perante a Lei.

10 – Direitos Humanos e Universalidade: Embora existam diferenças entre os sistemas jurídicos, a noção de direitos humanos universais tem sido promovida internacionalmente. Documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelecem padrões mínimos que devem ser respeitados por todos os países, independentemente de seus sistemas jurídicos.

11 – Tendências Contemporâneas: Com o avanço da tecnologia e a crescente interconexão global, o direito internacional e os sistemas jurídicos nacionais enfrentam novos desafios. Questões relacionadas à privacidade de dados, cibercrime, comércio eletrônico e propriedade intelectual são exemplos de áreas onde o direito está em constante evolução para se adaptar às mudanças da sociedade.

Em resumo, as múltiplas fontes e sistemas jurídicos são um reflexo da diversidade e complexidade do mundo em que vivemos. Embora isso possa levar a desafios em termos e harmonização e aplicação do direito, também é uma oportunidade para aprender com as diferentes abordagens e enriquecer o campo jurídico global com novas perspectivas. O diálogo intercultural e a cooperação internacional são fundamentais para promover a justiça e o Estados de Direito em um mundo cada vez mais interligado. Essa diversidade de fontes e sistemas jurídicos pode ser fascinante, mas também apresenta desafios quando se trata de harmonizar normas, resolver disputas internacionais e garantir a justiça e os direitos humanos em escala global.

PLURALISMO JURÍDICO

O pluralismo jurídico é uma abordagem que reconhece e valoriza a coexistência de múltiplas fontes e sistemas jurídicos em uma determinada sociedade ou comunidade. Ele reconhece que as pessoas podem recorrer a diferentes sistemas normativos e jurídicos para resolver suas disputas ou lidar com questões legais, e esses sistemas podem ser baseados em diferentes tradições, crenças, valores e culturas.

Origens do pluralismo jurídico no mundo:

O pluralismo jurídico não tem uma origem específica bem definida, mas suas raízes podem ser encontradas em sociedades antigas, onde diferentes grupos ou comunidades mantinham sistemas jurídicos próprios, distintos dos sistemas legais impostos pelos governantes centrais. Na história, muitas sociedades indígenas, tribais e religiosas seguiram seus próprios conjuntos de normas e procedimentos jurídicos, em paralelo aos sistemas legais estatais.

Nas palavras de Franz Benda-Beckmann, pluralismo jurídico significa “a possibilidade teórica de mais de um ordenamento jurídico inserido em um espaço sócio-político, baseado nas diferentes fontes de verdadeira validação e manutenção pelas formas de organização que não o Estado”. 

Ao longo do tempo, especialmente com a expansão dos impérios e do colonialismo, os sistemas legais estatais muitas vezes suprimiram ou cooptaram os sistemas jurídicos locais, tornando o pluralismo jurídico menos proeminente em algumas partes do mundo. No entanto, em muitas sociedades, especialmente aquelas com ricas diversidades culturais e étnicas, elementos do pluralismo jurídico persistiram.

Contexto histórico: O pluralismo jurídico tem raízes históricas em várias culturas e civilizações ao redor do mundo. Antes da colonização, muitas sociedades indígenas e tradicionais possuíam seus próprios sistemas normativos e judiciais, que eram baseados em costumes, tradições e crenças locais. Com a colonização e a expansão do direito estatal ocidental, esses sistemas foram muitas vezes suprimidos ou marginalizados. No entanto, ao longo do tempo, tem havido esforços para reviver e reconhecer esses sistemas legais tradicionais.

Diversidade cultural e geográfica: O pluralismo jurídico é particularmente relevante em países com diversidade cultural, étnica, religiosa e geográfica. Em nações onde diferentes grupos étnicos ou comunidades coexistem, pode haver a necessidade de reconhecer e acomodar sistemas legais diversos para melhor atender às necessidades e valores dessas comunidades. 

Conflito entre sistemas legais: Um dos desafios do pluralismo jurídico é lidar com o possível conflito entre os diferentes sistemas legais. Por exemplo, questões sobre direitos humanos universais, igualdade de gênero e proteção de minorias podem entrar em conflito com leis ou normas baseadas em práticas culturais ou religiosas tradicionais.

Acesso à justiça: Em algumas comunidades rurais e remotas, o sistema legal estatal pode ser inacessível ou inadequado para atender às necessidades locais. O pluralismo jurídico pode oferecer uma abordagem mais acessível e relevante para a resolução de conflitos nessas áreas.

Reconhecimento constitucional: Em alguns países, o pluralismo jurídico foi reconhecido na constituição ou em outras leis, o que significa que o sistema legal estatal reconhece a existência e a validade de outros sistemas legais dentro da nação.

Papel dos tribunais estatais: Em algumas jurisdições, os tribunais estatais desempenham um papel importante na mediação entre o direito estatal e os sistemas legais tradicionais. Eles podem decidir quando e como aplicar a lei costumeira, levando em consideração os princípios fundamentais da justiça e dos direitos humanos.

Desafios de implementação: A implementação efetiva do pluralismo jurídico pode ser um desafio. É fundamental garantir que todos os sistemas legais sejam tratados com igualdade, que os direitos humanos sejam protegidos em todas as esferas e que haja um diálogo contínuo entre os diferentes sistemas para evitar conflitos e incoerências.

É importante ressaltar que o pluralismo jurídico é um campo complexo e multidisciplinar, que abrange não apenas aspectos legais, mas também culturais, sociais e políticos. A maneira como o pluralismo jurídico é abordado varia em diferentes países e depende da história, cultura, sistema político e contexto específico de cada nação.

Podemos mencionar que o avanço do pluralismo jurídico tem sido observado em todo o mundo, pelas seguintes situações:

Reconhecimento oficial: Em algumas jurisdições, os sistemas legais tradicionais ou costumeiros estão sendo oficialmente reconhecidos e integrados ao sistema jurídico estatal. Isso pode ocorrer através da criação de tribunais especializados ou da concessão de autoridade legal a líderes ou anciãos locais para resolver questões dentro de suas comunidades.

Resolução de conflitos: O pluralismo jurídico muitas vezes desempenha um papel importante na resolução de conflitos em sociedades complexas ou multiculturais. Os sistemas legais locais ou comunitários podem lidar com questões cotidianas e disputas internas, enquanto o sistema estatal se concentra em questões de maior abrangência.

Inclusão social e cultural: O pluralismo jurídico pode ser uma ferramenta para reconhecer e proteger os direitos e costumes das minorias culturais ou grupos indígenas, promovendo a inclusão social e a diversidade cultural

Mediação e conciliação: Alguns sistemas legais não estatais têm abordagens mais focadas na mediação e conciliação em vez de litígio, o que pode levar a resultados mais rápidos e satisfatórios em determinados casos.

Autonomia local: O pluralismo jurídico pode dar às comunidades locais maior autonomia para governar a si mesmas, desde que isso esteja em conformidade com os princípios fundamentais dos direitos humanos e da justiça.

Desafios e limitações: No entanto, o avanço do pluralismo jurídico também enfrenta desafios e críticas. Algumas preocupações incluem a coerência e a uniformidade nas decisões judiciais, a possível falta de salvaguardas para os direitos individuais e a potencial discriminação contra certos grupos em sistemas legais tradicionais.

O pluralismo jurídico refere-se à coexistência de diferentes sistemas jurídicos ou ordens legais dentro de uma mesma sociedade ou comunidade. Isso implica que além do sistema legal estatal, outros sistemas legais, como os costumes locais, tradições indígenas, leis religiosas ou normas comunitárias, também são reconhecidos e aplicados em diferentes graus.

É importante notar que o avanço do pluralismo jurídico pode variar significativamente de país para país e dentro de diferentes contextos culturais. Desde então, houve mais desenvolvimentos e mudanças nessa área, e é sempre útil buscar informações atualizadas para entender melhor o cenário em constante evolução do pluralismo jurídico em todo o mundo.

PLURALISMO JURÍDICO NO BRASIL

No Brasil, o pluralismo jurídico é um fenômeno relevante, especialmente devido à grande diversidade cultural e étnica do país. As tradições indígenas, quilombolas e comunidades locais muitas vezes mantêm seus próprios sistemas normativos e jurídicos, além do sistema legal estatal. Essas formas de pluralismo jurídico no Brasil têm sido objeto de debates e desafios ao longo do tempo. O reconhecimento dos direitos das comunidades tradicionais, por exemplo, é um tema importante para garantir que suas normas e valores sejam respeitados e integrados à estrutura jurídica nacional.

Além disso, é fundamental promover o diálogo e a cooperação entre os sistemas jurídicos para evitar conflitos e garantir a justiça para todos os cidadãos. Em alguns casos, as jurisdições estatais brasileiras têm se esforçado para integrar princípios do pluralismo jurídico em suas práticas e decisões, de modo a reconhecer e respeitar a diversidade cultural do país.

É importante notar que o cenário do pluralismo jurídico está em constante evolução e pode variar em diferentes regiões do Brasil. Questões legais e sociais complexas frequentemente surgem quando as normas e valores dos diferentes sistemas jurídicos entram em conflito, e é papel do Estado e da sociedade buscar soluções equitativas e justas para essas situações.

O pluralismo jurídico é uma concepção que reconhece a existência de múltiplas fontes e sistemas normativos dentro de uma mesma sociedade, coexistindo e interagindo para resolver conflitos e regular as relações sociais. Essa ideia não é recente e pode ser observada em diferentes períodos históricos e em várias culturas ao redor do mundo.

Antes da chegada dos colonizadores europeus, os povos indígenas já possuíam seus próprios sistemas normativos, baseados em tradições ancestrais e práticas comunitárias. Com a colonização portuguesa, a aplicação do direito consuetudinário europeu se sobrepujou às práticas jurídicas locais, resultando em uma pluralidade de sistemas jurídicos sobrepostos. O direito romano-canônico, o direito português e o direito indígena coexistiam e interagiam de forma complexa.

Mesmo após a independência do Brasil em 1822, essa diversidade jurídica continuou a existir e evoluir, com a influência de outros grupos étnicos trazidos pela imigração, como os italianos, alemães, japoneses, entre outros.

Essa coexistência de diferentes sistemas normativos e a interação entre eles podem gerar desafios e questões complexas para o sistema jurídico brasileiro, como a necessidade de reconhecimento e respeito à diversidade cultural, bem como a garantia dos direitos fundamentais de todos os cidadãos. É importante que o Estado e a sociedade busquem formas de equilibrar e integrar essas diversas fontes de normas, garantindo justiça e igualdade para todos.

O pluralismo jurídico no Brasil é uma realidade que remonta à própria formação do país, sendo influenciado por diferentes culturas, tradições e sistemas normativos ao longo de sua história. Abaixo, descrevo o início, o desenvolvimento e o cenário atual do pluralismo jurídico no Brasil:

O início do pluralismo jurídico no Brasil pode ser traçado desde a época pré-colonial, quando as populações indígenas já possuíam seus próprios sistemas normativos, baseados em suas tradições e costumes. Com a chegada dos colonizadores portugueses no século XVI, o direito consuetudinário europeu foi introduzido, coexistindo com as práticas jurídicas dos povos indígenas.

Após a colonização, outros grupos étnicos foram trazidos para o Brasil, como os africanos escravizados, que também trouxeram suas tradições jurídicas e culturais para o país. Esse processo de miscigenação e interação entre diferentes sistemas normativos contribuiu para a diversidade do pluralismo jurídico brasileiro.

Desenvolvimento do Pluralismo Jurídico no Brasil: Ao longo dos séculos, a diversidade jurídica no Brasil foi influenciada pela evolução política, social e cultural do país. Com a independência em 1822 e a formação do Estado nacional, o direito estatal ganhou força, mas o pluralismo jurídico não desapareceu. A pluralidade de fontes de direito continuou presente nas comunidades rurais e tradicionais, onde os costumes e as tradições locais ainda exerciam influência significativa.

O pluralismo jurídico no Brasil é uma realidade que remonta à própria formação do país, sendo influenciado por diferentes culturas, tradições e sistemas normativos ao longo de sua história. Abaixo, descrevo o início, o desenvolvimento e o cenário atual do pluralismo jurídico no Brasil. Após a colonização, outros grupos étnicos foram trazidos para o Brasil, como os africanos escravizados, que também trouxeram suas tradições jurídicas e culturais para o país. Esse processo de miscigenação e interação entre diferentes sistemas normativos contribuiu para a diversidade do pluralismo jurídico brasileiro.

Algumas comunidades indígenas e quilombolas, por exemplo, mantêm seus próprios sistemas normativos, reconhecidos pela Constituição Federal como sistemas jurídicos específicos para a solução de conflitos e a gestão de assuntos internos. Esses sistemas são considerados um importante instrumento para a preservação da cultura e da identidade dessas populações.

Além disso, a chegada de imigrantes no século XIX e início do século XX também trouxe novas influências jurídicas, conforme diferentes grupos étnicos trouxeram suas próprias tradições legais. Hoje em dia, o pluralismo jurídico no Brasil se manifesta em diferentes níveis e contextos. Além do sistema legal estatal, muitas comunidades indígenas e quilombolas ainda mantêm suas próprias normas e mecanismos tradicionais para resolver conflitos e lidar com questões internas. Além disso, existem sistemas normativos informais em comunidades urbanas, como favelas e assentamentos, que podem coexistir com a lei formal.

Atualmente, o pluralismo jurídico no Brasil ainda é uma realidade. O sistema legal estatal é o principal responsável pela regulação das relações sociais, e a Constituição Federal é a norma suprema do país. Entretanto, a convivência com outras fontes de direito permanece.

O pluralismo jurídico é um tema complexo e multifacetado, e sua compreensão envolve a análise de diversas dimensões sociais, culturais, históricas e jurídicas. Vamos explorar mais sobre o tema, abordando alguns aspectos importantes relacionados ao pluralismo jurídico no Brasil:

A Constituição Federal de 1988 é o principal marco legal que reconhece o pluralismo jurídico no Brasil. Ela prevê, em seu artigo 231, o reconhecimento e a proteção dos direitos dos povos indígenas, que incluem a faculdade de preservar seus costumes, línguas, crenças e tradições. Além disso, no artigo 68, reconhece-se a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos remanescentes de comunidades quilombola.

Esses dispositivos constitucionais garantem a existência e a legitimidade dos sistemas jurídicos indígenas e quilombolas, reconhecendo sua autonomia e importância na resolução de conflitos e na preservação de suas identidades culturais.

A Constituição também estabelece que aos povos indígenas é assegurado o direito à sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, bem como o reconhecimento da sua justiça própria (artigo 125, §4º). Isso significa que, em algumas situações, as questões judiciais envolvendo comunidades indígenas podem ser resolvidas por seus próprios sistemas jurídicos, por meio de líderes e autoridades tradicionais.

Da mesma forma, a comunidade quilombola também tem direito a uma justiça própria, conforme o reconhecimento de sua organização social e costumes. Isso permite que eles também utilizem seus próprios mecanismos de resolução de conflitos, de acordo com suas tradições.

Embora a Constituição reconheça os sistemas jurídicos indígenas e quilombolas, a efetiva implementação desse reconhecimento pode enfrentar desafios. Conflitos entre os sistemas jurídicos indígenas e quilombolas e o

sistema legal estatal podem surgir em questões como propriedade da terra, direitos territoriais, demarcações e exploração de recursos naturais.

Também existem desafios relacionados ao respeito e ao conhecimento dos sistemas jurídicos indígenas e quilombolas por parte dos operadores do direito, como juízes, promotores e advogados, que muitas vezes não estão familiarizados com essas realidades culturais.

Além das comunidades indígenas e quilombolas, o pluralismo jurídico também pode ser observado em comunidades urbanas, especialmente em áreas de periferias e favelas. Nestes locais, práticas e costumes locais podem ser utilizados para resolver conflitos e questões cotidianas, muitas vezes fora do âmbito do sistema legal formal.

O direito indígena no Brasil é caracterizado pela diversidade, pois existem mais de 300 etnias indígenas no país, cada uma com suas próprias tradições, costumes e línguas. Essas comunidades possuem sistemas normativos próprios, baseados em suas cosmovisões, relações com a natureza e organização social.

Os quilombos são comunidades formadas por descendentes de escravos fugitivos que se organizaram para viver de forma autônoma. O direito quilombola é enraizado nas tradições africanas e nas práticas de resistência desenvolvidas ao longo da história.

Assim como no caso dos povos indígenas, as comunidades quilombolas têm seus próprios sistemas de normas e valores, que regulam as relações internas e o uso da terra. O reconhecimento do direito quilombola é fundamental para a garantia de seus territórios ancestrais e da preservação de sua identidade cultural.

As decisões no âmbito do direito indígena são frequentemente tomadas coletivamente, e os líderes e conselhos de anciãos têm um papel central na resolução de conflitos e na tomada de decisões importantes para a comunidade. No entanto, a justiça indígena também pode interagir com o sistema legal estatal, especialmente em casos que envolvam direitos territoriais e demarcações de terras.

A demarcação de terras é uma questão crucial no pluralismo jurídico brasileiro. Muitas comunidades indígenas e quilombolas lutam por seus direitos territoriais, enfrentando conflitos com interesses econômicos, especialmente no que se refere à exploração de recursos naturais.

A demarcação de terras é uma ferramenta legal importante para a garantia dos direitos dessas comunidades, mas frequentemente enfrenta obstáculos políticos e econômicos. A falta de reconhecimento de territórios tradicionais pode levar a disputas, violência e violações de direitos humanos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O pluralismo jurídico no Brasil representa uma riqueza cultural e social, mas também traz desafios significativos. A promoção de uma abordagem respeitosa, inclusiva e intercultural é essencial para garantir a justiça para todas as comunidades e grupos sociais.

No contexto do pluralismo jurídico, é essencial encontrar formas de articulação e diálogo entre o sistema legal estatal e os sistemas jurídicos indígenas, quilombolas e outras práticas informais presentes nas comunidades urbanas. Isso inclui o reconhecimento da validade e eficácia das decisões tomadas por esses sistemas em determinados contextos, bem como a garantia dos direitos humanos universais.

O pluralismo jurídico levanta questões importantes sobre o respeito à diversidade cultural e o reconhecimento dos direitos humanos das comunidades tradicionais e marginalizadas. O respeito aos sistemas jurídicos indígenas e quilombolas e às práticas informais em comunidades urbanas é fundamental para a promoção da justiça e da igualdade.

Isso requer esforços para garantir que os direitos fundamentais de todos os cidadãos sejam respeitados, independentemente do sistema normativo ao qual pertençam. A garantia de acesso à justiça, o diálogo intercultural e a formação adequada dos profissionais do direito são aspectos cruciais para uma abordagem mais inclusiva e respeitosa do pluralismo jurídico no Brasil.

Essas práticas informais podem surgir como uma resposta à falta de acesso à justiça ou ao descrédito em relação ao sistema legal formal. Elas também refletem a importância das redes de solidariedade e das dinâmicas comunitárias na resolução de problemas.

Investir na formação de profissionais do direito e operadores do sistema de justiça para lidar com questões de pluralismo jurídico é fundamental. Além disso, políticas públicas que reconheçam e valorizem a diversidade cultural e os direitos das comunidades tradicionais são cruciais para promover uma sociedade mais justa e igualitária.

Superando a identificação entre Direito e lei, passa-se a aceitar que aquele existe como forma de regulamentação social, ultrapassando os limites do aparato estatal para abranger “tudo aquilo que está intimamente ligado à pessoa e ao grupo social ao qual ela pertence”[1]

O autor Wolkmer leciona que “promover e estimular a participação múltipla dos segmentos populares e dos novos sujeitos coletivos de base” (WOLKMER. Pluralismo jurídico: fundamentos…, p. 321). 

Nesse sentido, a jurisprudência é fundamental para orientar a aplicação do direito em casos que envolvam pluralismo jurídico, estabelecendo precedentes e direcionamentos para a convivência harmoniosa entre os diferentes sistemas normativos presentes no país. A busca por jurisprudência sobre o tema pode fornecer insights valiosos sobre as decisões judiciais e o entendimento dos tribunais em relação ao pluralismo jurídico no Brasil.

O sistema legal estatal no Brasil é baseado no direito positivo, representado por normas escritas, como leis, regulamentos e decisões judiciais. Esse sistema é aplicado em todo o território nacional e é a instância final para a resolução de disputas legal.

REFERÊNCIAS:

MALISKA, Marcos Augusto. Pluralismo jurídico e direito moderno: notas para pensar a racionalidade jurídica na modernidade. Curitiba: Juruá, 2000.

_____. PLURALISMO JURÍDICO. In: Dicionário de Filosofia do Direito. Vicente Barretto (org.). São Paulo: Unisinos; Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

WOLKMER. Pluralismo jurídico: fundamentos…, p. 321.

Benda-Beckman F., Law. 2002. No 47. p. 275. Cf. uma bem sucedida critica do das concepções estado-centristas do pluralismo jurídico: I. Shahar, State, Society and the Relation between Them: Implication for the Study of Legal

Pluralism, p. 436.


[1] MALISKA, Pluralismo,p. 112