PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E A INCLUSÃO SOCIAL: A QUESTÃO TERMINOLÓGICA

PEOPLE WITH DISABILITIES AND SOCIAL INCLUSION: THE TERMINOLOGICAL ISSUE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7796560


Alessander Moreira Batista[1]
Marcelo Perez da Cunha Lima[2]
Maria Paula Mendonça Vieira[3]
Rubens Vinícius Vieira Nascimento[4]


RESUMO.

O presente artigo volta-se ao estudo da questão terminológica envolvendo as pessoas com deficiência. A linguagem pode ser utilizada como instrumento de opressão e discriminação, ao passo que alguns termos utilizados para se referir às pessoas com deficiência proporcionam um verdadeiro estigma social. Entretanto, se utilizada de forma adequada, a terminologia pode servir como instrumento de valorização da causa, fazendo com que a sociedade enxergue as pessoas com deficiência. A justificativa e o objetivo deste estudo podem ser compreendidos pelo fato de que refletir sobre as nomenclaturas empregadas é, também, um exercício fundamental para o desenvolvimento da inclusão social e da materialização do princípio da igualdade. A problemática que se pretende responder consiste: qual a nomenclatura correta para se referir as pessoas com deficiência e qual o impacto da opção terminologia na inclusão social? A conclusão obtida foi de que o termo adequado é o “pessoas com deficiência”, uma vez que afasta a existência de uma incapacidade da pessoa e aponta os obstáculos sociais como elementos da exclusão.

Palavras-Chave: Pessoas com Deficiência. Inclusão Social. Terminologia.

ABSTRACT

This article focuses on the study of the terminological issue involving people with disabilities. Language can be used as an instrument of oppression and discrimination, while some terms used to refer to people with disabilities provide a real social stigma. However, if used properly, the terminology can serve as an instrument for valuing the cause, making society see people with disabilities. The justification and objective of this study can be understood by the fact that reflecting on the nomenclatures used is also a fundamental exercise for the development of social inclusion and the materialization of the principle of equality. The problem that is intended to be answered is: what is the correct nomenclature to refer to people with disabilities and what is the impact of the terminology option on social inclusion? The conclusion obtained was that the appropriate term is “people with disabilities”, since it excludes the existence of a person’s disability and points to social obstacles as elements of exclusion.

Keywords: People with Disabilities. Social inclusion. Terminology.

INTRODUÇÃO

A terminologia adotada para se referir as pessoas com deficiência está intimamente relacionada com o modo que a sociedade lhes trata, sofrendo diversas alterações no decorrer da história, evidenciando uma mudança de comportamento da sociedade para com tais indivíduos.

A linguagem pode ser utilizada como instrumento de opressão e discriminação, ao passo que alguns termos utilizados para se referir às pessoas com deficiência proporcionam um verdadeiro estigma social. Entretanto, se utilizada de forma adequada, a terminologia pode servir como instrumento de valorização da causa, fazendo com que a sociedade enxergue as pessoas com deficiência.

A justificativa e o objetivo deste estudo podem ser compreendidos pelo fato de que refletir sobre as nomenclaturas empregadas é, também, um exercício fundamental para o desenvolvimento da inclusão social e da materialização do princípio da igualdade. A metodologia utilizada foi a qualitativa de natureza bibliográfica, envolvendo revisão de literatura para análise do objeto em questão.

A problemática que se pretende responder consiste: qual a nomenclatura correta para se referir as pessoas com deficiência e qual o impacto da opção terminologia na inclusão social?

Essas são as principais questões que o presente estudo pretende desenvolver, sem prejuízo de outras que, ainda que abordadas de forma ancilar, apresentem-se como elementares à aferição das conclusões aqui pretendidas.

1 – As nomenclaturas e a exclusão social.

O dicionário Houaiss apresenta a seguinte definição do termo “deficiência”:

  1. Med. insuficiência ou ausência de funcionamento de um órgão ‹d. glandular›.
  2. Psiq. insuficiência de uma função psíquica ou intelectual ‹d. mental› ‹d. sensorial›.
  3.  P.ext. perda de quantidade ou qualidade; falta, carência ‹d. de recursos› ‹d. de vitaminas›
  4. P.ext. perda de valor; falha, fraqueza ‹há que suprir as d. da educação pública primária›[5]

As definições contidas no dicionário são demasiadamente simplórias, além de carregarem uma conotação pejorativa, reduzindo a pessoa com deficiência a certa característica negativa.

Acerca da conceituação da pessoa com deficiência, Nair Lemos Gonçalves, em sua obra, faz uma análise e retrospectiva acerca das nomenclaturas utilizadas pela legislação nacional e estrangeira, das quais se destacam os seguintes termos: “indivíduos com capacidade limitada”, “minorados”, “impedidos”, “descapacitados”, “excepcionais”, “minusválidos”, “disable person”, “handicapped person”, “unusual person”, “special person”, “inválido”, “deficiente” e “pessoa portadora de deficiência” (GONÇALVES, 1997)[6].

A expressão mais utilizada pelos países de língua inglesa é de “person with disabilities” e “people with disability”, não sendo mais empregadas as palavras pejorativas do passado, como “handicapped person” e “the disabled”, as quais ressaltavam mais à deficiência do que o próprio indivíduo.

Nos países de língua espanhola, especialmente na Espanha, é possível observar o uso do termo “minisválido” para se referir as pessoas com deficiência, também possuindo conotação pejorativa e discriminatório, sendo mais adequado atualmente o uso do termo “descapacitado” ou “persona con discapacidad”.

Marco Antônio Villatore[7] discorre acerca das nomenclaturas utilizadas em outros países:

Independente dos significados, parece-nos válido e esclarecedor o destaque de algumas expressões empregadas pelos países presentes neste estudo para denominar as pessoas portadoras de deficiência, haja vista a sempre e eterna preocupação, no Brasil, pelo menos, em não se ferirem suscetibilidades, respeitando-se essas pessoas em todos os aspectos. Destacamos, por exemplo: “minusválidos” ou inválidos na Espanha, “disabili” na Itália, diminuídos ou pessoas deficientes em Portugal, “handicapés” na França, “behinderunge” na Alemanhã, “persons with disabilities” ou “handicapped persons” nos Estados Unidos da América e “descapacitados” na Argentina (VILATORRE, 2000).

Diversas expressões adotadas no passado possuíam feições pejorativas e disseminavam a discriminação, sendo substituídas no decorrer dos anos. Atualmente, ainda há discussão acerca de qual a melhor terminologia a ser utilizada, sendo comum de se utilizar as seguintes expressões: “pessoas portadoras de deficiência”, “pessoas portadoras de necessidades especiais”, “pessoas com necessidades especiais”, “pessoa especial” e “pessoa com deficiência”.

Segundo Ricardo Tadeu Marques da Fonseca tais nomenclaturas “demonstram uma transformação de tratamento que vai da invalidez e incapacidade à tentativa de nominar a característica peculiar da pessoa, sem estigmatizá-la”[8].

2 – Os termos que carregam estigmas e preconceitos.

Aqueles que se utilizam do termo “pessoas com necessidades especiais” fundamentam sua opção com base no argumento de que se utilizar do termo “deficiência” não é adequado, pois seu significado está intimamente relacionado com a ideia de falta, carência e com o antônimo de eficiência, resultando em uma rotulação depreciativa.

Contudo, o termo “pessoas com necessidades especiais” encontra diversas críticas na doutrina, devido a sua abrangência, uma vez que pode incluir outras categorias, tais quais como gestantes, idosos, bebês e todos aqueles que por algum motivo necessitam de um tratamento diferenciado, nem sempre havendo a necessidade de uma discriminação positiva na legislação, como é o caso das pessoas com deficiência.

Além disso, a importância da rotulação com a terminologia correta está ligada com a inclusão social, uma vez que a sociedade precisa tomar conhecimento de que existem pessoas com deficiência para que se dê visibilidade ao tema, proporcionando discussões, e, logo, aumento na inclusão.

Segundo Luiz Alberto David Araujo a expressão “pessoas portadoras de deficiência” tem o objetivo de diminuir o estigma da deficiência, valorizando o indivíduo como pessoa[9]. No entanto, tal expressão, que é empregada pelo texto legal de diversos países, vem perdendo seu prestígio, uma vez que possui a conotação de que a pessoa carrega, conduz ou porta alguma deficiência.

Outra crítica também feita ao termo “pessoas portadoras de deficiência” é o de que a deficiência não está na pessoa ou em suas limitações físicas, mas sim na dificuldade que a pessoa possui em se incluir na sociedade. Como por exemplo, o caso das pessoas “superdotadas”, as quais não possuem nenhuma limitação, deformidade ou ausência, mas que por suas características, se encontram à margem da sociedade.

No Brasil, ao longo das décadas, foram utilizados termos nitidamente pejorativos para se referir as pessoas com deficiência, como: “aleijado”, “retardado”, “débil mental” entre outros.

Segundo Luiz Alberto David Araujo[10]:

Na Constituição de 1967, com a Emenda n°1 de 1969, encontramos a expressão ‘deficiente’ para cuidar desse grupo minoritário de pessoas que hoje compreende aproximadamente quinze por cento da população brasileira. A Emenda Constitucional n 12 cuidava de implementar a primeira defesa específica desse grupo vulnerável mencionando o termo ‘deficiente’ (…) A época o avanço constitucional foi comemorado, com a garantia de acesso a espaços públicos, com proibição de preconceito e de qualquer forma de discriminação (ARAUJO, 2008).

Não obstante tal avanço, o termo “deficiente” por si só é de natureza discriminatória, uma vez que reduz o indivíduo e cria a ideia de incapacidade.

Acerca do termo “deficiente” dispõe Sandro Nahmias Melo:

O adjetivo não se pode sobrepor jamais ao substantivo básico identificador da condição humana: pessoa! Em outras palavras, as deficiências jamais podem vir antes das pessoas, sob pena de, a partir daí, compor-se uma visão estereotipada das pessoas portadoras de deficiência, sendo este mais um motivo para que sejam totalmente abandonadas as qualificações pejorativas (MELO, 2004)[11].

As Constituições anteriores a de 1988, utilizaram expressões hoje tidas como inadequadas, das quais como “deficiente” e “excepcional”, a qual passou a adotar as terminologias “portador de deficiência” e “pessoas portadoras de deficiência”, como se vê em tais artigos:

Artigo 7° – (…)
XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência.
Artigo 37 (…)
VIII – a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão.

3 –  Pessoas com Deficiência: o termo adotado pela Convenção da ONU.

Atualmente, a nomenclatura tida como a mais correta a ser utilizada é aquela presente no texto da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual foi ratificada pelo Brasil, que é a expressão “pessoa com deficiência”. Tal termo é o mais correto , pois não é pejorativo, não discrimina e não imputa ao indivíduo o porte de determinada deficiência, e ao mesmo tempo, não esconde as limitações.

Neste sentido, Romeu Kazumi Sassaki justifica a adoção do termo “pessoas com deficiência” com os seguintes princípios:

1. Não esconder ou camuflar a deficiência;
2. Não aceitar o consolo da falsa ideia de que todo mundo tem deficiência;
3. Mostrar com dignidade a realidade da deficiência;
4. Valorizar as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência;
5. Combater neologismos que tentam diluir as diferenças, tais como: ‘pessoas com capacidades especiais’, ‘pessoas com eficiências diferentes’, ‘pessoas com habilidades diferenciadas’, ‘pessoas deficientes’, ‘pessoas especiais’; é desnecessário discutir a questão das deficiências porque todos nós somos imperfeitos’, ‘não se preocupem, agiremos como avestruzes com a cabeça dentro da areia (i.e, ‘aceitaremos você sem olhar para as suas deficiências’);
6. Defender a igualdade entre as pessoas com deficiência e as demais pessoas em termos de direitos e dignidade, o que exige a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência atendendo às diferenças individuais e necessidades especiais, que não devem ser ignoradas;
7. Identificar nas diferenças todos os direitos que lhes são pertinentes e a partir daí encontrar medidas específicas para o Estado e a sociedade diminuírem ou eliminarem as “restrições de participação” (dificuldades ou incapacidades causadas pelos ambientes humano e físico contra as pessoas com deficiência) (SASSAKI, 1997, p. 12-16).

Contudo, a discussão sobre a correta terminologia ainda não foi pacificada pela doutrina, a qual diverge no assunto. Nesse sentido afirma Lutiana Nacur Lorentz:

Assim a própria terminologia usada pela Constituição Federal de 1988 é bastante criticável porque o termo deficiência tem alcances muito estigmatizantes. Melhor seria se tivesse sido escolhida a expressão ‘pessoas portadoras de necessidades especiais (PNE) ou ‘pessoas com necessidades especiais’ havendo aqueles que, mais recentemente, vêm defendo o uso da expressão “pessoas com eficiências desconhecidas (LORENTZ, 2006)” [12].

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O referido estudo chega a conclusão de que o termo adequado é o “pessoas com deficiência”, tendo em vista que este foi utilizado pela Organização das Nações Unidas quando da elaboração de sua Convenção sobre o tema.

A referida nomenclatura, diferente das que foram utilizadas no passado, não carrega nenhum estigma ou preconceito, muito pelo contrário: é um hábil instrumento de promoção da inclusão social. Isso acontece porque a ideia de uma deficiência incapacitante que define a pessoa é substituída por um cenário em que o problema está nos obstáculos presentes na sociedade que impedem a efetiva inclusão, e não na pessoa em si.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas com deficiência. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Com Deficiência, 1994. P. 21.

FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. A pessoa com deficiência e a lapidação dos direitos humanos: o direito do trabalho, uma ação afirmativa, p. 270

GONÇALVES, Nair Lemos. A pessoa excepcional e a legislação brasileira. Revista de informação legislativa, v 14, nº 56, p. 125-138, out/dez de 1977.

HOUAISS. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de. Janeiro, Ed. Objetiva, 2010.

LORENTZ, lutiana Nacur. A norma da igualdade e o trabalho das pessoas portadoras de deficiência. São Paulo: LTR, 2006, p. 196.

MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência: o princípio constitucional da igualdade: ação afirmativa. São Paulo: LTr, 2004 p. 43.

VILLATORE, Marco Antônio Cesar. “O Decreto n° 3.298 de 1999 – Pessoa Portadora de Deficiência no Direito do Trabalho Brasileiro e o Tema do Direito do Trabalho Comparado”. in Suplemento Trabalhista, São Paulo: Editora LTr, 2000, volume: 64, número 5.


[5] Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de. Janeiro, Ed. Objetiva, 2010.
[6] GONÇALVES, Nair Lemos. A pessoa excepcional e a legislação brasileira. Revista de informação legislativa, v 14, nº 56, p. 125-138, out/dez de 1977.
[7] VILLATORE, Marco Antônio Cesar. “O Decreto n° 3.298 de 1999 – Pessoa Portadora de Deficiência no Direito do Trabalho Brasileiro e o Tema do Direito do Trabalho Comparado”. in Suplemento Trabalhista, São Paulo: Editora LTr, 2000, volume: 64, número 5.
[8] FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. A pessoa com deficiência e a lapidação dos direitos humanos: o direito do trabalho, uma ação afirmativa, p. 270.
[9] ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas com deficiência. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Com Deficiência, 1994. P. 21.
[10] ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas com deficiência e o cumprimento do princípio da dignidade da pessoa humana. In MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da (Coords). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 204.
[11] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência: o princípio constitucional da igualdade: ação afirmativa. São Paulo: LTr, 2004 p. 43.
[12] LORENTZ, lutiana Nacur. A norma da igualdade e o trabalho das pessoas portadoras de deficiência. São Paulo: LTR, 2006, p. 196.


[1] Professor Universitário na Faculdade de Ciências Humanas de São Paulo – FACIC e Centro Universitário Santa Cecília – UNICEA. Bacharel em Administração, Advogado, Professor Universitário, Especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário, Especialista em Direito Administrativo, Mestrando em Design Tecnologia e Inovação. E-mail prof.admalessander@gmail.com.
[2] Bacharel, Especialista e Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP, atua como Procurador do Município e exerce a docência na Faculdade de Ciências Humanas do Estado de São Paulo – FACIC e no Centro Universitário Santa Cecília – UNICEA. Endereço eletrônico para contato: m.cunhalima@uol.com.br
[3] Professora Especialista – Centro Universitário Santa Cecília – UNICEA; Bacharel em Direito – Centro Universitário Armando Álvares Penteado – FAAP; Especialista em Registros Públicos – UNICEA; Mestranda em Direito Constitucional – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC. E-mail: mendoncavieiramariapaula@gmail.com
[4] Professor Especialista do Centro Universitário Santa Cecília – UNICEA. Mestrando em Design, Tecnologia e Inovação pelo Centro Universitário Teresa D’Ávila. Especialista em Direito da Família pela Universidade Cândido Mendes. Especialista em Direito Administrativo e Licitações; Especialista em Direito Imobiliário pela Faculdade Única de Ipatinga. Bacharel em Direito pela Faculdade de Tecnologia e Ciências de Vitória da Conquista. Advogado, Servidor Público Municipal e Professor Universitário. E-mail: rubensvieiraadv@gmail.com