REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202412111121
Joselene Beatriz Soares Silva1;
Orientador: Guilherme Silva de Mendonça2
Resumo
O presente artigo objetivou investigar as perspectivas dos pacientes portadores de doenças cardiovasculares e sua respectiva relação com os padrões de disseminação da Covid-19, bem como nas estratégias de tais enfrentamentos. Para alcançar o objetivo proposto, realizou-se uma pesquisa de cunho bibliográfico com análise, síntese e discussão dos resultados de maneira qualitativa e explicativa, com a obtenção dos dados através de fontes secundárias. A pandemia de SARS-CoV-2 foi uma emergência de saúde pública global, a qual possui consequências até os dias atuais, afetando diretamente pacientes com doenças cardiovasculares. Estudos recentes destacam que pacientes com doenças cardiovasculares preexistentes enfrentam um risco aumentado de complicações graves, incluindo infarto do miocárdio, miocardite e trombose venosa profunda, devido à interação entre a condição cardiovascular e a infecção viral. A adaptação dos sistemas de saúde é fundamental para lidar com as consequências da pandemia, incluindo aprimorar a assistência centrada no paciente e enfrentar os desafios específicos enfrentados pelos pacientes com doenças cardiovasculares.
Palavras-chave: Covid-19. Doença cardiovascular. Padrões de disseminação. Saúde pública.
1. INTRODUÇÃO
O primeiro caso de SARS-CoV-2, mais conhecido como novo Coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda ou COVID-19, ocorreu em dezembro de 2019 na cidade de Wuhan, na China. No Brasil, o primeiro caso foi registrado oficialmente em fevereiro de 2020, tendo a Organização Mundial de Saúde (OMS), no mês seguinte, emitido parecer acerca do estado pandêmico e respectivas orientações de medidas restritivas ao contágio, sendo a principal delas o distanciamento social.
Devido ao seu caráter de emergência de saúde pública internacional, a pandemia afetou gravemente diversas camadas da sociedade global, nos contextos sanitário, econômico e social (Silveira et al. 2021). Considerando a gravidade, a alta e rápida transmissibilidade e a ampla apresentação clínica, a ameaça direta e iminente aos sistemas públicos de saúde era inevitável, em diversos países, assim como aponta Silveira et al. (2021). Nos países europeus, como Itália, França e Espanha, a pandemia se espalhou e se agravou tão rapidamente que a superlotação dos hospitais e das unidades de terapia intensiva (UTI) foi a realidade logo nas primeiras semanas.
A transmissão – que é facilitada devido à virulência –, ocorre pela via respiratória direta através de gotículas de saliva, espirro, escarro ou em contato com superfícies contaminadas, embora esta última seja mais rara (Carmo et al. 2023). Portanto, visando controlar e diminuir o ritmo de propagação, diversas medidas foram tomadas. A principal delas foi o isolamento social, indicada como a melhor estratégia para salvar vidas (Fogo et al. 2023); desse modo, os países fecharam as fronteiras internacionais e suspenderam todas as atividades comerciais, os estudos e as oportunidades de lazer, mantendo em pleno funcionamento apenas as ocupações essenciais.
Os principais sintomas relatados englobam tosse, febre, anosmia, ageusia, fadiga, dispneia, cefaleia, queda de cabelo, ansiedade, dificuldade para dormir, dor no peito, sintomas gastrointestinais e palpitações; contudo, devido ao espectro variante da infecção viral (Carmo et al. 2023), a gravidade da manifestação dos sintomas pode divergir desde pacientes assintomáticos a casos críticos que evoluem para óbito (Queiroz et al. 2022; Silveira et al. 2021).
Diversos autores apontam que o SARS-CoV-2 é um vírus respiratório que, diferentemente do vírus da influenza, possui um RNA vírus da ordem Nidovirales, da família Coronaviridae, que causa infecções respiratórias a partir do vírus zoonótico (Fogo et al. 2023). É mais do que uma síndrome respiratória, uma vez que a resposta inflamatória ao vírus faz com que o organismo produza substâncias químicas endógenas em abundância, ocasionando tanto alterações teciduais, quanto imunológicas e hematológicas (Silveira et al. 2021). Além disso, os mesmos autores demonstram que, a longo prazo, a infecção afeta principalmente os pulmões, o coração e o cérebro, gerando um processo de reabilitação complexo e prolongado.
Complementarmente, foi observado que determinadas comorbidades crônicas e doenças já existentes, influenciam diretamente no comportamento da Covid-19 nos organismos, acometendo maior risco de resultados adversos. Doenças pulmonares, doença renal crônica, doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão, obesidade, cardiopatias prévias, usuários de corticoides ou drogas imunossupressoras, tabagistas e idosos são alguns dos exemplos que inferem aos seus portadores a classificação como grupo de risco (Carmo et al. 2023; Queiroz et al. 2022). Além da probabilidade de maior resposta adversa da infecção pelo vírus, tais condições pré-existentes também estão relacionadas com a recuperação clínica e prognóstico do paciente (Silveira et al. 2021).
Especificamente acerca da relação entre as doenças cardiovasculares e a infecção por Covid-19, Carmo et al. (2023) estabelecem a relação com as possíveis doenças cardíacas, uma vez que uma das complicações do novo coronavírus é a chamada hipotensão. Por conta da baixa pressão arterial, as trocas gasosas ficam debilitadas, podendo ocasionar depressão no sistema cardiorrespiratório e, consequentemente, possíveis doenças cardíacas. Ademais, pode também ocasionar danos nas células do miocárdio e apoptose, pela falta de fornecimento de energia do metabolismo celular. Ainda nessa hipótese, estudos demonstraram que o vírus afeta o coração através de sua ação direta no miocárdio e endotélio e de sua ação indireta resultante das atividades das citocinas pró-inflamatórias, hipercoagulabilidade e hipóxia, podendo ocasionar arritmias, lesões no miocárdio, insuficiência cardíaca e ataques cardíacos (Carmo et al. 2023).
Considerando a relevância do tema e sua contemporaneidade, o objetivo do presente artigo foi investigar quais são as perspectivas dos pacientes portadores de doenças cardiovasculares e a relação aos padrões de disseminação da Covid-19, focando na compreensão dessa conexão e das estratégias de enfrentamento.
Para tanto, visando alcançar o objetivo supracitado, foi realizada uma pesquisa de cunho bibliográfico, analisando as contribuições científicas expostas nas bases de dados Scielo, Lilacs, ScienceDirect, PubMed, Scopus e Scholar Google. Assim, após a seleção das fontes de informação, da aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, a análise, síntese e discussão dos resultados ocorreu de maneira qualitativa, explicativa e os dados obtidos foram colhidos em fontes secundárias da bibliografia disponível.
2. METODOLOGIA
Para atingir o objetivo proposto no presente artigo, que consiste em investigar as perspectivas dos pacientes com doenças cardiovasculares e a relação aos padrões de disseminação da Covid-19, foi conduzida uma pesquisa explicativa, de natureza qualitativa, empregando o método de estudos de múltiplos casos. Os dados foram coletados em fontes secundárias por meio de pesquisa bibliográfica, seguida pela análise do conteúdo obtido.
Segundo Gil (1999), as pesquisas explicativas visam identificar circunstâncias determinantes ou contributivas para a ocorrência de fenômenos, aprofundando o conhecimento da realidade a partir da explicação de seus acontecimentos. Nesse contexto, essa classificação é a mais apropriada para os objetivos da presente pesquisa, compreendendo as relações entre as doenças cardiovasculares e as infecções por Covid-19.
Já no que tange à natureza da pesquisa, adotou-se uma abordagem qualitativa, que se baseia na percepção e interpretação dos fenômenos dentro de seus contextos (Triviños 1987). O objeto de estudo foi conduzido a partir do estudo de casos múltiplos, todos pertinentes aos objetivos da pesquisa, com a coleta de dados realizada através de pesquisa bibliográfica, permitindo a investigação das contribuições científicas sobre o tema, conforme preconizado por Lakatos e Marconi (2001). Por fim, a técnica de análise dos dados se deu pela análise de conteúdo, visando examinar a estrutura e os elementos do conteúdo para esclarecer suas características (Laville e Dione 1999).
Portanto, a metodologia adotada foi dividida em cinco etapas distintas. A primeira etapa envolveu a seleção das fontes de informação, que incluíram as bases de dados científicas amplamente reconhecidas, como Scielo, Lilacs, ScienceDirect, PubMed, Scopus e Scholar Google, por serem relevantes na academia científica e conterem um volume considerável de produções acerca da relação entre Covid-19 e as doenças cardiovasculares. As palavras-chave utilizadas em todas as plataformas foram: “pós-Covid-19” AND “doenças cardiovasculares”, em português, e “past-Covid-19” AND “cardiovasculares diseases”, em inglês, para garantir uma abordagem abrangente do tema.
Posteriormente, foram estabelecidos critérios de inclusão e exclusão. Após a pesquisa com as palavras-chave supracitadas, os artigos relevantes foram selecionados com base em uma análise dos títulos e dos resumos (ou abstracts, para artigos em língua inglesa), de acordo com os objetivos estabelecidos. Após essa análise inicial, os artigos selecionados tiveram seus objetivos comparados com a hipótese proposta, tendo sido incluídos os artigos relacionados ao tema em questão e excluídos os estudos duplicados (encontrados em mais de uma base de dados), indisponíveis em texto completo e que não estivessem diretamente relacionados ao tema.
Após seleção dos artigos relevantes, foi realizada a leitura completa e síntese dos resultados, destacando as principais descobertas, relações entre os temas, lacunas de conhecimento e implicações pertinentes à pesquisa. Não houve necessidade de submissão a nenhum Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos, por tratar-se de dados disponíveis em domínio público.
3. RESULTADOS
É reconhecido que o vírus SARS-CoV-2, responsável pela doença Covid-19, possui tropismo positivo por diversos órgãos e sistemas do corpo humano, resultando em impactos multifatoriais diretos sobre o organismo mediante essa atração por meio de estímulos. Especificamente, observa-se uma interação significativa com o sistema cardiovascular. Essa interação é caracterizada pelo aumento nos níveis de proteína C reativa, troponina e dímero D, indicativos do incremento das citocinas associadas ao dano miocárdico, decorrente das inflamações induzidas pela infecção por Covid-19 (de Azevedo 2022).
Com isso, o dano nas células miocárdicas pode ser desencadeado a partir das alterações nas trocas gasosas e uma diminuição do sistema respiratório, também associados à Covid-19. Esta condição, conhecida como hipotensão, resulta em uma redução drástica na energia disponível para o metabolismo celular, ocasionando danos às células miocárdicas e impactando negativamente a qualidade de vida do paciente (de Melo e Melo 2023). Tais repercussões no sistema cardiovascular são especialmente acentuadas em pacientes com histórico de doenças cardiovasculares preexistentes, idade avançada, hipertensão, diabetes ou obesidade (De Melo e Melo 2023; da Silva 2021; Gomes et al. 2022; Soeiro e Pêgo Fernandes 2021), embora possa acometer outros pacientes.
No entanto, Queiroz et al. (2022) demonstraram risco de 2 a 4 vezes maior de complicações de Covid-19 em pacientes hipertensos e com doenças cardíacas já preexistentes; para Soiero e Pêgo-Fernandes (2021), a taxa foi de 10,5% de morbidade em pacientes com hipertensão, após a infecção por Covid. Uma possível explicação para esse fato reside na elevada concentração de ECA-2 no organismo, que seriam inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) ou bloqueadores do receptor de angiotensina II (BRA), causando maior suscetibilidade à infecção pelo vírus. Estudos recentes sugerem também uma possível associação entre a disfunção de ECA-2 e o aumento na incidência das lesões miocárdicas agudas após a infecção por Covid (Queiroz et al. 2022).
Soeiro e Pêgo-Fernandes (2021) destacam outra possível explicação para essa relação, relacionada aos receptores da enzima conversora de angiotensia-2 terem ligação direta com a patogênese viral da Covid-19. Eles são recebidos diretamente nos pneumócitos tipo 2, que são células epiteliais alveolares presentes nos pulmões; nos macrófagos, que são células do sistema imunológico; e nos cardiomiócitos, que são células do miocárdio. Por isso, pacientes com doenças cardiovasculares podem ser mais suscetíveis às formas mais graves de Covid-19.
Ademais, pacientes diagnosticados com Covid exibiram alterações significativas nos níveis de determinados biomarcadores associados a complicações e lesões cardíacas, tais como hs-TNI, NT-proBNP, troponina T e dímero-D (Queiroz et al. 2022), os quais são indicadores de inflamação e disfunção miocárdica, corroborando com a relação mencionada. Além disso, observa-se uma desregulação em outros marcadores, como d-metionina, ferritina, interleucina-6 (IL-6), desidrogenase (DHL), proteína C reativa, procalcitonina e contagem de leucócitos (De Melo e Melo 2023). O aumento desses marcadores, principalmente de troponina, ocorre mais frequentemente em pessoas com doenças cardiovasculares crônicas do que em indivíduos previamente saudáveis (Soeiro e PêgoFernandes 2021). Contudo, esses níveis elevados de marcadores inflamatórios podem demonstrar implicações prognósticas significativas, uma vez que cerca de 30% das pessoas que contraem o novo coronavírus podem sofrer algum grau de deterioração cardiovascular enquanto estão infectadas (de Melo e Melo 2023).
Adicionalmente, Silveira et al. (2021) evidenciaram que o vírus de SARS-CoV-2 está associado a uma variedade de complicações cardiovasculares, as quais são desencadeadas pela resposta imunológica exacerbada do organismo e pelo estado de hipercoagulabilidade induzido pela infecção. Entre as complicações mais frequentes relatadas estão arritmias, lesão cardíaca, infarto agudo do miocárdio, miocardite fulminante, insuficiência cardíaca, embolia pulmonar e coagulação intravascular disseminada, disfunção dos ventrículos e dispneia (Queiroz et al. 2022; Soeiro e Pêgo-Fernandes 2021; de Melo e Melo 2023; Wosik et al. 2020; Xiong et al. 2020).
Ademais, a pesquisa conduzida por Kalil-Filho (2023) adiciona informações relevantes sobre a presença de outros sintomas associados à Covid-19, incluindo depressão, períodos mais prolongados de internação hospitalar, maior necessidade de ventilação mecânica e cuidados intensivos, taxas mais altas de polineuropatia em pacientes críticos e níveis elevados de proteína C reativa durante o período de internação.
Os autores indicam que 16,7% dos pacientes que contraíram Covid-19 desenvolveram arritmias, 7,2% evidenciaram lesão cardíaca aguda e 20% manifestaram injúria miocárdica. Ademais, a mediana de idade dos pacientes afetados por essas complicações é de 45,5 anos, evidenciando a amplitude dos impactos dessa doença sobre diferentes faixas etárias (de Melo e Melo 2023). Já para Kail-Filho et al. (2023), 16,3% dos pacientes demonstraram sintomas após 90 dias de alta hospitalar e 32,1% dos pacientes manifestaram quaisquer sintomas relacionados à fadiga, desconforto respiratório, tosse e dispneia.
A miocardite e miopericardite, caracterizadas como inflamações no miocárdio e no pericárdio, respectivamente, também são reações potenciais ao Covid-19 (Bernardino et al. 2021). A hipotensão induzida pela infeção de Covid pode resultar em danos às células do miocárdio. Além disso, podem ocorrer complicações tromboembólicas, ou seja, distúrbios trombóticos como trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar (de Melo e Melo 2023).
Desse modo, pacientes com Covid-19, especialmente aqueles que desenvolveram formas mais graves da doença, enfrentam riscos significativos de complicações cardiovasculares graves que podem progredir rapidamente para falência múltipla de órgãos (de Melo e Melo 2023). Essa gravidade é particularmente pronunciada em pacientes críticos ou com estado clínico frágil, que apresentam uma maior incidência de lesões miocárdicas. Complementarmente, é crucial considerar as implicações a longo prazo para o sistema cardiovascular, uma vez que existe a possibilidade de desenvolvimento de disfunção sistólica e outras complicações cardiovasculares.
É importante pontuar a existência da Síndrome Pós-Covid (SPC) ou Covid Longa (CL), que se caracteriza como uma condição clínica que surge como resultado da infecção pelo vírus da Covid-19, com ampla gama de sintomas persistentes que têm impactos expressivos na qualidade de vida dos pacientes. Estes sintomas incluem fadiga, dor crônica, falta de ar, disfunção cognitiva, perda do olfato, tonturas, dores de cabeça, transtorno de ansiedade e estresse pós-traumático e as sequelas mais frequentes da SPC são observadas nos sistemas respiratório, musculoesquelético, neurológico e cardiovascular (Fogo et al. 2023).
Quanto as consequências neste último sistema, da Silva (2021) aponta que pacientes com SPC apresentam sintomas cardiovasculares frequentes, principalmente dores no peito, tendo a frequência variada de 0,8% a 44% de incidências, de acordo com os estudos apresentados. O aumento da frequência cardíaca e o surgimento de hipertensão recém diagnosticada também foram observados: 13% dos pacientes relataram sintomas cardiovasculares três meses após receberem alta, dos quais 75% apresentaram elevações na frequência cardíaca ainda durante o período de internação. Os pacientes também mencionaram a ocorrência de palpitações, enquanto 0,6% deles relataram o recebimento de diagnóstico recente de hipertensão.
Houve também alterações nos exames por imagem, incluindo a presença de edemas, fibroses e comprometimento da função do ventrículo direito. Os resultados dos exames indicam que o edema ocasionado pelo SARS-CoV-2 apresenta características distintas das observadas em miocardites virais agudas, o que pode ser atribuído ao comprometimento direto do miocárdio pela inflamação viral e à lesão indireta decorrente da resposta inflamatória do sistema imunológico. Em relação à função prejudicada do ventrículo, observou-se que ela ocorreu principalmente em pacientes pós-Covid-19 que já apresentavam algum comprometimento cardíaco, devido à sua sensibilidade às alterações na resistência vascular pulmonar (da Silva 2021).
Carmo et al. (2023) inferem que as principais complicações cardiovasculares encontradas nos estudos incluem tamponamento cardíaco hemorrágico, choque cardiogênico fulminante, insuficiência ventricular direita, infarto do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST, infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST, pericardite aguda e miocardite aguda. Entre essas complicações, o infarto agudo do miocárdio foi a mais comum, evidenciado pelo aumento dos marcadores de enzimas cardíacas e anormalidades eletrocardiográficas, assim como apontado por de Melo e Melo (2023). O diagnóstico de miocardite aguda, quando associada à Covid-19, pode desencadear arritmias malignas, como taquicardia ventricular com progressão para fibrilação ventricular ou instabilidade hemodinâmica (Carmo et al. 2023).
É notório citar a intersecção presente entre a infecção por Covid-19, as doenças cardiovasculares e o gênero. Kalil-Filho (2023) infere que as mulheres apresentam riscos três vezes maiores de desenvolver sintomas cardiopulmonares em comparação aos homens, um padrão que reflete dados epidemiológicos que evidenciam a diferença de gênero na gravidade da Covid. Independentemente da idade, as mulheres tendem a apresentar uma evolução maior da doença em comparação aos homens.
No que concerne aos padrões de disseminação da infecção, durante a pandemia de Covid-19, as vias primárias de propagação do vírus, conforme anteriormente elucidado, consistiam na dispersão de partículas respiratórias, expelidas por indivíduos infectados, mediante tosse, espirro ou fala (Carmo et al. 2023). A proximidade física em ambientes
confinados e com ventilação inadequada exacerbava o risco de transmissão, justificando a necessidade do uso de equipamentos de proteção individual, como máscaras, e da adoção de medidas de distanciamento social. Contudo, o Covid-19 pode ser transmitido de forma assintomática ou em estágios pré-sintomáticos, ou seja, a transmissão pode ocorrer por parte de indivíduos que estão infectados pelos vírus, porém não manifestam sintomas evidentes, ou ainda por pessoas que já foram infectadas, mas que ainda não apresentam sinais clínicos da doença.
Uma abordagem interessante de ser mencionada, é a tese de doutorado em desenvolvido de Pedro Henrique Campello Torres, onde o autor investiga o padrão de disseminação da Covid-19 em áreas urbanas e destaca como esse padrão reproduz as desigualdades territoriais (Torres 2020). Com isso, Torres examina como os fatores socioeconômicos e demográficos podem influenciar na propagação do vírus em diferentes regiões urbanas. Com isso, as áreas com maior densidade populacional, menor renda per capita e piores condições de habitação, têm maior incidência de casos de Covid-19, sugerindo a relação entre desigualdades territoriais e a disseminação da doença. Desse modo, diversas são as intersecções possíveis de serem realizadas com os padrões de disseminação de Covid19, dentre eles, a questão da desigualdade social e a dificuldade para o tratamento de doenças no geral e, especificamente, das cardiovasculares. Para evitar, então, novas variantes e surtos do vírus, a opção mais eficaz para tanto é a vacinação em massa, estratégia-chave utilizada pelos países para controlar a disseminação da Covid-19 e prevenir surtos futuros.
Em suma, as perspectivas dos pacientes com Covid-19 e doenças cardiovasculares são complexas e multifacetadas. A interação entre essas condições pode aumentar significativamente o risco de complicações graves, conforme demonstrado a partir dos diversos estudos contemplados.
4. DISCUSSÃO
Considerando a trajetória da pandemia de Covid-19 e suas ramificações na saúde cardiovascular, torna-se essencial analisar as perspectivas dos pacientes com doença cardiovascular em um contexto pós-pandemia, bem como os padrões de disseminação da doença após a contenção das infecções. A compreensão desses aspectos é crucial para orientar estratégias de saúde pública e planejar intervenções clínicas eficazes, visando mitigar os impactos contínuos da Covid-19 na saúde populacional.
Conforme destacado por Costa (2020), a Covid-19 possui implicações cardiovasculares semelhantes às da SARS, MERS e influenza, contudo, devido à sua rápida contaminação e disseminação, as complicações cardíacas são mais evidentes. Pacientes com doenças cardiovasculares pré-existentes, como hipertensão arterial, doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca e arritmias, enfrentam um risco ampliado de desenvolver complicações graves associadas à Covid-19, conforme explicitado pelos autores de Melo e Melo (2023), da Silva (2021), Gomes et al. (2022) e Soeiro e Pêgo-Fernandes (2021). Essa vulnerabilidade decorre das inflamações sistêmicas explicitadas anteriormente e, especificamente, dos danos infligidos ao sistema cardiovascular.
Os autores demonstraram que, além de agravar as condições cardiovasculares já existentes, a infecção por Covid pode desencadear outras complicações, como as já citadas – tais como infarto do miocárdio, miocardite, trombose venosa profunda e embolia pulmonar (Queiroz et al. 2022; Soeiro e Pêgo-Fernandes 2021; de Melo e Melo 2023; Wosik et al. 2020;
Xiong et al. 2020). Outro fator contribuinte para essas complicações é o desencadeamento de uma resposta inflamatória e imunológica pelo SARS-CoV-2, onde o organismo libera citocinas inflamatórias que podem causar danos aos tecidos, incluindo ao tecido cardíaco.
Os estudos mencionados demonstram uma relação direta entre a presença de Covid19 e o aumento dos níveis de biomarcadores associados a danos cardíacos, como proteína C reativa, troponina e dímero-D. Esses biomarcadores são indicativos de inflamação e disfunção miocárdica, sugerindo uma ligação direta entre a infecção viral e as complicações cardiovasculares, de acordo com Queiroz et al. (2022) e Soeiro e Pêgo-Fernandes (2021).
Tanto as condições pré-existentes quanto as sequelas também foram abordadas. Os fatores de risco são elementos que aumentam a suscetibilidade às complicações graves, associados aos riscos de morbidade e mortalidade (Soeiro e Pêgo-Fernandes 2021). Conforme dito, a presença de doenças cardiovasculares pré-existentes, pode levar a quadros mais graves da Covid, com um aumento significativo na taxa de letalidade (de Azevedo 2022).
Wosik et al. (2020) e Xiong et al. (2020) obtiveram como resultados de suas pesquisas, que a ocorrência dessas complicações são mais prováveis em pessoas de meia-idade e idosas. Já as consequências e relações com a síndrome pós-Covid apresentadas, representam um desafio adicional na gestão a longo prazo dos pacientes com Covid, especialmente pela persistência de sintomas cardiovasculares após a infecção pelo vírus.
Já no que tange aos padrões de disseminação da infecção, foi observado que as principais modalidades de propagação envolvem a dispersão de partículas respiratórias exaladas durante tosse, espirro ou fala por parte de indivíduos infectados. Já quanto as estratégias para mitigar o contágio, medidas primordiais incluíram a adoção de máscara e a prática de distanciamento social, entretanto, a transmissibilidade de maneira assintomática encabeça um dos principais motivos da dificuldade de controlar a disseminação do vírus.
Após a pandemia, é crucial adaptar os sistemas de saúde para lidar com as consequências e mudanças nos padrões de disseminação do vírus. Isso inclui a melhoria da assistência centrada no paciente e a consideração dos desafios específicos enfrentados por pacientes com doenças cardiovasculares, como a necessidade de cuidados contínuos e a interação potencial entre essa condição e a COVID-19. Em relação à disseminação da COVID19 após a pandemia, é essencial considerar a qualidade de vida e saúde dos pacientes pósCOVID 19, que podem ser afetadas de diferentes maneiras, dependendo da gravidade da doença e de possíveis complicações (Nunes et al. 2021).
Em suma, os resultados obtidos enfatizam a complexidade e a gravidade das complicações cardiovasculares associadas à Covid-19, tanto em pacientes com doenças cardíacas preexistentes, quanto naqueles sem histórico prévio de problemas cardíacos. Portanto, é essencial que os pacientes sejam monitorados de forma cuidadosa e que recebam uma abordagem multidisciplinar para seu manejo.
Ademais, o acompanhamento através de avaliações cardiológicas e de coagulação sanguínea regulares, bem como o monitoramento frequente da função cardíaca, consultas periódicas, exames regulares e testes de função cardíaca, podem ajudar a identificar e tratar precocemente complicações residuais decorrentes da Covid-19 ou das próprias condições cardiovasculares existentes.
Demonstrou-se primordial, portanto, explicitar os padrões de disseminação da Covid19, para compreender as perspectivas dos pacientes com doenças cardiovasculares após infecção viral de SARS-CoV-19.
5. CONCLUSÃO
A presente pesquisa teve como objetivo principal investigar as perspectivas dos pacientes portadores de doenças cardiovasculares em relação aos padrões de disseminação da Covid-19, focando na compreensão dessa conexão e nas estratégias de enfrentamento. Posto isso e com base nos dados científicos apresentados, é importante ressaltar que as complicações cardiovasculares após a infecção por Covid-19 têm sido tema de numerosos estudos nacionais e internacionais. O impacto dessas complicações na qualidade de vida dos pacientes é significativo e, portanto, deve ser devidamente considerado.
Quanto aos padrões de disseminação da Covid-19, a vigilância epidemiológica, juntamente com medidas de prevenção e controle de infecções, além da implementação de programas de vacinação em larga escala, são fundamentais na prevenção de surtos futuros da doença. Essas estratégias desempenham um papel essencial na proteção da saúde cardiovascular da população e na garantia de uma resposta eficaz diante dos desafios póspandêmicos. Exige, portanto, uma abordagem integrada da saúde cardiovascular e contínuo acesso à assistência médica.
Os pacientes afetados por doenças cardiovasculares enfrentam desafios particulares, demandando cuidados contínuos e enfrentando a potencial interação entre sua condição clínica preexistente e a COVID-19. Estudos recentes enfatizam a importância de compreender a perspectiva dos pacientes em atendimento nos serviços de saúde, incluindo aqueles com doença cardiovascular, como um meio eficaz de aprimorar a qualidade da assistência prestada. Além disso, a pandemia evidenciou as fragilidades estruturais dos sistemas de saúde, como a escassez de recursos humanos, materiais e estruturais, culminando em uma sobrecarga dos serviços, deficiências na capacidade de leitos e na prestação de atendimento, fatores estes que podem exercer um impacto significativo sobre os pacientes com doenças crônicas, incluindo as cardiovasculares.
Portanto, diante das perspectivas dos pacientes com doenças cardiovasculares e dos padrões de disseminação da COVID-19 pós-pandemia, torna-se evidente a urgência de adaptar os sistemas de saúde, promover a melhoria da assistência centrada no paciente e enfrentar os desafios específicos enfrentados pelos pacientes com condições de saúde crônicas durante e após a crise sanitária.
No entanto, devido à condição recente da Covid-19 no âmbito científico, são requeridas novas pesquisas para compreensão completa das implicações aos pacientes com doenças cardiovasculares pré-existentes e no desenvolvimento dessas complicações após a infecção por SARS-CoV-2. Além disso, monitorar as complicações cardiovasculares decorridas do Covid 19, a longo prazo, é essencial para compreender tais consequências, uma vez que os possíveis danos futuros ainda são muito abstratos (Queiroz et al. 2022).
Sugere-se que as pesquisas sejam continuadas, especialmente estudos longitudinais de longo prazo, para compreender completamente tais implicações e desenvolver estratégias de manejo eficazes, para pacientes com doenças cardiovasculares pré-existentes. Sendo assim, embora os resultados apresentados já se demonstrem significativamente relevantes no contexto apresentado, ainda assim são necessárias mais pesquisas que compreendam completamente as implicações e padrões de longo prazo da disseminação da Covid-19 entre pacientes com doenças cardiovasculares.
Portanto, a compreensão das perspectivas dos pacientes com doenças cardiovasculares e a implementação de medidas de prevenção e controle eficazes são essenciais para enfrentar os desafios apresentados pela interação entre a COVID-19 e as doenças cardiovasculares, tanto durante quanto após a pandemia.
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1Mestre em Ciências da saúde da Universidade federal de Uberlândia UFU Joselene_beatriz@hotmail.com; 2Doutor em Ciências da saúde da Universidade federal de Uberlândia UFU Guilherme.silva@ufu.br