PERSISTÊNCIA DO QUARTO ARCO AÓRTICO DIREITO EM CÃO DA RAÇA PITBULL

Persistent Fourth Right Aortic Arch in a Pitbull Dog

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.8400107


Matheus Cândido Feitosa¹
Geisyane Taynara Soares Gomes²
Anísio Francisco Soares3
Marcelo Weinstein Teixeira4


RESUMO

A persistência do arco aórtico direito (PAAD) é uma anomalia presente durante a formação dos anéis vasculares cardíacos, que promove o desenvolvimento anormal dos arcos aórticos do coração, durante a embriologia vascular. Após o diagnóstico da enfermidade, o tratamento sugerido para correção ocorre através da correção cirúrgica, com uso da técnica cirúrgica de transecção do ligamento arterial persistente, ocorrendo através de toracotomia intercostal do paciente envolvido. O objetivo principal deste trabalho é relatar o caso de uma cadela Pitbull, de dois meses de idade, com diagnóstico final de persistência do quarto arco aórtico direito, onde foi submetida ao tratamento pela técnica cirúrgica.

Palavras-chave: Anomalia cardiológica, cardiologia, cirurgia.

INTRODUÇÃO

A persistência do quarto arco aórtico direito (PAAD) é uma anomalia do anel vascular que resulta do desenvolvimento anormal dos arcos aórticos durante o desenvolvimento embriológico vascular (CHRISTIANSEN et al., 2007). É uma alteração comum na rotina clínica veterinária em cães, onde o anel vascular acaba envolvendo o esôfago dorsalmente, à direita com o arco aórtico, à esquerda com o ligamento arterial e ventralmente com a base cardíaca (MARVEL, HAFEZ & MONNET, 2022). Devido à compressão esofágica, os cães afetados apresentam regurgitação pós-prandial de alimentos sólidos, podendo apresentar baixo crescimento quando comparados aos outros filhotes da mesma ninhada ou até pneumonia por aspiração de forma secundária à regurgitação (MORGAN & BRAY, 2019).

A literatura cita sete possibilidades de tipos diferentes de anomalias envolvendo os anéis vasculares e seus graus variáveis de compressão esofágica em cães, sendo: Tipo 1, arco aórtico direito persistente com ligamento arterioso esquerdo persistente; Tipo 2, arco aórtico direito persistente com artéria subclávia esquerda persistente; Tipo 3, direita persistente arco aórtico com ligamento arterioso esquerdo persistente e artéria subclávia esquerda; Tipo 4, arco aórtico duplo; Tipo 5, arco aórtico esquerdo normal com persistência do ligamento arterioso direito; Tipo 6, arco aórtico esquerdo normal com artéria subclávia direita persistente; Tipo 7, esquerda normal arco aórtico com ligamento arterioso direito persistente (SCHORN et al., 2021).

Ao longo do tempo, a compressão esofágica gerada pela permanência do ligamento, causa aumento progressivo da dilatação, podendo ocasionar a perda da função neuromuscular do esôfago por degeneração irreversível do plexo mioentérico, responsável pelo peristaltismo esofágico, levando à hipomotilidade (HOUSE et al., 2005). Recomenda-se o tratamento cirúrgico para correção por meio de transecção do arco persistente e liberação da estenose esofágica para melhoria dos sinais clínicos, porém as recomendações atuais desaconselham a ressecção do tecido esofágico dilatado devido a potenciais complicações graves associadas à cirurgia esofágica, devido seu tempo prolongado com dificuldade de cicatrização local (HOUSE et al., 2005). 

O diagnóstico da alteração está principalmente relacionado a uma boa anamnese, histórico clínico do paciente, relatos de regurgitação, perda de peso persistente, bem como exames de radiografias torácicas simples e contrastadas para notar dilatação esofágica, associadas a outros exames caso sejam de possível realização, como angiografia e\ou a tomografia computadorizada. As técnicas de projeções radiográficas por serem de mais fácil acesso quando comparada às outras técnicas, são mais utilizadas no diagnóstico de tal alteração, onde no exame radiográfico desses pacientes, realizadas em projeções laterais contrastadas, há constrição esofágica próxima à base cardíaca e consequente dilatação esofágica cranial, já as projeções radiográficas ventrodorsais podem mostrar desvio à esquerda da traqueia (KOWALESKI et al., 2012).

Após diagnóstico, o tratamento melhor indicado para correção do ligamento persistente ocorre por meio da correção cirúrgica, onde a técnica tem como base principal a transecção do ligamento arterioso persistente,  podendo ser realizada através de alguns tipos de técnicas, sendo, por exemplo, a toracotomia intercostal a mais utilizada (TOWNSEND et al., 2016), com duração mediana de 90 minutos de procedimento, no qual todos os pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico estão sob risco de complicações pós-operatórias transitórias (hipoxemia, hipoventilação, hipotensão, arritmias, déficits neurológicos, derrame hilo e sinais de dor excessiva), a regurgitação pós operatória ou pneumonia por aspiração (MARVEL, HAFEZ & MONNET, 2022).

A estenose esofágica deve ser corrigida através dilatação esofágica da porção estenosada que deve ser desfeita com a passagem de uma sonda de Foley durante a cirurgia, onde o balonete deve ser insuflado com 10mL de solução salina e posicionado caudal à estenose, insuflado e recuado cranialmente até melhoria do trânsito esofágico. Animais debilitados, com déficit nutricional necessitam de suporte digestivo, desidratados ou com demais quadros graves relacionados à afecção como broncopneumonia por aspiração, devem receber tratamento suporte antes da cirurgia, e o prognóstico é de reservado a desfavorável (ELLISON, 2014).

Após correção cirúrgica, se torna necessária observação continuada em internação para manejo clínico alimentar e medicamentoso, onde a duração mediana da hospitalização seria 1 dia em casos de toracoscopia e toracotomia em torno de 2 dias, não havendo complicações como paralisia laríngea pós-operatória, megaesôfago, broncopneumonia ou qualquer outra piora do quadro (MARVEL, HAFEZ & MONNET, 2022). Com base em todas as informações acima, o objetivo deste estudo é relatar um caso de uma paciente da raça Pitbull atendida com os sinais clínicos relacionados e diagnosticada com persistência do quarto arco aórtico direito, onde foi realizado seu tratamento de forma cirúrgica.

RELATO DE CASO

Uma canina da raça Pitbull, fêmea, com dois meses de idade, pesando 2,6 kg, foi atendida no Hospital Veterinário Harmonia, localizado na cidade de Recife/PE, apresentando histórico de regurgitação desde poucas semanas de vida, com perda de peso persistente, mesmo apresentando apetite voraz e sendo oferecida ração de boa qualidade. Paciente com cobertura vacinal e vermifugação em dias, sem históricos anteriores de tratamentos ou diagnóstico de afecções. Durante exame clínico geral foi observado baixo escore corporal, pouca musculatura em região de face, região de tórax com costelas proeminentes.

Apresentava-se normocorada, normotérmica, normohidratada, com linfonodos submandibulares, pré-escapulares e poplíteos sem alterações, frequência cardíaca de 120 batimentos por minuto, frequência respiratória de 35 movimentos por minuto, temperatura de 38ºC, além de tempo de preenchimento capilar de dois segundos. Foram solicitados hemograma, bioquímicos como alanina amino-transferase, uréia, creatinina e albumina, teste de parvovirose, além de ultrassonografia abdominal.

Os exames hematológicos e bioquímicos não evidenciaram alterações, já a ultrassonografia abdominal sugeriu hepatomegalia e discreta efusão abdominal, sendo os achados associados à idade e com teste de parvovirose negativo, sendo liberada com receita contendo pró-cinético, medicação antiácida e controle de dor. Com dois dias houve retorno e durante reavaliação, a paciente apresentou um episódio de regurgitação importante após alimentação e ingestão de água. A partir disso foi indicado esofagograma contrastado, onde após exame foi observado sinais radiográficos sugestivos de dilatação esofágica em grau severo secundário a estenose esofágica em porção do arco aórtico, podendo estar associado a persistência do quarto arco aórtico ou persistência de ducto arterioso (Figuras 1 e 2).

Figura 1. Projeção radiográfica latero-lateral apresentando sinais sugestivos de dilatação esofágica em grau severo, secundário a estenose esofágica em porção do arco aórtico

Figura 2. Projeção radiográfica ventro-dorsal apresentando sinais sugestivos de    dilatação esofágica em grau severo, secundário a estenose esofágica em porção do arco aórtico

 A partir dos exames realizados, foi conversado com a tutora responsável pela paciente, e sugerida avaliação cardiológica, além de exames de eco e eletrocardiograma. Em ecodopplercardiograma foi detectado câmara cardíaca esquerda aumentada, com regurgitação mitral em grau discreto e com sinais indicativos da possibilidade de persistência de ducto arterioso. Devido ao quadro de baixo escore corporal da paciente, histórico de regurgitação e apatia, foi primeiro indicada internação por cinco dias pelo menos, com colocação de sonda gástrica Foley para melhor manejo e recuperação do quadro, onde em seguida seria guiado ao procedimento cirúrgico. A partir das alterações observadas nos exames de imagem, foi indicada cirurgia corretiva.

Após os dias de internação, houve evolução positiva da paciente, que estava sendo realizado suporte digestivo com alimento pastoso hipercalórico, chegando a ganhar 400 gramas em 5 dias de internação e então com a melhora do quadro, a paciente foi então submetida ao procedimento cirúrgico. No procedimento pré-anestésico se utilizou acepromazina [Acepran® 0,2% – 0,04 mg/Kg, por via intramuscular em aplicação única]1, e, após tranquilização, realizou-se a tricotomia da região torácica. Instalou-se a venóclise da veia cefálica com cateter calibre 20, equipo macrogotas e fluído de 500mL de solução de ringer com lactato.

A paciente foi encaminhada ao bloco cirúrgico para indução anestésica, onde foi utilizado propofol [Provive® 1% – 4,0mg/Kg, por via intravenosa em aplicação única para sedação]2 e após a perda do reflexo laringotraqueal, foi intubada. Para manutenção anestésica foi utilizado isofluorano [Isoflurano® 100% – 1,5% em manutenção, aplicado por via inalatória]³, em circuito com fluxo constante de oxigênio de 2,5 L/min. Foi realizado antissepsia com uso de álcool 70%, seguido de clorexidina 2%, iodopovidona e por último álcool 70%, com seguida colocação dos panos cirúrgicos e fixação destes com pinças Backhaus.

Foi realizada toracotomia lateral esquerda através do quarto espaço intercostal esquerdo. Após incisão, o pulmão foi afastado do caudalmente, para expor o mediastino dorsal ao coração e identificada região de ligamento arterioso (Figura 3). Foi então identificada a região com o arco, dissecado local e feita ligadura dupla (Figura 4) e então o ligamento arterioso foi transeccionado e tórax fechado. Após finalizado procedimento, foi mantida observação contínua da paciente retorno a internação para manutenção do quadro e recuperação anestésica.

Para a melhora do estado nutricional, a paciente foi mantida em internação por sete dias. Durante as primeiras 48 horas foi realizada alimentação líquida hipercalórica por via oral, com mantença da sonda caso fosse necessária, o alimento administrado estava em baixo volume com frequência de a cada 2 horas, para não haver regurgitação e possibilidade de bronco-aspiração. Após 48 horas iniciou-se alimentação pastosa hipercalórica, não havendo recidiva dos episódios de regurgitação. A paciente ganhou 1,1kg durante a internação, e com a melhora clínica, recebeu alta médica.

Figura 3. Identificação e localização do quarto arco aórtico persistente antes da realização da técnica de transecção.

Figura 4. Ligadura dupla em de ligamento arterioso persistente realizada para posterior realização da técnica de transecção.

A alteração cardiológica conhecida como persistência do quarto arco aórtico direito está cada vez mais presente na rotina clínica veterinária e seus diagnósticos, e pode trazer grandes prejuízos para o paciente acometido quando acompanhados de forma tardia. A abordagem cirúrgica é uma das opções de tratamento diretamente mais viáveis e rápidas de correção, mas ainda sendo preciso sua associação à terapêutica como complementação para o sucesso na recuperação do paciente no pós-cirúrgico. Quanto mais rápido realizado o diagnóstico, maiores chances de sobrevivência, além da necessidade de uma melhor consciência dos tutores quanto à prevalência da doença e a importância de levar o paciente ao veterinário quanto antes, assim que observar qualquer alteração.

REFERÊNCIAS

CHRISTIANSEN, Kelly, et al. Multiple vascular anomalies in a regurgitating German shepherd puppy. Journal of Small Animal Practice, v. 48, n. 1, p. 32-35, 2007. DOI: 0.1590/1678-4162-12078.

ELLISON, Gary. Surgical correction of persistent right aortic arch. In: Current techniques in small animal surgery. Teton NewMedia, 2014. p. 661-664.KOWALESKI, Marius et al. Veterinary surgery: small animal. St. Louis (MO), v. 1, p. 906-998, 2012.

HOUSE, Ahmet, et al. Unusual vascular ring anomaly associated with a persistent right aortic arch in two dogs. Journal of Small Animal Practice, v. 46, n. 12, p. 585-590, 2005. DOI: 10.1111/j.1748-582.2005.tb00291.x

MARVEL, Sarah; HAFEZ, Ahmed; MONNET, Eric. Thoracoscopic treatment of persistent right aortic arch in dogs with and without one lung ventilation. Veterinary Surgery, v. 51, p. O107-O117, 2022. DOI:10.1111/vsu.13717.

MORGAN, Keaton; BRAY, Jonathan. Current diagnostic tests, surgical treatments, and prognostic indicators for vascular ring anomalies in dogs. Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 254, n. 6, p. 728-733, 2019. DOI: 10.2460/javma.254.6.728.

SCHORN, Christiane, et al. Anomalies of the aortic arch in dogs: evaluation with the use of multidetector computed tomography angiography and proposal of an extended classification scheme. BMC Veterinary Research, v. 17, n. 1, p. 387, 2021. DOI:10.1186/s12917-021-03101-7.

TOWNSEND, Sarah, et al. Thoracoscopy with concurrent esophagoscopy for persistent right aortic arch in 9 dogs. Veterinary Surgery, v. 45, n. S1, p. O111-O118, 2016. DOI: 10.1111/vsu.12572.


1 Mestrando em Biociência Animal – UFRPE
2 Médica veterinária – UNIVASF
3 Docente do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal (DMFA) e do Programa de Pós-Graduação em Biociência Animal – UFRPE
4 Docente do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal (DMFA)- UFRPE