PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DA SÍFILIS CONGÊNITA NO ESTADO DO PARÁ NO PERÍODO DE 2014 A 2023

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202501302143


Haíssa Ramilly Dos Santos Favacho;
Orientadora: Dra. Gabriela Dias Tomaz;
Co-orientadora: Dra. Camila de Araújo Simões Santos


RESUMO

INTRODUÇÃO: A sífilis é uma infecção sexualmente transmissível (IST) causada pela bactéria Treponema pallidum. Apesar de ser facilmente diagnosticável e tratável a um custo baixo, a sífilis continua a representar um sério desafio para a saúde pública, resultando em altas taxas de mortalidade. OBJETIVO: Identificar o perfil epidemiológico dos pacientes com sífilis congênita no estado do Pará, no período de 2014 a 2023. METODOLOGIA: O estudo em questão é um levantamento epidemiológico, descritivo, retrospectivo e quantitativo, realizado com dados coletados pela Secretaria de Estado de Saúde do Pará (SESPA) repassados ao DATASUS. Esses dados são posteriormente disponibilizados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). RESULTADOS: Entre 2014 e 2023 foram notificados no Pará 8348 casos de sífilis congênita, sendo o ano de 2022 com o maior índice de casos. A faixa etária materna prevalente, foi entre 20 a 24 anos, com escolaridade entre 5ª a 8ª série incompleta. Quanto a faixa etária de diagnóstico, 96% ocorreram até o 7º dia de vida, e quanto ao desfecho, 88% diagnosticados permaneceram vivos e 1% evoluiu a óbito por esta causa. DISCUSSÃO: As taxas de incidência de sífilis congênita ainda possuem grande representatividade no período estudado. Assim, esta pesquisa procurou enfocar as variadas questões que envolvem ainda sífilis congênita bem como expor a monitorização para uma possível melhora no quadro da atenção primária, realizada nos programas de assistência pré-natal. CONCLUSÃO: Somente por meio de uma abordagem integrada e multidisciplinar será possível reduzir a incidência de sífilis congênita e alcançar as metas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, contribuindo para a melhoria da saúde pública e a proteção das futuras gerações.

Palavras-chave: Sífilis; Epidemiologia; Saúde Pública.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Syphilis is a sexually transmitted infection (STI) caused by the bacterium Treponema pallidum. Despite being easily diagnosable and treatable at a low cost, syphilis continues to represent a serious challenge to public health, resulting in high mortality rates. OBJECTIVE: To identify the epidemiological profile of patients with congenital syphilis in the state of Pará, from 2014 to 2023. METHODOLOGY: The study in question is an epidemiological, descriptive, retrospective and quantitative survey, carried out with data collected by the Pará State Health Department (SESPA) and forwarded to DATASUS. These data are later made available in the Notifiable Diseases Information System (SINAN). RESULTS: Between 2014 and 2023, 8,348 cases of congenital syphilis were reported in Pará, with 2022 having the highest rate of cases. The prevalent maternal age range was between 20 and 24 years, with education between 5th and 8th grade incomplete. Regarding the age range of diagnosis, 96% occurred up to the 7th day of life, and regarding the outcome, 88% of those diagnosed remained alive and 1% died from this cause. DISCUSSION: The incidence rates of congenital syphilis still have great representativeness in the studied period, so this research sought to focus on the various issues that still involve congenital syphilis as well as to expose monitoring for a possible improvement in the primary care framework, carried out in prenatal care programs. CONCLUSION: Only through an integrated and multidisciplinary approach will it be possible to reduce the incidence of congenital syphilis and achieve the goals established by the Ministry of Health, contributing to the improvement of public health and the protection of future generations.

Keywords: Syphilis; Epidemiology; Public Health.

1. INTRODUÇÃO

A sífilis é uma infecção sexualmente transmissível (IST) causada pela bactéria Treponema pallidum. Apesar de ser facilmente diagnosticável e tratável a um custo baixo, a sífilis continua a representar um sério desafio para a saúde pública, resultando em altas taxas de mortalidade. A sífilis congênita, em particular, é uma das principais causas de abortos espontâneos, mortes fetais, natimortalidade, baixo peso ao nascer, prematuridade e malformações congênitas (Brasil, 2015).

Estima-se que, a cada ano, cerca de 12 milhões de novos casos de sífilis sejam registrados globalmente, com pelo menos 500 mil crianças nascendo com a forma congênita da doença. Além disso, a sífilis materna é responsável por aproximadamente 500 mil natimortos e abortos, configurando um sério problema de saúde pública em todo o mundo, especialmente em países em desenvolvimento. Em 2010, a Organização Pan-Americana da Saúde, em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância, lançou um Plano de Ação para eliminar a transmissão vertical do HIV e da sífilis congênita, estabelecendo como meta para 2015 a redução da taxa de transmissão da sífilis congênita para menos de 0,5 casos por 1.000 nascidos vivos.

No Brasil, a taxa de detecção de sífilis em gestantes foi de 12,4 casos para cada 1.000 nascidos vivos, enquanto a taxa de incidência de sífilis congênita foi de 6,8 casos por 1.000 nascidos vivos, com uma taxa de mortalidade associada de 6,1 por 100.000 nascidos vivos. Um estudo nacional realizado entre 2011 e 2012, que incluiu 23.894 puérperas, estimou a incidência de sífilis congênita em 3,51 por 1.000 nascidos vivos, com uma taxa de transmissão vertical de 34,3% (Brasil, 2015).

A falta de adequação no acompanhamento do pré-natal é a principal causa dos casos de sífilis congênita, funcionando como um indicador da qualidade da assistência prestada durante a gestação (Soares; Aquino, 2021). Existem deficiências na assistência pré-natal, incluindo a ineficácia na prevenção da SC, diagnósticos tardios e a ausência de tratamento apropriado para a gestante e seu parceiro (Oliveira et al., 2019)

Nessa perspectiva, realizar um novo estudo sobre o perfil epidemiológico da sífilis congênita no Pará entre 2014 e 2023 é de suma importância, pois os dados mais recentes disponíveis abrangem esse período, e a situação da sífilis congênita pode ter mudado significativamente desde então. Um novo estudo pode fornecer informações atualizadas sobre a prevalência, características demográficas e tendências de transmissão, permitindo uma melhor compreensão da situação atual da sífilis congênita na região.

A avaliação das políticas de saúde pública implementadas entre 2014 e 2023 é fundamental para compreender sua eficácia no combate à sífilis congênita. Um estudo nesse período pode oferecer ferramentas valiosas sobre o impacto das intervenções realizadas, especialmente em relação à detecção precoce da sífilis em gestantes, ao tratamento adequado e à educação em saúde. Além disso, essa pesquisa pode identificar áreas que ainda necessitam de melhorias (Andrade et al., 2018).

A sífilis congênita representa uma questão de saúde pública que demanda atenção contínua, especialmente em contextos com recursos limitados. Portanto, o estudo proposto é essencial para entender as mudanças na epidemiologia da sífilis congênita, avaliar a eficácia das intervenções de saúde pública e identificar lacunas no atendimento. Os dados obtidos serão cruciais para aprimorar a saúde materno-infantil e para a formulação de políticas que visem à redução da incidência da doença na região.

Este estudo visa identificar as taxas de incidência e mortalidade diminuíram, se as práticas de pré-natal melhoraram. A pesquisa também discutirá as deficiências persistentes na assistência pré-natal, como diagnósticos tardios e tratamento inadequado, que continuam a contribuir para a incidência de sífilis congênita. Identificar essas lacunas é fundamental para desenvolver estratégias de intervenção mais eficazes e direcionadas.

2. OBJETIVOS

2.1 OBJETIVO GERAL

Identificar o perfil epidemiológico dos pacientes com sífilis congênita no estado do Pará, no período de 2014 a 2023.

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

  • Realizar um levantamento epidemiológico quanto as variáveis sociodemográficas maternas mais prevalentes;
  • Verificar a realização de pré-natal e identificar o diagnóstico da sífilis na gestante no período pré, peri e pós-natais;
  • Caracterizar a faixa etária dos recém-nascidos, o diagnóstico final e a evolução clínica dos casos de sífilis congênita notificados no Pará;

3. METODOLOGIA

3.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO

O estudo em questão é um levantamento epidemiológico, descritivo, retrospectivo e quantitativo, realizado com dados coletados pela Secretaria de Estado de Saúde do Pará (SESPA) repassados ao DATASUS. Essa secretaria é responsável pela coleta, tabulação e atualização das fichas de notificação compulsória, que contêm informações sociodemográficas e clínicas. Esses dados são posteriormente disponibilizados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

3.2 LOCAL E POPULAÇÃO DE ESTUDO

O foco da pesquisa foi o Estado do Pará, localizado no Norte do Brasil e parte da Amazônia Legal, que abrange 3.850.593,10 km², tem uma população de 8.120.131 e com uma densidade demográfica de 4,51 habitantes por km², de acordo com o IBGE de 2022.

A população a ser estudada serão pessoas portadoras de sífilis congênita habitantes nas regiões do Pará.

3.3 VARIÁVEIS DO ESTUDO

As variáveis analisadas foram baseadas nas informações contidas nas fichas de notificação da sífilis congênita, abrangendo aspectos como características sociodemográficas maternas (idade e escolaridade) e dados sobre o pré-natal, incluindo a realização do pré-natal. Além disso, foram coletados dados sobre os recém-nascidos, como faixa etária do diagnóstico, classificação clínica e evolução do caso.

3.4 ANÁLISE DOS DADOS

Para a análise, foram calculadas medidas de frequências absolutas e relativas, além de se avaliar a associação entre as características maternas e a infecção congênita por meio do teste X², considerando um nível de significância de 5%. A incidência de sífilis congênita foi calculada dividindo o número de casos pelo número de nascidos vivos e multiplicando por 1.000. Os programas estatísticos utilizados para a tabulação e análise dos dados foi o Excel 2010. 

Como o estudo não envolveu seres humanos, não foi necessário submetê-lo a um comitê de ética em pesquisa, sendo que um termo de anuência foi assinado pelo secretário de Estado de Saúde Pública, autorizando a coleta de dados em bases públicas.

4. RESULTADOS 

No estado do Pará, no período de 2014 a 2023, foram notificados 8348 casos de sífilis congênita pelo Sistema de informação de agravos de notificação (SINAN), sendo o ano de 2022 com maior número de casos notificados, 1276. Nota-se ainda que houve uma redução significativa do número de casos ocorridos no ano de 2023 (517), com uma redução de 40,52% casos comparados ao ano anterior, conforme gráfico 1: 

Gráfico 1 – Quantitativo de casos de Sífilis congênita durante o período de 2014 a 2023 no Estado do Pará.

Fonte: a autora, 2024. 

Nesse período, notou-se a grande predominância do número de casos confirmados na região de saúde Metropolitana I, totalizando 3164 (37,9%), sendo os municípios de Belém, Ananindeua e Marituba com as maiores prevalências 67,9%, 15,8% e 14,7% respectivamente. Em seguida, a região do Carajás apresentou 1738 (20%) casos de sífilis congênita notificados no SINAN e o município de Marabá foi o principal representante com 1181 notificações (61,7%), e a região do Baixo Amazonas com 677 (8%), sendo Santarém o município com maior parcela de notificações nesta região com 473 (69,8%), conforme gráfico 2: 

Gráfico 2 – Distribuição dos casos de Sífilis congênita por Região de Saúde durante o período de 2014 a 2023 no Estado do Pará.

Fonte: a autora, 2024. 

Quanto às variáveis sociodemográficas maternas nos casos de sífilis congênita, notou-se a grande predominância do número de casos confirmados na faixa etária de 20 a 24 anos, totalizando 2923 (35%) casos confirmados. Logo depois, tem-se a notável incidência na faixa etária de 15 a 19 anos, com um total de 2341 casos, equivalentes a 28% dos casos notificados. Verificou-se, também, que a faixa etária menos acometida e mais estável é a de 40 a 49 anos, com um total 106 casos (1,2%) registrados, conforme gráfico 3: 

Gráfico 3 – Faixa etária materna dos casos de sífilis congênitas durante o período de 2014 a 2023 no Estado do Pará.

Fonte: a autora, 2024. 

Outro aspecto importante a ser abordado por esta pesquisa é a escolaridade materna das notificações de sífilis congênita. Diz-se importante devido ao grau de informação e instrução que estão ou não chegando a essas mulheres diante desse agravo que é a sífilis.  No estado do Pará, no período de 2014 a 2023, foram analisados 8348 casos dos quais 1761, representando 21%, foram notificados com escolaridade de 5ª a 8ª série incompleta, sendo o maior número de casos encontrados. Chama-se atenção, no entanto, ao número elevado de casos da sífilis em gestantes classificados como Ignorados/Branco nesse quadro da escolaridade, com 2348 casos, representando 29%.

Além disso, nota-se, no gráfico 4, que o número total de casos com escolaridade classificada como Ensino Médio Completo é a terceira mais prevalente, com 1271 casos (15,2%), seguida da Ensino Médio Incompleto com 1134 casos (13,5%). As escolaridades de Ensino Fundamental Completo, 1ª a 4ª série incompleta e 4ª série completa do ensino fundamental seguem com 626 caos (7,5%) e 297 casos (3,5%) respectivamente. 

Destaca-se, por outro lado, a pouca recorrência de casos com escolaridade Ensino Superior Incompleto e Ensino Superior Completo, com 82 casos incidentes para o primeiro, representando 1%, e com 72 casos para este último, representando 0,8%.

Gráfico 4 – Escolaridade materna dos casos de sífilis congênitas durante o período de 2014 a 2023 no Estado do Pará.

Fonte: a autora, 2024. 

Outro fator analisado, foi a realização do Pré-Natal, do total de 8348 casos notificados no período estudado, 699 (84%) realizaram o pré-natal, 1081 (13%) não realizaram o pré-natal e 268 (3%) notificações foram preenchidas como ignorado/branco, conforme gráfico 5: 

Gráfico 5 – Realização do pré-natal durante o período de 2014 a 2023 no Estado do Pará.

Fonte: a autora, 2024. 

Além disso, verificou-se também em que momento o diagnóstico materno ocorreu nos casos confirmados de sífilis congênita. No gráfico 6 abaixo, ressalta-se que o diagnóstico durante o pré-natal foi o mais relevante com 3643 (43,6%) casos. No entanto, percebe-se ainda uma parcela significativa de diagnóstico realizada somente no momento do parto/ curetagem, presentes em 2705 (32,4%) notificações e após o parto com 1428 (17%). Os demais foram Ignorado/Branco e não realizados com 462 (5,5%) e 11 (1,3%) respectivamente. 

Gráfico 6 – Momento do diagnóstico materno nos casos confirmados de sífilis congênita durante o período de 2014 a 2023 no Estado do Pará.

Fonte: a autora, 2024. 

Ademais, no período analisado, foi marcante a predominância do número de casos confirmados em que o parceiro da gestante não realizou tratamento contribuindo assim para o incremento de casos de sífilis congênita.  Dentre os 8348 casos analisados, 4892 (58,6%) não realizaram tratamento para sífilis e somente 1424 (17%) confirmaram ter o tratamento ao parceiro, conforme tabela 1: 

Tabela 1 – Tratamento do parceiro nos casos de sífilis congênitas durante o período de 2014 a 2023 no Estado do Pará.

Fonte: a autora, 2024. 

Outro parâmetro levantado neste estudo foi pesquisar a faixa etária que ocorreu maior número de diagnóstico de sífilis congênita. Verificou-se no período que o diagnóstico aconteceu predominantemente até o sexto dia de vida, correspondendo a 8017 (96%) dos casos. Em seguida a faixa etária de 7-27 dias representou 171 (2%) casos. Pacientes acima de 28 dias até 1 ano e aqueles entre 12 a 23 meses apresentaram 171 (2%) e 22 (0,2%), respectivamente, conforme gráfico 7: 

Gráfico 7 – Faixa etária do diagnóstico no bebê nos casos de sífilis congênitas durante o período de 2014 a 2023 no Estado do Pará.

Fonte: a autora, 2024. 

Analisou-se também a classificação dos casos de sífilis congênita, sendo classificado em sífilis congênita precoce, sífilis congênita tardia, as quais ocorrem do nascimento até os dois anos de idade e após os dois anos de idade respectivamente, aborto ou natimorto por sífilis congênita e descartado. Segundo os dados do SINAN, a sífilis congênita precoce representou sendo 7827 (93,7%) das notificações. Somado a isso, notou-se a predominância intermediária dos casos de aborto ou natimorto, com aproximadamente 239 (3%) dos casos, e de casos descartados com 272 (3,2%). A sífilis congênita tardia foi a de menor prevalência durante o período, com 10 (0,1%) casos, conforme tabela 2: 

Tabela 2 – Classificação dos casos de sífilis congênitas durante o período de 2014 a 2023 no Estado do Pará.

Fonte: a autora, 2024. 

Entre 2014 e 2023 como representado no gráfico 8, a classificação final da sífilis congênita no Estado do Pará apresentou dados relevantes. Em 2014, foram registrados 672 casos de sífilis congênita precoce, 1 caso de sífilis congênita tardia, 6 natimortos ou abortos por sífilis e 14 casos descartados. No ano seguinte, 2015, os números mostraram uma leve diminuição nos casos de sífilis congênita precoce, totalizando 625, enquanto não houve registro de sífilis congênita tardia, mas os natimortos ou abortos aumentaram para 15, assim como os descartados que subiram para 30.

Já em 2016, observou-se um retorno ao aumento, com 655 casos de sífilis congênita precoce, 3 de sífilis congênita tardia, 53 natimortos ou abortos, e 44 descartados. Em 2017, o número de sífilis congênita precoce aumentou significativamente para 735, e foram registrados 1 caso de sífilis congênita tardia, 36 natimortos ou abortos e 42 descartados. Em 2018, os casos de sífilis congênita recente alcançaram 748, com 2 casos de sífilis congênita tardia, 20 natimortos ou abortos e 46 descartados.

No ano de 2019, houve um aumento expressivo nos casos de sífilis congênita precoce, que chegaram a 862, sem registros de sífilis congênita tardia, mas com 45 natimortos ou abortos e 41 descartados. Em 2020, os dados mostraram 781 casos de sífilis congênita precoce, 1 caso de sífilis congênita tardia, 12 natimortos ou abortos e 17 descartados. O ano de 2021 teve um novo aumento significativo, com 997 casos de sífilis congênita precoce, 2 de sífilis congênita tardia, 17 natimortos ou abortos e 19 descartados.

Em 2022, o número de casos de sífilis congênita precoce atingiu 1.237, sem registros de sífilis congênita tardia, 25 natimortos ou abortos e 14 descartados. Por fim, em 2023, os dados indicaram uma queda acentuada, com 503 casos de sífilis congênita precoce, sem casos de sífilis congênita tardia, 10 natimortos ou abortos e 4 descartados. No total, durante o período de 2014 a 2023, foram notificados 7.827 casos de sífilis congênita precoce, 10 de sífilis congênita tardia, 239 natimortos ou abortos por sífilis e 272 casos descartados.

Gráfico 8 – Dados referentes a classificação anual da sífilis congênitas durante o período de 2014 a 2023 no Estado do Pará.

Fonte: a autora, 2024. 

Em termos de evolução dos casos, a grande maioria dos indivíduos afetados, 7.369, estava viva no momento do registro. Contudo, houve 94 óbitos relacionados à sífilis congênita e 43 óbitos por outras causas. A categoria de evolução foi ignorada ou não informada em 331 casos, conforme tabela 3:

Tabela 3 – Evolução clínica nos casos de sífilis congênitas durante o período de 2014 a 2023 no Estado do Pará.

Fonte: a autora, 2024. 

Importante salientar que houve uma maior taxa de mortalidade (2,5%) entre os pacientes com diagnostico tardio (após 28 dias de vida), em relação aqueles que foram diagnosticados precocemente (1,2%). Por outro lado, pacientes no qual a mãe não realizou pré-natal obteve maior mortalidade por conta da sífilis neonatal (3,1%) quando comparado aos que realizaram pré-natal (0,9%), conforme relaciona a tabela 4: 

Tabela 4 – Relação da Evolução da doença com a Faixa etária do paciente e o Pré-natal dos casos de sífilis congênitas durante o período de 2014 a 2023 no Estado do Pará.

Fonte: a autora, 2024. 

Esses dados fornecem uma visão abrangente sobre os aspectos epidemiológicos da sífilis congênita no Estado do Pará, evidenciando as características demográficas e a evolução dos casos ao longo do tempo.

5. DISCUSSÃO

A análise dos dados sobre a prevalência de sífilis congênita nas diferentes regiões do Pará revela um padrão significativo de notificações, especialmente na região da Saúde Metropolitana I, onde foram registrados 3164 casos, representando 37,9% do total. Os municípios de Belém, Ananindeua e Marituba concentram uma parte considerável desse total, com 67,9%, 15,8% e 14,7% das notificações, respectivamente. Essa concentração pode ser interpretada como um reflexo de vários fatores, um deles, é o fato de a densidade populacional e a urbanização acentuada na Região Metropolitana I podem contribuir para uma maior visibilidade e notificação de casos. 

Em áreas urbanas, há um acesso mais facilitado a serviços de saúde e maior probabilidade de busca por atendimento, resultando em uma detecção mais eficaz de casos de sífilis congênita. Além disso, as campanhas de conscientização e a disponibilidade de testes podem ser mais intensificadas em centros urbanos, o que favorece a identificação de casos. Esses dados sugerem que a disparidade nas notificações pode não apenas indicar a prevalência da doença, mas também um possível subdiagnóstico nas regiões menos urbanizadas. Isso levanta a necessidade de um reforço nas estratégias de saúde pública nessas áreas, visando aumentar a conscientização, facilitar o acesso ao diagnóstico e tratamento, e implementar campanhas de prevenção mais efetivas (Soares; Aquino, 2021). 

Entre os anos de 2008 e 2017, a prevalência de casos de sífilis congênita no Pará foi de 6.543. Ao analisar a amostra do estudo, observou-se que a faixa etária mais afetada foi a de 20 a 34 anos, representando 63,30% dos casos, seguida pela faixa de 15 a 19 anos, com 27,85%. Quanto ao nível de escolaridade, a maior parte tinha o ensino fundamental incompleto, totalizando 44,55% (Brabo et al., 2023).

Com isso, durante esses 10 anos, os resultados mostram que a prevalência da faixa etária de 20 a 24 anos entra em concordância com diversas literaturas, as quais explicitam a direta ligação da ocorrência de sífilis na gestação com o período etário no qual se tem maior atividade sexual. Costa e seus colaboradores (2024) reiteram que a associação entre a escolaridade materna, a realização do pré-natal e a incidência de doenças na gravidez reflete como fatores sociais, econômicos e educacionais desempenham um papel crucial na saúde materno-infantil. Mães com menor escolaridade frequentemente têm menos acesso a informações sobre saúde reprodutiva e cuidados durante a gestação, o que pode impactar a regularidade e qualidade do pré-natal. 

Portanto, muito embora a faixa etária predominante seja a de 20 a 24 anos, devido ao auge da exposição à bactéria causadora da sífilis, Treponema Pallidum, as outras faixas etárias, principalmente a de 15 a 19 anos, devem ter as devidas atenções, no sentido de as políticas públicas vigentes no combate da sífilis em gestantes atingirem todas essas faixas. Contribuindo, assim, para menores casos de sífilis congênita bem como proporcionar maior espectro da promoção à saúde da mulher. 

Nesse sentido, Silva et al (2020) reforçam que programas de educação sexual e reprodutiva, especialmente direcionados a jovens, são fundamentais, já que a concentração de casos de complicações e doenças é maior entre mães mais jovens. Esses programas devem abordar temas como contracepção, planejamento familiar e a importância do acompanhamento pré-natal, visando empoderar essas jovens a tomarem decisões informadas sobre sua saúde. Além disso, garantir o acesso universal a cuidados de saúde de qualidade, incluindo um pré-natal adequado e contínuo, é essencial para prevenir complicações e melhorar os desfechos da gravidez, contribuindo para a redução da mortalidade materna e infantil.

A detecção da sífilis durante o pré-natal permite a implementação de intervenções eficazes, como o tratamento da mãe e do parceiro, o que ajuda a prevenir a transmissão vertical da doença e outros problemas associados (Andrade et al., 2018). O número significativo de casos de sífilis materna sendo identificada apenas no momento do parto ou durante a curetagem, indica falhas na assistência à saúde e no acompanhamento pré-natal 

Quando o diagnóstico é feito durante o parto, o tratamento não consegue evitar a transmissão da sífilis para o recém-nascido. No entanto, é crucial destacar que essa identificação permite o início imediato do tratamento para o bebê. O tratamento precoce da sífilis congênita é fundamental para prevenir a progressão da infecção para estágios mais avançados, como a sífilis congênita tardia, além de evitar complicações graves, como a neurossífilis (Brasil, 2015).

A ausência de um acompanhamento pré-natal eficaz aumenta o risco de transmissão vertical da doença, ou seja, a transmissão da sífilis da mãe para o bebê durante a gestação ou no parto. As sequelas associadas à sífilis congênita podem ser divididas entre aquelas que aparecem logo após o nascimento e outras que se manifestam de forma tardia, afetando o desenvolvimento do bebê ao longo da infância (Maschio-Lima et al., 2019). 

Imediatamente após o nascimento, uma das complicações mais comuns é a prematuridade. Bebês expostos à sífilis têm um risco maior de nascer prematuro, o que por si só já acarreta uma série de complicações, como problemas respiratórios, dificuldades alimentares e alterações no  neurodesenvolvimento. Além disso, o baixo peso ao nascer é outra consequência frequente, o que pode comprometer o crescimento e o sistema imunológico do bebê, tornando-o mais suscetível a outras infecções e complicações de saúde (Domingues et al., 2021). 

Sequelas físicas como lesões cutâneas também são comuns e podem aparecer como bolhas ou erupções na pele logo após o nascimento. Outra manifestação frequente é a hepatomegalia e esplenomegalia, que pode estar associado a disfunções hepáticas. Uma das complicações mais sérias é a meningite, que ocorre quando a infecção atinge as membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal, resultando em convulsões, irritabilidade e possíveis déficits cognitivos (Maschio-Lima et al., 2019; Domingues et al., 2021).

A sífilis congênita representa um sério desafio de saúde pública, especialmente em países em desenvolvimento. Embora o Ministério da Saúde (MS) tenha estabelecido a meta de erradicar a sífilis congênita até o ano 2000, esse objetivo não foi alcançado, assim como a meta de limitar a incidência a 1 caso para cada 1.000 nascidos vivos. No Hospital Regional Materno-Infantil (HRMI), a taxa de sífilis congênita em 2011 foi de 9,62 casos por 1.000 nascidos vivos, superando a meta estabelecida pelo MS. Nos anos seguintes, as taxas de incidência foram de 11,9 em 2012, 6,4 em 2013 e 10,2 em 2014, indicando que os índices permaneceram elevados (Cifuentes et al., 2020).

E ainda, a análise dos dados sugere que a mortalidade pode estar relacionada a fatores socioeconômicos, acesso a serviços de saúde e condições de vida. Portanto, é crucial que as autoridades de saúde considerem esses fatores ao planejar intervenções e alocar recursos. 

6. CONCLUSÃO

A análise dos dados sobre a incidência de sífilis congênita no Brasil, especialmente no estado do Pará, revela um cenário preocupante que reflete falhas significativas no sistema de saúde, particularmente no que diz respeito ao pré-natal. As taxas de incidência variam amplamente entre as regiões do Pará, como a região metropolitana apresentando os índices mais altos, o que indica a necessidade urgente de intervenções direcionadas, assim como reforçar a importância da notificação nas demais regiões do estado. A detecção tardia da sífilis materna, frequentemente apenas no momento do parto, evidencia lacunas no acompanhamento pré-natal e na assistência à saúde, comprometendo a eficácia do tratamento e aumentando o risco de transmissão vertical da doença.

Além disso, a elevada prevalência de sífilis congênita entre gestantes jovens e com baixa escolaridade sugere que fatores socioeconômicos desempenham um papel crucial na saúde materno-infantil. A mortalidade associada à sífilis congênita, especialmente em recém-nascidos de mães que não realizaram o pré-natal e aqueles em que o diagnóstico ocorreu após o 7º dia de vida, destaca a urgência de ações que melhorem o acesso a serviços de saúde e a educação em saúde para gestantes.

Portanto, é fundamental que as autoridades de saúde implementem estratégias eficazes que incluam a ampliação da cobertura do pré-natal, a capacitação de profissionais de saúde e a promoção de campanhas de conscientização sobre a sífilis e suas consequências. Somente por meio de uma abordagem integrada e multidisciplinar será possível reduzir a incidência de sífilis congênita e alcançar as metas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, contribuindo para a melhoria da saúde pública e a proteção das futuras gerações.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, A. L. M. B.; MAGALHÃES, P. V. V. S.; MORAES, M. M.; TRESOLDI, A. T. Diagnóstico tardio de sífilis congênita: uma realidade na atenção à saúde da mulher e da criança no Brasil. Revista Paulista de Pediatria, São Paulo, v. 36, n. 3, p. 376-381, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rpp/a/YW89sPHsznkK7m7fwvBFXJn/#. Acesso em: 23 out. 2024. 

BRASIL. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde, 2015.

BRABO, A. D. S. S.; LIMA, F. C. D.; GOMES, R. S.; CARVALHO NETA, D. T. D.; ALMEIDA, C. B. D.; BRABO, A. S.; ANDRADE, J. A. A.; SOARES, D. V.; ARAÚJO, E. D. C.; VENTURA, A. M. R. D. S. Descrição dos casos de sífilis congênita e materna de 2008 a 2017 no Pará, Brasil. Revista Eletrônica Acervo Saúde, v. 23, n. 7, p. e12772, 6 jul. 2023.Disponível em: https://acervomais.com.br/index.php/saude/article/view/12772. Acesso em: 24 out. 2024. 

CIFUENTES, Y.; ANGEL-MÜLLER, E.; MORENO, R. C. D. Sífilis congênita resultante de Neurossífilis materna não diagnosticada. Relato de caso. UIS Médica, [S. l.] , v. 33, não. 1, pág. 73–80, 2020. Disponível em: https://revistas.uis.edu.co/index.php/revistamedicasuis/article/view/10945. Acesso em: 24 out 2024.

COSTA, G. D. M. F.; SANTOS, J. V. D. J.; SOARES, M. E. S.; SILVA, S. B. B. D.; QUEIROZ, J. C. D. Incidência e Prevalência da Sífilis Congênita: Uma Análise Epidemiológica Comparativa entre as Regiões Norte e Sudeste do Brasil (2019-2023). Brazilian Journal of Implantology and Health Sciences, [S. l.], v. 6, n. 4, p. 877–886, 2024. DOI: 10.36557/2674-8169.2024v6n4p877-886. Disponível em: https://bjihs.emnuvens.com.br/bjihs/article/view/1871. Acesso em: 24 out. 2024.

DOMINGUES, C. S. B.; DUARTE, G.; PASSOS, M. R. L.; SZTAJNBOK, D. C. D. N.; MENZES, M. L. B. Protocolo Brasileiro para Infecções Sexualmente Transmissíveis 2020: sífilis congênita e criança exposta à sífilis. Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, v. 30, 2021. Disponível em: http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742021000500005&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 24 out. 2024.  

MASCHIO-LIMA, T.; MACHADO, I. L. D. L.; SIQUEIRA, J. P. Z.; ALMEIDA, M. T. G. Perfil epidemiológico de pacientes com sífilis congênita e gestacional em um município do Estado de São Paulo, Brasil. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbsmi/a/3pCKZ5sv6CBCBtzCYgCHP3s/?lang=pt#. Acesso em: 23 out. 2024. 

OLIVEIRA, L. G. D.; SILVA, I. P. G. D.; ATHAIDE, T. C. D. A.; TEIXEIRA, I. S. C.; RODRIGUES, K. M. A.; TIAGO, A. C. D. S.; SILVA, D. L. D.; MARVÃO, M. C. R.; OLIVEIRA, Q. L. D. S. A.; TRINDADE, F. A.; BARRA, F. F.; PAMPLONA, M. C. D. C. A. Prevalência e indicadores sociais da sífilis congênita na região norte, no período de 2010 a 2018. International Journal of Development Research, 2019, v. 9, n. 7. Disponível em: https://www.journalijdr.com/preval%C3%AAncia-e-indicadores-sociais-da-s%C3%ADfilis-cong%C3%AAnita-na-regi%C3%A3o-norte-no-per%C3%ADodo-de-2010-2018. Acesso em: 23 out. 2024. 

SILVA, G. M. D.; PESCE, G. B.; MARTINS, D. C.; PRADO, C. M. D.; FERNANDES, C. A. M. Sífilis na gestante e congênita: perfil epidemiológico e prevalência. Revista Electronica Trimestral da Enfermería, n. 57. Disponível em: https://scielo.isciii.es/pdf/eg/v19n57/pt_1695-6141-eg-19-57-107.pdf. Acesso em: 24 out. 2024. 

SOARES, K. K. S.; PRADO, T. N. D.; ZANDONADE, E.; MOREIRA-SILVA, S. F.; MIRANDA, A. E. Análise espacial da sífilis em gestantes e sífilis congênita no estado do Espírito Santo, 2011-2018. Epidemiologia e Serviços de Saúde, 2020, v. 29. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ress/a/43Hgw5yNLn8yf3HGcSBRSCS/#ModalTutors. Acesso em: 24 out. 2024. 

SOARES, M. A. S.; AQUINO, R. Associação entre as taxas de incidência de sífilis gestacional e sífilis congênita e a cobertura de pré-natal no Estado da Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 2021, v. 37. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/RbhXfcYGbCjF3DYNL3L39Fp/abstract/?lang=pt#ModalTutors. Acesso em: 23 out. 2024.