REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202411301220
Joyce Kellen Iglesias Souto Santos
Prof. Orientador. Wesley Pimenta Cândido
Resumo
As infecções do trato urinário (ITU) representam um problema de saúde recorrente, especialmente em mulheres, devido a fatores anatômicos e fisiológicos. Nesta pesquisa, as amostras de urina coletadas no município de Ji-Paraná, Rondônia, foram categorizadas com base no gênero e espécie das bactérias, o perfil de sensibilidade aos antimicrobianos testados, o sexo e a idade dos participantes. Os dados foram organizados em gráficos para permitir uma análise detalhada da suscetibilidade por faixa etária e sexo. Objetivou-se avaliar o perfil de sensibilidade e resistência a antimicrobianos em bactérias isoladas, avaliar a relação entre suscetibilidade às infecções e faixa etária, e identificar as bactérias mais prevalentes em casos de ITU. Foi constatado que 81% dos quadros de ITU’s foram em mulheres, sendo a espécie Escherichia coli responsável por cerca de 52% dos casos em ambos os sexos.
Palavras chave: suscetibilidade, bactéria, infecção.
Abstract
Urinary tract infections (UTI) represent a recurring health problem, especially in women, due to anatomical and physiological factors. In this research, urine samples collected in the municipality of Ji-Paraná, Rondônia, were categorized based on the genus and species of bacteria, the sensitivity profile to the antimicrobials tested, and the sex and age of the participants. The data was organized into graphs to allow a detailed analysis of susceptibility by age group and sex. The objective was to evaluate the sengroup and resistance profile to antimicrobials in isolated bacteria, analyze the relationship between susceptibility to infections and age group, and identify the most prevalent bacteria in cases of UTI. It was found that 81% of UTIs were in women, with Escherichia coli responsible for around 52% of cases in both sexes.
Keywords: susceptibility, bacteria, infection.
1. Introdução
A Infecção do trato urinário (ITU) é a infecção bacteriana mais comum, afetando cerca de 150 milhões de pessoas em todo o mundo a cada ano. Só nos Estados Unidos, em 2007, foram estimadas 10,5 milhões de visitas a consultórios por sintomas de ITU (representando 0,9% de todas as visitas ambulatoriais) e 2 a 3 milhões de visitas ao departamento de emergência (FLORES-MIRELES et al., 2015). As ITU’s são uma causa significativa de morbidade em homens e mulheres de todas as idades, podendo levar a sérias consequências, como recorrência frequente, cistite, pielonefrite, danos renais, sepse e até mesmo parto prematuro e complicações devido ao uso frequente de antibióticos. (KAUR&KAUR, 2021).
As ITUs podem ser causadas por bactérias gram-negativas e gram-positivas, e podem ter origem fúngica em alguns casos excepcionais. O agente causador mais comum para ITUs é a Escherichia coli uropatogênica (UPEC). Seguindo a UPEC, tem-se a prevalência de Klebsiella pneumoniae, Staphylococcus aureus, Enterococcus faecalis, Streptococcus do grupo B (GBS), Proteus mirabilis, Pseudomonas aeruginosa, e Candida spp. (MANCUSO et al., 2013).
Segundo a OMS, pode-se definir Resistência Antimicrobiana como a capacidade de bactérias, fungos e até mesmo parasitas se alterarem quando expostos antimicrobianos, e adquirirem resistência a estes medicamentos, tornando-os ineficazes como tratamento. A resistência antimicrobiana surge devido à interação natural entre microrganismos no ambiente, mas seu aumento pode ser atribuído a vários fatores. Entre eles estão o consumo elevado e inadequado de antimicrobianos, a desinformação da população referente ao uso irracional de medicamentos, o uso excessivo desses medicamentos na agropecuária e a contaminação ambiental por resíduos farmacêuticos descartados no solo e na água (MUNITA e ARIAS, 2016).
A resistência a antimicrobianos desenvolvida pelas bactérias que mais comumente causam ITU está aumentando em todo o mundo, independente da situação econômica do país (MAMUYE, 2016). A evolução das bactérias sobre os antimicrobianos interfere e vai continuar interferindo no sucesso do tratamento de infecções, tendo em vista que mesmo os antibióticos mais novos e potentes não estão sendo capazes de conter esse problema. Um dos fatores que podem acarretar o surgimento de resistência inclui, principalmente, o uso prolongado de terapia antimicrobiana. No que se refere à saúde pública, existe uma grande preocupação com a resistência antimicrobiana em hospitais, principalmente em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) (ARAUJO et al. 2022).
O presente estudo tem como objetivo traçar um perfil de sensibilidade e resistência a antimicrobianos de bactérias gram negativas isoladas em amostras de urina no município de Ji-Paraná, além de buscar relações entre a vulnerabilidade de determinadas faixas etárias e identificar as bactérias mais prevalentes em casos de ITU’s no município.
2. Materiais e métodos
Esse estudo se configura como estudo epidemiológico retrospectivo. A pesquisa foi realizada por meio da coleta de dados do Laboratório de Análises Clínicas Biomed, situado no município de Ji-Paraná no interior do Estado de Rondônia, com aproximadamente 124.333 habitantes, conforme a estimativa do IBGE em 2022. O sistema do laboratório selecionou, aleatoriamente, uroculturas realizadas no período de 12 meses (01-01-2023 a 01-01-2024). A partir disso, foram selecionados apenas os relatório de ensaio cujas culturas apresentaram crescimento microbiano de bactérias gram-negativas.
Cada participante recebeu uma numeração com a coleta dos seguintes dados: sexo e idade, gênero e espécie da bactéria isolada e o resultado do antibiograma do relatório de ensaio. Participantes menores de 18 anos não fizeram parte da pesquisa. Os dados recolhidos foram processados e convertidos em gráficos e realizado a análise estatística utilizando a ferramenta Microsoft Excel.
O cálculo para amostragem foi realizado pelo software Epi Info, versão 7.2.6.0 do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) para calcular a representatividade de indivíduos do município de Ji-Paraná com intervalo de confiança de 90%, sendo assim nossa população amostral foi de 270 indivíduos. O presente estudo seguiu, de forma rigorosa, todas as recomendações preconizadas pela Resolução nº 466 de dezembro de 2012, que rege as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos e teve aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisas do Centro Universitário São Lucas Ji-Paraná, Rondônia, com o CAAE – 83188624.9.0000.5297.
3. Resultados e Discussões
Dos 270 relatórios de ensaio avaliados, 211 atenderam aos critérios de seleção estabelecidos pela pesquisa. Desses, 51,81% corresponderam a infecções causadas pela bactéria Escherichia coli. Além disso, 81% dos casos ocorreram em participantes do sexo feminino (Figura 1), sendo 120 infecções por E. coli.
Figura 1 – Proporção de casos entre o sexo feminino e masculino.
A Klebsiella pneumoniae foi identificada como a segunda principal causadora de infecções do trato urinário (ITUs), afetando ambos os gêneros analisados (Figura 2). Na Figura 3, é possível observar a distribuição das infecções de acordo com a faixa etária.
Figura 2 – Bactérias identificadas na pesquisa.
Figura 3 – Ocorrência de ITU de acordo com a faixa etária.
Como representado na figura 3, a população idosa se mostrou a mais afetada pelo quadro de ITU. As infecções bacterianas estão entre as principais causas de morbimortalidade na população idosa, representando um desafio significativo para aqueles que vivem em comunidades, estão hospitalizados ou residem em instituições (CORRÊA e MONTALVÃO 2010). A prevalência de infecção do trato urinário (ITU) aumenta conforme o idoso se torna mais debilitado e dependente. Outros fatores que contribuem para o desenvolvimento dessa condição incluem alterações pélvicas, o relaxamento do assoalho pélvico, aumento da próstata, prostatite, uso de cateter vesical, incontinência urinária e fecal, alterações no sistema imunológico, comorbidades e o uso prévio de antibióticos, que favorece o surgimento de microrganismos mais resistentes (Veronesi, 2005). Já o fato de participantes do sexo feminino representarem 81% do número de casos no total, justifica-se pelo fato de que, há maior suscetibilidade de infecção no sexo feminino, devido a condições anatômicas como a uretra mais curta e sua maior proximidade com o reto, entre outros. Mudanças hormonais, prolapso vaginal e a gravidez também são fatores que favorecem essa predisposição (Lopes e Tavares, 2005).
Conforme apresentado na figura 1, as enterobactérias são as principais causadoras dos quadros de ITU. Enterobactérias, um grupo de bactérias Gram-negativas pertencentes à família Enterobacteriaceae, desempenham um papel significativo como agentes etiológicos das infecções do trato urinário. Esse grupo inclui diversos gêneros, como Escherichia, Klebsiella, Proteus, Enterobacter e Serratia, sendo Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae as principais responsáveis pelas infecções observadas nesta pesquisa. Essas bactérias, que são habitantes naturais do trato gastrointestinal humano e de animais, podem causar infecções em condições oportunistas. (Flores-Meireles et al., 2015). Essa capacidade está relacionada a mecanismos de aderência às células do urotélio, como as fímbrias do tipo 1 e as fímbrias P, que permitem sua fixação às paredes do trato urinário, evitando a eliminação pela micção. Além disso, algumas enterobactérias produzem toxinas, como hemolisinas, que causam danos aos tecidos e favorecem o desenvolvimento da infecção (BIEN et al. 2009). Esses dados corroboram com o fato de Escherichia coli ser responsável por 51,81% das infecções nos laudos analisados, afetando predominantemente mulheres, devido às condições anatômicas e fisiológicas que aumentam sua predisposição a ITUs, conforme já citado.
No que se refere a resistência a antimicrobianos, no contexto das infecções do trato urinário (ITUs), o desafio é agravado pela presença de β-lactamases de espectro estendido (ESBLs), enzimas produzidas por bactérias Gram-negativas da família Enterobacteriaceae, como Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae (BORGES et. al., 2010). As ESBLs possuem a capacidade de hidrolisar antibióticos β-lactâmicos, reduzindo significativamente a eficácia desses medicamentos. Essa resistência enzimática tem levado a maiores taxas de morbidade, internações prolongadas e custos elevados no tratamento das ITUs, especialmente em casos graves (ALMEIDA et. al., 2010). Como observado no estudo, as enterobactérias destacam-se como os principais agentes etiológicos dessas infecções, e sua resistência associada às ESBL’s torna o tratamento ainda mais desafiador, exigindo estratégias que combinem o combate à bactéria com a inibição das enzimas resistentes (Husna et al., 2023).
Esse cenário reforça a importância de monitorar a prevalência dessas bactérias resistentes, especialmente em grupos mais suscetíveis. Observou-se que, cerca de 20,4% da população total da amostra apresentou ESBL em seus resultados, o que gera resistência aos antimicrobioanos, devido a dificuldade de interferir na ação contra a bactéria, dado os efeitos dessa enzima. Na figura 4, é possível observar a proporção entre a amostragem total quanto aos casos de infecções por bactérias portadoras de ESBL.
Figura 4 – representação de ESBL nas amostras analisadas
As causas de resistência antimicrobiana são diversas e incluem o uso específico e inadequado de antibióticos, tanto em humanos quanto em animais, como na agricultura. O uso excessivo de antibióticos, muitas vezes sem prescrição médica, ou o abandono precoce do tratamento, favorece a seleção de cepas resistentes, e até mesmo surgimento de mecanismos específicos como a ESBL. Outros fatores são os desafios financeiros e científicos, que dificultam a criação de novos medicamentos para o tratamento de infecções.
4. Conclusões
De acordo com os resultados obtidos no presente estudo, conclui-se que Escherichia coli, seguida por Klebsiella pneumoniae, são as principais responsáveis por infecções do trato urinário em ambos os sexos. Observou-se que as mulheres representaram 81% dos casos, com um aumento proporcional na ocorrência das infecções conforme o avanço da idade. Em relação à resistência antimicrobiana, verificou-se que 20,4% das amostras apresentaram a produção de ESBL como principal mecanismo de resistência bacteriana.
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