REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202505121718
Luzia Reis Rabelo de Moraes
Maria Bernadete Galrão de Almeida Figueiredo
RESUMO
Introdução: A endometriose é uma doença ginecológica crônica, caracterizada pela presença de tecido endometrial fora da cavidade uterina, atingindo estruturas como ovários, tubas uterinas e peritônio pélvico. Trata-se de uma condição inflamatória estrogênio-dependente que afeta cerca de 10% das mulheres em idade fértil, associada a sintomas como dor pélvica crônica, infertilidade e dispareunia, com impactos negativos nas relações sociais, na saúde mental e na qualidade de vida das mulheres. Objetivos: Analisar o perfil clínico-epidemiológico e a incidência das internações hospitalares por endometriose na região Nordeste. Metodologia: Trata-se de um estudo transversal, observacional, descritivo, de caráter quantitativo, no qual os dados foram obtidos a partir do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde – DATASUS. As variáveis pesquisadas foram: total de internações, cor/raça, faixa etária, caráter de atendimento e custo hospitalares. O período da pesquisa foi delimitado entre os anos de 2015 e 2024. Resultados: Descrevemos um aumento de 24,1% nas internações por endometriose na região nordeste do Brasil, com o estado do Ceará sendo responsável pela maioria das internações. Além disso, foi possível identificar que mulheres pardas com idade entre 40 a 49 anos foram as mais acometidas. Em relação ao caráter de atendimento, a maioria das internações (73%) foram eletivas. Considerações finais: O conhecimento sobre os fatores de risco da endometriose é fundamental para impulsionar pesquisas futuras e embasar políticas públicas eficazes, voltadas à prevenção da doença, à melhoria do diagnóstico e tratamento, e à garantia de um acesso mais justo e igualitário aos cuidados de saúde.
Palavras-chave: Endometriose; Internações hospitalares; Perfil epidemiológico.
INTRODUÇÃO
A endometriose é uma doença ginecológica crônica, caracterizada pela presença de tecido endometrial fora da cavidade uterina, atingindo estruturas como ovários, tubas uterinas e peritônio pélvico (FEBRASGO, 2020). Trata-se de uma condição inflamatória estrogênio-dependente que afeta cerca de 10% das mulheres em idade fértil, associada a sintomas como dor pélvica crônica, infertilidade e dispareunia, com impactos negativos nas relações sociais, na saúde mental e na qualidade de vida das mulheres (BAETAS et al.,2021). Apesar de não ser considerada uma doença maligna, a endometriose se manifesta de forma agressiva, com atrasos no diagnóstico, o que prorroga o sofrimento e amplia o quadro clínico da paciente (ROSA E SILVA et al., 2021). Portanto, a endometriose sobrepuja o contexto individual, tornando-se um importante problema de saúde pública no Brasil, tanto pela alta prevalência quanto pelo impacto socioeconômico associado (ARAÚJO et al., 2020).
No âmbito nacional, foram registradas mais de 90 mil internações hospitalares por endometriose, entre 2015 e 2024 de acordo com o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (DATASUS, 2024). A região Nordeste, que representa 26,9% da população do país (IBGE, 2024), corresponde a números expressivos desses atendimentos, ainda que enfrentem limitações socioeconômicas e estruturais históricas. Ao investigar os índices de internação é possível observar disparidades regionais consideráveis: ao passo que regiões como Sudeste e Sul possuem maior capacidade de diagnóstico e tratamento precoce, o Nordeste padece em menor número de especialistas, dificuldades no acesso a exames de alta complexidade e carência de infraestrutura (TORRES et al., 2021). Esse cenário enfatiza o caráter de vulnerabilidade das mulheres nordestinas frente a essa patologia (PARDIN et al., 2023).
Embora atualmente haja uma alta produção científica acerca dos aspectos clínicos da endometriose, a análise do comportamento das internações hospitalares numa conjuntura regional, como o Nordeste, ainda é escassa (CIRINO et al., 2023). A ausência de pesquisas que abordem as características epidemiológicas, limita o entendimento sobre a grande relevância da doença, ocasionando uma dificuldade para a criação de políticas públicas focadas no universo local (RODRIGUES et al., 2022).
Nesse contexto, o presente estudo tem como objetivo analisar o perfil clínico-epidemiológico e incidência das internações hospitalares por endometriose na região Nordeste do Brasil entre 2015 e 2024. A investigação é fundamental para ampliar o conhecimento sobre a distribuição da doença, identificar padrões regionais e subsidiar ações estratégicas que visem reduzir as desigualdades no diagnóstico e tratamento da endometriose (PODGAEC et al., 2020). Espera-se, assim, contribuir para a formulação de políticas públicas mais efetivas e para a melhoria da assistência à saúde da mulher em todo o território nordestino.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo transversal, observacional, descritivo, de caráter quantitativo, sobre as internações hospitalares por endometriose na região Nordeste, no período de 2015 a 2024. O estudo busca analisar as características clínicas e epidemiológicas das internações, além de traçar as tendências de evolução e mortalidade ao longo dos anos.
A amostra deste estudo consiste nas internações de pacientes com diagnóstico de endometriose, ocorridas na região Nordeste. Foram incluídos dados de internações que ocorreram entre 2015 e 2024. A região Nordeste contempla nove estados, sendo eles: Alagoas, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Bahia, Sergipe, Maranhão, Ceará e Rio Grande do Norte. De acordo com o censo demográfico realizado em 2022 pelo Instituto Brasileiro Geografia e Estatística a população da Região Nordeste foi estimada em 54.658.515 habitantes (IBGE, 2022).
Para o alcance dos objetivos propostos foram utilizadas as bases de dados dos Sistemas de Informação Hospitalar (SIH-SUS), disponibilizados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (DATASUS). As informações são públicas e de acesso irrestrito, possibilitando a análise dos dados sobre internações hospitalares.
A coleta de dados ocorreu no período de março a abril de 2025. Os dados foram armazenados e processados utilizando o Microsoft Excel® para a sistematização dos dados, produção de tabelas e gráficos. As variáveis analisadas foram agrupadas em duas categorias principais: variáveis pessoais e variáveis relacionadas à internação.
▪ Variáveis pessoais: faixa etária; raça/cor
▪ Variáveis internação: caráter de atendimento (eletivo; urgência); custo hospitalares.
Todas as informações foram obtidas de fontes de domínio público, por meio de coleta secundária, respeitando os princípios éticos. Dessa forma, não foi necessário submeter o estudo ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.
RESULTADOS
No total, foram notificadas 31.604 internações na região Nordeste do Brasil no período de 2015-2024, isso representa um aumento de 24,1% nas internações durante o período analisado. O estado do Ceará apresentou a maioria das internações, com (n= 7.318; 23,1%), seguido pelo Maranhão, com (n= 5.468; 17,3%) e Bahia com (n= 5.288; 16,7%). (Tabela 1).
Tabela 1. Números e porcentagem das internações hospitalares causadas por endometriose, de acordo com os estados da região nordeste (2015–2024).

Legenda: MA: Maranhão; PI: Piauí; CE: Ceará; RN: Rio Grande do Norte; PB: Paraíba; PE: Pernambuco; AL: Alagoas; SE: Sergipe; BA: Bahia.
Fonte: Sistema de Informações Hospitalares (SIH) – DATASUS.
O ano de 2024 apresentou a maioria das internações, com (n=3991; 12,6%), seguido por 2022, com (n=3826; 12,1%) (Figura 1). Esses dois anos somam 24,7% de todas as internações no período analisado. Os anos com as menores prevalências foram 2020, com (n=1936 internações; 6,1%) e 2021, com (n=2397; 7,6%) (Figura 1).
Figura 1. Frequência das internações por endometriose na região nordeste do Brasil, segundo o ano de atendimento.

Fonte: Sistema de Informações Hospitalares (SIH) – DATASUS.
Em relação à cor/raça, as mulheres pardas foram as mais afetadas, com (n=21156 internações; 66,94%). Em contrapartida, as indígenas foram menos afetadas, com apenas (6 internações; 0,02%). No sistema consta (n=6556, 20,73%) eventos sem informações, demonstrando alta taxa de incompletude dos dados (Tabela 2).
Tabela 2. Números e porcentagem das internações hospitalares causadas por endometriose na região nordeste do Brasil, de acordo com a cor/raça (2015– 2024).


Fonte: Sistema de Informações Hospitalares (SIH) – DATASUS.
Em relação à faixa etária, a maioria das internações foi observada na faixa etária de 40 a 49 anos, com um total de (n=13995; 44,28%), seguida da faixa etária de 30 a 39 anos com (n=8153; 25,80%) (Tabela 3).
Tabela 3. Distribuição das internações causadas por endometriose na região nordeste do Brasil, de acordo com a faixa etária (2015–2024).

Fonte: Sistema de Informações Hospitalares (SIH) – DATASUS.
A respeito do caráter de atendimento, a maioria das internações foi eletiva, com (n=23.130 internações; 73%) e (n=8.474; 27%) foram de caráter de urgência (Figura 2).
Figura 2. Distribuição das internações causadas por endometriose na região nordeste do Brasil, de acordo com o caráter de atendimento (2015-2024)

Fonte: Sistema de Informações Hospitalares (SIH) – DATASUS.
As internações causadas por endometriose custaram um total de R$ 17.468.951,82 (Figura 3). O estado do Ceara apresentou os maiores gastos no período, com (R$ 4.100.674,30), seguido pelo Maranhão, com (R$ 2.934.779,60) e Bahia, com (R$ 2.834.440,02). Isso representa um aumento de 5.656,7% nos custos hospitalares de 2015 para 2024 (Figura 3).
Figura 3. Valor total dos gastos por internações hospitalares causadas por endometriose, de acordo com os estados da região nordeste do Brasil.

Fonte: Sistema de Informações Hospitalares (SIH) – DATASUS.
DISCUSSÃO
A endometriose é uma enfermidade ginecológica de natureza complexa que acomete milhões de mulheres em todo o mundo, independentemente de etnia ou cor da pele. Em nossa análise, observamos maior prevalência entre mulheres pardas, embora a literatura não reconheça a etnia como um fator de risco direto. No entanto, nossos dados são compatíveis com os achados da literatura, que apontam que, na região Nordeste, mulheres pardas representaram a maioria das internações por endometriose (SOMBRA et al., 2024). Tal disparidade pode estar relacionada a determinantes sociais, uma vez que esse grupo frequentemente enfrenta condições socioeconômicas desfavoráveis que limitam o acesso a serviços de saúde de qualidade. Essas barreiras contribuem para o atraso no diagnóstico e a inadequação do tratamento, o que pode levar à progressão da doença e ao agravamento dos quadros clínicos.
Com relação à faixa etária, embora haja certa divergência entre os estudos, a maioria dos especialistas concorda que a endometriose acomete principalmente mulheres em idade reprodutiva, entre 25 e 40 anos (SALOMÉ et al., 2020). No entanto, em nosso estudo, a maior incidência de internações foi observada entre mulheres de 40 a 49 anos. Esse achado pode estar relacionado à persistência dos sintomas, uma vez que a endometriose é uma condição crônica que pode se prolongar mesmo após a chegada da menopausa. Isso é consistente com a literatura, que aponta que muitas mulheres continuam a apresentar manifestações clínicas mesmo após a interrupção dos ciclos menstruais (SILVA et al., 2021).
Durante o período analisado, identificamos um aumento expressivo de 5.656,7% nos custos hospitalares relacionados à endometriose, acompanhando o crescimento das internações. Estudos anteriores já indicam que os custos associados a essa condição representam uma parcela significativa dos gastos em saúde, especialmente devido à necessidade de cirurgias, internações prolongadas e manejo da dor crônica (BRITO et al., 2021). Além disso, exames diagnósticos e tratamentos de suporte também contribuem para o aumento das despesas, evidenciando o impacto financeiro da doença sobre o sistema de saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste presente estudo evidenciamos um aumento de 24,1% nas internações por endometriose na região Nordeste do Brasil ao longo da última década, sendo o estado do Ceará o responsável pela maioria dos casos. Além disso, foi possível observar que as mulheres pardas, com idade entre 40 e 49 anos correspondem a população mais afetada. Compreender quais são os grupos mais vulneráveis, permitirá que os profissionais da saúde fiquem mais atentos aos sinais da endometriose em determinado público, favorecendo ações de triagem e intervenção precoce mais eficientes. Essa prática é extremamente importante para reduzir desigualdades em saúde, favorecendo mulheres de baixa renda e de minoria étnicas, que continuamente enfrentam desigualdades no acesso a cuidados médicos justos.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Francy Waltília Cruz; SCHMIDT, Debora Berger. Endometriose um problema de saúde pública: revisão de literatura. Revista Saúde e Desenvolvimento, v. 14, n. 18, 2020.
BAETAS, Beatriz Valente et al. Endometriose e a qualidade de vida das mulheres acometidas. Revista Eletrônica Acervo Científico, v. 19, 2021.
BRITO, Camila Caires et al. O impacto da endometriose na saúde física e mental da mulher. Revista Eletrônica Acervo Saúde, v. 13, 2021.
CIRINO, Geovana Aparecida dos Reis et al. Endometriose e saúde sexual feminina: desafios, tratamento, perfil epidemiológico e impactos biopsicossociais. Revista Ciência Plural, v. 9, n. 3, 2023.
DATASUS. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Banco de Dados sobre Morbidade Hospitalar do SUS. Brasília, 2024.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas da população residente no Brasil em 2024. Rio de Janeiro, 2024.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Censo Demográfico 2022: População residente por Grandes Regiões e Unidades da Federação. Rio de Janeiro, 2022.
PARDIN, E. P. et al. O impacto da endometriose na qualidade de vida das mulheres: revisão de literatura. Brazilian Journal of Implantology and Health Sciences, v. 5, n. 4, p. 861-871, 2023.
PODGAEC, Sérgio et al. Endometriose. Femina, v. 48, n. 4, p. 233-237, 2020.
RODRIGUES, Luciana Abrantes et al. Análise da influência da endometriose na qualidade de vida. Fisioterapia em Movimento, v. 35, 2022.
ROSA E SILVA, Julio Cesar et al. Endometriose: aspectos clínicos do diagnóstico ao tratamento. Femina, v. 49, n. 3, p. 134-141, 2021.
SALOMÉ, D. G. M. et al. Endometriose: epidemiologia nacional dos últimos 5 anos. Revista de Saúde, v. 11, n. 2, p. 39–43, jul./dez. 2020.
SILVA, Carla Marins et al. Experiências das mulheres quanto às suas trajetórias até o diagnóstico de endometriose. Escola Anna Nery, v. 25, n. 4, 2021.
SOMBRA, M. P. P. et al. A endometriose e sua realidade epidemiológica no Nordeste Brasileiro. Medicina (Ribeirão Preto), v. 57, n. 2, p. e-214123, 2024.
TORRES, Juliana Ilky da Silva Lima et al. Endometriose, dificuldades no diagnóstico precoce e a infertilidade feminina: uma revisão. Research, Society and Development, v. 10, n. 6, 2021.