PERFIL CLÍNICO E EPIDEMIÓLOGICO DA COINFECÇÃO POR TUBERCULOSE PULMONAR E COVID-19 EM UM HOSPITAL DE REFERÊNCIA EM BELÉM-PA

CLINICAL AND EPIDEMIOLOGICAL PROFILE OF CO-INFECTION WITH PULMONARY TUBERCULOSIS AND COVID-19 IN A REFERRAL HOSPITAL IN BELÉM-PA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10373531


Wilker Silva Alves1,
Heloisa Marceliano Nunes2


RESUMO

Tanto a COVID-19 quanto a Tuberculose Pulmonar afetam principalmente o sistema respiratório e comprometem a imunidade do hospedeiro. A coinfecção por essas duas doenças leva a quadros clínicos mais graves e resposta hostil ao tratamento quando comparadas com a infecção individual de cada doença. Este estudo teve como objetivo avaliar o perfil clínico e epidemiológico de pacientes com coinfecção por tuberculose pulmonar e COVID-19 em um hospital de referência em Belém, Pará. Realizou-se um estudo epidemiológico descritivo quantitativo, onde foram avaliados os prontuários dos pacientes internados no período de abril de 2020 a abril de 2021, devido ao pico da pandemia de COVID19. Todos os cuidados éticos foram adotados, conforme a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Os resultados indicam que o perfil dos pacientes coinfectados era predominantemente do sexo masculino (56,5%), solteiros (60,9%), com idade média de 51,5 anos e baixa escolaridade (52,4%). Com relação às variáveis clínicas, foi constatado que o período de sintomas da COVID-19 foi de 5,3 dias e todos os pacientes apresentaram febre, tosse, dispneia (100%) e dessaturação durante a admissão hospitalar (78%), além de exame de escarro positivo (30,4%) e sensibilidade à rifampicina no TRM-TB (78%). O principal método de diagnóstico para Covid foi o RT-PCR (82,6%), mais da metade dos pacientes apresentaram 50% de área do parênquima pulmonar afetado evidenciado na tomografia de tórax (52%), e a sorologia para HIV foi negativa em 56% dos casos. O tempo médio de internação hospitalar foi de 14 dias e todos os pacientes necessitaram de via aérea avançada. O desfecho clínico foi pelo óbito em todos os casos. Espera-se que esse estudo contribua para o melhor planejamento do diagnóstico e da assistência à saúde aos pacientes com coinfecção TB-pulmonar e COVID-19.

Palavras-chave: COVID-19. Tuberculose. Coinfecção. Perfil epidemiológico.

1 INTRODUÇÃO

O surto da doença coronavírus 2019 (COVID-19) foi uma emergência mundial por sua rápida disseminação e alta taxa de morbimortalidade, cujo número de pessoas infectadas aumentou rapidamente em todo o mundo. Os pacientes podiam desenvolver pneumonia, sintomas da Síndrome da Angústia Respiratória Aguda Grave (SRAG) e falência de múltiplos órgãos (YANG et al.; 2020). Até 11 de março de 2023, foram registrados mais de 759 milhões de casos e aproximadamente 6,9 milhões de mortes no mundo (WHO, 2023).

A tuberculose (TB) é uma doença milenar considerada um problema de saúde pública e continua sendo uma das doenças transmissíveis mais letais do mundo. O Brasil ocupa a 20ª posição mundial em incidência de TB (CORTEZ et al., 2021).

A convergência COVID-19 – TB sinaliza para um cenário pessimista, mesmo frente aos avanços já implementados, como o teste rápido da TB, a dose fixa combinada, o comprimido de 300mg de isoniazida, entre outros, que tem sido insuficientes para o avanço no controle da TB. Ademais, a TB é doença negligenciada, com pouco estímulo ao investimento da indústria e do governo na descoberta de novos fármacos ou novos métodos diagnósticos e, diante da pandemia, este cenário teve piora considerável (MACIEL; GONÇALVES JÚNIOR; DALCOLMO, 2020).

Quanto à apresentação clínica da TB pulmonar e COVID-19 concomitantes, a maioria dos pacientes com COVID-19 relatavam sinais e sintomas que correspondiam em grande parte aos da TB, tornando difícil o diagnóstico diferencial (SILVA et al., 2021). Ambas as doenças possuem predileção pelo sistema respiratório, acometem os pulmões, interferem na imunidade do hospedeiro e a coinfecção predispõe a quadros clínicos mais graves (MAMANI; SANTANA; BRANAGAN, 2021).

Desde a publicação do primeiro estudo de coorte de pacientes com TB e COVID-19, não ficou claro até que ponto a COVID-19 pode aumentar o risco de desenvolvimento de TB ativa em pacientes anteriormente infectados pelo M. tuberculosis. Os dados preliminares não apoiam essa hipótese para a infecção pelo SARS-CoV-2, embora a questão permaneça aberta (SILVA et al., 2021).

No tocante ao prognóstico e mortalidade, o real efeito da COVID-19 como fator de risco adicional para mortalidade por TB (e vice-versa) ainda não foi claramente estabelecido em diferentes contextos. A principal dificuldade é compreender os fatores envolvidos na interação entre as duas doenças, especialmente as comorbidades, que tendem a aumentar com a idade, bem como dos determinantes sociais, como a pobreza e a desnutrição. Da mesma forma, o efeito da COVID-19 na probabilidade de alcançar um desfecho satisfatório ainda não foi adequadamente descrito (SILVA et al., 2021).

De acordo com último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, em 2022, o município de Belém obteve um coeficiente de incidência de TB de 79,7 por 100 mil habitantes, sendo a quinta capital do Brasil em número de casos, e em 2021, o coeficiente de mortalidade de 6,8 ficando maior dentre as capitais brasileiras (BRASIL, 2023).

Com relação à COVID-19, o município de Belém totalizou 885.806 casos confirmados e 19161 óbitos, com taxa de letalidade de 2,1%, até 1 de dezembro/2023 (SESPA, 2023). Mediante este cenário epidemiológico constatou-se que Belém foi uma das cidades mais afetadas no Brasil para ambas as doenças.

Durante a atividade profissional enquanto enfermeiro assistencial em serviços de urgência e emergência e em Unidade de Terapia Intensiva em Belém-PA, foi possível observar um quantitativo importante de pacientes com diagnóstico para Tuberculose pulmonar (TB) e COVID-19, que apresentavam quadro clínico grave, necessitando de cuidados intensivos. Ademais, a experiência enquanto enfermeiro permitiu observar dificuldades no diagnóstico pela similaridade dos sintomas, com tendência à gravidade, por ambas as doenças acometerem o aparelho respiratório.

Com base nas experiências profissionais e mediante ao contexto bibliográfico sobre o tema, elaborou-se a seguinte questão de pesquisa: Qual o perfil clínico e epidemiológico da coinfecção por tuberculose pulmonar e COVID-19 em hospital de referência em Belém, Pará?

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA

2 .1 CENÁRIO DA COINFECÇÃO DA TUBERCULOSE PULMONAR E COVID-19

Sabe–se que o ano de 2020 foi um período marcado na história pelas terríveis implicações da pandemia COVID-19 que abalou o mundo globalmente. A pandemia remodelou a normalidade da vida e afetou a humanidade nos aspectos da saúde mental, física, financeira, econômica, crescimento e desenvolvimento. A mudança de foco para o COVID-19 impactou indiretamente uma doença transmitida pelo ar, a Tuberculose (SEREDA et al., 2022).

A tuberculose (TB) foi uma das principais causas de morte, do aparelho respiratório, de um único agente infeccioso antes da escalada da doença coronavírus 2019 (COVID-19), considerada uma nova doença com potencial para desfechos clínicos grave, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) (WHO, 2021).

A relação entre essas duas doenças é bidirecional. A imunossupressão induzida pela TB pode aumentar a suscetibilidade ao COVID-19, e vice-versa. Pessoas com TB são mais propensas a experimentar uma severa progressão da COVID-19 (SY; HAW; UY, 2020).

Ambas as doenças estão sujeitas à transmissão aérea, compartilham sintomas semelhantes de tosse, febre e falta de ar e fatores de risco análogos, como pobreza, superlotação territorial e diabetes (UDWAVIA et al., 2020). 

Tanto a TB quanto o COVID-19 são afetadas pelo estigma e vergonha que podem desencorajar as pessoas a procurar atendimento até que estejam gravemente doentes e de colaborar em investigações de contato (VISCA et al., 2021).

Além disso, há efeitos indiretos da pandemia COVID-19 no diagnóstico da TB, a redução do atendimento nos serviços de diagnóstico de TB e a redesignação do pessoal da TB têm sido amplamente relatadas (GLAZIOU, 2020).

Muitos países observaram uma queda significativa nos casos de TB presuntivos e confirmados em relação ao período anterior à pandemia COVID-19 (SEREDA et al.,2022).

Nos estudos de Cilloni et al. (2020), de prospecção na Índia, Quênia e Ucrânia despontaram que os bloqueios relacionados ao COVID-19 poderiam causar efeitos duradouros sobre a carga de TB, como um aumento na incidência em até 9% e um aumento nas mortes por de até 16% nos próximos cinco anos.

O impacto da pandemia de COVID-19 nos serviços de tuberculose foi investigado em 19 países durante 2020 em comparação com o ano pré-pandemia de 2019. Pela primeira vez, foram fornecidas evidências de que o número total de pacientes com tuberculose e tuberculose resistente a medicamentos identificados nesses centros, diminuiu substancialmente no primeiro ano de pandemia de COVID-19 em comparação com 2019, possivelmente devido ao difícil acesso aos cuidados inerentes ao acompanhamento no setor de Atenção Primária a Saúde, medidas de lockdown e atraso na notificação (MIGLIORI, 2021). 

Tendência semelhante foi observada na maioria dos países, principalmente naqueles com maior carga de TB. O pico de altas hospitalares em março de 2020 pode ser atribuído à necessidade de abrir espaço para pacientes com COVID-19, enquanto os atendimentos ambulatoriais podem ter aumentado em fevereiro de 2020 devido a um aumento nas prescrições ambulatoriais para pacientes, nos meses subsequentes da pandemia, devido a superlotação no cenário de Urgência e Emergência (MIGLIORI, 2021).  

Além disso, o efeito disruptivo da pandemia COVID-19 nos serviços de TB pode retardar o progresso dos países em atingir as metas da “Estratégia Fim da TB” até 2030, que visa reduzir a incidência de TB em 80%, diminuir as mortes relacionadas em 90% e eliminar os custos catastróficos para as famílias afetadas pela TB (WHO, 2021).

A nível de Brasil, o último boletim epidemiológico, verificado em 15 de maio de 2023, pelo Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP), até o momento foram registrados um total de 37.553.337 casos acumulados de COVID-19. Desses, 12.017 foram registrados nos sistemas nacionais nas últimas 24 horas. De acordo com os dados epidemiológicos compilados pelo SIVEP, o número de recuperados da COVID-19 é de 34.105.670, o que representa a maioria total de casos acumulados (97,8%) e é maior do que a quantidade de pacientes em acompanhamento médico atual (0,2%).

Em relação aos óbitos, o país tem 688.607 mortes por coronavírus. Nesse período foram registrados 40 óbitos nos sistemas oficiais, outros 3.194 permanecem em investigação. 

Conforme dados extraídos do monitoramento da SESPA, no estado do Pará até maio/2022 ocorreram 774.362 casos confirmados de COVID-19, com 18.366 óbitos. Destes a região metropolitana I, que envolve os municípios de Belém, Ananindeua, Marituba, Benevides e Santa Barbara do Pará apresentou a maior taxa de letalidade (3,56/100 hab) quando avaliado a incidência por região de saúde.

Em relação aos casos confirmados segundo ano de diagnóstico, a tuberculose na região metropolitana I revelou queda no período de 2020 a 2021 nos casos confirmados, reafirmando a intervenção do cenário pandêmico na detecção precoce da TB, conforme quadro abaixo:

Quadro 1 – Casos confirmados de TB, na Região metropolitana I, por município e ano de diagnóstico- 2019 a 2023

Fonte: Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net.

2.2 TUBERCULOSE CARACTERÍSTICAS GERAIS

A tuberculose, antiga enfermidade descrita como tísica foi conhecida no século XIX, como peste branca, ao dizimar milhares de pessoas em todo o mundo (BRASIL, 2019). A partir da metade do século XX, houve acentuada redução da incidência e da mortalidade relacionadas à TB, já observada naquela ocasião em países desenvolvidos, sobretudo pela melhoria das condições de vida das populações (BRASIL, 2019).

A tuberculose é considerada uma doença crônica, sendo de extrema importância o reconhecimento dos determinantes sociais envolvidos no processo. Os pacientes necessitam de uma abordagem individualizada, pois a frequência de agravos associados é alta, assim como outras vulnerabilidades clínicas ou sociais (BRASIL, 2019).

Muitos fatores estão associados à adesão ao tratamento da tuberculose, incluindo as características do paciente, a relação entre o prestador de cuidados de saúde e o doente, o regime prolongado de tratamento e a organização dos sistemas de saúde (NAVARRO et al., 2021).

Diversos aspectos produzem complicações no processo de adesão ao tratamento da TB, entre eles destacam-se condições socioeconômicas desfavoráveis, oferta/qualidade insuficiente de serviços de saúde, complicações clínicas da doença, bem como características subjetivas e culturais da pessoa em tratamento (CHURCHYARD et al., 2017). 

Segundo Migliori (2021) tais aspectos associam-se aos determinantes sociais no processo saúde e doença, conhecimento que ressignificou a problemática do adoecimento e refundou o movimento da Promoção da Saúde, com novas perspectivas do trabalho interdisciplinar em saúde, atrelado aos saberes e valores de indivíduos e comunidades.

O estudo de Walker et al. (2022) elucidaram que muitos pacientes com TB recuperados tinham como sequelas, pulmões cicatrizados fibrosos, função pulmonar comprometida e os efeitos do COVID-19 podem ser particularmente devastadores nesta população de pacientes. Estima-se que mais da metade de todos os sobreviventes da TB tenham alguma forma de disfunção pulmonar persistente (obstrutiva e restritiva) apesar da cura microbiológica, deixando milhões de pacientes potencialmente mais suscetíveis aos efeitos da infecção por COVID sobreposta.

Entre 5% e 10% dos pacientes com COVID-19 desenvolvem SRAG grave, necessitando de permanência prolongada em UTI, com ventilador e exigência subsequente de oxigênio. Ainda não está claro quais podem ser as consequências a longo prazo da COVID-19 grave, mas é provável que um número significativo dos pacientes possa evoluir com algum grau de fibrose pulmonar (CORTEZ et al., 2021). 

Em estudo realizado em 70 pacientes com pneumonia por COVID-19, os exames tomográficos revelaram que 94% desses pacientes apresentavam anormalidades residuais leves a substanciais na última tomografia computadorizada, realizada pouco antes da alta, numa mediana de 24 dias após o início dos sintomas (WHO, 2021). A imagem tomográfica mais comumente observada era de opacidade em padrão de vidro fosco, contudo uma série de outros padrões intersticiais, também foram observados. 

Embora sejam necessários mais acompanhamentos seriais, esses achados sugeriram que um número significativo de pacientes pode ter evoluído com fibrose residual. Na maioria das séries de autópsias publicadas, o achado pulmonar mais comum em pacientes que morreram de COVID-19 era o Dano Alveolar Difuso (DAD), um padrão de lesão pulmonar visto na Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SRDA) de muitas outras causas. Esta fibrose pulmonar pós COVID-19, sobreposta à fibrose causada pelas sequelas da tuberculose pulmonar, provavelmente resultará em uma incapacidade ainda mais devastadora (SEREDA et al., 2022).

2.3 ASPECTOS GERAIS DA COVID-19

No final de 2019, Wuhan, um centro de negócios emergente da China, experimentou o surto de um novo coronavírus que matou mais de 1.800 pessoas e infectou mais de 70 mil indivíduos nos primeiros cinquenta dias da epidemia. Este vírus foi relatado como um membro do grupo β de coronavírus (MIGLORI, 2021). 

Esse vírus foi nomeado como o novo coronavírus de 2019 (2019-nCov) pelos pesquisadores chineses. O Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV) nomeou o vírus como SARS-CoV-2 e a doença como COVID-19.

Os coronavírus pertencem à família Coronaviridae na ordem Nidovirales. A coroa representa picos semelhantes a coroas na superfície externa do vírus; assim, foi nomeado como um coronavírus (SHEREEN et al., 2020). 

Os coronavírus são minúsculos em tamanho (65-125 nanômetros de diâmetro) e contêm um RNA de fita simples como material nucleico, tamanho variando de 26 a 32 kbs de comprimento. Os subgrupos da família dos coronavírus são o coronavírus alfa (α), beta (β), gama (γ) e delta (δ) (SHEREEN et al., 2020). 

O coronavírus da Síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV), as gripes pelos vírus H5N1 A e H1N1 2009, e o coronavírus da Síndrome respiratória do Oriente Médio (MERSCoV) causam lesão pulmonar aguda (LPA) e Síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), que leva à insuficiência pulmonar e resulta em fatalidade. Acreditava-se que esses vírus infectavam apenas animais até que o mundo testemunhou em 2002 um surto grave de síndrome respiratória aguda (SARS) causado pelo SARS-CoV, em Guangdong, China (ZHONG, 2003).

2.4 COMPARATIVO CLÍNICO ENTRE A COVID-19 E TB

Embora a tuberculose e o COVID-19 sejam transmitidos pela rota aérea, geralmente é preciso um contato mais prolongado com um paciente infectado para espalhar a TB ao contrário do SARS-CoV-2, que é mais facilmente transmitido. Ambas as doenças compartilham os três sintomas cardeais de tosse, febre e falta de ar (MAMANI; SANTANA; BRANAGAN, 2021). 

A medida que o conhecimento sobre COVID-19 aumenta percebe-se que, além do trato respiratório, outros sistemas e órgãos também podem ser afetados (como na TB), juntamente com alguns sintomas únicos e distintos, como anosmia e ageusia.

A diferença mais imediata entre TB e COVID-19 é naturalmente na velocidade de início e progressão. Ao contrário do COVID-19, onde os sintomas geralmente ocorrem dentro de uma mediana de cinco dias de exposição a um caso infectado, os sintomas da TB, quando se desenvolvem, são geralmente de um início mais gradual, e progridem ao longo de um período de semanas ou meses. 

A infecção por M. tuberculose pode se manifestar apenas como Infecção Latente Tuberculose Pulmonar – ILTB, onde os bacilos permanecem quiescentes no corpo e o paciente é assintomático e não infeccioso para outros. Este estado de infecção é indiretamente definido pela presença de um IGRA positivo ou teste tuberculínico e presume-se que a maioria dos indivíduos com ILBT nunca desenvolverá TB durante sua vida.

Outra diferença interessante é que o SARS-CoV-2 pode ser espalhado por um paciente assintomático, ao contrário da TB, onde o caso índice é quase sempre sintomático e o indivíduo se mostra indisposto. A carga bacteriana aumenta durante semanas a meses na TB ativa em oposição ao SARS-CoV-2, onde a carga viral atinge o pico em poucos dias (WHO, 2021).

Apesar dessas diferenças e talvez por causa da natureza mais crônica e gradual dos sintomas iniciais de TB, o número reprodutivo básico, definido como o número esperado de casos secundários produzidos por um único caso infeccioso em uma população completamente suscetível é em torno de 3,55 a 4,3 para TB, enquanto é relatado ser 2,2 para SARS-CoV-2 (WHO, 2010).

Apesar do pânico global causado pelo novo coronavírus, sua mortalidade nesta fase da pandemia é sentida em torno de 2% a 5% enquanto a tuberculose não tratada é de longe a doença mais mortal que carrega uma mortalidade de cerca de 50% (AGGARWAL et al., 2021). 

Certas formas de tuberculose, como a tuberculose miliar e a meningite tuberculosa são ainda mais fulminantes sendo invariavelmente fatais se não tratadas, pois possuem mortalidades muito superiores as maiores estimativas de mortalidade projetadas para COVID-19 (AGGARWAL et al., 2021)

A grande diferença é que embora os medicamentos para tratar a TB estejam sendo utilizados há mais de 75 anos, na fase inicial da pandemia de COVID-19 além do remdesivir , que reduz o tempo para a melhora clínica, porém não afeta a mortalidade e a dexametasona, que tem se mostrado eficaz para diminuir a mortalidade, não existem drogas eficazes para SARS-CoV-2. 

2.4.1 Diagnóstico entre TB e COVID-19

O teste RT-PCR é altamente específico, mas a sensibilidade depende do tempo de teste e do tipo de amostra. A positividade do RT-PCR é maior em amostras de lavagem broncoalveolar (93%), seguida por escarro (72%), por cotonete nasal (63%) e cotonete faríngeo (32%) (BROWN; LEAVY; JANCEY, 2021).

Testar todos os suspeitos e seus contatos é um dos principais princípios da saúde pública para conter a pandemia, mas na maioria dos países a capacidade de testes ficou muito aquém. 

Assim, o COVID-19 afetará o diagnóstico de TB por toda uma combinação de: 1) busca de saúde atrasada devido à restrição de movimentos de pacientes durante o bloqueio; 2) redução da disponibilidade da equipe de saúde e 3) disponibilidade de tecnologias laboratoriais utilizadas para resposta ao COVID-19. 

É provável que ocorra muitos casos perdidos, o impacto total só será aparente nos próximos meses. Como os serviços normais de TB não serão capazes de reduzir esse pool expandido rapidamente para níveis pré-bloqueio, esses casos continuarão contribuindo para a transmissão nos anos seguintes.

Importante destacar que para a TB, o Teste Rápido Molecular (TRM-TB) é um teste de amplificação de ácidos nucleicos utilizado para detecção de DNA dos bacilos do complexo M. tuberculosis e triagem de cepas resistentes à rifampicina pela técnica de Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) em tempo real (WHO, 2011). O TRM-TB apresenta o resultado em aproximadamente duas horas em ambiente laboratorial, sendo necessária somente uma amostra de escarro. Quando avaliado o uso desta ferramenta diagnóstica ainda é uma necessidade a implementação na Região Norte.

Dentro desta perspectiva binômio infecção a abordagem diagnóstica por meio das imagens é carro chefe para elucidação clínica. Dentre os métodos de imagem, a radiografia do tórax é de escolha na avaliação inicial e no acompanhamento da TB pulmonar/COVID-19. Nela podem ser observados vários padrões radiológicos sugestivos de atividade de doença, como cavidades, nódulos, consolidações, massas, processo intersticial (miliar), derrame pleural e alargamento de mediastino (BOMBARDA et al., 2001).

O Ministério da Saúde (2020) enfatiza que a radiografia de tórax deve ser solicitada para todo paciente com suspeita clínica de TB pulmonar. Juntamente com as radiografias de tórax, sempre devem ser realizados exames laboratoriais (baciloscopias, cultura e/ou teste rápido molecular) na tentativa de buscar o diagnóstico bacteriológico. 

O exame radiológico em pacientes com diagnóstico bacteriológico tem como principais objetivos excluir outra doença pulmonar associada, avaliar a extensão do acometimento e sua evolução radiológica durante o tratamento.

A tomografia computadorizada (TC) do tórax é mais sensível para demonstrar alterações anatômicas dos órgãos ou tecidos comprometidos e é indicada na suspeita de TB pulmonar quando a radiografia inicial é normal e na diferenciação com outras doenças torácicas, especialmente em pacientes imunossuprimidos (BOMBARDA et al., 2003). Enquanto na COVID-19 a TC contribuiu em cuidados específicos pelo padrão em vidro fosco e achados de caráter sugestivo de outras doenças, entre elas a TB.

2.5 TRATAMENTO

O tratamento da tuberculose não é diferente em pessoas com ou sem infecção por COVID-19. Pacientes com medicamentos anti-TB (rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol) seja para TB latente esquema profilático, tuberculose sensível a medicamentos, devem continuar seu tratamento, ininterruptamente, mesmo que adquiram COVID-19, para aumentar as chances de cura e reduzir a transmissão e o desenvolvimento da resistência a medicamentos. 

A experiência na cogestão da infecção COVID-19 e da TB permanece limitada, interações medicamentosas importantes entre medicamentos para TB e terapias COVID-19 precisam ser destacadas para garantia de fortalecimento do cuidado farmacológico (CHEN et al., 2020). 

2.6 O PROTAGONISMO VACINAL E A COINFECÇÃO

Desde sua introdução, há mais de um século, M. bovis Bacille Calmette Guérin (BCG) continua sendo a vacina mais utilizada e segura do mundo, tendo sido aplicada a mais de quatro bilhões de indivíduos até o momento (WHO, 2021).

 A vacina BCG tem vários efeitos benéficos e fora do alvo no sistema imunológico, conferindo proteção contra um amplo espectro de vírus respiratórios, bactérias e parasitas. Num estudo de 25 anos com 150.000 crianças em 33 países, 16 crianças apresentaram infecções do trato respiratório, as quais foram reduzidas em 40%, em crianças vacinadas pela BCG (WHO, 2020).

O imunizante foi desenvolvido pelos pesquisadores Albert Calmette e Camille Guerin a partir de uma bactéria responsável por desencadear mastite tuberculosa bovina, a Mycobacterium bovis. A primeira aplicação foi realizada em uma criança recém-nascida de mãe que apresentava tuberculose em 1921. No Brasil, a vacina começou a ser utilizada em 1927, e desde então tem sido uma importante forma de proteção a contra a tuberculose (BRASIL, 2020).

Estudos se voltam para evidenciar a importância da vacina também contribuir e reduzir a gravidade das infecções por vírus com estrutura idêntica à do SARS-CoV em ensaios controlados. 

O estudo de Miller et al. (2021) levantou pela primeira vez a intrigante hipótese epidemiológica de que os países com a vacina BCG universal em vigor pareciam ter reduzido a mortalidade da COVID-19. É claro que tal interpretação dos dados ecológicos é fraca e circunstancial, baseando-se na população e não em dados individuais, e sendo propensa a confundir, não pode esperar fornecer uma prova definitiva de causalidade. 

Embora os resultados desses ensaios sejam aguardados ansiosamente, a OMS divulgou uma declaração de advertência recomendando contra o uso da vacina BCG para a prevenção do COVID-19 fora dos ensaios clínicos.  A declaração adverte que a BCG já está em falta globalmente e o desvio do BCG da TB para o COVID-19 poderia resultar em neonatos não recebendo a vacina BCG onde seu uso é estabelecido há muito tempo, protegendo as crianças de contrair TB e meningite disseminadas.

Anualmente o Governo Federal distribui, mensalmente, cerca de um milhão de doses da BCG para todo o País, garantindo a proteção da população. A recomendação do Ministério da Saúde é que a vacina BCG seja administrada em recém-nascidos, podendo ser ofertada para crianças até quatro anos de idade, não vacinadas anteriormente (BRASIL, 2021).

Apesar da conquista da vacina, um novo desafio está presente, a queda nas coberturas vacinais. Em 2020, a cobertura vacinal da BCG foi de 73,51%, índice bem inferior comparado aos anos anteriores, quando a cobertura chegou, em média, próximo a 95%, do público-alvo para a vacina. Atualmente este grupo é formado por aproximadamente 2,8 milhões de recémnascidos. O PNI tem como meta vacinar pelo menos 90% do público-alvo com a BCG (BRASIL, 2020).

Autoridades da saúde reforçam a importância da vacinação e destacam que a BCG, além de proteger contra a tuberculose, também pode reforçar o sistema imune da criança para outras doenças. Estudos identificaram que a vacina propicia uma resposta imune nas crianças, fazendo com que elas adquiram uma imunidade ‘treinada” e mais preparada para enfrentar outras infecções. Por isso, é tão fundamental a vacinação das crianças logo nos primeiros dias de vida (BRASIL, 2020).

A vacina é disponibilizada gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS), sendo normalmente administrada na maternidade ou nos postos de saúde logo após o nascimento da criança ou o mais rapidamente possível. A vacina BCG apresenta uma eficácia elevada, principalmente contra a forma disseminada da tuberculose, com cerca de 78% de proteção.

Até 15 de julho de 2022, o painel da Organização Mundial da Saúde (OMS) identificou 169 vacinas COVID-19 candidatas em fase pré-clínica de pesquisa e 198 vacinas candidatas em fase de pesquisa clínica. 

Das vacinas candidatas em estudos clínicos, 57 encontram-se na fase III de ensaios clínicos para avaliação de eficácia e segurança, a última etapa antes da aprovação pelas agências reguladoras e posterior imunização da população. Ainda onze vacinas encontram-se na fase IV (fase de monitoramento pós-implantação) incluindo as quatro vacinas em uso na população brasileira, dos seguintes laboratórios: Coronavac (Butantan), Pfizer, Janssen e Fiocruz (BRASIL, 2022). 

3 METODOLOGIA

Este é estudo epidemiológico descritivo com abordagem quantitativa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, sob o Parecer de Aprovação Nº 5887921, de 10/02/2023. A pesquisa analisou registros de pacientes com coinfecção de tuberculose pulmonar e COVID-19 no Hospital Universitário João de Barros Barreto, em Belém, Pará, durante o período de abril de 2020 a abril de 2021. O estudo foi conduzido em quatro etapas: levantamento dos prontuários, coleta de informações, construção de um banco de dados e análise dos dados. A fim de identificar diferenças significativas, foram utilizados diversos testes estatísticos e representados os resultados em tabelas e gráficos. A pesquisa contribuiu para a compreensão do comportamento da coinfecção e para fornecer informações que possam orientar um novo perfil epidemiológico da tuberculose pulmonar. Cuidados foram tomados para minimizar riscos, incluindo a quebra de anonimato dos pacientes.

4 RESULTADOS

Foram analisados 92 prontuários, dos quais apenas 23 atenderam aos critérios de inclusão do estudo. Por meio dos dados sociodemográficos, observou-se que a maioria dos pacientes eram solteiros (14/23; 60,9 %), homens (13/23; 56,5 %), com escolaridade fundamental de 5ª a 8ª série (7/23; 30,4 %) e a maior parte se autodeclararam pardos (13/23; 56,5 %).

Tabela 1 – Perfil sociodemográfico dos pacientes coinfectados por TB/ covid-19, internados em um Hospital de referência em Belém – PA, abril/ 2020 – abril/ 2021

Fonte: Dados da pesquisa (2023). (-) Sinal convencional utilizado: dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.

Por outro lado, em relação à variável remuneração (16/23; 69,6%), em grande parte das
fichas não havia registro de renda mensal, apenas (6/23; 26,1 %) das pessoas consideradas, tinham renda mínima de um salário. A maioria dos prontuários analisados concentrou as atividades profissionais na condição autônomo/ desempregado (8/23; 34,7%), conforme dados caracterizados na Tabela1.
No gráfico1 verificou-se que os pacientes tinham média de idade de 51,5 anos
(DP=16,9), sendo observada idade mínima e máxima de 24 e 86 anos, respectivamente, com
mediana de 48 anos.
Em relação ao tempo de internação, o tempo médio observado foi de 14 dias (DP=9,9)
para os pacientes internados conforme gráfico 2, e o tempo médio para sinais e sintomas dos pacientes coinfectados foi de 5,3 dias, conforme gráfico 3.

Os prontuários indicaram que 9/23 indivíduos (39,1%) não tinham informações acerca do exame de escarro, entretanto entre os analisados 7/23 (30,3%) apresentaram baciloscopia
positiva.
Quando avaliado o TRM-TB em 17/23 (73,9%) constatou-se sensibilidade à rifampicina. Verificou-se que apenas 4/23 (17,39%) pacientes apresentavam ficha de notificação gerando um alerta epidemiológico, sobre a subnotificação (Tabela 2).

Tabela 2 – Dados laboratoriais dos coinfectados por TB/ COVID-19, internados em um Hospital de referência em Belém – PA, abril/ 2020 – abril/ 2021

Fonte: Dados da pesquisa (2023). (-) Sinal convencional utilizado: dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.

Em relação aos antecedentes mórbidos pessoais, o número de fumantes foi de 56,5%
(13/23), por outro lado 56,5% (13/23) negou ser alcoolista e 65,2 % (15/23) negou o uso de
drogas. Diabetes (16/23; 69,6%) e HAS (18/23; 82,6%) estiveram ausentes na maioria das
fichas avaliadas (Tabela 4).

Tabela 4 – Agravos e comorbidades associadas de coinfectados por TB/COVID-19, internados em um Hospital de referência em Belém – PA, abril/ 2020 – abril/ 2021

Fonte: Dados da pesquisa (2023).

Dentre as manifestações clínicas, observou-se que os indivíduos apresentavam febre, dispneia e tosse (23/23; 100 %), dor de garganta (16/23; 69,6 %), coriza (11/23; 47,8 %), cefaleia (18/ 23; 78,3 %), alterações do paladar (16/23; 69,7 %), alterações do olfato (15/23; 65,2 %) e diminuição acentuada da saturação (18/23; 78,3 %) durante a internação hospitalar (Tabela 5).

Tabela 5 – Sinais e sintomas dos pacientes coinfectados com TB/COVID–19 internados em um Hospital de referência em Belém – PA, abril/ 2020 – abril/ 2021

Fonte: dados da pesquisa (2023). (-) Sinal convencional utilizado: dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.

O principal método diagnóstico para COVID-19 foi RT – PCR (19/23; 82,6 %), com padrão tomográfico típico de COVID-19 em 86,9% (20/23), com comprometimento de 50% parênquima pulmonar (12/23, 52%). Todos os pacientes necessitaram de via aérea avançada (intubação orotraqueal) e o resultado foi óbito nessa população. Ressalta-se que ao examinar a associação com o HIV, 56,5% (13/23) apresentaram-se negativos no testagem para o HIV (Tabela 6).

Tabela 6 – Dados clínicos dos pacientes coinfectados por TB/ COVID – 19 internados em um
Hospital de referência em Belém – PA, abril/ 2020 – abril/ 2021

Fonte: dados da pesquisa (2023). (-) Sinal convencional utilizado: dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.

A tabela 7 compara o tempo dos sintomas da COVID-19, expressa em dias, com as
variáveis positivas ou negativas, problemas de saúde e dependências. Como o valor de p foi
superior a 0,05, constatou-se que não houve diferenças estatisticamente significantes entre a duração dos sintomas e as variáveis.

Tabela 7 – Análise inferencial, baciloscopia, agravos, comorbidades e tempo de sintomas de
COVID-19

Fonte: dados da pesquisa (2023). (-) Sinal convencional utilizado: dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento. *Mann-Whitney

A tabela 8 confere o tempo de internação (dias) com a variável sexo e percentual de área pulmonar afetada, não houve associações, valor de p > 0,05.

Tabela 8 – Análise inferencial tempo de internação hospitalar e correlações do sexo com a área afetada do parênquima pulmonar

Fonte: dados da pesquisa (2023). *Teste de Mann-Whitney, **Teste de Kruskal_Wallis.

5 DISCUSSÃO

O perfil clínico e epidemiológico dos pacientes coinfectados TB / COVID-19 revelou achados que sinalizam um cenário devastador, principalmente pelo fato da pandemia da COVID-19 ter sobrecarregado os sistemas de saúde e apresentar um impacto em larga escala na morbidade e mortalidade.

No Brasil, assim como em outros países, os serviços de TB foram seriamente afetados durante a pandemia de covid-19, o que comprometeu, além do seguimento das pessoas em tratamento, a continuidade das ações de busca ativa de casos na comunidade e de rastreamento de contatos (SESPA, 2023). 

Neste trabalho o perfil epidemiológico predominou os pacientes do sexo masculino 13/23 (56%), dados semelhantes foram encontrados na primeira coorte realizada por Tadolini et al. (2020) quando descreve que 81,6% dos participantes com TB/COVID-19 eram homens. 

A coinfecção também foi observada nos estudos de Motta et al. (2020), sinalizando o maior número de casos em homens (87,5%). A literatura mostra que a maioria das pessoas infectadas com SARS-CoV-2 são do sexo masculino (Teich et al., 2020).

Informação semelhante, conversa com os resultados contidos no Boletim Epidemiológico da Tuberculose, destacando que o número de novos casos atingiu 70% da população masculina no ano de 2020 a 2022 (BRASIL, 2023).

As implicações do estudo de Tavares et al. (2020) sugerem que os homens estão mais suscetíveis aos efeitos da COVID-19. Essa disparidade pode ser atribuída a uma série de fatores, como comportamentos de risco, exposições ocupacionais e acesso diferenciado aos serviços de saúde. Portanto, esses achados enfatizam a importância de investir na saúde dos homens como uma medida preventiva.

Quanto a raça/cor os dados apresentados nos Boletins de Tuberculose do Estado do Pará (SESPA, 2023) e do Ministério da Saúde (2023) indicam que a maioria dos casos de tuberculose tem sido registrada em pessoas que se identificam como pretas e pardas.

Essa informação é análoga aos achados da pesquisa, em que uma grande parcela da população estudada se declarou mestiça 13/23 (56%) e preta 4/23 (17,4). Os resultados estão em consonância com as observações de Andrade et al. (2019), quando exibem a predominância da TB em negros ou pardos (92,6%).

Avaliando o nível de escolaridade dos pesquisados se observa que 52,4% possuíam ensino fundamental, 13% analfabetos, 17,3% ensino médio e ensino superior respectivamente. 

A maioria dos registros era de autônomo/desempregado, e 34,74% dos casos foram analisados com foco em atividades profissionais. Notou-se que para a maioria dos arquivos avaliados 69,6% não havia registro sobre os seus rendimentos.

Alguns autores levam em consideração o fator escolaridade bem como a avaliação do nível econômico, pois na maioria dos prontuários a variável foi encontrada parcialmente acerca da renda mensal, e entre aqueles que tinham informações, apenas 26,1% das pessoas tinham dados sobre a renda, com ganho mínimo mensal de um salário.

Por conta disso Bong et al. (2020) contribui, quando sinaliza que a propagação da COVID-19 em países com uma elevada incidência de outras doenças, como a tuberculose, poderá ter um impacto devastador nos serviços de saúde de baixo e médio rendimento.

Ao avaliar os pacientes, constatou-se que a média de idade registrada foi de 51,5 anos. Este resultado assemelha-se ao estudo realizado por Graça Júnior et al. (2023), no qual a maioria dos pacientes se encontrava na faixa etária de 40 a 59 anos. Além disso, 66% dos pacientes avaliados eram do sexo masculino.

A associação entre TB/COVID-19 não parece ser influenciada pela idade média dos pacientes coinfectados Gao et al. (2020). Por outro lado, a associação entre idade avançada e gravidade da doença isolada por COVID-19 já foi bem descrita na literatura incluindo aumento de mortes hospitalares pela doença em indivíduos mais velhos (YANG & LU, 2020).

Já os dados clínicos, o tempo médio para o aparecimento dos sinais e sintomas foi 5,3 dias e as queixas mais frequentes, febre 100% (23/23), dispneia 100% (23/23), tosse 100% (23/23), dor de garganta 69,5% (16/23), coriza 47,8% (11/23), cefaléia 78,2% (18/23), ageusia 69,5% (16/23), anosmia 65,2% (15/23) e dessaturação 78,2% (18/23).  Quando comparado com os pacientes sem coinfecção, parece não haver alteração significativa (BRASIL, 2020).

No entanto, Motta et al. (2020) refere que em um menor número de casos pode haver secreções purulentas associadas à tosse e a febre pode ser prolongada, achados menos usuais em casos isolados de SARS-CoV-2, mas que podem chamar a atenção da equipe de saúde para um duplo diagnóstico.

Quando analisado as comorbidades associadas a coinfecção, o número de pessoas que positivaram para o HIV foi de 43,5% (10/23), apesar de verificar que a maioria dos pacientes não convivia com o vírus, é importante destacar a necessidade de disseminação de informações acerca da testagem rápida e métodos de prevenção, já que os estudos revelam que a atividade dupla TB/HIV pode evoluir para quadros mais severos quando associados a COVID-19. 

O departamento de HIV/AIDS reforça a ampliação da oferta do teste rápido de HIV nos serviços de saúde, incluindo serviços de Atenção Primária, a adoção e divulgação das estratégias de Prevenção Combinada ao HIV, os atuais esquemas de TARV mais eficazes e toleráveis, a diminuição da mortalidade e o aumento da expectativa e da qualidade de vida de muitas das PVHA exigem a reorganização do modelo assistencial, incorporando o HIV/AIDS como um agravo de cuidado crônico (BRASIL, 2023).

Já o uso de drogas ilícitas 8,7% (2/23), tabagismo 56,5% (13/23), etilismo 30,4% (7/23). Os resultados destacam importância de orientação e disseminação a medidas preventivas, pois confirme Silva et al. (2018) sinalizam que o tabagismo, o consumo de álcool e o uso de outras drogas contribuem para o desenvolvimento da tuberculose, além de interferir nos bons resultados do tratamento, mas aumentam os riscos de morte para essas pessoas. A probabilidade de desenvolver a TB ativa é maior entre PVHA e pessoas afetadas por desnutrição, diabetes, tabagismo e consumo abusivo de álcool (HOUBEN; DODD, 2016).

Como resultado da observação das comorbidades, 17,4% (4/23) dos pacientes apresentavam hipertensão e 30,4% (7/23) diabetes. Embora o número de casos tenha sido baixo segundo os dados, foi notada correlação na literatura que a presença destas condições de saúde pode levar a situações devastadoras.

Dados semelhantes foram obtidos no estudo de Jezus et al. (2023) ao estimar a prevalência da condição crônica, dos pacientes com TB/COVID-19, em que mostrou que das amostras analisadas, 28,5% eram hipertensos e 21,2% diabéticos. Segundo Torres e Rabani (2023) a consideração mais importante do ponto de vista individual é o potencial de aumento da gravidade e mortalidade em pacientes coinfectados com COVID-19 e tuberculose e esta associação seria semelhante ao observado para outras comorbidades (como diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares) que são conhecidas por impactar negativamente o prognóstico de pacientes.

Para os pacientes com TB confirmada, apenas 30,4% (7/23) dos indivíduos tinham informação sobre seus resultados positivos de exames de escarro, e dos prontuários avaliados, 73,9% (17/23) demonstraram sensibilidade à rifampicina quando submetidos ao teste rápido TRM-TB.

As autoridades científicas, destacam que a baciloscopia é uma ferramenta significante para o diagnóstico da tuberculose, a 1ª amostra deve ser efetuada no primeiro contato com a pessoa com tosse e a 2ª amostra independente do resultado da primeira no dia seguinte (BRASIL, 2019).

Segundo Ravagnani et al. (2023), indivíduos com resultados positivos em exames bacteriológicos de escarro são responsáveis pela propagação da tuberculose. Para controlar a disseminação da doença, é crucial um diagnóstico preciso e o tratamento imediato dos pacientes, a fim de evitar a contaminação de outras pessoas. Como afirmado por Lopes et al. (2017), cada paciente infectado pode transmitir a doença para cerca de 10 a 15 pessoas.

Apesar do Brasil não possuir uma alta taxa de TBMR/DR, a subnotificação desses casos – alcançando 67,1% em 2021, segundo estimativas da OMS (OMS, 2022) – e os resultados insatisfatórios do tratamento, evidenciam uma ameaça real para a erradicação da tuberculose no país. Ademais, a pandemia da Covid-19 impactou negativamente a busca por pacientes acometidos pela TB-DR, favorecendo a transferência de cepas resistentes e possivelmente aumentando a resistência primária.

A detecção da resistência à rifampicina utilizando TRM-TB é importante porque permite o diagnóstico veloz da resistência e o início oportuno do tratamento correto. (dependendo da natureza da resistência aos medicamentos. A ampliação da oferta do TRM-TB deve ser discutida pelas três áreas gestoras do SUS, entre os programas de Tuberculose e a rede de laboratórios, podendo incluir ações para: o correto processamento das amostras, seguindo recomendações nacionais quanto aos algoritmos diagnósticos; configurar fluxos de trabalho de amostras para laboratórios da Rapid Test Network; remanejamento de equipamentos para locais com demandas mais específicas; ou a aquisição de novos equipamentos. A necessidade de parcerias intersetoriais para encontrar estratégias para melhorar a adesão ao tratamento foi novamente realçada (BRASIL, 2023).

Já a tomografia de tórax, revelou que o padrão tomográfico mais frequente foi o típico de COVID-19 notado em 86,9% (20/23) dos exames realizados. Dos 52% (12/23) dos pacientes avaliados, o nível de comprometimento do parênquima pulmonar foi equivalente a 50% de área afetada.

Ao solicitar exames de imagem, o método de escolha foi, predominantemente, a tomografia computadorizada (TC) de tórax. Essa técnica identificou em pacientes uma sobreposição bilateral comum aos achados de ambas as condições, incluindo árvore em brotamento, cavidades tuberculosas e consolidações com padrão vidro fosco ou espessamento intersticial de COVID-19 (LUCIANI et al. 2020).

Um aspecto comum no tratamento das duas patologias é a importância da avaliação com métodos de imagem. Os exames de imagem fazem parte da investigação inicial para suspeita de tuberculose ativa (especialmente radiografia de tórax) e podem apoiar um possível tratamento empírico em pacientes com achados clínico/ de imagem sugestivos e sem microbactérias no escarro ou testes moleculares velozes específicos (TORRES, 2022).

Durante a pandemia de COVID-19, os métodos de imagem foram amplamente aplicados, tanto para fins de apoio diagnóstico como para facilitar a estratificação da gravidade, e embora não sejam geralmente recomendados como ferramenta de triagem, são indicados em determinados contextos clínicos, como os pacientes. com condições clínicas moderadas / graves ou risco de progressão e situações como indisponibilidade de PCR, auxílio na decisão de internação em hospital/UTI e avaliação de diagnósticos diferenciais ou outras patologias associadas.

O tempo de internação dos pacientes foi de 14 dias comparado ao período do tempo de internação foi inferior dos pacientes do estudo de Yao et al. (2020) foi de 22 a 27 dias e dos encontrados por Yao et al. (2020) que foi de 28 dias e Grenho et al. (2020), e semelhante de 10 dias em uma análise retrospectiva de pacientes hospitalizados infectados por SARS-CoV-2 com outras morbidades além da tuberculose. 

Quanto maior o tempo de internação, maior o risco de infeções iatrogênicas e secundárias, o que pode levar ao aumento da mortalidade por doenças nesses pacientes. Quando as coinfecções foram analisadas tendo em conta a gravitação da pneumonia por coronavírus, constatou-se que tinham muito mais probabilidade de estarem associadas a casos graves (78 %) do que a casos leves a moderados (22%). Maciel, Gonçalves). Júnior e Dalcolmo, 2020).

Este estudo chama a atenção para o compartilhamento e preenchimento dos dados registrados em prontuários, para a necessidade de clareza, pois durante a coleta de dados houve uma limitação significante nos dados clínicos e gerais dos pacientes, incluindo as fichas de notificação.

Brito et al. (2022) contribuem e sinalizam que outro fator a considerar nessa tendência é a subnotificação de casos na base de dados. Soma-se a esta realidade o insucesso de uma das três fases do atendimento: acesso ao serviço de saúde, diagnóstico da doença ou declaração no sistema de informação, sendo a região Norte uma das mais afetadas pela subnotificação da tuberculose como objetivo principal dos estudos.

Além disso, determinadas variáveis resultaram em poucas respostas e devem, portanto, ser interpretadas com precaução. Entre elas a vacinação, como a proposta do estudo compreendeu o intervalo de abril/2020 a abril/2021 e as vacinas da COVID-19 começaram a serem disponibilizadas na rede SUS a partir do dia 17 de janeiro de 2021 não foram observadas informações acerca do imuno nos prontuários avaliados, assim como a vacina BCG.

 A vacina BCG tem vários efeitos benéficos e fora do alvo no sistema imunológico, conferindo proteção contra um amplo espectro de vírus respiratórios, bactérias e parasitas. Num estudo de 25 anos com 150.000 crianças em 33 países, 16 crianças apresentaram infecções do trato respiratório, as quais foram reduzidas em 40%, em crianças vacinadas pela BCG (WHO, 2020).

Embora os resultados apresentados sejam relevantes, é importante mencionar que o estudo possui limitações devido à amostra. Dos 92 prontuários disponibilizados, apenas 23 atendiam aos critérios de inclusão no estudo.

Dado o impacto significativo da COVID-19 na assistência à saúde e as complicações associadas à TB, é crucial realizar novas pesquisas científicas sobre o tema para implementar protocolos e ações de saúde apropriados.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um estudo mostrou que a coinfecção de tuberculose e COVID-19 é preocupante, especialmente porque a tuberculose ainda é uma doença infecciosa disseminada. O estudo analisou pacientes infectados com as duas doenças e descobriu que a maioria era do sexo masculino, solteira e com baixa escolaridade. Todos os pacientes manifestaram febre, tosse e dispneia, e precisaram de ventilação mecânica. O tempo médio de permanência hospitalar foi de 14 dias, e a alta hospitalar foi dada por óbito. O estudo tem limitações devido à falta de prontuários disponíveis, mas pode contribuir para melhorias na gestão clínica de ambas as doenças e na redução da morbimortalidade da população.

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1Discente do Programa de mestrado em Pós-graduação em Epidemiologia e Vigilância em Saúde/Instituto Evandro Chagas/ Ministério da Saúde. E-mail: wilkeralves18@gmail.com

2Docente do Programa mestrado em Pós-graduação em Epidemiologia e Vigilância em Saúde/ Instituto Evandro Chagas/Ministério da Saúde. E-mail: heloisanunes@iec.gov.br