PERCEPÇÕES DA COMUNIDADE SURDA SOBRE OS PROCESSOS DE COMUNICAÇÃO E AS INFORMAÇÕES PARA O USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102501150929


Dyego Ramos Henrique1
Rayane Cavalcante Batista Pereira2
Andrea Pecce Bento3
Raylene Andrade Oliveira4
Andrea Donatti Gallassi5


O presente estudo investiga junto à comunidade surda as percepções quanto aos processos de comunicações com os profissionais dos serviços de saúde e informações para o uso de medicamentos. Desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa por meio de entrevistas semiestruturadas com nove indivíduos surdos e fluentes na língua de sinais. Os discursos foram categorizados em: Comunicação com os profissionais nos Serviços de Saúde e Informação sobre Medicamentos. Quanto à orientação médica, informaram seguir o que o médico escreveu no papel sem compreender a importância dessa atitude. Sobre a dispensação de medicamentos, o processo de comunicação é incipiente e traduz-se na entrega da receita ao atendente ou farmacêutico com sua devolução acompanhada do medicamento. Há adesão ao tratamento, contudo, na percepção dos surdos, é revelado que as práticas em saúde precisam ser pautadas em suas necessidades adotando-se a língua de sinais.

Palavraschaves: Percepção; Uso de Medicamentos; Barreiras de Comunicação; Língua de Sinais.

ABSTRACT

This study investigates with the deaf community perceptions about the communication processes with professional health services and information for the use of drugs. Developed a qualitative research through semi-structured interviews with nine deaf individuals and fluent in sign language. The speeches were categorized into: Communication with professionals in the Health and Drug Information Services. As for medical advice, reported follow what the doctor wrote in the paper without understanding the importance of this attitude. On dispensing drugs, the communication process is incipient and is reflected in the delivery of revenue to the clerk or pharmacist with your accompanied return of the medicine. There adherence to treatment, however, the perception of the deaf, it is revealed that health practices need to be guided in their needs by adopting sign language.

Key Words: Perception; Drug Utilization; Communication Barriers; Sign Language

RESUMEN

Este estudio investiga las percepciones de la comunidad sorda sobre los procesos de comunicación con los servicios profesionales de la salud e información para el uso de drogas. Se desarrolló una investigación cualitativa a través de entrevistas semiestructuradas con nueve personas sordas y con fluidez en el lenguaje de signos. Los discursos fueron clasificados en: La comunicación con los profesionales de los servicios de información de salud y medicamentos. En cuanto a los consejos médicos, informó sigue lo que escribió el doctor en el papel sin entender la importancia de esta actitud. En la dispensación de medicamentos, el proceso de comunicación es incipiente y se refleja en la entrega de los ingresos para el empleado o farmacéutico con su declaración acompañada de la medicina. No adherencia al tratamiento, sin embargo, la percepción de las personas sordas, se revela que las prácticas de salud necesitan ser guiados en sus necesidades mediante la adopción de la lengua de signos.

Palabras clave: Percepción, Utilización de Medicamentos,  Barreras de Comunicación, Lenguaje de Signos

A comunidade  surda, dentre outros grupos e indivíduos, encontram limitações na comunicação, quando procuram os cuidados de saúde1. Pesquisas2,3,4 identificaram barreiras linguísticas de comunicação e de compreensão entre profissional de saúde e pacientes nos estabelecimentos de dispensação de medicamentos, causando prejuízos das informações em saúde. Estas limitações, segundo Oliveira2 et al, fazem com que estes indivíduos não possuam informações sobre saúde e reivindiquem mais oportunidades.

Portanto, é possível que quando estas pessoas surdas demandem por serviços de saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, deparem-se com a ausência de atendimento em sua língua materna, língua brasileira de sinais (LIBRAS). Isso pode ocorrer mesmo que se tenha legitimado a oferta da LIBRAS na perspectiva da equidade, a partir dos preceitos da Lei Brasileira de Inclusão5, assegurando à pessoa com deficiência o acesso aos serviços de saúde, tanto públicos como privados e às informações prestadas e recebidas por meio de tecnologia assistiva e de todas as formas de comunicação.

Novaes6 entende por surdez toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função patológica, fisiológica ou anatômica capaz de gerar incapacidade para o desempenho de alguma atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano estabelecendo critérios quantificados, subdivididos entre níveis e classes, assim como descrito nos decretos nº 3.29867/1999, nº 5.29678/2004.

Destaca-se que surdo é aquele indivíduo que pertence a uma comunidade surda, possui uma cultura surda, uma identidade surda e todos baseados em sua língua materna6,9.

Entre as informações sobre saúde que as pessoas necessitam obter, estão aquelas que subsidiam o uso de medicamentos. A utilização adequada dos medicamentos é essencial para o tratamento dos problemas de saúde, portanto, representa uma questão de saúde pública. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de metade de todos os medicamentos são inadequadamente prescritos, dispensados ou vendidos e praticamente metade dos pacientes não os tomam corretamente. O uso racional de medicamentos é compreendido, segundo a Política Nacional de Medicamentos10, como o processo que compreende a prescrição apropriada, a disponibilidade oportuna e a preços acessíveis, a dispensação em condições adequadas e consumo nas doses indicadas, nos intervalos definidos e no período de tempo determinado de medicamentos eficazes, seguros e de qualidade. Neste contexto, a participação dos pacientes é fundamental, e para isso, o conhecimento de informações sobre os problemas e os seus tratamentos são necessários11.

Supõe-se que este processo seja ainda mais complexo quando existem barreiras de comunicação, como aquelas observadas na comunidade surda. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi o de verificar junto à comunidade surda e usuária da Língua de Sinais a percepções sobre os processos de comunicação e as informações para o uso racional de medicamentos.

Pesquisa de natureza qualitativa que teve como objetivo trabalhar com os sujeitos e seu modo de atuação em determinado contexto social12, descritiva de cunho exploratório, desenvolvida por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas entre agosto e dezembro de 2019.  Para a definição da amostra adotou-se o método de saturação do conteúdo das falas.

Para produção dos dados e constituição do grupo, foram recrutados nove indivíduos surdos, fluentes e usuários da Língua Brasileira de Sinais que realizavam o curso pré-vestibular para surdos, oferecido no Instituto Nossa Senhora do Brasil, localizado em Brasília e ofertado por professores e intérpretes voluntários da Secretária de Educação do Distrito Federal e ainda colaboradores voluntários de outras instituições de Educação, tais como a Universidade de Brasília – UnB.

Os materiais investigados por este trabalho, ou seja, os discursos, foram de fontes primárias, obtidas a partir de entrevistas individuais aplicadas junto aos surdos. Por se tratar de um grupo social específico e usuário da língua de sinais, cuja modalidade é visual motora13, as entrevistas foram conduzidas em sinais. Estas seguiram um roteiro que continha questões relacionadas ao perfil sociodemográfico (idade e escolaridade) e referentes às informações para o uso racional de medicamentos. Neste recorte, foram questionadas as seguintes perguntas: “Como você se comunica quando vai ao hospital, estabelecimento ou unidade de saúde?”, “Como o profissional de saúde explica sobre o uso dos medicamentos?”, “Conhece os efeitos adversos do uso inadequado dos medicamentos?”, “Quando da aquisição de um medicamento, sabe usá-lo corretamente?” e “Quando vai adquirir um medicamento em uma farmácia, como você se comunica?”.

As entrevistas foram registradas por meio de filmagem, e posteriormente traduzidas e transcritas para o português. Os achados foram categorizados por meio da análise de conteúdo, para interpretação das informações11 em: “comunicação com os profissionais do serviço de saúde” e “informações sobre os medicamentos”. Isso foi possível, após releituras e reanálises  do material transcrito.

Todos os entrevistados consentiram participar da pesquisa mediante a autorização gravada na língua brasileira de sinais – Libras. Para manter o anonimato dos entrevistados, os mesmos foram identificados por números correspondentes à sequência de entrevistas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram entrevistados nove sujeitos entre 18 e 25 anos de idade, constatando-se uma homogeneidade no que se refere à escolaridade, em virtude de estarem em fase final de conclusão no ensino médio ou terem concluídos recentemente, e ainda encontrarem-se inseridos em uma modalidade de reforço de conhecimentos para ingresso ao nível superior.

Após a análise de conteúdo, conforme descrito nos métodos, pode-se estabelecer duas categorias principais: 1 – Comunicação com os profissionais do serviço de saúde, 2- informações sobre medicamentos.

“Comunicação com os profissionais do serviço de saúde”

A surdez é considerada como uma especificidade de maior complexidade, a considerar aquelas que se refere ao convívio e comunicação com a sociedade. Tomando por comparação uma pessoa surda, outra com deficiência física, e uma terceira com deficiência visual, o surdo é o que enfrentará maior dificuldade de inclusão na sociedade, considerando que a audição é o sentido primordial para a aquisição da linguagem14.

Considerando que as pessoas surdas possuem demandas para atendimentos em saúde e tendo em vista a disponibilidade de informações, é possível verificar que as desigualdades em relação ao acesso e à utilização dos serviços em saúde, ainda são persistentes a despeito de toda a legislação15, 16.

“Geralmente vou com alguém da família, que me sinaliza em LIBRAS, ai eles falam ao médico o problema, nesse caso, só fui com minha tia, que me conhece, ai ela explicava… Ai eles fazem o que for preciso, seja tirar sangue, ai dependendo do problema ela já avisa ele. Eles conversam entre eles”. (Entrevistado 01).

Mesmo com a incorporação do atendimento qualificado ao surdo no SUS e criação de letras normativas, as rotinas observadas no SUS não abrangem as boas práticas de atenção e cuidado à saúde da pessoa surda17. O SUS, orientado pela universalidade e equidade na atenção, não pode ser pensado a partir de barreiras geográficas, mas de forma a garantir atendimento considerando as especificidades de comunicação conforme garantia na Lei Brasileira de Inclusão5.

“[…] Depende, a informação é truncada. Às vezes escrevo, mas dependendo da forma como escrevo, os profissionais não entendem. Então depende às vezes eu conheço algumas formas de linguagem no português ai escrevo em geral os surdos também são assim”. (Entrevistado 05)

Estudos18,19,20 constataram que os profissionais de saúde têm enfrentado dificuldades no atendimento ao surdo uma vez que não dominam a Língua Brasileira de Sinais, gerando ruídos na comunicação. Castro21 et al. ressaltam que se houver barreiras no processo comunicativo a qualidade da atenção em saúde ficará comprometida.

“É um pouco complicado, quando eu quero dizer, por exemplo, que estou com uma dor nos rins, as pessoas não entendem o que eu estou falando, ai o que eu faço… pego o celular e escrevo em forma de mensagens, e mostro pra ver se eles conseguem me entender mais claro, mas eles geralmente quando veem que eu sou surda, falam mais alto e olham pra mim, mas eu não entendo, não adianta falar mais alto, as vezes eu peço também, que não tão alto falem, mas um pouco devagar, ai eu tento fazer leitura labial e tentar entender mais claramente. […] eles tentam escrever no papel, mandam ir em outro hospital, e chego lá é a mesma coisa” (Entrevistado 03).

“Informações sobre os medicamentos”

Nos últimos anos, tem-se buscado aumentar o acesso da população aos serviços e tecnologias de saúde, nas quais os medicamentos estão inseridos. Para que o uso de medicamentos ocorra de forma adequada, é necessário que existam informações além da adoção de critérios éticos para a promoção do uso de medicamentos . Para que isso aconteça, faz-se necessário a explicação adequada e clara pelo profissional de saúde para o paciente22. E , por se tratar de um grupo minoritário, cuja informação é ainda mais específica, esta compreensão correta é ainda mais expressiva e fundamental.

“Ele escreve no papel, me entrega a receita com o que foi prescrito e eu vou direto na farmácia e mostro ali o que está escrito e pego o medicamento. Pra comprar é fácil, só o nome que está escrito na receita, eu mostro e adquiro (Entrevistado 01)”.

Nos últimos anos, tem-se buscado aumentar o acesso da população aos serviços e tecnologias de saúde, nas quais os medicamentos estão inseridos. Para que o uso de medicamentos ocorra de forma adequada, é necessário que existam informações além da adoção de critérios éticos para a promoção do uso de medicamentos . Para que isso aconteça, faz-se necessário a explicação adequada e clara pelo profissional de saúde para o paciente22. E , por se tratar de um grupo minoritário, cuja informação é ainda mais específica, esta compreensão correta é ainda mais expressiva e fundamental.

“Ele escreve no papel, me entrega a receita com o que foi prescrito e eu vou direto na farmácia e mostro ali o que está escrito e pego o medicamento. Pra comprar é fácil, só o nome que está escrito na receita, eu mostro e adquiro (Entrevistado 01)”.

Se tratando de atenção à saúde os sujeitos dever ser partícipes no que remetem ao seu processo de saúde e adoecimento23, contudo verificou-se que os entrevistados não receberam orientações necessárias e adequadas para o uso correto dos medicamentos, salvo a posologia, que segundo eles, era a única informação recebida.

 “Eu não comunico, só entrego a receita e compro. Às vezes pela expressão facial eu consigo entender alguma coisa, então eu quase consigo comunicar. Sem comunicação total, não, consigo um pouco às vezes” (Entrevistado 05).

A comunicação nas relações paciente/profissional é de grande relevância e se configura em um elemento fundamental para a compreensão adequada, uma adesão ao tratamento de maneira exitosa e ainda uma orientação clara quanto aos cuidados de saúde.  As barreiras de comunicação contribuem para a ineficácia da assistência à saúde, e em grupos específicos, este impedimento torna-se um fator que implica diretamente na baixa qualidade do atendimento prestado.

“É simples, por exemplo, eu pego a receia, entrego, ele lê o que está escrito, pega e me entrega, ai eu olho vejo se é aquilo mesmo, pago e vou embora”. Só.  “Ah e às vezes eu pergunto pra que é, faço classificadores para eles entenderem, por exemplo, garganta, nariz escorrendo, ai ele me explica mais ou menos” (Entrevistado 06).

O acesso ao uso de medicamentos de forma responsável é um fator importante para o tratamento adequado. Melhorar as formas de comunicação entre os profissionais da saúde e usuário surdo que acessam os serviços e estabelecimentos de saúde é uma necessidade que merece atenção. Neste contexto, a língua de sinais e as demais formas de comunicação não devem ser ignoradas, visto que a não compreensão sobre as formas adequadas de administração do medicamento desencadeia, na maioria das vezes, um tratamento não adequado, contribuindo para o uso irracional e não alcance do objetivo esperado24.

(surdo oralizado)” Como sempre, levo o papel, ele lê eu oralizo, e caso se ele tiver uma dúvida eu mostro. Ninguém me explica nada” (Entrevistado 07).

               Certamente as barreiras encontradas por um surdo oralizado, são menores comparadas àqueles que são dependentes da língua de sinais. São surdos que fazem uso da língua de sinais, mas que se comunicam verbalizando. É necessário levar-se em conta que os usuários surdos são um grupo muito heterogêneo. Neste quesito também é importante considerar as diferentes habilidades de comunicação que os pacientes podem ter25. Essa discussão engloba diversos fatores socioculturais inerentes à identidade surda, que merecem uma discussão e um aprofundamento em outros estudos.

“Pra mim é muito perigoso, porque nessa falta de comunicação, se eu, por exemplo, não tiver receita médica, ele pode me entregar um remédio errado que pode me causar alguma outra doença, outro mal, que pode me acontecer algo muito perigoso, mas eu conheço sim (Entrevistado 07).

Medicamentos  devem ser utilizados em sua forma apropriada, com usuários conscientes do risco benefício. Os pacientes tem o direito ao acesso a essas informações5,11,26,27 e, para que isso ocorra, é necessário haver comunicação. É dever dos profissionais da saúde fazer com que tais informações cheguem a ele de forma clara e objetiva, para que possa segui-las de maneira eficiente.

Há uma compreensão da comunidade surda quanto aos riscos provenientes das barreiras de comunicação que podem ocorrer devido à falta de acesso às informações adequadas quanto ao uso inadequado dos medicamentos como: orientação rasa quanto aos horários de uso dos medicamentos, falta de conferência. Não se confere robustez ao que preconiza a política nacional de medicamentos, que orienta uma atenção especial, principalmente quando se trata de uma dispensação em condições adequadas.

“Não, o médico já explicou antes lá no hospital a hora certinha de tomar o remédio, não tem confusão, só tomar o remédio certinho, por exemplo, de manhã, à tarde, ele (médico) já me deu a receita ai compro na farmácia, só” (Entrevistado 07).

Quanto ao acesso aos serviços de saúde e utilização de medicamentos, a idade é um fator importante, que deve ser levado em consideração. Nesta pesquisa são partícipes, sujeitos com idade entre 18 e 25 anos, com um bom grau de escolaridade, visto que já eram estudantes concluintes do Ensino Médio e em fase de preparação para o ingresso no Ensino Superior.  Infere-se, portanto, que exista uma menor utilização de medicamentos. Isso ocorre pelo uso de medicamentos estarem associado à idade, ou seja, pessoas mais velhas tem a propensão de consumir maior número de medicamentos e portanto, apesentar maior experiência com este uso.

Outra discussão que entra em pauta é a oralidade dos surdos. Nesta pesquisa ao ser indagado, o surdo oralizado afirmou que suas dificuldades no processo de comunicação com os profissionais nos serviços de saúde são mínimos, alegou total independência ou quando há resquícios de alguma dependência, esta se limita a apenas o profissional falar mais pausadamente, o que possibilita uma comunicação linear. Contudo há um fator de identidade, de aceitação e sentimento de pertencimento à cultura surda e da língua de sinais como sua língua de comunicação. Contudo, não é objeto da pesquisa abordar questões inerentes aos aspectos socioculturais de identidade surda, nem discutir sobre a exequibilidade da lei de inclusão, no entanto, destaca-se que essa discussão merece uma abordagem em outra proposta.

Sobre a dispensação de medicamentos, em sua maioria, a comunicação do usuário ocorre apenas pela entrega da receita ao atendente ou farmacêutico com sua devolução acompanhada do medicamento. A orientação médica quanto à saúde ou mesmo o uso de medicamentos parece ser melhor compreendida por estes pacientes que informam seguir o que o médico escreveu no papel, sem necessariamente compreender a importância desta atitude. Todos os entrevistados compreendem que os medicamentos quando usados de maneira incorreta podem causar danos à saúde. Todos abordaram que há barreiras de comunicação quando a temas relacionados ao uso de medicamentos de uma maneira geral. 

Neste sentido é gerada aqui uma questão:, será que o farmacêutico no processo de dispensação não consegue se comunicar com um paciente que possui esta barreira de comunicação ou a experiência do processo de dispensação vivenciada pelos entrevistados resume-se a entrega de um produto mediante a apresentação da receita, sem haver necessariamente a tentativa de comunicação para o oferecimento de informação.

 Apesar do presente estudo ter sido realizado com uma amostra de conveniência, sem variações de idade e sexo, relevantes para generalização dos achados,  contribui de maneira especial para o cuidado em saúde ao permitir conclusões, reflexões e inferências quanto às percepções dos surdos em relação aos processos de comunicação com os profissionais nos serviços de saúde e as informações recebidas para o uso correto de medicamentos. Sendo assim recomenda-se que outros estudos em espectro nacional, abrangendo faixas etárias e escolaridade variadas e distintas a deste trabalho, sejam desenvolvidos para corroborar com os apontamentos desta pesquisa.

CONCLUSÃO

Mesmo que relatem aderir aos tratamentos indicados na percepção dos surdos é revelado que as práticas em saúde precisam ser abordadas de acordo com suas necessidades. Isso significa que deve haver propostas de trabalho em informação, educação e comunicação em saúde, desenvolvidas com a língua específica, tendo em vista que ela é de modalidade visual. É necessário discutir a efetivação da garantia pela legislação, a formação e capacitação dos profissionais de saúde para o atendimento à comunidade surda, tanto nas modalidades de comunicação quanto aos aspectos socioculturais deste grupo específico, que merece uma atenção diferenciada.

É preciso refletir sobre as barreiras de comunicação entre profissionais de saúde e a comunidade surda e para a necessidade de um olhar sensível considerando-se as peculiaridades associadas à língua. Mesmo que este trabalho tenha se restringido a médicos e farmacêuticos é possível que estas barreiras também sejam enfrentadas por estes pacientes com outros profissionais da saúde. Para os surdos, as barreiras de comunicação acontecem, e o uso de técnicas como a leitura labial e escrita são utilizadas para minimizar estas barreiras, mas em grande parte não se fazem efetivas visto que na comunidade surda esta se caracteriza uma segunda língua.

Levando em consideração que o processo de comunicação são meios eficazes para facilitar o acesso à informação aos serviços de saúde, isso somente se efetiva uma vez que contemple também as especificidades inerentes a cada parcela da população, neste caso as pessoas surdas. Portanto, na percepção destes usuários faz-se necessário o atendimento em saúde em sua língua materna, que é a língua de sinais.

O desconhecimento sobre como abordar os surdos nos estabelecimentos de saúde foi evidenciado quando há declaração dos surdos em que como estratégia de comunicação é adotado o critério de aumentar o tom da voz, que na percepção dos surdos não configura aspecto positivo, a língua é visual, logo sugere-se por parte dos surdos que ao invés de aumentar o timbre da voz, é necessário que fale-se pausadamente para que haja uma tentativa de comunicação por leitura labial, considerando que não é uma forma correta, visto que há limitações por parte dos surdos no que se refere à compreensão para essa situação.

Considerando a necessidade do uso racional de medicamentos em toda sociedade, especificamente nesta população, este estudo evidenciou que, durante a consulta e a dispensação, os surdos não obtiveram informações sobre os medicamentos necessárias ao seu uso adequado, restringindo-se por vezes apenas a informação quanto ao horário de uso indo, portanto, em direção contraria ao que preconiza a Politica Nacional de Medicamentos.

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27. MARIN, N., organizadora. Assistência farmacêutica para gerentes municipais. Rio de Janeiro: OPAS, OMS, 2003.

DADOS DOS AUTORES


1 Sanitarista. Mestre em Ciências e Tecnologias em Saúde (Universidade de Brasília).
ORCID: 0000-0002-4868-9076

2 Sanitarista. Mestre em Ciências e Tecnologias em Saúde (Universidade de Brasília).
ORCID: 0000.0001.9491-9090

3 Farmacêutica. Mestre e Doutoranda em Ciências e Tecnologias em Saúde (Universidade de Brasília).
ORCID: 0000-0001-5756-2864

4 Biomédica, Mestranda em Ciências Médicas. Universidade de Brasília.

5 Terapeuta Ocupacional – Centre for Addiction & Mental Health. Professora da Universidade de Brasília.
ORCID: 0000-0003-1852-485X