PERCEPÇÃO DOS FAMILIARES NO CUIDADO DO PACIENTE COM ESQUIZOFRENIA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202504251210


Karine Marmitt1


RESUMO

Introdução. A esquizofrenia atinge cerca de 24 milhões de pessoas no mundo todo, tendo a maior incidência em países desenvolvidos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma das dez doenças mais debilitantes que afetam a população. Esse transtorno designa um grave distúrbio mental que apresenta curso e prognóstico variáveis. Os sintomas caracterizam-se por disfunções cognitivas, emocionais e comportamentais, que modificam a percepção, raciocínio, linguagem, comunicação, afeto, vontade, impulso e atenção. Essa sintomatologia está associada tanto a disfunção ocupacional quanto a social, tendo como características recaídas frequentes e lenta recuperação social. Conforme a doença vai se agravando, torna-se raro o doente conseguir retomar a vida normalmente. Objetivo. Avaliar a percepção do cuidado através da trajetória das famílias que convivem com um paciente esquizofrênico e, avaliar também, o entendimento da família sobre a doença. Metodologia. Trata-se de um estudo qualitativo por meio de inquérito domiciliar no CAPS de Medianeira. A população de estudo foi composta de familiares de pacientes portadores de esquizofrenia e foram abordadas 15 famílias. O estudo avaliou, por meio de entrevista com perguntas abertas, a saúde mental dos familiares cuidadores do paciente com esquizofrenia no começo do adoecimento, no atual momento e suas perspectivas para o futuro. Resultados. As narrativas familiares abordam que a fase inicial do adoecimento foi um momento árduo por não saberem lidar com os surtos psicóticos de seus entes. A maior mudança citada foi de abandonar o emprego para cuidar do indivíduo com transtorno mental. Para o futuro, as expectativas são niveladas: de um lado relatos que esperam encontrar a cura para a doença, de outro lado relatos de medo por saber que é uma doença que reduz a qualidade de vida. Conclusão. Foi observado que a percepção do cuidado através da trajetória das famílias que convivem com um paciente esquizofrênico adaptou-se conforme as experiências vividas por cada familiar.

PALAVRA-CHAVE: Transtornos com Características Psicóticas; Saúde Mental; Familiar; Cuidador.

1. INTRODUÇÃO

A esquizofrenia atinge cerca de 24 milhões de pessoas no mundo todo, tendo a maior incidência em países desenvolvidos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma das dez doenças mais debilitantes que afetam a população (SOUSA et al., 2017). Esse transtorno designa um grave distúrbio mental que apresenta curso e prognóstico variáveis. Os sintomas caracterizam- se por disfunções cognitivas, emocionais e comportamentais, que modificam a percepção, raciocínio, linguagem, comunicação, afeto, vontade, impulso e atenção. Essa sintomatologia está associada tanto a disfunção ocupacional quanto a social, tendo como características recaídas frequentes e lenta recuperação social. Conforme a doença vai se agravando, torna-se raro o doente conseguir retomar a vida normalmente (ALVES et al., 2018).

Os sintomas clínicos são subdivididos em positivo, que condizem a delírios e alucinações; e negativo, que acomete o comprometimento cognitivo, afetivo e déficit de memória. Devido a esses sintomas o paciente com distúrbio mental é taxado como louco pela sociedade, sendo um cidadão agressivo, introspectivo e que deve ser isolado do meio em que convive. Entre a manifestação dos sintomas e a procura pelo tratamento existe um grande intervalo de tempo, podendo interferir no prognóstico, tornando os sintomas mais intensos e precisando de um período maior de tratamento psicofarmacológico e com maiores doses da medicação (CORDEIRO et al., 2012).

A esquizofrenia é prevalente entre homens e mulheres; porém, no sexo masculino, manifesta-se mais cedo, entre 10 e 25 anos e a primeira internação psiquiátrica antes dos 25 anos. Logo, no sexo feminino, o adoecimento evidencia-se entre 25 e 30 anos, ocasionando o prognóstico mais beneficente para a mulher do que para o homem, devido ao início tardio. O tratamento farmacológico, psicossocial e a inclusão da família é a forma mais adequada de intervenção para essa doença (SAKAGUCHI et al., 2013).

No que se refere ao diagnóstico da doença mental, pode-se garantir que é complicado e de difícil interpretação, sendo obrigatório uma anamnese rígida, cuidando com todas as proporções dos sintomas expostos. Outro fator importante de ressaltar é que os exames de laboratório e de imagem não definem a existência da doença, porém são essenciais para distanciar problemas orgânicos (CURATOLO, 2013).

Durante um longo período, o tratamento do paciente esquizofrênico acontecia em manicômios, local onde os portadores da doença eram contidos de maneira isolada. Com o surgimento do Sistema Único de Saúde (SUS) foi validado, na Constituição Federal de 1988, o direito de esses cidadãos regressarem ao convívio social, com sugestões concretas de modificações das ideias sobre saúde e doença mental e a ajuda necessária nessa área (SHIRAKAWA, 2009). A Reforma Psiquiátrica, que ocorreu no Brasil nos anos de 70 e 80, criou uma reorganização dos padrões de gestão e atenção nas práticas de saúde. Essa mudança certificou a defesa da saúde coletiva, a equidade dos serviços, o protagonismo dos empregados e usuários dos serviços de saúde nos processos de gestão e a produção de tecnologias de cuidado (WEBER, 2005).

Atualmente, o SUS conta com uma equipe que contém redes de serviços de saúde que dão suporte no atendimento assistencial para o portador de transtorno mental, essa equipe é composta por Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); Saúde mental na atenção básica e Núcleos de Apoio a Família (NASF), que em 2008 foram criados pelo Ministério da Saúde, com o intuito de solidificar a atenção básica no Brasil (BRASIL, 2011).

O objetivo do estudo é avaliar a percepção do cuidado através da trajetória das famílias que convivem com um paciente esquizofrênico e, avaliar também, o entendimento da família sobre a doença.

2. METODOLOGIA

Trata-se de um estudo qualitativo por meio de inquérito domiciliar no CAPS de Medianeira. A população de estudo foi composta de familiares de pacientes portadores de esquizofrenia e foram abordadas 15 famílias, sendo que 01 não aceitou participar da pesquisa e 03 não residiam mais no endereço cedido pelo CAPS.

Os critérios de inclusão foram: paciente portador de esquizofrenia que residia com algum familiar; a família que desempenhou um papel importante como cuidadores do paciente, que relataram quais as dificuldades encontradas e quais as mudanças na vida após o adoecimento do indivíduo, apresentaram suas perspectivas para o futuro em relação a doença e que concordaram em participar desta pesquisa e assinaram o TCLE. E os critérios de exclusão da pesquisa foram familiares que não quiseram participar da pesquisa e/ou não assinaram o TCLE.

O estudo avaliou, por meio de entrevista com perguntas abertas, a saúde mental dos familiares cuidadores do paciente com esquizofrenia no começo do adoecimento, no atual momento e suas perspectivas para o futuro. Foi utilizado como base o instrumento de coleta e o questionário sociodemográfico da dissertação de mestrado “A trajetória de cuidado ao portador de esquizofrenia: narrativas familiares” de Santoro (2011).

As entrevistas foram ouvidas e gravadas pela pesquisadora e transcritas logo após a fim de não se perder nenhum dado significativo. O texto resultante foi revisado e toda referência que pudesse identificar o participante ou os serviços citados foram eliminadas, a fim de proteger as identidades.

Para a execução do projeto foram respeitadas as diretrizes da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e todos os participantes do estudo, juntamente com os pesquisadores, assinaram em duas vias o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná sob o parecer 53624021.6.0000.0107.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Das 15 famílias cadastradas no CAPS, 11 participaram da entrevista, sendo que 01 não aceitou participar da pesquisa e 03 não residiam mais no endereço cedido.

Dos cuidadores entrevistados, sete eram do sexo feminino (64%) e quatro do sexo masculino (36%). O parentesco foi composto de pais (18%), mães (9%), irmãs e/ou irmãos (45%) e outros (27%). A maior parte cursou o 1° grau completo (36%). Quanto ao estado civil, seis familiares eram casados (as) (55%), quatro eram solteiros (as) (36%) e uma possuía companheira (o) (9%). A renda familiar mensal variou de 02 salários mínimos e 01 salário mínimo. A idade variou de 30 a 90 anos. No que se refere à religião, a maioria dos cuidadores são católicos (82%). Quanto à profissão, três familiares são aposentados (27%), três do lar (27%) e cinco entrevistados referiam a outras profissões (45%).

Tabela 1. Questionário Sociodemográfico dos participantes, Medianeira, 2022.

Com relação a apresentação dos resultados da percepção dos cuidadores, a análise das entrevistas de cada familiar sobre a trajetória do cuidado com o portador de esquizofrenia foi marcada por três etapas na vida do cuidador: o passado, o presente e o futuro. Cada história contada foi agrupada, retratando como foi no início do adoecimento, como está sendo o presente momento e quais as expectativas para o futuro. Em seguida, os temas serão abordados seguindo a linha cronológica: passado, presente e futuro.

3.1. O Passado – Como foi a fase inicial do adoecimento

O passado teve início quando o familiar notou mudanças no comportamento do indivíduo. O familiar foi observando a mudança brusca de humor tornando-se agressivo em certo momento e logo em seguida voltando a ser calmo, a vontade que o portador da doença tinha de ficar em casa sozinho, evitava sair para qualquer lugar que fosse, as crises de choro, os medos e os sentimentos de culpa.

“Foi muito difícil, foi descoberto em 2001. Ele ficou alterado, fora de si, ficava agressivo, ficava dizendo que tinha gente correndo atras dele na rua, que tinha gente querendo matar ele e ele tinha medo, de noite tinha visões de que tinha coisa na casa e de que eu tinha morrido e não deixava a gente dormir, saia andar na rua e voltava 2 da madrugada, fez empréstimo sem a gente saber, tive que esconder os documentos porque senão ele fazia dívida. Aí levamos ele internar em Marechal Candido Rondon, ficou 52 dias lá e o médico deu o diagnóstico de esquizofrenia.” (Família 03)

“Quando descobrimos essa doença, ele era casado e morava com a mulher e duas filhas e trabalhava como pedreiro, mas achávamos que ele tinha depressão profunda até que um dia ele bateu na filha mais velha dele com um pedaço de pau e a menina quase morreu. Depois disso fomos levar ele para o médico e o médico deu o diagnostico como esquizofrenia e olha vou te dizer que foi muito difícil lidar com isso no início porque ninguém queria acreditar que nossa família tava passando por isso.” (Família 04)

Segundo estudos realizados por Carvalho et al., (2017) com familiares de portadores de esquizofrenia, é nítida a consequência de ser um familiar cuidador: cenários de medo, agressividade, cansaço, estresse e aflição transformando em desgaste tanto físico quanto mental, além de danos sociais e psíquicos que dificultam um bom relacionamento entre família e o indivíduo adoecido. Relata a família como vínculo fundamental no apoio, acolhimento e recuperação do ente esquizofrênico.

Sales et al., (2010) relata que, no instante em que o familiar defronta com a esquizofrenia em seu dia a dia, ele sente um novo ciclo em que desencadeia uma variação de sentimentos. A repercussão ocasionada na família por conta do adoecimento  desenvolve  inúmeras  situações  de  estresse,  cansaço  e desesperança; porque, muitas das vezes, não é compreendido a situação que o esquizofrênico está passando. Conviver com um portador de esquizofrenia é passar por momentos de muita angustia, gerando sentimentos de incerteza para o presente e futuro do mesmo, que diz respeito as suas próprias perspectivas de vida.

Behenck (2011) também pensa nessa forma, expondo em seu estudo que o indivíduo esquizofrênico sente a realidade de uma forma diferente, e que essa vivência inalteravelmente desencadeia divergências nos relacionamentos pessoais com formas impróprias de agir.

3.2. Como a família se organizou para o cuidado nessa fase

O diagnóstico de esquizofrenia no familiar foi oriundo de grandes mudanças na vida de cada família presente, tendo que deixar o emprego para ficar em casa cuidando e desenvolver a melhor forma de lidar com as crises. De início, o entendimento da doença foi árduo, não se sabia ao certo o porquê de aquilo estar acontecendo, quais as causas e como proceder com os cuidados perante esse familiar. Depois, com o passar do tempo e de experiências vividas, os familiares foram alcançando informações e se adequando na forma de cuidar. Porém, sempre com muito medo e tristeza.

“Ele ficou 40 dias internado no Filadelfia em Marechal Candido Rondon e no dia da alta dele, o médico reuniu os pais e irmãos e explicou como teria que ser tratado fora do hospital e que ele precisava de acompanhamento psicológico, psiquiátrico e da medicação necessário e que não poderia faltar nada disso. Depois em casa, parei de trabalhar para ajudar minha mãe a cuidar dele e fomos cuidando dele assim e ele foi estabilizando, sempre com o medicamento e a gente sempre incentivando ele que ele nunca fez nada de errado e não tinha culpa de nada.” (Família 01)

“Era sempre esse esquema de voltava pra hospital e ia de volta pro hospital… Porque ele nunca aceitou tomar o medicamento, por mais que tentávamos, nunca conseguimos organizar uma rotina pra cuidar.” (Família 2)

“Nós não podíamos levar ela a lugar nenhum, levar na igreja, no mercado, em alguma loja ou ir tomar um sorvete porque não podíamos arriscar, vai que ela atacava alguém, dava um surto nela e ela agredia alguém e no início nós não sabíamos nada disso e ficávamos confusos quando isso acontecia… achávamos que nós tinha errado… mas depois percebemos que era da doença mesmo e aí começamos a saber como agir, aí nós evitava de levar ela em lugar muito cheio. Mas a tristeza sempre caminhava junto com nós, por que não queríamos isso para nossa filha.” (Família 06)

Nos estudos apresentados por Elsen I., Marcon S. S. e Silva M. R. S. (2002) há uma tendência em aceitar a família como responsável principal pelos cuidados com o portador, assumindo o papel de cuidadora tanto nos momentos de doença quanto nos momentos de saúde de seus integrantes, para alcançar o equilíbrio e o bem-estar deles. Waidman M. A. P., Jouclas V. M. G. e Stefanelli M. C. (1999) completam expondo que é função do familiar cuidar dos seus membros, examinar às suas necessidades e suprir meios apropriados de crescimento e desenvolvimento.

3.3. Como a família se relacionou com os serviços de saúde mental e redes de apoio

Com toda a insegurança sofrida pelas famílias, os serviços de saúde mental desde o início tiveram papel importante no acolhimento dos portadores de esquizofrenia e, principalmente no cuidado com as famílias, sempre orientando o melhor a ser feito e ofertando diversas redes de apoio para o familiar.

“No começo foi procurado assistente social para pedir ajuda e elas acabaram ajudando, orientando de como cuidar e a procurar o CAPS e a partir dali sempre tivemos o acompanhamento do CAPS, as consultas no mês, passar com medico, ir lá para fazer atividades, elas lá do CAPS sempre orientaram a tudo. O CAPS foi uma porta que abriu tanto pra ela quanto pra nós que, nossa, ajudou muito!” (Família 11)

“As reuniões que ele começou a frequentar na época ajudaram muito ele a ser mais calmo.” (Família 09)

Segundo estudo realizado por Schrank e Olschowsky (2008) o CAPS refere-se a um serviço de atenção de saúde mental que tem revelado grande eficiência na substituição de internamentos por um tratamento que não afasta os pacientes de suas famílias e da comunidade no geral, e que, além disso, atrai os familiares cuidadores oferecendo toda a atenção necessária e tornando mais fácil a recuperação e a reintegração social do portador de doença psíquica.

3.4. O Presente – Como o familiar descreve a família após o adoecimento

Os relatos abordam que o presente se refere a como o familiar cuidador desenvolveu técnicas para conviver com o portador de esquizofrenia. Com o passar das experiências vividas, cada familiar adaptou-se de um jeito único de lidar com a doença, deixando, muitas vezes, de realizar algo de benefício pessoal para cuidar do paciente e sempre convivendo com o medo e a angustia de não saber como será o dia de amanhã.

“Depois de todo o processo de adoecimento dele, nós ficamos bem mais preocupados com ele, de como vai ser o dia de hoje, mas eu e meus filhos nos unimos muito por conta dessa doença dele e estamos nos ajudando sempre, porque quando eu preciso ir para o centro fazer alguma coisa ou eu levo ele junto ou um filho meu fica com ele e essa foi a melhor maneira que encontramos pra ajudar ele e nos ajudar também né.” (Família 03)

“Nossa família fez uma corrente e os irmãos se uniram para cuidar dela e nunca deixarmos ela de lado. Ela mora comigo agora e eu sempre levo ela junto para onde eu preciso ir: vou no mercado, ela vai junto, vou na farmácia, ela está junto comigo, vou vender meus salgados, ela vai junto. E ela gosta, porque como ela tá estável agora ela conversa com todo mundo e isso virou uma distração para ela.” (Família 11)

“Depois do adoecimento dele, eu passei a colocar ele em primeiro lugar nas minhas decisões. Por exemplo, quando eu preciso ir numa loja eu penso se ele vai gostar de ir lá e ficar me esperando, eu penso se ele vai querer andar tudo isso pra chegar a tal lugar… Ainda bem que eu tenho o apoio da minha irmã que me ajuda bastante e meu outro filho que veio morar comigo para ajudar.” (Família 10)

“A vida da gente é sempre uma preocupação diferente, porque eu nunca sei como vou encontrar ele quando eu chego em casa do trabalho. Depois que descobrimos isso, eu vivo preocupada e com medo do que vai ser o dia de amanhã e quando eu percebo que ele tá mais triste e pra baixo, eu começo a levar ele junto comigo no meu trabalho, mas senão ele fica em casa e faz a limpeza da casa e os outros afazeres domésticos pra mim.” (Família 01)

Santoro (2011) apresenta em seu estudo que no momento presente, as famílias realizam o cuidado com duas principais certezas: admitir que esquizofrenia é uma doença se torna fundamental para aprender e, harmonizar o cuidado entre incentivar a independência e garantir a vigilância.

3.5. Como a doença mental afetou a família

Embora cada familiar tenha desenvolvido um jeito de cuidar, todos relataram que a doença mental afetou, principalmente, o sistema emotivo. O medo e a insegurança passaram a ser aliados desses cuidadores, causando um grande estresse emocional e isolamento social por destinar grande parte do dia a dia à saúde e bem estar geral do portador da doença.

Observa-se que o transtorno mental afetou a parte financeira, porque além do portador precisar se afastar do emprego por conta da doença, o familiar também precisou de afastamento para realizar os cuidados domiciliares. Consequentemente, a renda diminuiu, tendo somente o auxílio do governo para quitar as contas mensais e ainda comprar o medicamento que não era disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

“Depois que descobri essa doença, o medo passou a ser meu companheiro, medo de como vai ser o dia de hoje, como ele vai se comportar. E eu passei a tomar medicação controlada também, tô fazendo uso de vários e vários antidepressivos e antes eu não tomava nada disso… porque tem horas que  é pesado.” (Família 10)

“No fundo afeta, afeta a todos que cercam. Afeta a parte emocional: fico mais preocupada, medo, insegurança e a ansiedade aumenta também.” (Família 01)

“Afetou na situação financeira né, porque antes ele trabalha e tínhamos uma renda boa. Depois dessa doença, ele teve que parar de trabalhar e eu também pra cuidar dele, então só temos a renda do governo por causa da doença dele. Isso nos afetou muito porque tem medicação que ele precisa comprar porque não consegue no posto.” (Família 03)

Segundo estudo feito por Souza Filho et al., (2008) a família sente-se responsável pelos problemas que cercam o esquizofrênico e, além disso, desencadeiam ansiedade e insegurança por não ter conhecimento em como agir perante alguns comportamentos do portador da doença e sobre qual seria a melhor forma de cuidar do paciente.

Zanetti e Galera (2007) também falam sobre a aflição que gera tensões e causa sobrecarga aos familiares. Nota-se que, mesmo com a condição de sofrimento, o familiar é responsável por cuidar do doente, lhe causando grande desgaste físico e emocional, por conta do cansaço de cuidar rotineiramente de um indivíduo portador de transtorno mental.

3.6. Mudanças ocorridas

Após todo o processo inicial do adoecimento, a fase de organização e a adaptação que cada familiar precisou acatar, mudanças tanto no estilo de vida quanto no estilo de pensar e agir foram relatadas. A maior alteração citada pelos cuidadores foi de ter que deixar o emprego que tanto gostava de trabalhar para ficar em casa e zelar pelo portador da doença mental.

“Ocorreram muitas mudanças… Eu tive que parar de trabalhar pra ficar em casa com ele, a mulher também parou de trabalhar pra ficar com ele, não temos mais amizade com ninguém porque os vizinhos tem medo do meu filho, meus outros filhos viraram a cara pra gente.” (Família 02)

“É… ocorreu mudança na situação da gente viver, porque ele não pode ficar muito tempo sozinho em casa, ele esquece bastante as coisas, quando ele sai do banheiro tem que ir atras porque a torneira vai tá aberta, ele não consegue fazer serviço, não consegue fazer almoço e antes ele conseguia fazer tudo.” (Família 03)

“Agora nós precisamos ficar em casa, se for sair com ela, a hora que ela começar a se estressar tem que sair daquele lugar e vir para casa, não importa aonde for e com quem estiver, tem que voltar e ela se acalma só quando chegar em casa.” (Família 06)

“As mudanças que eu senti foram que eu tenho que ficar em casa sem poder trabalhar e ter que levar ele pra onde eu quero ir.” (Família 10)

Segundo Almeida et al., (2010) abandonar o emprego para cuidar de seu familiar adoecido tem como consequência a diminuição da renda familiar e modificação do padrão socioeconômico da família.

Brischke et al., (2012) divide o mesmo pensamento, relatando que a dificuldade apontada pelos familiares cuidadores é a mudança brusca na sua rotina e, que além disso, existem queixas sobre pedir demissão do trabalho para cuidar de seu familiar doente.

Em seu estudo Almeida et al., (2010) obteve o resultado de que o familiar cuidador também sofre sobrecargas físicas e emocionais sendo resultantes dos desgastes provocados pelo comportamento de seus doentes, tornando o convívio familiar extremamente difícil.

3.7. Sobre o cuidar

O ato de cuidar de alguém é uma responsabilidade muito grande porque diz sobre a proteção que o cuidador impõe perante o indivíduo, é sobre ajudar pessoas a encontrar esperança em meio a dor. É sobre conhecer muito bem a pessoa que necessita de cuidados para saber do que ela está precisando. Cuidar é um ato de amor.

“A gente nem tem ideia de que poderia aprender tanto, eu sei que eu cuido dele que eu me preocupo com ele, é sobre levar o remédio na cama, se importar se comeu ou não e não abandonar no meio de tanta dificuldade, eu acho que cuidar é isso.” (Família 03)

“Eu acho que isso faz parte da vida, porque temos que estar aqui um pelo outro e quando ele entra em crise ele sabe que tem eu aqui para ajudar ele e sempre vou estar aqui pra lembrar ele de tomar banho, de escovar os dentes, de comer e tomar água, porque eu penso assim que Deus não dá a cruz que a gente não consegue carregar.” (Família 04)

“É tudo, né?! Desde se preocupar com café da manhã, sobre meia manhã oferecer uma fruta que faz bem para a saúde dela e o que vai comer ao longo do dia, até sobre ela tomar o banho dela e ficar cheirosinha, dar os remédios certinho. Pra mim, cuidar, é ter uma ligação com ela, ser responsável por ela e ela faz parte de toda a minha vida.” (Família 11)

“Aprendi muito, nossa Senhora como eu aprendi com isso. Aprendi que a responsabilidade é grande, mas que não é fácil cuidar, não é só ir lá e dar o medicamento, é conhecer o jeito da pessoa, saber o que ela quer dizer só com o olhar, tem que ficar em cima, quando o remédio começa a fazer efeito, tem que cuidar para ela não cair e se precisar levar até na cama. Eu sempre digo, ela é a única filha que vai ficar comigo pra sempre, do meu lado.” (Família 06)

Segundo Silva e Kock (2015) cuidar de um familiar diagnosticado com esquizofrenia transforma a rotina familiar e muda os planos e projetos para o futuro, fazendo com que a família construa uma convivência a partir da realidade determinada pelo diagnóstico.

Embora essa transformação seja genuína, D’Assunção et al., (2016) apresentou um estudo em que os sentimentos de respeito, empatia e paciência são primordiais e essenciais entre o paciente com esquizofrenia e seu cuidador, salientando que a comunicação é base fundamental no fortalecimento do relacionamento construído ao longo do tempo, ressaltando que a família é a peça principal no tratamento da esquizofrenia.

Segundo Sales et al., (2010) a angustia do portador de transtorno mental é distribuído pelos familiares, que se esforçam para compreender a intensidade da sua vivência. O familiar cuidador, além de unir-se com o seu ente esquizofrênico, reconhece-o como um ser humano além da doença que ele tem, enxergando alguém que vive seu próprio mundo, mas que é capaz de reagir e interagir com outros cidadãos. Encontra-se também um relacionamento com muito afeto entre esses seres humanos, provando que os laços afetivos ultrapassam a sintomatologia que atinge algumas áreas do comportamento do portador de transtorno mental.

3.8. Como a família se relaciona com os serviços de saúde mental e redes de apoio

Os serviços de saúde mental e redes de apoio ofertadas para as famílias foram de grande valia no tratamento do portador de esquizofrenia. Relatos dos familiares contam que esses locais prezam a saúde do portador e disponibilizam grandes profissionais sempre dispostos a atender.

“O meu relacionamento com eles é muito bom, o CAPS me ajuda muito nessa parte, sempre consigo os medicamentos por ali. É um aconchego muito bom ter eles aqui e saber que eu posso contar quando eu precisar. E ela adora ir nas reuniões que são ofertadas, faz muito bem para a mente dela e sou bem acolhida por eles também.” (Família 11)

“Eles sempre me atendem bem quando eu preciso de alguma ajuda.” (Família 04)

“O serviço de saúde daqui sempre organiza as consultas que meu filho tem com psicólogo e psiquiatra, sempre me ajudam com os medicamentos também.” (Família 10)

Para Brischke et al., (2012) o CAPS é constituído para ofertar uma variedade de serviços, entre eles: atenção farmacológica, atendimento psicológico e/ou terapia ocupacional tanto individuais quanto grupais, encontros para realizar atividades, oficinas e rodas de conversa. O tratamento disponibilizado no CAPS é anunciado pelos familiares como um facilitador da convivência familiar, porque melhora o quadro clínico do paciente.

Tomasi et al., (2010) também pensa positivamente sobre essas redes de apoio, relatando em seu estudo que os CAPSs, além de induzir a integração social e familiar do portador de transtorno mental, tendem a estimular a procura por autonomia por meio de acompanhamento clínico, da reinserção social e da busca por trabalho, lazer e exercício dos direitos como cidadão.

3.9. O Futuro – as expectativas da família

Os relatos dos familiares para o futuro em relação a doença mental são de um agigantado sentimento de esperança. Eles creem na cura e que o portador da doença volte a viver normalmente, sem nenhuma restrição.

“Ah, a minha vontade é de conseguir um remédio para ela voltar ao normal, meu deus do céu, se eu fosse um cara de dinheiro eu ia levar ela para os Estados Unidos para um tratamento especial para ela voltar o que ela era.(Família 06)

“Olha, que que eu vou te falar… Acho que a tendência é melhorar, porque depois que descobrimos e passamos a fase inicial, a doença se estabilizou, então para o futuro a minha expectativa é que ela fique melhor ainda do que está hoje.” (Família 11)

“Vou te falar bem a verdade… eu queria a cura pra isso pra ele poder viver normalmente e termos uma vida feliz.” (Família 10)

A esperança na cura é, então, substituída pela desesperança e medo que cercam outros familiares cuidadores como podemos ver nos relatos seguintes.

“Eu falei com Deus e pro futuro eu quero sair daqui, eu quero ir lá pro cemitério junto com a minha mãezinha… e minha mulher vai cuidar dele numa casa nova e cheia de muro pra ela poder dormir sossegada com ele porque eu sei que ele não vai melhorar.” (Família 02)

“É, eu não penso muita coisa boa pro futuro… a tendência é só piorar. Eu só penso e peço pra Deus me dar muita saúde pra conseguir trabalhar e cuidar dele.” (Família 01)

Segundo Hodé (2011) a escassez de qualidade de vida, acompanhada com os sentimentos de desesperança e de impotência, faz com que os familiares de pacientes psiquiátricos lastimem por não terem mais avanços para a saúde do ente.

3.10. Expectativas da família em relação aos serviços de saúde mental e redes de apoio

Nesse tópico, os familiares demonstraram muita esperança em relação aos serviços de saúde mental e pelas redes de apoio. Estão confiantes que as atividades exercidas por essas instituições melhorem cada vez mais.

“Eu espero que esses serviços continuem assim como estão agora, porque lá tem tudo, tem psicólogo, tem terapeuta, médico, tem gente que se importa e que sempre me ajudou e espero que sempre me ajude assim.” (Família 06)

“Eu acho que a tendência é melhorar porque a cada hora eles trazem novidades para nós que somos cuidadores e para o portador de esquizofrenia também. Eles sempre estudam para trazer mais ensinamentos para nós sobre a doença.” (Família 11)

“Eu espero que no futuro eles elaborem uma casa de apoio para quando não tiver mais nenhum familiar para cuidar dessas pessoas com essa doença pra não deixar essas pessoas na rua.” (Família 09)

Assis et al., (2008) acredita que os avanços no desenvolvimento de fármacos devem garantir melhorias na qualidade de vida dos pacientes portadores de esquizofrenia, trazendo uma perspectiva animadora para o futuro.

Brischke (2012) conclui que o uso de medicação não abona as intervenções psicossociais, tais como terapia ocupacional, psicoterapias, psicoeducação, grupos de convivências e terapia familiar. A realidade é que medicamentos e terapias se complementam e conciliando ambos a perspectiva para um futuro dentro das normalidades é gigantesca.

4. CONCLUSÃO

Foi observado que a percepção do cuidado através da trajetória das famílias que convivem com um paciente esquizofrênico adaptou-se conforme as experiências vividas por cada familiar.

Na fase inicial do adoecimento, a trajetória foi complicada para os familiares por não terem entendimento sobre o transtorno mental. Com o passar do tempo sendo cuidador, o familiar obteve conhecimento sobre a doença e desenvolveu técnicas únicas para o cuidado, sabendo o que fazer em períodos de crise psicótica. Para o futuro, as expectativas são niveladas: de um lado narrativas esperançosas para a cura da doença e de outro lado relatos de angústia por saber que é uma doença que reduz a qualidade de vida.

Este estudo transpareceu a importância do familiar no cuidado de um paciente esquizofrênico através das técnicas desenvolvidas por cada familiar cuidador, deixando a trajetória do portador da doença mais leve.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1Enfermeira. Pós Graduada em Saúde Pública e Coletiva, Pós Graduada em Urgência e Emergência. Autora do presente artigo.
kaah_marmitt@hotmail.com