PERCEPÇÃO DOS ESTUDANTES DE MEDICINA QUANTO AO PROCESSO EDUCACIONAL EM RELAÇÃO À SAÚDE DA POPULAÇÃO LGBTQIA+ EM UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR DE MARINGÁ

PERCEPTION OF MEDICAL STUDENTES REGARDINS THE EDUCATIONAL PROCESS IN RELATION TO THE HEALTH OF THE LGBTQIA+ POPULATION IN A HIGHER EDUCATION INSTITUTION IN MARINGÁ-PR

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8423171


Fernanda Hanisch Tilgner De Souza
Jéssica Dos Santos Vasconcelos Veiga


RESUMO

O projeto tem como objetivo avaliar como e se o processo educacional do curso de Medicina aborda temáticas em relação à saúde da população LGBTQIA+ em uma Universidade de Maringá-PR a fim de garantir os direitos preconizados pelas políticas públicas destinadas a lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, queer, intersexuais, assexuais e demais grupos assegurando que profissionais médicos sejam capazes de atender às demandas dessas pessoas ao utilizarem os sistemas de saúde. Para isso será realizada uma pesquisa exploratória e descritiva com base em um levantamento de dados, estes coletados por meio de um questionário enviado aos estudantes da graduação de Medicina da respectiva instituição de ensino superior e posteriormente serão armazenados e tabulados para análise. Por fim, espera-se que com os resultados desta pesquisa se evidencie a provável deficiência e superficialidade da capacitação dos futuros profissionais médicos para lidar com essa população dentro dos serviços de saúde.

Palavras-chave: Assistência Integral à Saúde; Minorias Sexuais e de Gênero; Educação em saúde.

ABSTRACT

The project aims to assess how and if the educational process of the Medicine course addresses issues related to the health of the LGBTQIA+ population at a University in Maringá-PR in order to guarantee the rights advocated by public policies aimed at lesbians, gays, bisexuals, transsexuals, transvestites, queers, intersexuals, asexuals and other groups, ensuring that medical professionals are able to meet the demands of these people when using health systems. To this end, an exploratory and descriptive study will be carried out based on a survey of data, collected through a questionnaire sent to undergraduate medical students at the respective higher education institution, which will then be stored and tabulated for analysis. Finally, it is hoped that the results of this research will highlight the probable deficiency and superficiality of the training of future medical professionals to deal with this population within the health services.

Keywords: Comprehensive Health Care; Sexual and Gender Minorities; Health Education.

1  INTRODUÇÃO

O acesso à saúde é um direito de todos e é dever do Estado garantir isso à população, como preconizado no Art. 196 da Constituição da República Federativa do Brasil, cujas políticas sociais devem garantir o acesso universal e igualitário (BRASIL, 2023). Para atingir esse direito, portanto, foram utilizados os princípios doutrinários na estruturação do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo eles a universalidade, equidade e integralidade, os quais têm por definição: o oferecimento dos serviços de saúde e ações preventivas para todos, a consideração das necessidades específicas de cada grupo de pessoas, incluindo as divergências de suas complexidades, e a redução das desigualdades nas ações e serviços de saúde (BARCHIN et al., 2021).

A população LGBTQIA+ representa um grupo amplo e variado de pessoas que experienciam suas sexualidades, identidades de gênero e/ou aspectos sexuais físicos de forma diferente do que foi tido culturalmente como padrão (cis/hétero) (TONHÁ, 2022). Este grupo necessita de demandas específicas relacionadas a diversos aspectos que envolvem o ser humano, como psicológicos, físicos, sexuais, hormonais, e para cada indivíduo é necessário um atendimento e tratamento adequados visando atingir o princípio de integralidade no cuidado com esse paciente no âmbito dos serviços de saúde (BRASIL, 2004).

No entanto, segundo Barchin et al. (2021), ao analisar a percepção dos trabalhadores das áreas de saúde quanto ao atendimento integral à população, percebeu-se que na prática o direito preconizado pela Constituição não está garantido a todos, visto a existência do preconceito na subjetividade do atendimento à população LGBTQIA+, decorrente, principalmente, do padrão heteronormativo e do desconhecimento e/ou negligência por parte dos gestores e profissionais da saúde acerca das demandas específicas acarretando em dificuldades de acesso, iatrogenia e preconceito por essas pessoas. 

Com isso, é fundamental o conhecimento acerca das demandas específicas de cada constituinte do grupo LGBTQIA+ a fim de obter o melhor tratamento e cuidado com essa população, sendo assim, a mulher lésbica por exemplo, necessita de cuidados em relação ao câncer de mama e de colo de útero, além de levar em consideração os aspectos psicológicos e sociais, os quais envolvem o uso abusivo de drogas ilícitas, tabaco, álcool devido ao grande sofrimento psíquico sofrido por ela (CARDOSO, 2012). Diante do contexto psíquico, os gays também são alvo e acabam por desenvolver sentimentos de inferioridade em relação aos heterossexuais, desencadeando sentimentos de culpa, medo, desconfiança, insegurança, isolamento social, abuso de álcool e drogas, distúrbios alimentares e comportamento ou ideação suicida (NUNAN, 2004).

As pessoas transexuais e travestis, além de sofrerem psicologicamente, possuem dificuldade em relação a documentação que assegure o desejo de mudar o prenome e o sexo nos registros oficiais, consequentemente, isso gera situações constrangedoras ao utilizar serviços públicos. Além disso, essas pessoas precisam de uma abordagem a respeito do desejo ou não de realizar a cirurgia de redesignação sexual e do uso de hormônios (CARDOSO, 2012). Essas demandas são asseguradas como direito para essa população por meio da Portaria nº 2.803, de 29 de Novembro de 2013. (BRASIL, 2013). 

Portanto, é imprescindível que profissionais de saúde adquiram o conhecimento necessário para atender as particularidades de cada grupo, razão pela qual foi escolhida a sigla LGBTQIA+, pois, desse modo, é possível adquirir mais dados em relação às dificuldades passadas por essa população e estudar as mudanças que podem ser alcançadas a fim de se obter a maior aderência nos serviços de saúde, reduzir as taxas de adoecimento e mortalidade dessas minorias (ALMEIDA et al., 2019).  

Em 2004, foi lançado o Programa Brasil sem Homofobia, pelo governo federal para reduzir os impactos decorrentes da violência sofrida pela população LGBTQIA+, e em resposta a isso, o Ministério da Saúde criou o Comitê Técnico de Saúde da População LGBT, responsável por manejar as estratégias de debate e escuta de demandas de representações do movimento social LGBTQIA+, para que assim, se tornasse possível inserir as especificidades de saúde dessa população nas políticas e ações do SUS (BRASIL, 2015).

Em 1º de dezembro de 2011, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria Nº 2836, instituiu a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNSI-LGBT), representando um marco de reconhecimento das demandas dessa população em condição de vulnerabilidade. Esta Política objetiva a promoção de saúde integral dessas pessoas, respeitando as especificidades de gênero, raça/etnia, geração, orientação e práticas afetivas e sexuais, combatendo a discriminação e o preconceito institucional, ampliando, assim, o acesso dessa comunidade aos serviços de saúde do SUS (BRASIL, 2013). 

Embora tenha ocorrido o avanço político no movimento de inserção de minorias nas redes de saúde, existe, ainda, a falta do ensino sobre a população LGBTQIA+ nas universidades. Notou-se uma ausência de registros específicos em bancos de dados da saúde, ausência de aulas sobre saúde LGBTQIA+ nos cursos de Medicina, que delegacias da cidade não realizavam queixas por orientação sexual, e que as unidades de saúde não possuíam atendimento específico e não usavam o nome social. (SILVA et. al., 2021). 

A Resolução CNE/CES de 2014 instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina (DNCs), com o intuito de formar acadêmicos aptos a atender todos os indivíduos com responsabilidade social. Desse modo, na Seção I: Da Atenção à Saúde, o Art. 5º apresenta:

O graduando será formado para considerar sempre as dimensões da diversidade biológica, subjetiva, étnico-racial, de gênero, orientação sexual, socioeconômica, política, ambiental, cultural, ética e demais aspectos que compõem o espectro da diversidade humana que singularizam cada pessoa ou cada grupo social. (BRASIL, 2014).

Sendo assim, é importante o fortalecimento da interação entre ensino, serviço e comunidade (ALMEIDA et al., 2019) para se atingir o preconizado na Constituição Federal e nas DCNs, haja visto o despreparo dos profissionais mediante a questões relacionadas à diversidade sexual e de gênero, consistindo em uma barreira tanto para o acesso aos serviços quanto para o cuidado integral à saúde da população LGBTQIA+ (BEZERRA et al., 2019). Dessa forma, o médico generalista deve estar apto a prestar atenção e cuidado integral a todos os pacientes que chegarem até ele, de modo individual e especializado.

Observa-se então a importância da presença de conteúdos relacionados à população LGBTQIA+ na grade curricular para a formação de médicos generalistas. Por isso, esta pesquisa avaliou a percepção dos estudantes matriculados no Curso de Medicina de uma Instituição de Ensino Superior de Maringá-PR acerca do processo educacional em relação à saúde da população LGBTQIA+ com o objetivo de analisar se o conteúdo abordado na graduação está de acordo com as políticas públicas a fim de garantir que o profissional médico atenda adequadamente às demandas do grupo social em questão, de modo individual e especializado, com o intuito de garantir tratamento equânime da população que busca por serviços de saúde.

2 METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva, com análise quantitativa de dados e delineamento de levantamento de dados. A população do estudo constituiu-se por 141 alunos de graduação em uma Instituição de Ensino Superior (IES), situada no município de Maringá-PR regularmente matriculados no curso de Medicina, cursando desde o terceiro até o sexto ano, ou 5º ao 12º período, em 2023, e que aceitaram participar da pesquisa. Optou-se por excluir os primeiros e segundo ano do curso visto que ainda tiveram pouca carga teórica. Ademais, utilizou-se como critérios de exclusão aqueles estudantes que não cursavam os períodos indicados, que não desejaram participar da pesquisa ou que responderam o questionário de forma incompleta.

Para a pesquisa o instrumento utilizado foi um questionário elaborado por Barchin et. al. (2021) como base, com assertivas construídas com base na PNSILGBT, princípios do SUS e na literatura sobre o tema. Tal questionário avaliou a percepção dos estudantes do curso de Medicina na IES de Maringá-PR em relação a abordagem de pacientes LGBTQIA+ nos Serviços de Saúde, com questões elencadas em cinco graus de concordância: “Concordo Totalmente”, “Concordo Parcialmente”, “Não Concordo, Nem Discordo”, “Discordo Parcialmente”, e “Discordo Totalmente”, para avaliar o nível de compreensão e opinião da amostra em questão. Além disso, foi realizada coleta de dados sociodemográficos referente à graduação do participante e à identificação com a comunidade em questão.

Após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, os pesquisadores encaminharam uma mensagem aos representantes das respectivas turmas do curso de Medicina em estudo, e estes convidaram os seus colegas por meio de grupos da turma no WhatsApp a participarem da pesquisa. Os alunos que desejaram participar da pesquisa acessaram, então, o link do questionário disponibilizado através de um formulário Google. 

Na primeira página do questionário encontrava-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), elaborado de acordo com a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, sobre as Diretrizes e Normas regulamentadoras de pesquisa, que discorre os aspectos ético-legais em pesquisa envolvendo seres humanos. Sendo assim, os participantes foram esclarecidos quanto aos objetivos e a finalidade da pesquisa, bem como o anonimato, e a liberdade para aceitar ou não participar do estudo. 

Após a coleta de dados, estes foram armazenados e tabulados em planilha eletrônica por meio do Google Planilhas e analisados quantitativamente, por meio de técnicas descritivas, expressas em gráficos e tabelas, com números absolutos e percentuais. 

3 RESULTADOS

De acordo com os resultados obtidos por meio do questionário enviado, a taxa de respostas foi de 68,4%, (141 respondentes) ao considerar uma amostra ideal de 206 participantes.

No que se refere ao período da graduação de medicina, observou-se uma participação mais expressiva do 7º período em relação aos demais, correspondendo, assim, à 29,8% do total de respondentes. Os demais períodos tiveram variações menores com valores entre 6,4% e 14,2%, como demonstra o Gráfico 1.

Gráfico 1. Distribuição do período da graduação de Medicina em curso.

Fonte: Próprio autor.

Em relação aos respondentes que se identificam como membro da comunidade LGBTQIA+ e os que não se identificam, foi observado que 78,7% (111) dos respondentes não se identificam como membro da comunidade e 21,3% (30) se identificam, ou seja, uma proporção de quase 5:1.

Na Tabela 1, é possível observar os valores percentuais correspondentes as respostas para as questões de 3 a 11, evidenciando aquelas com maior concordância, as mais distribuídas e as com maior discordância entre os estudantes, como pode ser observado abaixo.

Dessa forma, tem-se uma percepção visual e precisa de que as questões 3 (Minha formação tem me preparado para atender integralmente todos os indivíduos, levando em consideração suas individualidades como determinantes de saúde) e 8 (Foi discutido, durante a minha graduação, que os conceitos de igualdade e equidade devem ser levados em consideração no atendimento às pessoas LGBTQIA+) tiveram taxas de concordância maior quando comparadas às outras questões, analogamente, as questões 7 (A Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) foi abordada durante minha formação acadêmica) e 9 (Tive acesso, na minha formação, aos conceitos básicos de identidade de gênero e orientação sexual), tiveram taxas de discordância maiores.

Tabela 1. Escala Likert das questões de 3-11

Fonte: Próprio autor

 Para melhor esclarecimento destes percentuais, as respostas foram associadas à escala Likert onde “Discordo Totalmente” foi atribuída a menor nota de 1, até “Concordo Totalmente” com nota 5. Com essa associação, foi calculada a média de cada resposta, e tais médias foram tabuladas correlacionando-as com o período do curso e pertencimento ou não à comunidade LGBTQIA+. Assim, a Tabela 2 demonstra esses resultados, onde é possível identificar que, novamente, as médias das questões 3 e 8, se destacam com respostas mais concordantes, enquanto as questões 7 e 9 possuem respostas menos concordantes.

Tabela 2. Média de respostas das questões 3-11 em associação às questões 1 e 2.

Fonte: Próprio autor.

Buscando ainda uma associação entre as respostas das questões 1 e 2 e as questões 3 a 11, foi realizado um teste de correlação cruzada, apresentando correlações com significância em p-valor menor que 0,05, conforme exposto na Tabela 3. Por esse meio é avaliado se há diferença entre as respostas às assertivas de acordo com o período do curso em que os estudantes da pesquisa se encontram, e de acordo com a orientação sexual e identidade de gênero dos respondentes, analisando a média de respostas.

Tabela 3. Correlação das respostas referentes às questões 1 e 2 com as demais

Fonte: Próprio autor.

De acordo com esta tabela, verifica-se que as questões 5 (Aprendi, durante a minha formação, que existem ações de saúde direcionadas especificamente para a população LGBTQIA+ e suas necessidades) e 9 tiveram correlação negativa com as respostas da questão 1, ou seja, quanto maior o período em que o respondente está inserido, menor era o grau de concordância com as questões 5 e 9.

De maneira análoga, a questão 2, que aborda a identidade com a comunidade, também teve correlação com as respostas 3,4,5,8,9,10 e 11 de forma negativa, ou seja, pessoas que não se identificam com a comunidade LGBTQIA+, tenderam a concordar com estas questões.

Por fim, as questões 6 (Aprendi no decorrer da minha formação, que as ações de promoção da saúde específicas para a população homossexual devem ser voltadas exclusivamente para a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis) e 7 (A Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) foi abordada durante minha formação acadêmica) não apresentaram correlação com o período do curso ou com a identidade com  a comunidade LGBTQIA+, visto que suas médias entre estes grupos são estatisticamente similares.

4 DISCUSSÃO

Para a formação acadêmica de médicos generalistas é importante que as IES do Brasil sigam as DCNs dentro de sua organização e desenvolvimento do curso. Tais diretrizes orientam o currículo do curso ministrado e estabelecem critérios importantes que deverão ser abordados dentro do conteúdo oferecido (BARCHIN et al., 2021). Desta maneira, se faz necessário que no decorrer da graduação de medicina haja, conforme Barchin et al. (2021), uma interpretação ética e humanizada da pluralidade da população e suas diversidades, para que, ao final da graduação, os acadêmicos estejam aptos a ofertar saúde de maneira equânime à seus futuros pacientes.

O instrumento utilizado para a coleta de dados condensa importantes aspectos da determinação social da saúde da população LGBTQIA+, que devem ser considerados na formação desses profissionais. (GOMES, 2021). Tal questionário, se mostrou imprescindível para avaliar a necessidade de melhora no currículo acadêmico de medicina para a formação de profissionais médicos comprometidos com a promoção da saúde coletiva.

Na Tabela 1, na qual foi abordada a porcentagem correspondente às respostas para cada questão, é possível observar que na questão 3, sobre a formação acadêmica preparar seus   discentes   para   atender   integralmente   todos os indivíduos, levando em consideração suas individualidades como determinantes de saúde, a maioria dos respondentes (67%) concordaram total (35%) ou parcialmente (32%) com a afirmação.

Da mesma forma, de acordo com a Tabela 2, que traz a média das respostas das questões 3 à 11 em associação às 1 e 2, a questão 3 teve uma média positiva das respostas em todos os períodos do curso, assim como a questão 8 – Foi discutido, durante a minha graduação, que os conceitos de igualdade e equidade devem ser levados em consideração no atendimento às pessoas LGBTQIA+–, a qual também aponta uma alta taxa de concordância (64%), segundo a Tabela 1.

Estes dados apontam para o fato de que possivelmente na IES de Maringá, onde foi realizada a pesquisa, os princípios do SUS sobre a universalidade, equidade e igualdade estão presentes na grade curricular desde o princípio do curso de medicina.

Em contrapartida com os resultados das questões 3 e 8, a Tabela 1 também revela que apenas 40% dos participantes da pesquisa concordaram total ou parcialmente com a questão 10, sobre a formação ter preparado os alunos para atender integralmente a população LGBTQIA+, levando em consideração suas individualidades como determinantes de saúde. Além disso, somente 38% dos respondentes concordam total ou parcialmente com a abordagem da existência de desigualdade no acesso aos serviços de saúde pela população LGBTQIA+ quando comparada à população em geral, durante a formação acadêmica, conforme a questão 4.

Portanto, pode-se presumir que os princípios do SUS estão sendo ensinados de maneira limitada no decorrer da graduação, visto que as necessidades de saúde da população LGBTQIA+ não são abordadas de maneira satisfatória, como sugerem os resultados da pesquisa.

A análise das questões 7 e 9 reforçam a discussão anterior, pois a grande maioria dos participantes (78%) discordam total ou parcialmente sobre a abordagem da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), e 73% discordam total ou parcialmente de terem tido acesso aos conceitos básicos de identidade de gênero e orientação sexual durante a formação acadêmica. De maneira análoga, a Tabela 2 evidencia uma média baixa em relação às duas variáveis tanto para a questão 7 quanto para a 9.

Com esses resultados estatísticos, presume-se que os estudantes de medicina da IES na cidade de Maringá-PR onde foi realizado o estudo, não obtiveram acesso às informações básicas e necessárias acerca de conteúdos envolvendo a saúde da população LGBTQIA+, no decorrer de sua formação, indicando o possível despreparo dos futuros profissionais da saúde nesta temática.

Gomes e Tesser Junior (2022) afirmam que:

A identidade de gênero e a orientação sexual foram incluídas em análise como determinantes sociais da saúde da população LGBT na 13ª Conferência Nacional de Saúde, em 2007. Dessa conferência resultou uma série de recomendações aos profissionais de saúde com relação ao cuidado com a população LGBT, sendo aprovada, nos anos subsequentes, a Política Nacional Integral de Saúde LGBT (PNSILGBT), que aprofunda ainda mais o tema e as diretrizes de cuidado dessa população.

A PNSI-LGBT, criada para reduzir as desigualdades em serviços de saúde, é um documento público de grande relevância acerca da saúde LGBTQIA+, visto que aborda a existência de necessidades específicas da comunidade em questão, e que a qualificação dos profissionais é essencial para o atendimento equânime e igualitário. (BARCHIN et al., 2021)

Os resultados relacionados à questão 5 na Tabela 1, fortalecem os argumentos anteriores, uma vez que 62% dos participantes discordam total (35%) ou parcialmente (27%) de terem aprendido, durante a graduação, de que existem ações direcionadas especificamente para a população LGBTQIA+ e suas necessidades. A Tabela 2 também expressa esses resultados, evidenciando uma baixa média em todos os períodos do curso em que se encontram, assim como em relação à segunda variável, que diz respeito a se identificar ou não com a comunidade LGBTQIA+.

Em consoante com esses resultados, a Tabela 3 demonstra uma diferença estatisticamente significativa nas respostas dos participantes em relação à variável do curso (p=0,001), ou seja, quanto maior o período em que o respondente está inserido, menor era o grau de concordância com a questão 5.

Portanto, pode-se inferir que exista uma relação de matérias estudadas nos primeiros anos de curso, em que há a apresentação da existência de Políticas Públicas de Saúde, as quais, ao decorrer da graduação deixam de ser elucidadas e aprofundadas, devido ao fato de o curso possivelmente focar em outras áreas de estudo, deixando de lado as especificidades e individualidades das pessoas pertencentes à comunidade LGBTQIA+.

Ao analisar a questão 6, observa-se que mais da metade (58%) dos participantes da pesquisa discorda total (39%) ou parcialmente (19%) de terem aprendido durante a formação, que as ações de promoção à saúde específicas para a população homossexual devem ser voltadas exclusivamente para a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis. Apesar de contrapor aos resultados anteriores, os quais exibiram a falta de informações dos estudantes de medicina a respeito das necessidades específicas para um atendimento mais individualizado aos pacientes LGBTQIA+, esses resultados demonstram conhecimento, por parte dos participantes, de que a saúde LGBTQIA+ engloba diversos outros aspectos para além da prevenção de IST’s, ainda que este apresente um importante fator na promoção à saúde à essa população. 

De acordo com BARCHIN, et al. (2021), para que se conheça as necessidades em saúde de cada sujeito, o ideal é entender suas particularidades e ampliar a compreensão para o contexto da determinação social do processo saúde-doença, superando os estigmas que trazem a perspectiva exclusiva e limitante do espectro das infecções sexualmente transmissíveis (IST’s).

Por fim, a questão 11 revela que 60% dos participantes discordam total ou parcialmente da preposição: Considero suficiente o conteúdo que foi abordado até agora, na minha formação acadêmica, sobre saúde da população LGBTQIA+. Esse resultado retrata uma falha dentro da grade curricular desses alunos, influenciando em uma possível falta de capacitação dos futuros profissionais da saúde para lidar com essa população (BARCHIN et al., 2021).

Além disso, por meio da correlação negativa apresentada na Tabela 3, observou-se que os indivíduos que se identificam com a comunidade LGBTQIA+ tenderam a discordar mais da maioria das questões, por, possivelmente, não se sentirem contemplados no conteúdoabordado durante a graduação.

Para que seja possível oferecer saúde e cuidado integral às pessoas LGBTQIA+, é de extrema importância que os médicos, juntamente com os demais profissionais da saúde tenham conhecimento das necessidades especiais dessa população, e assim, se encontrem devidamente preparados para atendê-los de maneira integral, em um ambiente seguro e livre de preconceitos.

Entretanto, os resultados obtidos a partir do presente levantamento de dados revela que existe uma falta de preparação da Instituição de Ensino Superior onde a pesquisa foi realizada, para com seus alunos acerca da temática. Consequentemente, pessoas LGBTQIA+ estão sujeitas a se depararem com profissionais não qualificados para atender as demandas específicas desses indivíduos.

Em consoante ao estudo de Medeiros (2021), o qual analisa o conhecimento dos estudantes de medicina em relação à saúde da população LGBTQIA+:

[…] pode-se inferir que os alunos participantes não se sentem aptos para realizar atendimentos relacionados à saúde LGBTI+, assim como relatam não terem conteúdo programático curricular suficiente na abordagem e identificação de pessoas LGBTI+ ou ainda no manejo de suas demandas específicas. Isso mostra que o ensino de saúde LGBTI+ deixa a desejar, foi realizado de forma direta no curso de Medicina.

Da mesma forma, estudos tais quais os de Visgueira, et. al. (2021); Barchin, et. al. (2021); Santos et. al. (2020), que abordam a temática LGBT em cursos da área da saúde, demonstraram resultados semelhantes aos encontrados nessa pesquisa, evidenciando, assim, uma abordagem insuficiente que ultrapassa os limites da IES envolvida no estudo.

6 CONCLUSÃO

O presente estudo possibilitou analisar a percepção dos estudantes de medicina em relação ao processo educacional sobre a saúde da população LGBTQIA+ dentro de uma Instituição de Ensino Superior de Maringá-PR, e demonstrou que, apesar de existir a abordagem acerca dos princípios do SUS – universalidade, equidade e integralidade -, ainda há falta de informação e discussão acerca dos conhecimentos específicos sobre a população LGBTQIA+.

A falta de profissionais de saúde experientes e qualificados é uma das barreiras ao cuidado integral em saúde da população LBGTQIA+, corroborando com a prevalência de uma cultura de desinformação sobre a temática, e consequentemente, com preconceitos e marginalização dessas pessoas dentro dos serviços de assistência médica.

Portanto, considerando as limitações do estudo, uma vez que a amostra não atingiu o valor de representatividade estatística, concluiu-se que é de suma importância incluir a temática nos cursos de graduação de Medicina, de forma que forneçam informações, orientações e capacitação adequada aos estudantes em relação a uma melhor prática na prestação de serviços em saúde à essa comunidade, abordando temas relacionados à diversidade sexual e às questões de saúde das pessoas LGBTQIA+ de maneira satisfatória, para que, dessa forma, as DCNs sejam cumpridas adequadamente, além de que mudanças de atitudes dos profissionais de saúde, baseadas na competência cultural, são potencialmente transformadoras da relação entre profissionais e seus pacientes, além de possibilitar que essas pessoas usufruam de um atendimento livre estigmas nos mais diversos serviços de saúde.

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SILVA, Marília Pereira da; FRANÇA, Thais Regina Ferreira; LOBATO, Kennedy Anderson; COSTA, Mariana Araujo; SILVA, Lediane Faria da; CARVALHO, Gabrielle Silva de; SANTOS, Nathaly Vitória Portela; AMORIM, Carlos Eduardo Neves; MESQUITA, Michelline Joana Tenório Albuquerque Madruga; OLIVEIRA, Bruno Luciano Carneiro Alves de. Educação interprofissional e saúde da população LGBTQIA+: uma experiência de integração ensino-serviço-comunidade. Research, Society And Development, [S.L.], v. 10, n. 15, 24 nov. 2021. Research, Society and Development. http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i15.22454.

TONHÁ, João Pedro Silva. Saúde LGBTQIAP+: percepções e necessidades no processo de formação na residência em medicina da família e comunidade. 2022. 22 f. TCC (Graduação) – Curso de Medicina, Faculdade de Ciência Médicas, Rio de Janeiro, 2022.

VISGUEIRA, Filipe Levy Leite, et. al. Análise do conhecimento de estudantes de medicina acerca da identidade de gênero. Revista Brasileira de Educação Médica, São Paulo-SP, setembro 2021.


APÊNDICE A – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

1) Qual período da graduação de medicina está cursando atualmente?

( ) 5º ( ) 6º ( ) 7º ( ) 8º ( ) 9º ( ) 10º ( ) 11º ( ) 12º

2) Você se identifica como membro da comunidade LGBTQIA+? ( ) Sim ( ) Não ( ) Prefiro não responder

Deseja ter acesso aos resultados da pesquisa? ( ) sim ( ) não Se sim, por qual meio:
( ) e-mail_______________ ( )Whasapp____________

O questionário a seguir foi elaborado por Vinícius Fahd Barchin, Bruna de Carvalho, Sheila de Moraes Santos Marques, Carolina Ribeiro Pellegatti Franco  e Ana Claudia Alcântara Garzin para o trabalho “Percepção de alunos de  graduação da área da saúde acerca da abordagem sobre a saúde de LGBTI+”. BARCHIN, Vinícius Fahd; CARVALHO, Bruna de; MARQUES, Sheila de Moraes Santos; FRANCO, Carolina Ribeiro Pellegatti; GARZIN, Ana Claudia Alcântara. Perception of undergraduate health  field students about approaching LGBTI+ health. O Mundo da Saúde, [S.L.], v. 45, p. 175-186, 1 jan. 2021. Centro Universitário São Camilo – São Paulo. http://dx.doi.org/10.15343/0104- 7809.202145175186.

Orientações para o preenchimento: Cada questão é uma assertiva a respeito de sua formação formal pela instituição de ensino superior em que está matriculado. Para responder, marque, na escala, a resposta que mais traduz sua opinião. Na hora de responder leve em conta apenas a sua graduação e o que sua IES oferece (considere também projetos e eventos oferecidos pela universidade). Desconsidere para fins do questionário o conhecimento adquirido de outras formas.

3) Minha formação tem me preparado para atender integralmente todos os indivíduos, levando em consideração suas individualidades como determinantes de saúde.

( ) Concordo Totalmente ( ) Concordo Parcialmente ( ) Não Concordo, Nem  Discordo ( ) Discordo Parcialmente
( ) Discordo Totalmente

4) Foi abordado durante minha formação que existe desigualdade no acesso aos  serviços de saúde pela população LGBTQIA+ quando comparada à população em  geral.

( ) Concordo Totalmente ( ) Concordo Parcialmente ( ) Não Concordo, Nem  Discordo ( ) Discordo Parcialmente
( ) Discordo Totalmente

5) Aprendi, durante a minha formação, que existem ações de saúde direcionadas especificamente para a população LGBTQIA+ e suas necessidades.

( ) Concordo Totalmente ( ) Concordo Parcialmente ( ) Não Concordo, Nem  Discordo ( ) Discordo Parcialmente
( ) Discordo Totalmente

6) Aprendi no decorrer da minha formação, que as ações de promoção da saúde específicas para a população homossexual devem ser voltadas exclusivamente para a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis.

( ) Concordo Totalmente ( ) Concordo Parcialmente ( ) Não Concordo, Nem  Discordo ( ) Discordo Parcialmente
( ) Discordo Totalmente

7) A Política Nacional de Saúde Integral da População LGBTQ foi abordada durante minha formação acadêmica.

( ) Concordo Totalmente ( ) Concordo Parcialmente ( ) Não Concordo, Nem  Discordo ( ) Discordo Parcialmente
( ) Discordo Totalmente

8) Foi discutido, durante a minha graduação, que os conceitos de igualdade e equidade devem ser levados em consideração no atendimento às pessoas LGBTQIA+.

( ) Concordo Totalmente ( ) Concordo Parcialmente ( ) Não Concordo, Nem  Discordo ( ) Discordo Parcialmente
( ) Discordo Totalmente

9)Tive acesso, na minha formação, aos conceitos básicos de identidade de gênero e orientação sexual.

( ) Concordo Totalmente ( ) Concordo Parcialmente ( ) Não Concordo, Nem  Discordo ( ) Discordo Parcialmente
( ) Discordo Totalmente

10)Minha formação tem me preparado para atender integralmente a população LGBTQIA+, levando em consideração suas individualidades como determinantes de saúde.

( ) Concordo Totalmente ( ) Concordo Parcialmente ( ) Não Concordo, Nem  Discordo ( ) Discordo Parcialmente
( ) Discordo Totalmente

11)Considero suficiente o conteúdo que foi abordado até agora, na minha formação acadêmica, sobre saúde da população LGBTQIA+.

( ) Concordo Totalmente ( ) Concordo Parcialmente ( ) Não Concordo, Nem  Discordo ( ) Discordo Parcialmente
( ) Discordo Totalmente