PERCEPÇÃO DA EQUIPE MULTIDISCIPLINAR NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA QUANTO A IMPORTÂNCIA DO CIRURGIÃO-DENTISTA INTEGRADO AO CORPO CLÍNICO

PERCEPTION OF THE MULTIDISCIPLINARY TEAM IN THE INTENSIVE CARE UNIT REGARDING THE IMPORTANCE OF THE DENTAL SURGEON INTEGRATED TO THE CLINICAL STAFF

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8015327


Kelyane Alves Costa Sales1
Keytiane Mendes Alves2
Maria Fernanda Borro Bijella3
Rodrigo Jacon Jacob4
Joao Carlos Vicente de Barros Junior4
Paulo Roberto Marão de Andrade Carvalho4
Regina Marcia Serpa Pinheiro4
Chimene Kuhn Nobre4
Leopoldo Luiz Rocha Fujii4


RESUMO

A presente trabalho de caráter transversal quantitativo tem como objetivo divulgar os resultados a respeito da percepção da equipe multidisciplinar quanto a importância da presença do cirurgião dentista na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e adicionalmente, verificar qual o protocolo de higienização bucal aplicado nos pacientes internados UTI realizada em um Hospital público da capital de Rondônia. A metodologia aplicada constituiu-se de aplicação de um questionário objetivo, desenvolvido com base na revisão de literatura prévia abordando temáticas: sociodemográficas, biossegurança, experiência profissional, ferramentas e técnicas para a assistência à saúde bucal na UTI. O questionário, formado de 20 questões objetivas, foi aplicado através do uso da plataforma Google FormsⓇ, junto aos profissionais atuantes na UTI, no período de fevereiro a abril de 2023. Após a compilação dos dados pode-se verificar que: Para 57,8% dos profissionais não há um protocolo padrão, mais da metade da equipe (55,6%) atuante no HBAP possui 2 empregos, 100% reconhece que infecções na cavidade oral podem ocasionar agravos para a saúde do paciente e 97,1% dos entrevistados destacam ser, extremamente, importante a inclusão do cirurgião dentista na equipe da UTI. Pelos resultados apresentados, pode-se concluir que a implantação de protocolos institucionais com adequado treinamento e a incorporação de um cirurgião dentista na equipe multidisciplinar da UTI do Hospital de Base drº Ary Pinheiro poderá influenciar positivamente para uma prática mais coerente de cuidados bucais na unidade de terapia intensiva, aprimorando assim a assistência prestada de forma integralizada a esses pacientes admitidos na UTI, possibilitando uma possível diminuição no tempo de internação hospitalar e redução nos custos do tratamento.

Palavras-Chave: Equipe Assistência Multidisciplinar. Odontologia Hospitalar. Saúde Bucal. Unidade de Terapia Intensiva.

ABSTRACT

His quantitative cross-sectional study aims to disseminate the results regarding the perception of the multidisciplinary team regarding the importance of the presence of a dentist in the Intensive Care Unit (ICU). Additionally, it seeks to verify the oral hygiene protocol applied to ICU patients in a public hospital in the capital of Rondônia, Brazil. The methodology involved the application of an objective questionnaire, developed based on a review of previous literature covering sociodemographic factors, biosafety, professional experience, tools, and techniques for oral healthcare in the ICU. The questionnaire, consisting of 20 objective questions, was administered using the Google Forms platform to professionals working in the ICU from February to April 2023. After data compilation, it was observed that 57.8% of professionals reported the absence of a standard protocol, over half of the team (55.6%) working in the hospital had two jobs, 100% acknowledged that oral infections can cause health issues for patients, and 97.1% of respondents emphasized the importance of including dentists in the ICU team. Based on the presented results, it can be concluded that the implementation of institutional protocols with appropriate training and the inclusion of a dentist in the multidisciplinary team of the ICU at Dr. Ary Pinheiro Base Hospital could positively influence a more consistent practice of oral care in the intensive care unit. This would improve comprehensive care for these ICU patients, potentially leading to a decrease in hospitalization time and reduced treatment costs.

Keywords: Multidisciplinary Assistance Team. Hospital Dentistry. Oral Health. Intensive care unit.

1 INTRODUÇÃO

Todas as superfícies do corpo humano são expostas a colonização por uma grande variedade de micro-organismos que habitam a cavidade oral, pois é a porta de entrada para patógenos que causam infecções sistêmicas, sendo assim um veículo de grande disseminação da comunidade bacteriana e fúngica nos pacientes internado em uma unidade de Terapia Intensiva (UTI). Somado a isto, esses pacientes, geralmente, encontram-se acometidos por complicações sistêmicas, podendo apresentar alterações no sistema imunológico, que associados à interação entre bactérias nativas e patógenas respiratórias, aumentam o risco de infecções. Consequentemente, as Bactérias gram-positivas são comumente encontradas na cavidade bucal, mas a medida que ocorre o aumento e complexidade do biofilme dental, a microbiota oral bacteriana gram negativa e fúngica apresenta-se consideravelmente alterada, tornando esse biofilme mais patogênico.

Eventualmente, estes fatores facilitam o meio de aspiração da flora da orofaringe para o trato respiratório inferior ocasionando os quadros de pneumonia nosocomial. Notoriamente, aumentando os índices de infecção hospitalar cuja doença ocasiona alto custo financeiro, proporciona aumento do tempo de internação hospitalar e podendo evoluir para óbito. Consequentemente, aumentando as taxas de mortalidade hospitalar. 

Saliento que, a integração da odontologia ao atendimento hospitalar de alta complexidade é um fator imprescindível aos pacientes internados nas UTI’s. Haja visto, os mesmos encontram-se imunologicamente comprometidos e dependendo de cuidados e suporte de profissionais de saúde habilitados para investigação microbiológica das possíveis lesões identificadas na cavidade oral, elaboração e implementação de protocolos institucionais de higienização oral e promoção da homeostase corporal. 

Neste sentido, o Projeto de Lei (PL) nº 2776/2008 e PL363/2011, ambos aprovados pela Comissão de Seguridade Social e Família em 2012, estabelecem a obrigatoriedade da presença de profissionais da Odontologia em hospitais públicos e privados em que existam pacientes internados em UTI ou enfermaria. É importante frisar que, a presença do cirurgião-dentista no ambiente crítico de UTI, favorece a implantação de medidas preventivas de infecções bucais e outras doenças sistêmicas.

Assim, a abordagem desta temática proposta, justifica-se pela presença deficiente de higiene bucal dos pacientes comprometidos sistematicamente, tais como: pacientes intubados, restrito ao leito com mobilidade limitada ou ausente. Observa-se ainda, a falta de conhecimento técnicos dos profissionais sobre os  protocolos de higiene bucal. Logo, a higiene bucal eficaz de pacientes internados em UTI é primordial, uma vez que o biofilme bucal aumenta seu volume de maneira rápida e intensa, pois é comum nestes pacientes a diminuição do PH da cavidade oral de 7.0 para 5-5 tornando-o meio bucal mais ácido, ocorrendo a solubilidade dos minerais cálcio e fosfato favorecendo o processo de desmineralização do esmalte dentário.

A problemática proposta é: qual o papel do cirurgião-dentista na recuperação de pacientes internados nas Unidades de Terapia Intensiva – UTI’s?.

Para tanto, esta pesquisa objetiva avaliar a integração do cirurgião-dentista na equipe multidisciplinar e como poderá intervir na qualidade de vida dos pacientes internados na UTI. Além de verificar através da literatura e percepção dos integrantes, quais os benefícios da integração do cirurgião-dentista na equipe, propondo estratégias de ações para uma assistência integral de qualidade aos pacientes na UTI;. 

Vale ressaltar que, a intervenção proposta busca sugerir atividades que tragam  uma melhor qualidade de vida aos pacientes, contribuindo na diminuição do tempo de internação e, consequentemente, a redução dos custos hospitalares.

O campo de pesquisa selecionado é a UTI do Hospital de Base Drº Ary Pinheiro – HBAP – ambiente crítico hospitalar que conta apenas com odontólogos recém contratos para as demandas geral hospitalares e de atendimentos de pacientes nos ambulatórios de alta complexidade do Estado de Rondônia. Contudo, as Unidades críticas hospitalares ainda não dispõem da elaboração e efetivação da implantação do procedimento operacional padrão.

2 METODOLOGIA

A metodologia utilizada nesta pesquisa teve como base a abordagem quali-quantitativa desenvolvida com a equipe multidisciplinar da UTI no Hospital de Base Dr. Ary Pinheiro (HBAP) em Porto Velho/RO visando analisar a integração do cirurgião-dentista na equipe multidisciplinar na assistência voltada aos pacientes críticos. 

Esta pesquisa objetivou extrair e analisar dados da equipe multidisciplinar da UTI do HBAP fenômenos e experiências descrevendo-os sob uma determinada perspectiva, sendo essa pesquisa direcionada por instrumento no Google Forms,  abordando questões inerentes ao estudo sob uma ótica singular de quem pesquisa, evidenciando o debate sobre os métodos propondo a análise de dados coletados, mesclando as duas abordagens na utilização de medidas buscando por resultados quantificáveis e qualificáveis dos dados coletados na pesquisa. 

Foram elencadas e analisadas as publicações acerca do tema, a fim de compreender o porquê da maioria dos gestores hospitalares ainda não aderirem a integração da participação do cirurgião-dentista na equipe multidisciplinar no atendimento aos pacientes críticos em UTI’s. 

A seleção das literaturas foi restrita a trabalhos realizados no Brasil por tratar da Política Nacional de Atenção à Saúde Bucal (PNASB) e ser um modelo adotado em nosso Sistema único de Saúde (SUS). Ademais, foram utilizados como critérios de inclusão os trabalhos publicados no período de 2010 a 2021, sendo excluídos os materiais publicados fora do período considerado e aqueles que não corroboravam com a temática proposta. 

Para elaboração do presente estudo foi realizada consulta às indicações formuladas pelo Ministério da Saúde, livros, artigos científicos e busca direcionada pelos descritores Cirurgião-dentista; Equipe multidisciplinar; Hospital; Saúde bucal e Unidade de terapia intensiva.

A pesquisa foi realizada no Hospital de Base Dr. Ary Pinheiro (HBAP), situado na Avenida Jorge Teixeira, nº 3766, Bairro Industrial, CEP: 76821092, Telefone (69) 3216-5724, Porto Velho-RO.

No presente estudo, definiram-se como  população os profissionais de saúde da equipe multidisciplinar, especificamente,  médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos e auxiliares de enfermagem da UTI/HBAP e Cirurgiões-dentistas que não compõem o quadro clinico do HBAP a fim de corroborar com o estudo da pesquisa.

Foram inclusos na presente pesquisa os profissionais da equipe multidisciplinar da UTI do Hospital de Base Ary Pinheiro de Porto Velho que se predispuserem a contribuir com a pesquisa e assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram convidados a participar da pesquisa Cirurgiões-dentistas que não compõem o quadro clinico do HBAP a fim de corroborar com o estudo da pesquisa supracitado. Serão excluídos da pesquisa os profissionais que não estão devidamente lotados na UTI/HBAP e que não assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Todos os participantes vieram resguardados e assegurados o sigilo das informações, sendo observado o zelo pelos princípios éticos concernentes às pesquisas que envolvam seres humanos, este estudo respeitou a Resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) com o registro C.A.A.E. 64198922.8.0000.8028 em 22 de novembro de 2022.

3 RESULTADOS

Durante décadas, o cirurgião-dentista foi visto como um profissional de saúde isolado dos demais especialistas da área da saúde, atuando em clínicas e consultórios particulares. Entretanto, com a implantação do Programa Saúde da Família (PSF) em 1994, os dentistas passaram a fazer parte do quadro multidisciplinar da área (AMARAL, 2005). 

A partir daí seu desempenho conquistou espaço em ambientes hospitalares e este profissional da saúde passou a prestar o atendimento em pacientes hospitalizados, acabando com os obstáculos e preconceitos oriundos da cultura instituída entre os segmentos da medicina e enfermagem (GONÇALVES, 2014). 

Para entender o papel do cirurgião-dentista dentro dos hospitais, é importante entender a Odontologia Hospitalar. Assim, ela aborda a prática odontológica realizada em um ambiente hospitalar que visa à inserção do cirurgião-dentista na equipe de profissionais de saúde com a finalidade de prestar cuidados aos pacientes, melhorando assim a saúde e qualidade de vida desses (AERTS, 2014).

A odontologia hospitalar é a prática de atividades que contribuem com a melhora da saúde geral e qualidade de vida dos indivíduos hospitalizados, os quais apresentam grandes riscos de contrair doenças infecciosas e pulmonares, que, além de prejudicar a saúde bucal, podem acometer outros órgãos e sistemas, agravando o quadro clínico e estendendo a sua estadia na UTI. Assim, a presença do cirurgião-dentista dentro da equipe multidisciplinar visa melhorar efetivamente o quadro de saúde geral dos pacientes (SILVA, 2017). 

Segundo o Manual de Odontologia Hospitalar, o Programa de Odontologia Hospitalar tem como objetivo assegurar a integralidade das práticas em saúde para os pacientes hospitalizados pelo SUS ou por aqueles que manifestem sinais na cavidade oral por conta de doença ou tratamento presente no campo hospitalar, incluindo assim o dentista na equipe no serviço de atendimento hospitalar (PELEGRINI, 2019).

3.1 UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)

A UTI é caracterizada pela dependência hospitalar destinada a cuidados diretos e intensivos a pacientes com quadros graves ou que apresentem riscos que comprometem sua saúde, podendo inclusive levar ao óbito (BRASIL, 2015). 

Esta unidade visa uma recuperação hábil do paciente, acompanhado de uma assistência multiprofissional capacitada e preparada para agir sobre a complexidade, o estresse e a sobrecarga de trabalho que este tipo de serviço proporciona (SILVA, 2017). 

Para Ramos (2019), é correto afirmar que a UTI é uma unidade hospitalar de pacientes que necessitam de cuidados intensivos por uma equipe especializada composta por profissionais de diferentes áreas.

3.2 O CIRURGIÃO-DENTISTA NA UTI 

É importante destacar que os pacientes hospitalizados em uma UTI são enfermos que portam doenças crônicas, todos devem receber a assistência de um cirurgião-dentista. Isso porque dependendo da sua gravidade, o paciente internado na UTI não possui condições para executar sua própria higiene oral, necessitando de cuidados odontológicos. A ausência da higiene bucal apropriada, por sua vez, pode acabar resultando em infecções não só na cavidade oral, mas no trato respiratório (WAHURI, 2019).

Segundo Silva (2017), as funções do cirurgião-dentista dentro dos hospitais são: atuação de cirurgiões-dentistas em unidades de tratamento intensivo. Isso porque esse tipo de profissional é fundamental para o controle de cáries, doenças periodontaise outros fatores que podem levar a uma infecção hospitalar e atuar como cirurgião-dentista clínico geral, tendo experiência confirmada em atendimento hospitalar, tendo conhecimento no fluxo de pacientes, vocabulário médico, análise de exames complementares, além de especialização em pacientes especiais.

Pode-se acentuar como os benefícios do atendimento do profissional cirurgião-dentista nos hospitais e UTI’s resultam:

Melhoria na qualidade de vida dos pacientes; Aumento da sobrevida; Diminuição nos riscos em contrair infecções bucais; Diminuição no tempo de hospitalização do paciente; Diminuição nas despesas hospitalares; Diminuição da demanda de exames adicionais; Simplificação na utilização de antibióticos entre outros medicamentos; Inclusão de protocolos odontológicos; e, aprimoramento significativo na assistência ao paciente hospitalizado (AERTS, 2015, p.30).

Nesse contexto o cirurgião-dentista desempenha um papel lógico e fundamental de um controle rigoroso na manutenção da higiene bucal de pacientes admitidos em UTI visando controlar o desenvolvimento e a maturação de um biofilme de maior patogenicidade nos diversos sítios da cavidade bucal, não só dentes, mas também mucosa de recobrimento, língua e dispositivos protéticos fixos. Bactérias gram-positivas são comumente encontradas na cavidade bucal, mas, à medida que o biofilme desenvolve, podem ocorrer associações com bactérias anaeróbicas gram negativas e fungos, tornando este biofilme mais patogênico e, consequentemente, aumentando o risco de complicações sistêmicas (MOTA, 2019).

A adesão de microrganismos e o desenvolvimento do biofilme nas superfícies presentes na cavidade bucal ocorrem de maneira relativamente rápida. A quantidade e a patogenicidade deste biofilme formado, aumenta de acordo com o aumento do tempo de internação, que, associada à falta da higiene bucal, pode acarretar vários problemas como: o aumento de patógenos respiratórios presentes no biofilme, instalação ou agravamento de doença periodontal, disseminação dessas bactérias e estabelecimento de infecções (CAMARGO, 2016).

Estes microrganismos que colonizam as superfícies da cavidade bucal podem ser disseminados para outras partes do organismo por meio dos procedimentos hospitalares de rotina na UTI, como a intubação sob ventilação mecânica, que pode transportar bactérias presentes na cavidade bucal e da orofaringe até os pulmões, favorecendo a instalação da pneumonia nosocomial, a qual está relacionada com aumento do tempo de hospitalização dos pacientes, onerando o tratamento ou, então, causando o óbito (ARANEGA, 2018). 

A higiene bucal efetiva de pacientes internados em UTI é primordial, uma vez que o biofilme bucal aumenta de volume de maneira rápida e intensa, pois é comum nestes pacientes a diminuição da autolimpeza natural da cavidade bucal. A autolimpeza bucal deficiente acontece por diversos motivos: redução da ingestão de alimentos duros e fibrosos, diminuição da movimentação da língua e das bochechas, redução do fluxo salivar devido ao uso de alguns medicamentos, sangramentos espontâneos da mucosa bucal e a presença de ressecamento e fissuras labiais (BENDER, 2016). 

Para Abidia (2007), dentre os protocolos de higienização da cavidade bucal descritos na literatura é recomendada a remoção química e mecânica do biofilme, tanto em indivíduos dentados como desdentados e também em aparelhos protéticos, uma vez que o método mecânico associado ao químico é mais eficaz quando comparado com métodos apenas químicos (soluções bactericida e/ou bacteriostática).

O conhecimento do papel da Odontologia em hospitais ainda é restrito. A orientação sobre a importância da higienização e qualidade de saúde bucal deve ser estendida a todos os diferentes segmentos da equipe multidisciplinar. É importante que a Odontologia se integre ao atendimento dos pacientes hospitalizados nas UTIs com o objetivo de minimizar o risco de disseminação de patógenos da cavidade bucal que possam causar problemas sistêmicos, atuando na manutenção da higienização dos dentes, gengiva, bochecha e língua, e controlando a colonização intensa de patógenos. Além disso, a necessidade do cirurgião-dentista na equipe de atendimento das UTIs amplia o campo de ensino e atuação do profissional (MOTA, 2019).

3.2.1 Complicações da falta de cuidados com a higiene oral no âmbito da UTI 

A incapacidade do autocuidado contribui para a precariedade da higienização bucal, acarretando no desequilíbrio da microbiota residente da cavidade oral, com consequente aumento da possibilidade de aquisição de diversas doenças infecciosas comprometendo a saúde integral do paciente. Os pacientes mais vulneráveis a infecções são os internados em unidades de terapia intensiva (UTI), em especial os que estão sob ventilação mecânica, pois o reflexo da tosse, a expectoração e as barreiras imunológicas estão deficientes (CAMARGO, 2016). 

Para Wahuri (2019) na UTI o paciente está mais exposto ao risco de infecção, é evidenciado que os pacientes têm um aumento de cinco a dez vezes a chance de contrair infecção e que esta pode representar cerca de 20% do total das infecções de um hospital. Estes pacientes estão com o estado clínico comprometido, ou seja, apresentam mudanças no sistema imunológico, exposição à procedimentos invasivos, desidratação terapêutica (prática comum para aumentar a função respiratória e cardíaca), o que leva a xerostomia (redução do fluxo salivar). A cavidade bucal é a primeira porta de entrada para microrganismos patogênicos que causam infecções sistêmicas nas vias respiratórias, sendo a pneumonia uma delas. 

A pneumonia por aspiração é o tipo mais comum de pneumonia nosocômio ou hospitalar, é uma infecção do parênquima pulmonar provocada por diversos tipos de agentes etiológicos entre eles bactérias, fungos e vírus. A carência de atenção com a higiene bucal e a redução do fluxo salivar resulta num aumento da quantidade e complexidade da placa dental, que colabora para a interação entre bactérias (SILVA, 2017). 

Os pacientes de terapia intensiva frequentemente permanecem com a boca aberta, devido à intubação traqueal, facilitando a desidratação da mucosa oral. A diminuição do fluxo salivar aumenta a saburra ou biofilme da língua (matriz orgânica estagnada) na face dorsal da língua, favorecendo a produção de componentes instáveis de enxofre, como mercaptanas (CH SH) e hidratos de enxofre (HS) com cheiro desagradável e bactérias de colonização (PELEGRINI, 2019).

Pacientes Nefropatas da UTI que realizam hemodiálise devido a insuficiência renal crônica, necessitam de cuidados especiais, pois a perda da função progressiva causa sangramento espontâneo devido a disfunção das plaquetas o que contribui para a má cicatrização da ferida na cavidade oral em doenças orais preexistentes.

Aconselha-se realizar os procedimentos de saúde bucal nos pacientes, os profissionais habilitados em atendimentos em hospitais, preferencialmente especializados em unidade de terapia intensiva e em dias que não seja feita diálise para evitar o sangramento. Os procedimentos de limpeza desses pacientes, ocorrem de forma mecânica, utilizando apenas escova dental e Clorexidina 0.12% de 12 em 12h, os pacientes são passivos de uma grande quantidade de saburra lingual e placa dental. Para procedimentos mais invasivos como a raspagem supra gengival é aconselhável o uso de antibioticoprofilaxia, e sugerido vancomicina pois tem maior teor de toxicidade em relação aos outros antibióticos (MIRANDA et al., 2015). 

Tendo conhecimento dos riscos bacterianos originados na boca, indica-se a limpeza completa da cavidade oral, compreendendo dentes, gengiva e língua, removendo resíduos de alimentos e placa bacteriana. A ideia é promover um ambiente oral “imune” às complicações orais decorrentes da falta de cuidados. Pacientes com higiene bucal inapropriada e condições odontológicas insatisfatórias apresentam maior risco de complicações locais e sistêmicas (BENDER, 2016). 

O objetivo da atenção primária em odontologia é impedir o desenvolvimento de doenças ou reverter seu estado em estágios iniciais, como cáries, doenças periodontais e câncer bucal (MOTA, 2019).

A manutenção de um controle rigoroso da higiene bucal de pacientes admitidos em UTI tende a controlar o avanço e a maturação de um biofilme de patogenicidade elevada nos diversos sítios da cavidade bucal, não só nos dentes, mas também na mucosa de recobrimento, língua e dispositivos protéticos (RAMOS, 2019).

A participação da Odontologia na equipe multidisciplinar de saúde é de fundamental importância para a terapêutica e a qualidade de vida dos pacientes hospitalizados (RABELO et al., 2010). 

A presença de um cirurgião-dentista na UTI garantiria melhores possibilidades para o paciente. Isso poderia ser solucionado caso o projeto de lei n° 2775/2008, propôs a obrigatoriedade da presença de profissionais de odontologia nas unidades de terapia intensiva.

4 DISCUSSÃO

Foram coletadas informações sociodemográficas (sexo, faixa etária, nível econômico, grau de instrução, vínculo empregatício), cujo principal intuito foi delinear um perfil do profissional da saúde que trabalha diretamente na unidade de terapia intensiva em Porto Velho-RO no Hospital de Base Ary Pinheiro (HBAP) buscando analisar a postura da equipe acerca da integração do cirurgião-dentista na equipe multidisciplinar. 

No total foram 45 participantes da pesquisa, sendo 40 profissionais da UTI do HBAP e 5 de cirurgiões dentistas convidados, quanto ao gênero 84,4% se declararam do sexo feminino e 15,6% do sexo masculino, a média de idade da equipe é de 41 anos. Quanto à formação da equipe: 44,4% são técnicos em enfermagem, 31,1% são enfermeiros, 8,9% médicos, 11,1% dentistas, 2,2% são fisioterapeutas, seguidos de 2,2% de técnicos em enfermagem. Quanto à formação stricto sensu: 46,7% são técnicos, 26,7% são especialistas, 22,2% são graduados e 4,4% são mestres.

Dos 45 profissionais que responderam ao questionário, o tempo médio de formação é de 11,2 anos, o que pode ser caracterizado como um bom percentual, ou seja, a equipe multidisciplinar que atende na UTI do HBAP tem experiência na área de atuação.

Quando questionados acerca do seu vínculo de trabalho, os profissionais aferiram conforme está delineado no gráfico 1.

Gráfico 1 – Vínculo de trabalho

Fonte: Autoras, 2023.

Nesse contexto a equipe multidisciplinar do HBAP é composta por 62,2% de profissionais sob o vínculo estaturário e 26,7% são funcionários por contrato temporário, já 6,7% são seletistas e 4,4% estão regidos por outro tipo de vínculo empregatício.

Quando questionados sobre a sua jornada de trabalho os profissionais da equipe multidisciplinar afirmaram que: trabalham em dois empregos, estes são  55,6% dos profissionais, já 42,2% têm apenas um único emprego e 2,2% tem vínculo empregatício em mais de três locais.

Ao serem questionados se consideram que a cavidade oral representa uma porta de entrada para microrganismos patogênicos, o resultado foi exatamente o esperado, ou seja, 100% dos profissionais responderam que sim.

Os pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) são na maioria das vezes acometidos por doenças agudas ou complicações de doenças crônicas e apresentam geralmente risco iminente de morte. Durante a permanência em UTI podem ocorrer alterações orais associadas a doenças sistêmicas ou ao uso de medicamentos e equipamentos de ventilação mecânica. As infecções orais, por sua vez, parecem favorecer complicações sistêmicas como a pneumonia nosocomial ou hospitalar.

A importância acerca da presença do dentista na equipe multidisciplinar é corroborada mediante a resposta ao seguinte questionamento: você considera que as infecções na cavidade oral podem ocasionar agravos para a saúde do paciente internado em ambiente de terapia intensiva?

O gráfico 2 permite que se tenha uma dimensão dessa discussão.

Gráfico 2 – Infecções na cavidade oral

Fonte: Autoras, 2023.

Conforme delineado no gráfico 2, 100% dos profissionais da equipe multidisciplinar da UTI do HBAP entendem que infecções na cavidade oral podem ocasionar agravos para a saúde do paciente.

Os profissionais participantes da pesquisa, também, foram questionados à respeito de qual providência deverá ser tomada quando for detectado algum tipo de problema na cavidade bucal em um paciente da UTI. Como resposta a este item, embora tenham respondido com múltiplos diferentes, todos, sem exceção, deixaram claro que a primeira providência é informar ao médico de plantão e este, após avaliar o quadro clínico do paciente, deverá solicitar a intervenção do cirurgião dentista.

Outra interpelação realizada foi quanto a rotina da rotina de higienização da cavidade oral aplicada atualmente nos pacientes intubados. No cenário atual, a equipe da assistência de enfermagem realiza estes cuidados seguindo o guia da SAE (sistematização da assistência de enfermagem) que sugere realizar a higiene oral 3x ao dia: 8h, 14h, 22h. O gráfico 3, ilustra a percepção da equipe quanto a esta rotina de higienização ser suficiente ou não. Nele observa-se que 80% dos profissionais assinalaram a alternativa NÃO, isto é, entendem que a higienização da cavidade oral em pacientes intubados não é o suficiente para evitar problemas como infecção, ao passo que 17,8% afirmaram que sim, e 2,2% afirmara não saber, pois alegam não possuir qualificação técnica para opinar acerca da inquirição. 

Os próprios membros da equipe, destacam, durante a entrevista, que devido a falta de RH e diversas intercorrências no dia a dia, nem sempre esta rotina é aplicada completamente nos pacientes em estado grave. Fato este que dificulta a manutenção e/ou recuperação da saúde bucal do paciente, podendo até a contribuir com quadros de piora na saúde geral

Gráfico 3 – Protocolo de rotina de higienização da cavidade oral

Fonte: Autoras, 2023.

Outro questionamento realizado foi a respeito da existência de protocolo padrão específico para higienização da cavidade oral aplicada atualmente nos pacientes das UTI E, como ilustrado no gráfico 4, 57,8% dos profissionais afirmaram Não haver um protocolo padrão, no entanto, 40% afirmaram que existe, há um protocolo padrão e 2,2% afirmaram desconhecer a existência de algum protocolo padrão que trate da higienização da cavidade oral e que seja aplicado na UTI do HBAP. Ao analisar estes dados, pode-se afirmar que, caso o protocolo exista na unidade, este não é amplamente divulgado de forma a possibilitar o conhecimento de todos os integrantes da equipe que atua na UTI. Ressaltando assim, a necessidade de instalação, divulgação e treinamento, para garantir a efetiva qualidade na execução do mesmo.

Gráfico 4 – Protocolo padrão para higienização da cavidade oral

Fonte: Autoras, 2023.

Ao serem questionados sobre a importância da implantação de um protocolo de higienização bucal rigoroso para a saúde dos pacientes internados em UTI? As respostas, conforme ilustra o gráfio 5, registram 97,8% de sim e 2,2% de não, o que corrobora com o verificado na literatura estudada.

Gráfico 5 – Implantação de protocolo padrão de higienização

 Fonte: Autoras, 2023.

Posteriormente o questionamento foi o seguinte: considera que a ausência de protocolos de higienização bucal e de assistência preventiva e curativa podem provocar inúmeros prejuízos, aumentando os focos de infecções bucais e causas de agravos na saúde geral do paciente? Sobre essa assertiva, 100% dos profissionais participantes da pesquisa compreendem que a não existência de algum protocolo de higienização bucal pode gerar prejuízos à saúde do paciente, aumentando os focos de infecção bucal.

Os profissionais também responderam ao seguinte questionamento: qual o método principal utilizado para a higienização da cavidade bucal de paciente internados em UTI? Sobre o cenário delineado os profissionais afirmaram que o método mecânico (gaze e escova dental) é o mais utilizado, conforme 68,9¨%, por conseguinte 20,% afirmaram que o segundo método mais utilizado é a associação entre o método mecânico e químico (substância antisséptica), para 8,9% o método químico (substância antisséptica) é o mais utilizado e 2,2% não soube informar.

E, quando questionados sobre a frequência do uso destes métodos mecânicos e quanto à sua frequência, o método mais utilizado é a espátula de madeira e gaze estéril, de acordo com 73,3% dos profissionais já para 20% o método mais utilizado é a escova de dente comum, já a escova de dentes associada à uma esponja macia é o método mais utilizado por 4,4% dos profissionais e 2,2% afirmara não utilizar nenhum método mecânico.

Sobre os métodos químicos, o mais utilizado por 95,5% dos profissionais  da UTI é o diglucanato de clorexidina, constituindo-se como o melhor método para a higienização da cavidade oral de pacientes intubados em UTI, e para 4,5% o melhor método é o emprego do cloreto de benzetonio 

Ao analisar a periodicidade da higienização da cavidade oral. O gráfico 6 ilustra de que maneira os profissionais lidam com essa demanda.

Gráfico 06 – Periodicidade da higienização da cavidade oral

Fonte: Autoras, 2023.

De acordo com 64,4% da equipe a higienização da cavidade oral é realizada uma vez ao dia, para 24,4% dos profissionais a mesma é realizada 2 vezes por dia, porém, somente 4,4%  afirmam ocorrer 3 vezes ao dia (conforme sugerido pela SAE) e 6,7% ressaltam não haver uma periodicidade fixa para execução desta higienização, sendo a intervenção realizada conforme a necessidade do paciente.

Quando confrontados sobre sua consideração a respeito da inclusão do cirurgião dentista na equipe da UTI, 97,8% dos profissionais afirmam , categoricamente, que a inclusão do cirurgião dentista é extremamente necessária e 2,2% afirmaram que é parcialmente necessária. Este alto valor está relacionado também ao valor obtido no questionamento sobre a importância de instalação de protocolo especifico para este cuidado, ilustrado no gráfico 5 acima. Tais valores corroboram com o visto na literatura, onde existe uma percepção, de grande parte da equipe atuante em UTI, sobre a importância do profissional Cirurgião-dentista dentro do quadro e também o reconhecimento que a atuação deste profissional na manutenção da saúde bucal é sim fator relevante para a recuperação deste tipo de paciente grave.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante frisar que, a Odontologia se integre ao atendimento dos pacientes hospitalizados nas UTI minimizando o risco de disseminação de patógenos da cavidade bucal que possam causar problemas sistêmicos, atuando na manutenção da higienização da cavidade bucal e controle de colonização intensa de patógenos.

Atualmente, o serviço odontológico está sendo implantado, visto que, até então não existia nos hospitais públicos do estado de Rondônia. Entre os serviços oferecidos destacam-se: exame clínico, diagnostico, tratamento de lesões fundamentais e traumáticas por meio de laserterapia. Na prática o serviço odontológico ainda não está otimizado devido a falta de estrutura física, bem como a ausência da implementação protocolos assistenciais e treinamento da equipe multidisciplinar na UTI.

No cenário em questão, há um esforço conjunto para a criação e implantação de um procedimento operacional padrão que se traduza em comodidade e bem-estar aos pacientes ali internados. Todavia, não há recursos humanos suficiente, tão pouco um ambulatório odontológico dentro do HBAP. Sendo dessa forma, necessário que a equipe de odontólogos realize os atendimentos de pacientes que necessitam de cuidados fora do domicílio (TFD) nas dependências da Policlínica Osvaldo Cruz (POC). 

É importante ressaltar que, a composição do quadro de odontólogos que assumiu os cuidados de odontologia hospitalar é composta por 3 cirurgião dentistas, os quais ofertam assistência aos pacientes com necessidades especiais (PNE) no centro cirúrgico CC/HBAP, nas UTI, demais clínicas assistenciais e na POC. 

Portanto, conclui-se que a incorporação de um cirurgião dentista na equipe multidisciplinar da UTI do Hospital de Base drº Ary Pinheiro é considerada uma opção que proporcionará benefícios na atuação junto a esses pacientes. Estes profissionais são considerados pela equipe como de suma importância na prevenção do agravamento dos quadros sistêmicos, ofertando atendimento clínico, solicitação de exames específicos, exercendo protocolos e intervenções, eliminações dos focos infecciosos, adequação do meio bucal promovendo assistência preventiva e curativa de forma a aprimorar a assistência prestada a esses pacientes admitidos na UTI, visando a diminuição do tempo de internação hospitalar e redução nos custos do tratamento.

REFERÊNCIAS

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1, 2Acadêmicas do curso de Odontologia
3Professora orientadora
E-mail: odontologia@uniron.edu.br
4Professores do curso de Odontologia da Uniron.