PAULO FREIRE: UMA VACINA CONTRA A PANDEMIA DE FAKE NEWS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7275208


Katia Regina de Oliveira – UEMS – (katia.regynas@gmail.com)
Maria Silvia Rosa Santana – UEMS – (mariaros_664@hotmail.com)
Renato de Almeida Bezerra – UEMS – CAPES– (renatoalmeida2233@gmail.com)


RESUMO: Este trabalho, produzido por meio de revisão bibliográfica, tem por objetivo apontar a importância do pensamento de Paulo Freire como norte teórico e prático-metodológico para atuação consciente na realidade. Analisa o fenômeno das “fake news”, que abarca o mundo todo e tem exercido importante papel no atual contexto social e político brasileiro, configurando-se em um movimento de ataques à ciência, à democracia e ao pensar diferenciado. Utiliza o trabalho de Paulo Freire sobre a politicidade da educação, por meio do seu conceito de curiosidade. Conclui-se que o caráter revolucionário da obra de Paulo Freire deve ser rigorosamente estudado, compreendido e utilizado como uma vacina contra a “fake news”, em prol de uma educação amorosa e crítica, que evidencie a necessidade da curiosidade epistemológica e que permita uma atitude social mais coletiva e consciente.

Palavras-chave: Educação Crítica. Curiosidade Epistemológica. Fake News.

INTRODUÇÃO

Hoje, dia 08 de setembro de 2021, o Brasil supera o número de 600 mi1l mortes por Covid-19 e, ao mesmo tempo, encontra-se em uma crise democrática e econômica. O presidente da república, Jair Bolsonaro, é alvo de pelo menos 3002 processos judiciais, nos quais se investiga crimes contra a democracia, a sua atuação na pandemia de Covid-19 partindo de interesses particulares e outros possíveis crimes.

Em um dos processos, o presidente é investigado por participar em um esquema de “fake news”, termo da língua inglesa que significa “notícia falsa”. Não se sabe ao certo a origem do termo. Mas é certo que este termo marca um período de desinformação, que tem como maior expoente de disseminação de mentiras as redes sociais, impulsionadas pelo avançar da tecnologia.

Apresentamos neste texto como o cenário de desinformação intencional, abastecido pelas “fake news”, está levando a população do Brasil a discordar da ciência em posições vitais. Entre elas, o método de verificação da verdade, as conquistas democráticas e orientações para superação da pandemia de covid-19, a fim de refletir o impacto dessa situação na educação, que leva o professor a fazer escolhas sobre o ensino, que reflete suas escolhas políticas.

Nesse sentido, o objetivo dessa pesquisa é apontar a importância do pensamento de Paulo Freire como norte teórico e prático-metodológico para o professor que precisa se posicionar quanto às questões supra apresentadas. Para isso, analisamos o problema das “fakes news” partindo do trabalho de Paulo Freire sobre a politicidade da educação, por meio do seu conceito de curiosidade. Explicitamos o caráter político da educação, ainda escondida a todo custo, assim como o poder da política de ensinar. Segundo Freire (2006, p. 28):

Toda prática educativa demanda a existência de sujeitos, um que, ensinando, aprende, outro que, aprendendo, ensina, daí o seu cunho gnosiológico; a existência de objetos, conteúdos a serem ensinados e aprendidos; envolve o uso de métodos, de técnicas, de materiais; implica, em função de seu caráter diretivo, objetivo, sonhos, utopias, ideais. Daí a sua politicidade, qualidade que tem a prática educativa de ser política, de não poder ser neutra.

Ou seja, refletimos sobre a incidência da desinformação causada pelas “fakes news” nas práticas pedagógicas, cuja intencionalidade reflete um ato político nas opções que fazemos. Escolhas presentes quando trabalhamos uma atividade, um conteúdo e determinados recursos, trazendo implícitas essas opções políticas.

Como método, nos inspiramos nos ensinamentos de Paulo Freire e nos norteamos também pelo seu método de alfabetização por palavras geradoras. Para isso, utilizamos a experiência de vida como problema inicial, procurando entender os conceitos ali contidos, para então alcançar a compreensão do mundo. Nesse sentido,

O objetivo da pesquisa do universo vocabular e temático é surpreender a maneira como uma realidade social existe na vida e no pensamento, no imaginário dos seus participantes. A pesquisa deve ser um ato criativo e não um ato de consumo. A descoberta coletiva da vida através da fala; do mundo através da palavra não deve servir apenas para que os educadores obtenham um primeiro conjunto de material de alfabetização: palavras, frases, dados, desenhos, fotos. Deve servir também para criar um momento comum de descoberta. (BRANDÃO, 1981, p.13)

Vale realçar que estamos comemorando o centenário de Paulo Freire, patrono da educação brasileira, e seu trabalho também é ameaçado pelas “fake news”. Como mostraremos, o presidente também vem atacando este importante cientista brasileiro. Através da manipulação de informações falsas, tenta justificar a imposição da agenda conservadora na educação, retrocedendo conquistas da área da educação devidas a Paulo Freire.

A IMPORTÂNCIA DA CURIOSIDADE

Para pensarmos o problema da elaboração e divulgação de notícias falsas (“fake news”) utilizando os ensinamentos de Paulos Freire, começaremos pela sua concepção de aprendizagem. Freire (1993, p.08) defende que é de fundamental importância que se entenda que a educação deve “[…] reconhecer o conhecimento como uma produção social, que resulta da ação e reflexão, da curiosidade em constante movimento de procura”. Para o autor:

[…] aí radica a nossa educabilidade bem como a nossa inserção num permanente movimento de busca em que, curiosos e indagadores, não apenas nos damos conta das coisas mas também delas podemos ter um conhecimento cabal. A capacidade de aprender, não apenas para nos adaptar mas sobretudo para transformar a realidade, para nela intervir, recriando-a, fala de nossa educabilidade a um nível distinto do nível do adestramento dos outros animais ou do cultivo das plantas. (FREIRE, 2006, p.35).

Assim, podemos afirmar que a educação não se trata de uma maneira de adaptar as novas gerações à realidade social pois, concebendo-a como histórica e, portanto, mutável, ela é o que proporciona a cada sujeito participar ativamente de sua construção. E através da curiosidade, evita-se fechar-se ao mundo, de alienar-se ao movimento da história, o que seria contra o impulso natural humano.

O fechamento ao mundo e aos outros se torna transgressão ao impulso natural da incompletude. O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na História. (FREIRE, 2006, p.08).

Mas, veremos que não é tão simples praticarmos nossa curiosidade, uma vez que não se trata de uma conduta naturalmente desenvolvida, mas sim socialmente, nas relações educativas que a permitam ser exercitada em atividades significativas. Participar ativamente do movimento histórico torna-se ainda mais difícil quando a produção social nos dificulta o pensamento crítico. A desinformação que as redes sociais estão compartilhando, associada à falta de rigor ao se verificar a verdade, está complicando ainda mais a compreensão da realidade a partir do senso comum.

Assim, a obra de Paulo Freire deixa claro que todos os seres humanos se encontram inacabados, e que para fazer parte do movimento da história é preciso satisfazer a curiosidade pela vida.

CURIOSIDADE INGÊNUA E CURIOSIDADE EPISTEMOLÓGICA

A relação dialógica sobre a “inconclusão do ser Humano” e a curiosidade que descreve Freire, se manifesta em estágios diferentes. A curiosidade tem início em sua fase ingênua e, ao se apropriar de rigor metodológico, esta se transforma em curiosidade epistemológica. Esse momento de transição da curiosidade ingênua à epistemológica não ocorre naturalmente, porém nem sempre acontece pelo ensino formal, nos levando a perceber consequências quanto à sua verificação de verdade, influenciando a percepção do senso comum.

Pensar certo, em termos críticos, é uma exigência que os momentos do ciclo gnosiológico vão pondo à curiosidade que, tornando-se mais e mais metodicamente rigorosa, transita da ingenuidade para o que venho chamando “curiosidade epistemológica”. A curiosidade ingênua, do que resulta indiscutivelmente um certo saber, não importa que metodicamente desrigoroso, é a que caracteriza o senso comum. (FREIRE, 2006, p.08).

Como visto acima, Paulo Freire nos coloca que essa curiosidade inicialmente ingênua, tende a amadurecer, mas não deixa de ser curiosidade, se tornando crítica, uma vez que, devido ao rigor metodológico, permite uma ampla compreensão dos fenômenos sociais e naturais. Essa ideia nos leva a entender que nem todas as pessoas vão compreender as informações compartilhadas em redes sociais de maneira igual, ou vão participar ativamente com o cuidado devido, na medida de que as duas curiosidades divergem em seu caráter metodológico para avaliação de sua veracidade. Desta forma, temos que:

Não há para mim, na diferença e na “distância” entre a ingenuidade e a criticidade, entre o saber de pura experiência feito e o que resulta dos procedimentos metodicamente rigorosos, uma ruptura, mas uma superação. A superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza. (FREIRE, 2006, p.17).

Ou seja, todos possuem o que é necessário para a compreensão da realidade e participação ativa dela, mas para isso é necessário ter consciência disso, é necessária uma educação que nos permita essa tomada de consciência a partir da oferta das condições materiais e socais de contato coma cultura. Freire nos traz um exemplo de como pensar essa diferença entre a curiosidade ingênua e epistemológica, reconhecido mundialmente pela sua prática de ensino, poucos são dotados de tanta experiência na educação para confirmar a teoria aqui posta.

A curiosidade de camponeses com quem tenho dialogado ao longo de minha experiência político-pedagógica, fatalistas ou já rebeldes diante da violência das injustiças, é a mesma curiosidade, enquanto abertura mais ou menos espancada diante de “não-eus”, com que cientistas ou filósofos acadêmicos “admiram” o mundo. (FREIRE, 2006, p.17).

O autor continua, exemplificando que não devemos pensar que a curiosidade ingênua é algo próprio de crianças, ou camponeses, esta pode pertencer a qualquer um em qualquer idade, como no exemplo a seguir.

E preciso, por outro lado, reinsistir em que a matriz do pensar ingênuo como a do crítico é a curiosidade mesma, característica do fenômeno vital. Neste sentido, indubitavelmente, é tão curioso o professor chamado leigo no interior de Pernambuco quanto o professor de Filosofia da Educação na Universidade A ou B. O de que se precisa é possibilitar, que, voltando-se sobre si mesma, através da reflexão sobre a prática, a curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, se vá tornando crítica. (FREIRE, 2006, p.21).

Portanto, o pensar ingênuo não está condicionado à idade ou à condição social ou escolar da pessoa, mas sim às possibilidades educativas que permitem ou não a superação por incorporação, de modo dialético portanto, dessa forma de pensar e de agir no e sobre o mundo. Tal superação, ou não, resulta de um processo educativo intencional, não de qualquer educação. O que nos leva a considerar que o pensar crítico, que o autor chama de “pensar certo”, fruto de uma curiosidade epistemológica, ou seja, daquela que vai além da aparência, apesar de não depender da condição social e do papel social que cada sujeito exerce, depende claramente de processos educativos que se veem condicionados por interesses de classe e, por isso, não se torna acessível a todos em uma sociedade capitalista.

Mostramos a seguir como, de maneira consciente, em nome da posição conservadora de compreender e participar da sociedade, o atual presidente e seus companheiros estão, em nome desses interesses de classe, se aproveitando da curiosidade ingênua de muitos cidadãos brasileiros. Produzindo e divulgando deliberadamente informações sem qualidade metodológica – sem verificação da verdade – a fim de satisfazer interesses particulares, colabora com a morte por Covid-19 e destrói a crença na democracia conquistada pela luta de milhões de brasileiros.

PALAVRA” GERADORA (METODOLOGIA)

Para analisarmos as “fakes news” partindo dos conceitos de Paulo Freire acima apresentados, buscamos utilizar também os princípios contidos em seu método de ensino ao interpretar os processos sobre o presidente, evidenciando que estes defendem o discurso conservador. Este método de ensino idealizado por Freire utiliza das experiências de vida, através da curiosidade pela realidade, para decodificar a palavra e a compreensão do mundo, suas interligações para, enfim, atingir-se a consciência crítica.

Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados a responder ao desafio. Desafiados, compreendem o desafio na própria ação de captá-lo. Mas, precisamente porque captam o desafio como um problema em suas conexões com outros, num plano de totalidade e não como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada. (FREIRE, 2008, p.45).

Em um acontecimento sem precedentes na história da democracia brasileira, após decisão unânime do Tribunal Superior Eleitoral, foi encaminhada uma notícia-crime contra o presidente da República com as seguintes acusações: 138 (calúnia), 139 (difamação), 140 (injúria), 286 (incitação ao crime). O inquérito 4.781, conhecido como das “fake news”, em que o presidente é réu3, nos ajuda a perceber a profundidade do problema da desinformação e como praticarmos a curiosidade “epistemológica” se torna fundamental nestes tempos, com objetivo de desenvolver o senso crítico para se analisar a intencionalidade por trás da informação.

Analisando criticamente mais a fundo o documento em busca de superar a curiosidade ingênua em direção da epistemologia, vemos contradições entre teoria e prática de elementos no inquérito contra o presidente e recente reafirmação de seu discurso conservador, em um evento onde o presidente deveria defender democraticamente os interesses da população: Bolsonaro representou o Brasil na 76ª Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque. Pelo site do Jornal “Estado de São Paulo”, temos acesso ao discurso na íntegra do presidente, o qual inicia com ataques à democracia: “Venho aqui mostrar o Brasil diferente daquilo publicado em jornais ou visto em televisões.” (O ESTADO DE S. PAULO, 2021, s/p).

Com a afirmação acima, Bolsonaro critica meios de comunicações tradicionais como jornais e revistas, insinuando que estes faltam com a verdade quando retratam seu governo, mesmo sem apresentar denhuma evidencia. Esse tipo de midia, ainda que nem sempre tenha rigor cientifico, possui sempre alguma identificação sobre sua autoria. O presidente não mencionou nada sobre as informações divulgadas pela internete em redes sociais,uma grande preocupação dos dias de hoje, as quais não possuem na maioria das vezes nenhum rigor metodológico ao serem compartilhadas. Ou seja, não existe rigor para verificação da verdade, como exige o pensamento crítico explicitado por Paulo Freire.

Bolsonaro defende conservar o modelo de família tradicional para evitar sua dissolução, onde não se permite nenhum tipo de progresso de suas relações. Ou seja, é proibido e discriminatório o progresso de relações, os integrantes não participam democraticamente, não podem escolher livremente suas identidades, participação nas decisões sobre os bens materiais, trabalho etc.

Este posicionamento conservador quanto à família também foi reafirmado no evento da ONU, e não frente aos líderes da maioria dos países do mundo, Bolsonaro disse, “Temos a família tradicional como fundamento da civilização. E a liberdade do ser humano só se completa com a liberdade de culto e expressão.” (O ESTADO DE S. PAULO, 2021, s/p.)

Mas, como fica claro a seguir, o presidente não procurou evitar fazer a família dos ministros citados no documento temerem por suas vidas, nem mesmo tentou respeitar a opinião destes. Assim, o presidente contraria os princípios que defende, nos levando a pensar que seu discurso é uma fachada para disseminação de ódio contra seus adversários políticos.

O objeto deste inquérito é a investigação de notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, de seus membros; bem como de seus familiares, quando houver relação com a dignidade dos Ministros, inclusive o vazamento de informações e documentos sigilosos, com o intuito de atribuir e/ou insinuar a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte, por parte daqueles que têm o dever legal de preservar o sigilo; e a verificação da existência de esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário e o Estado de Direito.(INQUÉRITO 4.781, 2021 p. 01).

Não é só o posionamento conservador quanto a familia que Bolsonaro contraria em sua pratica como presidente. Acusado de fazer parte de uma organização, fica evidente a intenção de se tornar o único a governar o pais, atacando e desmoralizando o pode Judiciário e o Supremo Tribunal federal.

Essa organização criminosa, ostensivamente, atenta contra a Democracia e o Estado de Direito, especificamente contra o Poder Judiciário e em especial contra o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, pleiteando a cassação de seus membros e o próprio fechamento da Corte Máxima do País, com o retorno da Ditadura e o afastamento da fiel observância da Constituição Federal da República. (INQUÉRITO 4.781, 2021 p. 03).

O Presidente continuou os ataques à democracia brasileira, desta vez tentando justificar seu posicionamento contrário ao da comunidade científica internacional quanto ao tratamento da pandemia de Covid-19 no Brasil:

Desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, […]. Não entendemos porque muitos países, juntamente com grande parte da mídia, se colocaram contra o tratamento inicial. A história e a ciência saberão responsabilizar a todos. (O ESTADO DE S. PAULO, 2021, s/p)

Assim como nas investigações citadas acima, essa declaração não tem fundamento de verdade, é um ataque para espalhar falsas notícias e aproveitar do fato que muitas pessoas não vão se aprofundar e investigar essa afirmação com o merecido rigor já mencionado. Passando para muitos uma sensação de estar cuidando em conservar o modelo de família tradicional por uma educação sem Paulo Freire: “Estou procurando alguém para ser ministro da Educação que tenha autoridade. Que expulse a filosofia de Paulo Freire. Que mude os currículos escolares […] para aprender química, matemática, português, e não sexo” (Favero, 2018, s/p).

CONSERVAR OU PROGREDIR? (resultados)

Assim, podemos dizer que a curiosidade da maioria leva a questionar a vida em sociedade no anseio de participar ativamente e, mesmo que muitos não tenham consciência disso, existem dois caminhos para isso. De modo geral, se trata de procurar resolver os problemas da sociedade, conservando-se as estruturas existentes ou procurando superá-las por meio da ciência.

É importante ressaltar que aqueles que defendem a maneira que a vida vem sendo organizada, suas conquistas e injustiças, também conservam valores que hoje estão ligados ao capitalismo, enquanto muitos dos progressistas buscam novas configurações para as relações sob os avanços das ciências, e também em detrimento de uma divisão material mais justa. Essa divisão é importante, mas não é explícita. Paulo Freire, sobre essa questão, afirma ser imprescindível

[…] o exercício de perceber se este ou aquele saber referido corresponde à natureza da prática progressista ou conservadora ou se, pelo contrário, é exigência da prática educativa mesma independentemente de sua cor política ou ideológica. Por outro lado, devo sublinhar que, de forma não-sistemática, tenho me referido a alguns desses saberes em trabalhos anteriores. (FREIRE, 2006, p.12).

Como visto na citação acima, Freire reconhecia a existência desses dois posicionamentos em relação à maneira de perceber a realidade. Mesmo ficando claro o seu posicionamento progressista, percebia a importância de respeitar aqueles que pensam diferente. Este é o aspecto democrático de discurso progressista, o qual Freire defende e ensina como praticar.

Devo deixar claro que, embora seja meu interesse central considerar neste texto saberes que me parecem indispensáveis à prática docente de educadoras ou educadores críticos, progressistas, alguns deles são igualmente necessários a educadores conservadores. São saberes demandados pela prática educativa em si mesma, qualquer que seja a opção política do educador ou educadora (FREIRE, 2006, p.12).

Por fim, defendemos que todos, em especial o professor deva analisar de maneira epistemológica sua curiosidade, mesmo para assuntos que aparentemente não exige rigor metodológico. Como a obra de Freire deixa claro, além da discussão de posicionamentos, existem questões comuns à educação, como a compreensão do que é democracia e a necessidade de construí-la sempre, especialmente quando trata da educação emancipatória do oprimido, uma educação que não o torne um opressor mas que, ao compreender o mundo a partir da curiosidade epistemológica, seja capaz de lutar por um mundo mais justo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos, então, atribuir ao movimento de manutenção da curiosidade ingênua, promovido pelo cenário de desinformação, o fato de muitas pessoas tomarem posicionamento público contra os resultados das pesquisas científicas. Tomando a pandemia de Covid-19 como expoente do perigo dessa desinformação, ainda temos muitos brasileiros que se nega a tomar a vacina, colocando em risco a vida coletiva. As pesquisas para superar o vírus foram produzidas da maneira mais rápida, atitude possível devida a urgência da pandemia, mas sem se descuidar do rigor científico e, ainda assim, por muitos foram ignoradas ou manipuladas para terem outro significado.

Muitos compartilham informações sobre a pandemia que privilegiam visões particulares, sem o rigor científico que pesquisas científicas, como as para a produção da vacina, levando a curiosidade ingênua ser satisfeita de maneira perigosa, causando mortes desnecessárias. O pensar ingênuo, alimentado pelas “fake news”, mantém as pessoas em sentimentos e atitudes individualistas, sectárias e discriminatórias.

Enquanto o ensino formal é um lugar privilegiado de aprendizagem, nem todos estão em uma relação direta com esse tipo de conhecimento. Resta, muitas vezes, como única fonte de conhecimento as informações encontradas no senso comum, amplamente divulgadas pelas redes sociais, instrumento de dominação e manutenção conservadora da sociedade. Isso leva a educação formal a concorrer ainda mais com outros meios de informações não científicos para se interpretar a vida cotidiana, evidenciando ainda mais a importância do professor em se posicionar criticamente quanto as formas de compreender a sociedade, que encontra no trabalho de Paulo Freire um norte para tal tarefa.

Nunca a obra de Paulo Freire se fez tão atual e tão imprescindível como agora. Uma obra que prima pelo rigor científico da educação da população que precisa se emancipar, mas que não renuncia ao amor, da delicadeza, do respeito e do acolhimento a todas e todos, em prol da justiça social. Talvez pela atualidade e pelo caráter revolucionário que a obra de Paulo Freire representa (porque hoje falar em rigor científico e amorosidade é revolucionário), ela vem sofrendo tantos ataques por meio das “fake news”, difundidas por quem ingenuamente não a conhece ou não a compreende ou por quem intencionalmente (ainda que também de modo ingênuo) busca manter a opressão do povo brasileiro.

Conclamamos tod@s, especialmente @s educador@s, a estudarem e a utilizarem a obra de Paulo Freire como doses de amor, de rigorosidade educativa, de atitude política frente a realidade objetiva que enfrentamos. De fato, como uma vacina contra as “fake news” e em prol da disseminação da curiosidade crítica, que permita uma atitude social mais coletiva e consciente.

REFERÊNCIAS

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Ministério Público Federal Inquérito 4.781 Distrito Federal. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/stf-acolhe-pedido-tse-investigar.pdf>. Acesso em: 19 Set. 2021.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Método Paulo Freire. 18ª ed. São Paulo, Brasiliense. 1981.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo (SP): Paz e Terra, 2006.

FREIRE, P. Política e educação. São Paulo, SP: Cortez Editora, 1993.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

FAVERO, Cristian. Estou procurando alguém para ser ministro da Educação que tenha autoridade, diz Bolsonaro. O Estado de São Paulo, São Paulo, 09 de Out. de 2018. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,estou-procurando-alguem-para-ser-ministro-da-educacao-que-tenha-autoridade-diz-bolsonaro,70002540505>. Acesso em: 20 de Set. de 2021.

O ESTADO DE S. PAULO. Bolsonaro defende tratamento precoce na abertura da 76ª Assembleia-Geral da ONU. [S.I] [2021]. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/ao-vivo/discurso-bolsonaro-onu-2021> . Acesso em: 06 de Out. de 2021.


1 O site Jusbrasil encontrou 310 processos contra Jair Messias Bolsonaro nos Diários Oficiais. A maioria é do TSE, seguido por TRF01. Desses processos encontrados, União Federal foi a parte que mais apareceu, seguido por Ministério Público Federal. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/processos/nome/28584221/jair-messias-bolsonaro> Acesso em:15 de out. de 2021

2 O Ilustre Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro ROBERTO BARROSO, após aprovação unânime do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, encaminhou notícia-crime em face do Senhor Presidente da República, JAIR MESSIAS BOLSONARO, acompanhada por link do pronunciamento de Sua Excelência, realizado no dia 29/7/2021, para fins de apuração de possível conduta criminosa. (INQUÉRITO 4.781, 2021 p. 01).

3 Com 603.282 motes o Brasil é o segundo pais com maior numero de obitos por covid-19, Ministerio da saúde Disponivel em: <https://qsprod.saude.gov.br/extensions/covid-19_html/covid-19_html.html> Acesso em 17 de out. de 2021